EDITORIAL
Há
litigância de má fé na atuação do enfermeiro como profissional liberal no
Brasil?
Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, D.Sc.
**Obstetriz, enfermeira, docente e orientadora de graduação e
pós-graduação e pesquisadora do ensino e exercício da Enfermagem no Brasil
Correspondência: E-mail:
zaidaaurora@gmail.com
Têm sido comum no
Brasil ações liminares contra a enfermagem ou, melhor dizendo, quanto à atuação
do enfermeiro brasileiro como profissional liberal. Cada vez que isso ocorre
provoca constrangimentos, indignação, denigre a imagem
profissional e leva uma mensagem equivocada para a população a respeito das
especificidades de formação e de atribuições dos exercentes
da enfermagem e do enfermeiro.
Tais ações liminares
impetradas por órgãos profissionais de áreas da saúde partem de premissas
incorretas, enganosas, sem embasamento ético e legal, como se tutelassem o
exercício profissional da enfermagem no Brasil. São frequentes manifestações
civis públicas ou em ambientes de trabalho, de forma açodada, anormal e
claramente injusta, a respeito da atuação do enfermeiro obstetra na assistência
ao parto e nascimento e mais recentemente sobre protocolos na área de saúde
coletiva e funcionamento de consultórios de enfermagem [1,2].
Está na Constituição
Brasileira “é livre o exercício de
qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer”, mas ser enfermeiro, em especial em
algumas especialidades, está sendo muito sofrido, por sermos frequentemente
atingidos no cotidiano de trabalho com inverdades ou pressupostos que alteram a
verdade de fatos que são incontroversos, vislumbrando-se a litigância de má fé
ou ao menos a intenção deliberada de prejudicar.
Não podemos continuar
surdos e mudos a reiteradas afrontas aos nossos direitos e questionamentos de
nossos deveres. A Lei nº7498, de 24 de junho de 1986 dispõe sobre a Regulamentação
do Exercício da Enfermagem e, em seu artigo 11, destaca que o enfermeiro exerce
todas as atividades de enfermagem cabendo-lhe atividades privativas,
configurando sua autonomia e responsabilidade profissional. Também está no novo
Código de Ética de Enfermagem Art. 1º Direitos “Exercer a Enfermagem com liberdade, segurança técnica, científica e
ambiental, autonomia, e ser tratado sem discriminação de qualquer
natureza, segundo os princípios e pressupostos legais, éticos e dos
direitos humanos”, assim como temos como proibição ... Art. 63 “Colaborar ou acumpliciar-se com pessoas
físicas ou jurídicas que desrespeitem a legislação e princípios que disciplinam
o exercício profissional de Enfermagem”.
O que é muito sério
nos questionamentos é a apresentação de temáticas carregadas de conteúdos
subjetivos, que permitem presumir a intenção de prejudicar o entendimento do
que é ético, legal e direito no exercício da profissão
e do profissional questionado. Chama atenção a argumentação geralmente embasada
em legislação de exercício da enfermagem que não é a vigente e a meu ver têm
sido pouco veementes as interpelações mais diretas de nossos órgãos de classe
na defesa do enfermeiro como profissional liberal que é.
Falo isso por
comumente perceber que muitos enfermeiros não se reconhecem como profissionais
liberais e têm se “conformado” em seguir como as coisas se apresentam ou
simplesmente desistir da profissão, com graus cada vez maiores de frustração,
desconforto e decepção no exercício da profissão.
Por definição são
profissionais liberais: “(...) uma
categoria de pessoas, que no exercício de suas atividades laborais, é
perfeitamente diferenciada, pelos conhecimentos técnicos reconhecidos em
diploma de nível superior, não se confundindo com a figura do autônomo.”
Então, somos profissionais liberais.
A profissão
Enfermeiro esteve em um período afastada do quadro dos profissionais liberais
do Ministério do Trabalho e sua reinclusão só foi
obtida após inúmeras dificuldades, pela Portaria nº94, de 27 de março de 1962,
assinada pelo então Ministro do Trabalho André Franco Montoro.” Na CLT, em
anexo de quadro de atividades das profissões , consta
na 21ª posição: Enfermeiros,
evidenciando o registro na legislação trabalhista da inclusão do Enfermeiro
como profissional liberal. [3]
Ainda, o enfermeiro
tem tratamento como profissional liberal pela jurisprudência brasileira, em
termos de responsabilidade civil, tradicionalmente ligada à teoria subjetiva
fundada na culpa, por imprudência, imperícia ou negligência. Mas, atuar como
profissional liberal não é a característica da atividade do enfermeiro... A
profissão desenvolveu forte dependência do trabalho assalariado em instituições
de saúde, seja no setor público ou privado, tornando-se, assim, uma atividade
com reduzida autonomia econômica. Na área da justiça civil - a
responsabilização atingirá a todos que de uma maneira ou outra estejam
vinculados como causadores do prejuízo – todos que tenham sido responsáveis de
forma solidária, pelo dano causado ao paciente/cliente e obrigados a reparar o
dano, sejam pessoas físicas ou jurídicas [3-6].
Questiona-se o
corporativismo de algumas profissões e eu questiono a nossa falta de “espírito
de corpo”, de nos importarmos, de conhecermos os aspectos históricos e legais
da Enfermagem brasileira, a contribuição da Enfermagem na atenção à saúde da
população. Em diferentes instâncias precisamos nos manifestar, nos pronunciar,
promovendo debates mais profundos, mais sérios e profícuos sobre o tema, em
nível de graduação e pós-graduação e em eventos científicos, permitindo
aumentar a visibilidade, o reconhecimento profissional e o significado de ser
enfermagem e ser enfermeiro no Brasil.
Urge que participemos
de debates sobre a ética e a lei no ensino e no exercício da enfermagem e suas
especialidades no Brasil, sobre as ingerências em nossa profissão, que
pesquisemos as ocorrências de litigância de má fé, que nos mostremos à
sociedade, que busquemos na pesquisa as evidências científicas de nossa
importância social para assim alcançar reconhecimento profissional de quem
protagoniza a atenção em saúde: o paciente/cliente. Juntos
somos mais fortes... ou menos fracos. Ficar
quieto não é mais uma opção.