ARTIGO
ORIGINAL
Conhecimento
de enfermeiros sobre os diferentes estágios clínicos da sepse: estudo
descritivo
Yara Gouvea Areal*, Luana Vieira Toledo, M.Sc.**, Cristiane Chaves de Souza, D.Sc.***, Tiago Ricardo Moreira, D.Sc.****,
Camila Santana Domingos, M.Sc.*****, Patrícia de
Oliveira Salgado, D.Sc. ******
*Acadêmica
do curso de graduação em Enfermagem, Departamento de Medicina e Enfermagem da
Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa/MG, **Professora Assistente do
Departamento de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal de Viçosa (UFV),
Viçosa/MG, ***Professora Adjunto do Departamento de Medicina e Enfermagem da
Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa/MG, ****Professor Adjunto do
Departamento de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal de Viçosa (UFV),
Viçosa/MG, *****Enfermeira do Departamento de Medicina e Enfermagem da
Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa/MG, ******Professora Adjunto do
Departamento de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal de Viçosa (UFV),
Viçosa/MG
Recebido em 17 de
julho de 2018; aceito em 1 de outubro de 2018.
Endereço
de correspondência:
Yara Gouvea Areal, Travessa César Santana, 09/103,
Centro, 36570-000 Viçosa/MG, E-mail: yara.areal@hotmail.com; Luana Vieira
Toledo: luanatoledoufv@gmail.com; Cristiane Chaves de Souza:
cristiane.chaves@ufv.br; Tiago Ricardo Moreira: tiagoricardomoreira@gmail.com;
Camila Santana Domingos: camilasantanadomingos@gmail.com; Patrícia de Oliveira
Salgado: patriciaoliveirasalgado@gmail.com
Resumo
Introdução: A Sepse é definida
como uma resposta sistêmica a uma doença infecciosa, cuja incidência vem
aumentando entre os indivíduos. Para os pacientes sépticos uma adequada
assistência de enfermagem, baseada em conhecimento e habilidades
técnico-científicas, possui um papel fundamental na evolução positiva do quadro
clínico. Objetivo: Identificar o
conhecimento de enfermeiros sobre os diferentes estágios clínicos da sepse. Métodos: Estudo descritivo, realizado
entre março e maio de 2017 com enfermeiros de uma unidade hospitalar da Zona da
Mata Mineira. Os dados foram coletados utilizando questionário semiestruturado
com questões no formato de caso clínico abordando o conhecimento dos diferentes
estágios clínicos da sepse e a identificação dos seus sinais e sintomas.
Utilizou-se estatística descritiva para análise dos dados. Resultados: Dos 23 enfermeiros entrevistados, 19 (82,6%) afirmaram
ter conhecimento moderado sobre a temática. Em relação ao papel da faculdade na
troca de conhecimentos, 15 (65,2%) enfermeiros alegaram que pouco conhecimento
foi adquirido enquanto graduandos. Apenas 10 (43,5%) enfermeiros identificaram
corretamente algum dos casos clínicos relacionado à sepse. Conclusão: Há dificuldade na aplicabilidade clínica dos conceitos
da sepse e seus estágios clínicos pelos enfermeiros, o que contribui para um
atraso na identificação precoce dos casos e piora do prognóstico.
Palavras-chave: sepse, enfermagem,
conhecimento, saúde pública.
Abstract
Knowledge of nurses about different clinical stages of sepsis:
descriptive study
Introduction: Sepsis is defined as a systemic response to an infectious disease, the
incidence of which is increasing among individuals. For septic patients an
adequate nursing care, based on knowledge and technical-scientific skills,
plays a fundamental role in the positive evolution of the clinical picture. Objective: To identify the knowledge of
nurses about the different clinical stages of sepsis. Methods: Descriptive study, conducted between March and May 2017
with nurses from a hospital unit in the Zona da Mata Mineira. The data were collected using a semistructured questionnaire with questions in the clinical
case format about the knowledge of the different clinical stages of sepsis and
the identification of its signs and symptoms. Descriptive statistics were used
to analyze the data. Results: Of the
23 nurses interviewed, 19 (82.6%) stated that they had moderate knowledge on
the subject. Regarding the role of faculty in the exchange of knowledge, 15
(65.2%) nurses claimed that little knowledge was acquired while undergraduates.
Only 10 (43.5%) nurses correctly identified any of the clinical cases related
to sepsis. Conclusion: There is
difficulty in the clinical applicability of the concepts of sepsis and its
clinical stages by nurses, which contributes to a delay in the early
identification of the cases and worsening of the prognosis.
Key-words: sepsis,
nursing, knowledge, public health.
Resumen
Conocimiento de enfermeros sobre los diferentes estadios clínicos de sepsis: estudio descriptivo
Introducción: La sepsis
se define como una respuesta sistémica a una enfermedad infecciosa, cuya incidencia viene aumentando entre
los individuos. Para los pacientes sépticos una adecuada
asistencia de enfermería, basada en conocimiento
y habilidades técnico-científicas, tiene un papel fundamental en la evolución
positiva del cuadro
clínico. Objetivo: Identificar el conocimiento
de enfermeros sobre las
diferentes etapas clínicas de la sepsis.
Métodos: Estudio
descriptivo, realizado entre marzo
y mayo de 2017 con enfermeros de una unidad hospitalaria de la
Zona de la Mata Minera. Los datos
fueron recolectados
utilizando cuestionario semiestructurado
con cuestiones en el
formato de caso clínico abordando el conocimiento de los diferentes estadios clínicos de la sepsis y la identificación
de sus signos y síntomas. Se utilizó
estadística descriptiva para el análisis de los datos. Resultados: De los 23 enfermeros
entrevistados, 19 (82,6%) afirmaron tener conocimiento moderado sobre
la temática. En cuanto al
papel de la facultad en el intercambio de conocimientos, 15 (65,2%) enfermeros
alegaron que poco conocimiento fue adquirido como
graduandos. Sólo 10 (43,5%) enfermeros
identificaron correctamente
alguno de los casos
clínicos relacionados con la sepsis. Conclusión: Hay dificultad en la aplicabilidad clínica de los
conceptos de la sepsis y
sus etapas clínicas por los enfermeros,
lo que contribuye a un retraso en la
identificación precoz de los casos y empeoramiento del pronóstico.
Palabras-clave: sepsis,
enfermería, conocimiento, salud pública.
A Sepse é definida
como uma resposta sistêmica a uma doença infecciosa, cuja incidência vem
aumentando entre os indivíduos. Este aumento pode estar relacionado ao
envelhecimento da população, ao crescimento da resistência bacteriana, ou à
melhoria no atendimento dos serviços de emergência, fazendo com que mais pacientes
graves sobrevivam ao insulto inicial [1]. O aumento dos casos de sepse vem
gerando impacto no sistema de saúde, marcado pelos elevados custos decorrentes
das internações hospitalares, especialmente nas Unidades de Terapia Intensiva
(UTI), como também pela grande mortalidade [2].
Embora os dados
epidemiológicos relacionados à sepse sejam escassos ou inexistentes para os
países em desenvolvimento, estudos estimam que esta seja uma das principais
causas de morte do mundo [3-4]. A sepse apresenta-se como uma das grandes
preocupações da saúde pública, representando mais de US$ 20 bilhões do total de
custos dos hospitais nos EUA, sendo a principal anormalidade fisiológica,
patológica e bioquímica induzida por infecção [2]. O estudo Sepsis Prevalence Assessment
Database (SPREAD), conduzido pelo Instituto
Latino Americano da Sespe (ILAS) em 229 UTI’s brasileiras selecionadas aleatoriamente para
representarem, de maneira adequada, o cenário nacional, apontou que 30% dos
leitos de UTI do país estão ocupados por pacientes com sepse ou choque séptico.
A letalidade nesses pacientes foi de 55% [4].
No Brasil, um estudo
realizado em duas UTI de um Hospital Universitário de São Paulo no ano de 2013
identificou a sepse como sendo a principal causa de mortalidade dos pacientes
internados. Dentre as causas do óbito, o choque séptico foi prevalente em mais
da metade dos indivíduos, o que reforça a magnitude da doença [5].
Por ser
fundamentalmente clínico, o diagnóstico de sepse apresenta-se como um desafio
para os profissionais de saúde, devido à necessidade de reconhecimento imediato
e tratamento precoce, aliado à dificuldade de identificação dos sintomas,
sobretudo por parte dos enfermeiros. Comumente, o diagnóstico de sepse é feito
tardiamente, pois os sinais e sintomas como alteração na contagem de
leucócitos, febre, taquicardia e taquipneia não são
específicos e podem subestimar um quadro de sepse, propiciando a evolução para
estágios mais graves da doença [3,6,7].
A sepse pode se
manifestar em diferentes estágios clínicos, sendo a sua gravidade diretamente
proporcional à evolução temporal da doença. Inicialmente apresenta-se como um
quadro de Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS)
associado a uma infecção. Progressivamente pode evoluir para casos de
sepse grave, quando há algum quadro de disfunção orgânica e, quando não tratado
precocemente, pode culminar em um estado de choque séptico, caracterizado por
hipotensão persistente, mesmo após infusão de grande quantidade de volume [8].
Nesse sentido, para
que haja a identificação precoce dos sinais e sintomas de sepse e seja
delineada uma assistência efetiva em conformidade com as necessidades dos
pacientes, os profissionais de enfermagem precisam aliar os conhecimentos
científicos à sua prática clínica [9-10]. Entretanto, observa-se que há uma
fragilidade dos enfermeiros na aplicabilidade do conhecimento científico nos
contextos assistenciais. Um estudo realizado em Rondônia identificou que os enfermeiros
entrevistados conheciam o conceito de sepse, no entanto, quando questionados
sobre as intervenções necessárias para a melhoria no quadro de sepse baseada em
evidências clínicas, observou-se um déficit de conhecimento por parte dos
enfermeiros [11]. Essa deficiência de conhecimento pode estar relacionada a um
comprometimento da assistência ao paciente com sepse, que pode resultar em uma
evolução clínica negativa e consequente aumento da mortalidade por esta
condição.
Tendo em vista que a
sepse é uma síndrome com impacto mundial e entendendo que uma adequada
assistência de enfermagem, baseada em conhecimento e habilidades
técnico-científicas, possui um papel fundamental na evolução positiva do
paciente séptico, justifica-se a realização desta pesquisa. A identificação do
nível de conhecimento dos profissionais de enfermagem poderá contribuir para o
planejamento de ações visando à melhoria dos cuidados oferecidos aos pacientes
com sepse, com vistas à identificação precoce dos casos.
Com base no exposto,
este estudo teve como objetivo identificar o conhecimento de enfermeiros sobre
os diferentes estágios clínicos da sepse.
Trata-se de estudo
descritivo, realizado no período de março a maio de 2017 com enfermeiros
vinculados a uma unidade hospitalar localizada em um município de médio porte
da Zona da Mata Mineira. O referido Hospital é uma instituição de caráter
assistencial, sem fins lucrativos e que tem por finalidade a prestação de
assistência médico-hospitalar em situações clínicas e cirúrgicas.
A população do estudo
foi composta por todos os enfermeiros com vínculo empregatício no período de
coleta de dados (N=30). Incluíram-se todos os enfermeiros portadores de diploma
de graduação em instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura.
Foram excluídos aqueles enfermeiros que estavam afastados do serviço por
qualquer motivo durante o período de realização das entrevistas. A amostra
final, definida por conveniência, foi composta por 23 enfermeiros.
Os dados foram
coletados a partir da utilização de um questionário semiestruturado construído
e validado por outras pesquisadoras, mediante o consentimento e a autorização
das mesmas [12]. O referido questionário, utilizado em uma pesquisa com
discentes do curso de graduação em enfermagem, possuía duas partes, sendo a
primeira referente à caracterização da população estudada, para obtenção de
dados relativos à idade, título de especialização, tempo de formação e tempo de
atuação no atual setor do hospital. A segunda parte continha questões objetivas
e de múltiplas que permitiu aos participantes informarem sobre a presença ou
não de conhecimento teórico sobre a sepse. A primeira questão teve por objetivo
identificar, com base em uma autoavaliação, o nível
de conhecimento que os enfermeiros possuíam sobre a sepse. A segunda questão
destinou-se a avaliar, na visão dos participantes, se houve uma troca de
conhecimentos sobre a temática durante a graduação. Em ambas as questões as
alternativas de resposta variavam entre nenhum, pouco, moderado e muito.
Sequencialmente apresentaram-se quatro questões no formato de casos clínicos em
que o participante deveria identificar se a situação clínica descrita
correspondia a um quadro de SIRS, sepse, sepse grave ou choque séptico. Por
fim, ao final do questionário foram incluídas duas tabelas contendo os
sinais/sintomas do paciente com sepse e sepse grave, em que, para cada
sinal/sintoma, o enfermeiro deveria indicar com as respostas “sim”, “não” ou
“não sei” se o mesmo era pertinente aos quadros de sepse e sepse grave [12].
Destaca-se que as
pesquisadoras responsáveis pela construção do questionário utilizaram como
referência os dados de identificação dos sinais e sintomas da sepse contido nas
diretrizes internacionais de 2008. Para a obtenção dos dados neste estudo, as
tabelas de sinais e sintomas da sepse e sepse grave foram atualizadas conforme
as Diretrizes internacionais para tratamento de sepse grave e choque séptico do
ano de 2012.
Para a coleta de
dados agendou-se, previamente, um encontro, no próprio hospital, com os
participantes do estudo para que respondessem ao questionário. Para a
preservação do anonimato dos enfermeiros, os questionários foram identificados
pela letra E, acompanhados pelo número correspondente à ordem de realização da
entrevista, a saber: E1, E2, E3.
Os dados foram
analisados utilizando estatística descritiva no programa Excel 2010. As
frequências absoluta e relativa de cada variável de interesse do estudo foram
expressas em tabelas.
O estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de
Viçosa (Parecer: 1.668.556). A pesquisa foi desenvolvida respeitando-se os
aspectos éticos da pesquisa com seres humanos conforme a Resolução 466/2012 do
Conselho Nacional de Saúde. Os enfermeiros que atenderam aos critérios de
inclusão foram esclarecidos quanto aos objetivos da pesquisa, convidados a
participar do estudo e, aos que aceitaram, foi solicitada a assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Dos 23 enfermeiros
entrevistados, 16 (69,6 %) eram do sexo feminino. A média de idade foi de 34,7
anos (26-60 anos). Em relação ao tempo de formação, a maioria (14 - 60,9%)
havia completado o curso de graduação entre cinco e 10 anos, e 17 (73,9%) já
tinham concluído no mínimo um curso de especialização. Quanto ao setor de
atuação, a maior parte dos enfermeiros (9 - 43,5%) atuava em enfermarias e
possuía um vínculo com o setor há menos de 12 meses (13- 56,5%) conforme
exposto na Tabela I.
Tabela
I - Caracterização da população estudada,
segundo sexo, idade, tempo de formação, curso de especialização e tempo de
atuação no setor. Viçosa/MG, Brasil, 2017. (n=23)
Fonte: Dados da
pesquisa.
Em relação ao
conhecimento que os enfermeiros afirmam possuir em relação à sepse, seus sinais
e sintomas e complicações, percebeu-se que apenas quatro (17,4%) referiram
pouco conhecimento, e 19 (82,6%) afirmaram ter conhecimento moderado. Não foram
identificados enfermeiros que desconheciam ou que possuíam muito conhecimento
sobre a sepse.
Quanto ao papel da
graduação enquanto instituição formadora e promotora de conhecimentos
relacionados à sepse, apenas um enfermeiro (4,3%) relatou que não obteve
qualquer conhecimento sobre sepse enquanto graduando, 15 (65,2%) afirmaram que
receberam pouco conhecimento, cinco (21,7 %) julgaram o conhecimento obtido na
graduação como moderado, e dois (8,7%) alegaram ter recebido muito conhecimento
sobre a sepse enquanto frequentaram a academia.
No que tange à
identificação de SIRS, Sepse, Sepse Grave e Choque Séptico a partir da
utilização de casos clínicos e classificação adequada dos pacientes,
percebeu-se que houve um número expressivo de erros, sobretudo na identificação
da sepse grave (19-82,6%) e sepse (69,6%). A SIRS foi
a síndrome identificada corretamente pelo maior número de enfermeiros
(10-43,5%), seguida do choque séptico (8-34,8%). Vale destacar que uma parcela
dos enfermeiros não soube identificar os casos de SIRS (3-13,0%), sepse (3-
13,0%) e choque séptico (1- 4,3%) (tabela II).
Tabela
II -
Conhecimento dos enfermeiros sobre a
definição de Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica, sepse, sepse grave e
choque séptico. Viçosa, MG, Brasil, 2017. (n=23)
Fonte: Dados da
pesquisa.
Quanto ao
reconhecimento dos sintomas da sepse e sepse grave, observou-se que os
enfermeiros relacionaram tais quadros clínicos com a confirmação de infecção,
sendo este o sintoma mais relatado tanto na sepse (21-91,3%) quanto na sepse
grave (23-100,0%). Destaca-se também a questão da temperatura corporal, grande
parte dos enfermeiros (20-86,9%) reconheceu a elevação da temperatura
(>38ºC) como um sinal sugestivo de sepse e sepse grave. No entanto,
desconsideraram a redução da temperatura (<36ºC) como uma variável
importante a ser analisada. Outros sinais e sintomas que mereceram atenção
devido à baixa correlação por parte dos enfermeiros ao quadro de sepse
referem-se à alteração da Frequência Cardíaca (>90bpm) e a suspeita de
infecção, as quais foram identificadas respectivamente por apenas 11 (47,8%) e
10 (43,5%) dos enfermeiros. Nos casos de sepse grave, observou-se que apenas 11
(47,8%) enfermeiros apontaram nível glicêmico >110mg/dl como um fator de
risco. As tabelas III e IV apresentam o total de respostas dos enfermeiros para
a identificação dos sinais e sintomas relativos ao quadro de sepse e sepse
grave.
Tabela
III
- Conhecimento dos enfermeiros sobre os
sinais e sintomas sugestivos de sepse. Viçosa, MG, Brasil, 2017. (n=23)
*Um dos participantes
não respondeu a essa questão. Fonte: Dados da pesquisa.
Tabela
IV -
Conhecimento dos enfermeiros sobre os
sinais e sintomas sugestivos de sepse grave. Viçosa, MG, Brasil, 2017. (n=23)
*Um dos participantes
não respondeu a essa questão; **Dois dos participantes não responderam a essa
questão. Fonte: Dados da pesquisa
Nesta pesquisa,
observou-se um predomínio de profissionais enfermeiros do sexo feminino, com
idade média de 24,7 anos, graduados há no mínimo cinco anos e já titulados como
especialistas, apresentando pelo menos um curso de pós-graduação. Destaca-se a
ausência de vínculo prolongado entre os profissionais e os setores que atuavam
no momento da pesquisa, sendo a maioria com uma atuação profissional nesse
setor há menos de 12 meses. Tais achados assemelham-se às características da
pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) que traçou o
perfil da Enfermagem no Brasil, no qual mais da metade dos enfermeiros havia
concluído a graduação há menos de 10 anos e possuíam algum curso de
especialização [13].
No que tange ao
conhecimento dos enfermeiros sobre os diferentes estágios clínicos da sepse,
percebeu-se que grande parte dos profissionais (19-82,6%) relatou ter
conhecimento moderado sobre a temática. No entanto, ao deparar-se com a
aplicabilidade de tais conhecimentos na identificação dos casos clínicos
específicos, poucos foram os enfermeiros capazes de diferenciar corretamente os
quadros de SIRS, sepse, sepse grave e choque séptico. Resultado semelhante foi
encontrado em estudo que revelou um déficit de conhecimento baseado em
evidência científica sobre o advento SIRS, Sepse, Sepse Grave e Choque Séptico
entre enfermeiros intensivistas [11]. Na prática
cotidiana a dificuldade em distinguir esses quadros patológicos pode estar
diretamente relacionada com uma piora da qualidade da assistência e aumento da
mortalidade dos pacientes [14].
Essa deficiência de
conhecimento sobre a temática pode estar relacionada à formação acadêmica. Os
enfermeiros participantes deste estudo, em sua maioria, (15- 65,2%) afirmaram
que receberam pouco conhecimento sobre sepse enquanto graduandos. Acredita-se
que os conceitos de SIRS, sepse, sepse grave e choque séptico deveriam ser
abordados de forma transversal nos cursos de graduação em enfermagem, uma vez
que os futuros enfermeiros que atuarão em diferentes cenários clínicos poderão
se deparar com pacientes com sepse e necessitarão de um aporte teórico para
subsídio da prática. No entanto, pesquisa realizada com estudantes do último
ano do curso de enfermagem demonstrou que os mesmos possuem pouco conhecimento
sobre a temática, evidenciado pelo baixo número de acertos com relação às
definições e aos sintomas de SIRS, sepse, sepse grave e choque séptico [12].
A equipe de
enfermagem é a responsável pela manutenção do cuidado contínuo dos pacientes
hospitalizados. Assim, o nível de conhecimento e a qualidade da assistência
oferecida, sobretudo pelo enfermeiro, pode impactar diretamente o estado de
saúde desses pacientes [15]. Nos casos de suspeita de sepse, vale ressaltar que
o diagnóstico tardio pode levar a uma pior evolução do quadro clínico,
culminando com o choque séptico [16]. Consequentemente, essa má evolução do
quadro prolonga o tempo de internação e torna o paciente susceptível ao aumento
de comorbidades como disfunções de órgãos, podendo
aumentar o risco de mortalidade.
Tendo em vista a
magnitude do problema da sepse e buscando uma melhor assistência aos portadores
dessa síndrome, um grupo de especialistas de diferentes organizações se reúne
periodicamente a cada quatro anos, desde 2004, para formular e atualizar a
diretriz para o gerenciamento da sepse. Essa diretriz direciona o cuidado aos
pacientes com sepse no âmbito hospitalar, a fim de subsidiar uma melhor prática
[17]. Em 2016, foram propostas novas definições e critérios clínicos para a
sepse e choque séptico e, terminologias como septicemia, síndrome séptica e
sepse grave foram colocadas em desuso [18-19].
Pela nova diretriz, a
sepse passa a ser compreendida como uma “disfunção orgânica potencialmente
fatal causada por uma resposta imune desregulada a uma infecção”. O choque
séptico por sua vez, representa um quadro de “sepse acompanhada por profundas
anormalidades circulatórias e celulares/metabólicas
capazes de aumentar a mortalidade substancialmente” [18-20].
Para a identificação
dos casos de sepse, os profissionais de saúde deverão se basear na suspeita ou
presença confirmada de infecção associada ao aumento de dois pontos no Sequential Organ Failure Assessment (SOFA),
que inclui dados clínicos e laboratoriais como: a razão entre a Pressão Parcial
de Oxigênio Arterial (PaO2) e a Fração
Inalada de Oxigênio (FiO2); Plaquetas; Bilirrubina; Pressão Arterial
Média; Escala de Coma de Glasgow; Creatinina, Débito Urinário. Para o choque
séptico, faz-se necessário além do quadro de sepse a utilização de drogas
vasopressoras para a manutenção da pressão arterial média maior ou igual a 65 mmHg e lactato sérico maior que 2 mmol/L
após a correta reanimação volêmica [18,19].
Embora as novas
definições tenham sido discutidas e apoiadas por muitos pesquisadores em todo o
mundo, também geraram muita controvérsia. Dada a necessidade dos exames
laboratoriais para avaliação do score SOFA, alguns pacientes podem ter o seu
diagnóstico de sepse atrasado e, consequentemente, o seu tratamento. Um estudo
realizado por pesquisadores vinculados ao ILAS e à Associação de Medicina
Intensiva Brasileira (AMIB) teve como objetivo construir um consenso a respeito
de como estas novas definições podem ser aplicadas no
dia a dia. Para eles, a triagem de sepse em pacientes com suspeita de infecção,
tanto no pronto-socorro quanto nas enfermarias, deve se basear em ferramentas
sensíveis, destacando-se aquelas com base nos critérios de SIRS ou em qualquer
disfunção orgânica clínica ou laboratorial. Devido aos diferentes contextos
sociais acredita-se que o melhor equilíbrio entre a sensibilidade (SIRS) e a
especificidade (disfunção orgânica) varie entre as diferentes instituições,
dependendo da disponibilidade de recursos apropriados. Nesse sentido, o
conhecimento dos enfermeiros sobre as definições adotadas em 2012 e até então
utilizadas pode ser considerado fundamental para uma assistência de qualidade
[21].
Apesar da magnitude
da sepse e das recentes discussões sobre a identificação e manuseio dos casos,
na presente pesquisa percebe-se que houve uma dificuldade por parte dos
entrevistados na correta identificação dos casos apresentados. De forma
semelhante, outro estudo, que buscou avaliar o conhecimento de profissionais de
enfermagem e medicina acerca de sepse, sepse grave e choque séptico,
identificou que o conhecimento dos profissionais sobre a temática é restrito
[22].
Quanto ao
reconhecimento de sinais e sintomas, destaca-se a questão da temperatura
corporal, grande parte dos enfermeiros (20-86,9%) reconhece a elevação da
temperatura (>38ºC) como um sinal sugestivo de sepse e sepse grave, no
entanto desconsideram a redução da temperatura (<36ºC) como uma variável
importante a ser analisada. De forma semelhante, outro estudo identificou que
66,6% dos enfermeiros reconheceram a hipertermia como um sinal sugestivo da
sepse. No entanto, apenas 11,1% reconhece a hipotermia como outro sinal
sugestivo de sepse [11].
Outros sinais e
sintomas que merecem atenção devido à baixa correlação por parte dos
enfermeiros ao quadro de sepse referem-se à alteração da Frequência Cardíaca
(> 90bpm) e a suspeita de infecção, as quais foram identificadas
respectivamente por apenas 11 (47,8%) e 10 (43,5%) dos enfermeiros.
Destaca-se que a
pouca familiaridade com a definição e com os sinais e sintomas de sepse,
insere-se como uma característica que não está restrita aos enfermeiros. Um
estudo brasileiro que avaliou o conhecimento dos médicos sobre sepse concluiu
que eles apresentam dificuldade em reconhecer a sepse e sepse grave,
provavelmente devido à dificuldade de reconhecer a disfunção de órgãos e a
ausência de conhecimento de que a disfunção de órgãos define sepse grave [23].
Na identificação dos
sinais e sintomas de sepse grave, enfermeiros tiveram dificuldade em
correlacionar não apenas a baixa temperatura corporal, mas também a alteração
dos níveis glicêmicos (> 110 mg/dL)
que esteve presente em apenas 11 (47,8%) das respostas. Essa situação demonstra
o desconhecimento e/ou pouca sensibilidade desses profissionais frente a dados
objetivos obtidos rotineiramente nos serviços de saúde, de fácil mensuração e
importância clínica, que compõem o rol dos problemas de enfermagem, e que são
primordiais na detecção precoce de casos suspeitos de sepse.
Acredita-se que um
dos motivos pelo qual a identificação da sepse ocorra tardiamente, refere-se ao
déficit de conhecimento dos profissionais sobre as diretrizes clínicas e pelo
fato de alguns dos seus sinais e sintomas não serem específicos, tais como:
febre, taquicardia e taquipneia, os quais podem ser
confundidos com outras patologias [7].
A não identificação
correta por parte dos enfermeiros dos casos de pacientes com sepse em seus
diferentes estágios pode implicar em uma pior evolução do quadro clínico dos
pacientes e aumento dos gastos em saúde. Nesse sentido, alternativas para
minimizar essa deficiência devem ser criadas, destacando-se a implementação de um programa de melhoria do desempenho para
a sepse, conforme recomendado pelas Diretrizes Internacionais para o
Gerenciamento de Sepse e Choque Séptico, publicado no ano de 2016[17]. Este
programa deve envolver uma equipe multiprofissional e contar com a implantação
de protocolos, coleta e avaliação de dados, além das ações de educação
continuada direcionadas à aplicação das diretrizes na prática clínica [24,25].
Acredita-se que a
partir da reflexão sobre a realidade vivenciada pelos enfermeiros no atendimento
aos pacientes sépticos e da atualização rotineira dos subsídios teóricos
norteadores dessa assistência, possa haver uma ressignificação da prática
diária com impacto significativo para a saúde dos pacientes. Esforços de
gestores dos serviços de saúde e dos próprios profissionais aliados a
instituições formadoras poderão auxiliar na disseminação de informações
atualizadas sobre esse grande problema de saúde pública.
Este estudo tem como
limitação o fato de restringir-se a avaliar os profissionais enfermeiros de uma
única instituição hospitalar em um único momento. Acredita-se que seria
importante extrapolar esta investigação para outras instituições e conduzir estudos
com acompanhamento longitudinal a fim de identificar o comportamento desses
profissionais no dia a dia da prática de enfermagem.
A maioria (19-82,6%)
dos enfermeiros deste estudo afirmou ter conhecimento moderado sobre a sepse e seus
estágios clínicos. Percebeu-se que há dificuldade na aplicabilidade clínica dos
conceitos inerentes à SIRS e aos diferentes estágios
de sepse. Tal fragilidade pode estar associada à deficiência de formação na
graduação, uma vez que a maioria dos enfermeiros (15-65,2%) avaliou como pouco
o conhecimento recebido sobre a temática enquanto graduandos.
A enfermagem é
considerada a classe profissional que possui maior tempo na assistência direta
com os pacientes, assumindo assim importância ímpar no reconhecimento precoce
dos sinais de sepse. Nesse sentido, torna-se fundamental que os enfermeiros
saibam reconhecer e distinguir precocemente os diferentes estágios de sepse,
auxiliando a condução do tratamento e facilitando um desfecho favorável ao quadro
clínico.
Vale destacar que a
atualização dos profissionais configura-se como uma ferramenta imprescindível
para a qualidade da assistência que deve ser cada vez mais encorajada nos
diferentes serviços de saúde. Para tal faz-se necessária uma disposição das
instituições formadoras, dos gestores e dos próprios profissionais na busca
pelo conhecimento.