ARTIGO ORIGINAL
Cuidados paliativos em
unidade de atendimento crítico: saberes de uma equipe multiprofissional
Simone
Conceição Oliveira Baptista*, Carina Marinho Picanço**
*Enfermeira
especialista em Terapia Intensiva através do Programa de Residência da
UNIFACS/SESAB, Metodologia do Ensino Superior, UTI Pediátrica e UTI Neonatal
pela Faculdade de Tecnologia e Ciências, Especialização em Dermatologia pela
AVM, **Enfermeira mestre em Enfermagem, especialista em Terapia Intensiva pela
UFBA, Coordenadora da Comissão de Residência Multiprofissional em Saúde do
Hospital Geral Roberto Santos
Recebido
1 de agosto de 2018; aceito 15 de maio de 2019.
Correspondência: Simone Conceição
Oliveira Baptista, Conjunto Colinas de Pituaçu, Via
B-1, Bloco 643/104 São Marcos 41250-520 Salvador BA
Simone
Conceição Oliveira Baptista: baptista.simone@gmail.com
Carina
Marinho Picanço: carinampicanco@gmail.com
Resumo
Introdução: Os cuidados paliativos
consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que
objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e de seus familiares
diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e do alívio do
sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e
demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais. Objetivo: Conhecer os saberes da equipe
multiprofissional sobre cuidados paliativos em unidade de atendimento crítico. Metodologia: Pesquisa exploratória
descritiva, de natureza qualitativa. Os dados foram analisados segundo o método
de análise de conteúdo temático de Bardin e
desenvolvido com 65 participantes da equipe multiprofissional de um hospital de
caráter privado de médio porte, localizado na área urbana da cidade de
Salvador/BA. Resultados: Após
tratamento dos resultados, emergiram as seguintes categorias temáticas:
Compreendendo a qualidade de vida como essência do cuidado paliativo;
Dificuldade de compreensão do melhor momento para início dos cuidados
paliativos; Desconhecendo a organização dos cuidados
paliativos de acordo com o grau de complexidade da doença e Paliação exclusiva:
Quando as medidas heroicas e terapias fúteis provocam dor e sofrimento. Conclusão: A maioria dos profissionais
de saúde que participaram desta pesquisa reconhece a necessidade de qualidade
de vida e conforto diante do paciente que tem uma doença que ameace a vida. No
entanto, desconhecem os conceitos preconizados sobre cuidados paliativos, e
algumas premissas, como quando se deve iniciar, as fases que compõe, além da
falta de entendimento sobre o significado de cuidados paliativos exclusivos.
Palavras-chave: cuidados paliativos,
unidades de terapia intensiva, equipe de assistência ao paciente.
Abstract
Palliative care
in a critical care unit: knowledge of a multiprofessional team
Introduction: Palliative
care consists of the assistance
promoted by a multidisciplinary team that aims to
improve the quality of life of
the patient and his/her
relatives in the face of a life-threatening illness, through prevention and relief of suffering,
early identification, impeccable evaluation and treatment of
pain and other physical, social, psychological and spiritual symptoms. Objective: To know
the knowledge of the multiprofessional
team about palliative care in a critical care unit.
Methodology:
Descriptive and qualitative exploratory research. The data were analyzed according to the thematic
content analysis method of Bardin
and developed with 65 participants of the multiprofessional
team of a private hospital of medium size, located
in the urban area of ??the
city of Salvador/BA. Results: The following thematic categories emerged: Understanding quality of life as the
essence of palliative care; Difficulty understanding the best time to
start palliative care; Unaware of the
organization of palliative care according to the
degree of complexity of the
disease and exclusive palliation: When heroic measures and futile therapies
cause pain and suffering. Conclusion: Most health professionals who participated in this research recognize
the need for quality of life
and comfort in front of the patient
who has a disease that threatens
life. However, they are unaware of the concepts
of palliative care advocated, and some premises, such as when to
start, the phases that make up, as well as the lack
of understanding about the meaning
of exclusive palliative care.
Key-words: palliative
care, intensive care units, patient
care team.
Resumen
Cuidados paliativos en una unidad de cuidados críticos: conocimiento
de un equipo multiprofesional
Introducción: Los cuidados
paliativos son la asistencia brindada por un equipo
multidisciplinario, cuyo
objetivo es mejorar la calidad de vida de los pacientes
y sus familias frente a una enfermedad
potencialmente mortal, mediante la prevención y el alivio del sufrimiento, la identificación temprana, evaluación y tratamiento impecables del dolor y otros
síntomas físicos, sociales,
psicológicos y espirituales. Objetivo: Conocer el conocimiento
del equipo multiprofesional
sobre cuidados paliativos en una unidad
de cuidados críticos. Metodología: Investigación exploratoria descriptiva, de naturaleza cualitativa. los datos se analizaron de acuerdo con el
método de análisis de contenido
temático de Bardin y se desarrollaron
con 65 participantes del
equipo multiprofesional de un
hospital privado de tamaño mediano, ubicado en el
área urbana de Salvador/BA. Resultados: Después del tratamiento de los resultados, surgieron las siguientes categorías temáticas: entender la
calidad de vida como la esencia de los cuidados
paliativos; Dificultad para entender el mejor momento para comenzar los cuidados paliativos;
Sin darse cuenta de la organización
de los cuidados paliativos de acuerdo
con el grado de complejidad de la enfermedad y la paliación exclusiva: cuando las medidas heroicas y las
terapias inútiles causan dolor y sufrimiento. Conclusión: La mayoría de los profesionales de la salud que participaron
en esta investigación
reconocen la necesidad de calidad de vida y comodidad frente al
paciente que tiene una enfermedad
potencialmente mortal. Sin embargo, desconocen los conceptos
recomendados de cuidados paliativos y algunas suposiciones, como cuándo comenzar, las fases que conforman, además de la falta de comprensión sobre el significado de los cuidados
paliativos exclusivos.
Palabras-clave: cuidados paliativos, unidades de cuidados intensivos,
equipo de atención al paciente.
Os cuidados paliativos (CP) consistem na
assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria
da qualidade de vida do paciente e de seus familiares diante de uma doença que
ameace a vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento, da
identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais
sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais [1].
Os CP nasceram, primordialmente, para atender
aos pacientes oncológicos em estágio avançado da doença, contudo, hoje se
estendem a todos àqueles que tenham alguma doença que ameacem a vida, que cause
dor intensa, sintomas físicos, emocionais e/ou espirituais, tornando a vida
extremamente intolerável. Cuidados direcionados a pessoa considerada pela
ciência sem possibilidade da cura1, mas que podem ser cuidadas
visando assegurar conforto e dignidade no processo de morrer e na morte [2].
Hoje em dia, os cuidados paliativos começam a
ser compreendidos como a fase de cuidados que antecede a morte, e torna-se uma
prática multidisciplinar que envolve interações com outras partes relevantes
dos sistemas de cuidados de saúde. Os cuidados paliativos tornaram-se uma
disciplina prática com vistas a melhorar os cuidados daqueles que estejam no
final da vida [3].
Ademais, o crescimento tecnológico de
artifícios que facilitam à prolongação da vida e a cura das enfermidades pode
ser presenciado e constatado nos hospitais, sobretudo nas Unidades de Terapia
Intensiva (UTIs) na contemporaneidade. Neste sentido,
as tecnologias altamente sofisticadas encontram-se a disposição da equipe de
saúde, que atua buscando a cura e o controle das doenças dos pacientes [4]. Esta
mesma tecnologia que muitas vezes e em certas circunstâncias pode salvar vidas,
em outras, torna o final da vida extremamente doloroso, sofrido e solitário.
Outro aspecto que representa um enorme desafio
para os profissionais da saúde, diz respeito à dificuldade de diálogo com os
pacientes e familiares sobre o processo de doença, sobretudo em situações
críticas, internações em unidade de terapia intensiva (UTI) e processo de
morte-morrer. Contudo, é muito importante que essa comunicação seja clara,
livre de ruídos e seja com o paciente e familiar [5].
Assim, para implementação adequada dos cuidados
paliativos pelos profissionais da saúde, melhora a atenção prestada às pessoas
que estão no final de suas vidas, e melhora os cuidados e a assistência às suas
famílias e amigos, melhora a qualidade de vida, melhora o controle dos sintomas
e até reduz o uso de recursos da saúde [6].
Onde quer que sejam postos em prática, os
cuidados paliativos, fundamenta-se em valores e princípios como a dignidade do
paciente e familiar, aos cuidados que apresentem compaixão para com o paciente
e a família, equidade no acesso aos serviços de cuidados paliativos, respeito
pelo paciente, pela família e por quem cuidam do mesmo, lutar por conseguir
atender os desejos do paciente, da família e da comunidade, prosseguir na
excelência da provisão dos cuidados e de apoio e responsabilidade para com os
pacientes, as famílias e comunidade em geral [7].
Muito embora os cuidados críticos e os cuidados
paliativos possam parecer estar em lados opostos do espectro, uma inspeção mais
próxima revela muitas semelhanças. Historicamente, as duas especialidades
desenvolvem-se em datas próximas, e ambas cuidam de pacientes e suas famílias
nos momentos de extrema vulnerabilidade e necessidade [8].
Ademais, a morte ainda incomoda e desafia a
onipotência dos profissionais de saúde, ensinados apenas a cuidar da vida, mas
não da morte. Lidar com a morte é angustiante e desgastante, gera sentimentos de impotência, frustração e insegurança, pois
não estão preparados para lidar com todos os sentimentos negativos e
ambivalentes presentes na situação. Neste sentido podemos pensar que combater a
morte pode dar falsa ideia de força e controle, fato que nos obriga a repensar
valores e considerar uma noção mais abrangente do cuidado paliativo, levando em
conta a qualidade de sua morte [9].
A escolha deste tema expressa primeiramente os
anseios pessoais de conhecer mais detalhadamente o papel da equipe
multiprofissional diante do paciente em cuidados paliativos da qual a
pesquisadora teve contato durante a sua experiência profissional na residência
multiprofissional em saúde com ênfase em terapia intensiva. Neste cenário
observaram-se divergências de condutas no lidar com paciente em CP, além da
dificuldade velada dos profissionais em lidar com o processo de morte e morrer
e em reconhecer a necessidade da abordagem aos pacientes elegíveis. Entende-se
atualmente que durante a evolução da doença os cuidados paliativos e curativos
andam lado a lado, não sendo necessariamente excludentes.
Nos períodos de exacerbação ou descompensação
da doença, ao mesmo tempo em que ocorre a intensificação do cuidado curativo,
deve haver também a intensificação do cuidado paliativo, buscando o controle adequado
dos sintomas. Ainda era perceptível uma assistência multiprofissional prestada
ao paciente diante de uma doença ameaçadora a vida no modelo “tudo ou nada”
onde o cuidado paliativo não estava integrado ao cuidado curativo.
Neste sentido, esta pesquisa torna-se relevante
por possibilitar reflexões por parte da equipe de profissionais que atuam em
UTI, sobre sua prática assistida ao paciente com doença ameaçadora à vida que
necessitem de CP. Repensar um cuidado sensível, humanístico e holístico,
elencado no respeito e na participação e emancipação do doente e no apoio aos
familiares no processo de luto.
Diante do exposto, questiona-se: Quais são os
saberes da equipe multiprofissional sobre cuidados paliativos em unidade de
atendimento crítico? Para tanto, esta pesquisa tem como objetivo principal
conhecer os saberes da equipe multiprofissional sobre cuidados paliativos em
unidade de atendimento crítico.
“Consiste em cuidados que expressem qualidade da
assistência prestada pela equipe multiprofissional visando o conforto ao
paciente e da família e qualidade de vida diante de uma patologia que ameaça a
vida” (E1).
A metodologia utilizada para a elaboração desse
estudo foi uma pesquisa exploratória descritiva, de natureza qualitativa.
Analisar significa estudar, decompor, dissecar,
dividir, interpretar. A análise de um texto refere-se ao processo de
conhecimento de determinada realidade e implica o exame sistemático dos
elementos; portanto, é decompor um todo em suas partes, a fim de poder efetuar
um estudo mais completo, encontrando o elemento-chave do autor, determinar as
relações que prevalecem nas partes constituídas, compreendendo a maneira pela
qual estão organizadas, e estruturar as ideias de maneira hierárquica [10].
É a análise que vai permitir observar
componentes de um conjunto, perceber suas possíveis relações, ou seja, passar
de uma ideia chave para um conjunto de ideias mais especificas, passar a
generalização e, finalmente, à crítica [10].
Este estudo foi desenvolvido através da coleta
de dados tendo como instrumento um formulário que foi preenchido pelo
participante tendo por objetivo descrever completamente um fenômeno.
Local de estudo
O local de estudo foi realizado em um hospital
de caráter privado de médio porte, localizado na área urbana da cidade de
Salvador/BA, inaugurado em 2000. Sendo referência em emergência adulto,
pediátrica, ortopédica e realiza cirurgias de pequena, média e alta
complexidade bem como cardíacas. A instituição possui um andar, divididos em
área administrativa, ambulatórios, centros especializados, centro cirúrgico,
unidades de clínica médica e cirúrgica.
Atende as especialidades de neurologia,
cardiologia, dermatologia, ginecologia, reumatologia, urologia, gastropediatria, ortopedia e traumatologia, proctologia, coloproctologia,
mastologia, oftalmologia e pediatria. Conta com os serviços de apoio
(almoxarifado, farmácia, copa, refeitório, laboratório) e diagnóstico (raios-X,
ultrassonografia, tomografia computadorizada, endoscopia digestiva, exames
oftalmológicos, ginecológicos, eletrocardiograma, ecocardiograma, mapa, Holter, teste ergométrico e urofluxometria).
Possuem 51 leitos unidade de internação, 08 leitos na unidade de emergência e
20 leitos de UTI Geral para adultos, totalizando 89 leitos. O cenário de
escolha para este estudo foi a UTI Geral Adulto.
A UTI Geral Adulto possui um perfil de
pacientes bastante diversificados, pacientes em pós-operatório, com urgências
em geral, inclusive dialíticas. Especialidades de neurologia, nefrologia,
infectologia, cirurgia cardíaca e cirurgia geral.
Participantes do estudo
Foram convidados para participar desta
pesquisa, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, fonoaudióloga,
psicólogos e técnicos de enfermagem tendo como critério de inclusão a atuação
de no mínimo dois anos em (UTI), por considerar que nesse período os
profissionais podem ter desenvolvido uma concepção mais consolidada sobre a
temática. Tendo como critério de exclusão àqueles que não aceitarem participar
da pesquisa, estavam afastados do serviço e não ter tempo de atuação mínima
dois anos em UTI.
A UTI selecionada tinha um total de 17 médicos,
19 enfermeiros, 32 técnicos de enfermagem, 13 fisioterapeutas, 5
nutricionistas, 3 psicólogos e 1 fonoaudióloga.
Do total de médicos, 8 participaram do estudo,
6 recusaram a participar e 03 não atenderam o critério de inclusão. Do total de
enfermeiros, 16 foram incluídos no estudo, 1 recusou a participação, 1 desistiu
e 1 não atendeu ao critério de inclusão. Entre os 32 técnicos de enfermagem, 25
aceitaram participar do estudo, além de atender o critério de inclusão, 3
recusaram a participar do estudo, 1 não atendia ao critério de inclusão e 03
estavam afastados pela Previdência Social.
Dos 13 fisioterapeutas, 1 não atendeu o
critério de inclusão. Entre os 3 psicólogos, 2 desistiram de participar da
pesquisa. Dos 5 nutricionistas, 2 atenderam ao critério de inclusão, 2
recusaram e 1 desistiu durante o processo. E uma fonoaudióloga. Do total de 90
profissionais do local de estudo, obteve-se um quantitativo de 65
participantes.
Para realizar o preenchimento do formulário os
encontros foram previamente agendados e realizados fora do horário de trabalho
do profissional em ambiente reservado. Foi utilizada uma amostragem aleatória
para a escolha dos participantes do estudo.
Aspectos éticos
Respeitando os preceitos éticos da pesquisa,
foi encaminhado um ofício à Direção e ao Núcleo de Pesquisa e Ensino do
referido hospital, solicitando autorização para a realização desse estudo, após
obter o parecer favorável do Comitê de Ética do Hospital Geral Professor
Roberto Santos. Antes de iniciar a abordagem aos entrevistados, foi apresentado
o projeto para os coordenadores dos respectivos setores definidos.
Os profissionais foram abordados fora do seu
horário de trabalho, onde foi explicada a intencionalidade e, apresentado o
parecer favorável do Comitê de Ética, bem como, foram fornecidas informações
sobre o estudo, seu objetivo e o instrumento que seria utilizado para a coleta
dos dados. Os participantes ficaram à vontade para a escolha em participar ou
não da pesquisa, assim como, o melhor momento para tal. Quando os profissionais
se sentiram à vontade e disponíveis, após o término da jornada de trabalho,
elas comunicavam que estavam prontos. Assim, foi definido o melhor local para a
coleta, nas respectivas salas de confortos de enfermagem, de médicos e de
técnicos de enfermagem da UTI, por considerar serem locais reservados e capazes
de proporcionar privacidade para os entrevistados.
Esta pesquisa atendeu o que foi estabelecido
nas Diretrizes do Conselho Nacional de Saúde e na Resolução nº 466 de 12 de
dezembro de 2012 sobre pesquisas envolvendo seres humanos e a aprovado, pelo
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) sob o CAEE número: 79251217.7.0000.5028 e
pela administração da instituição de estudo.
Após o fornecimento de informações sobre o
trabalho, inclusive seu objetivo e justificativa para o estudo, além de
explicitar o instrumento que foi utilizado, foi entregue a cada membro da
pesquisa o Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido (TCLE) em duas
vias devidamente assinadas.
Neste foi garantido a preservando o anonimato,
deixando claro sobre a livre escolha, sem uso de indução, coação ou incentivo
financeiro, podendo o participante colaborar e/ou desistir em qualquer fase da
pesquisa.
Os formulários foram lidos, transcritos e
analisados logo após a realização das entrevistas. Mantida a integridade e
fidedignidade dos relatos, sendo analisados de forma a não modificar o conteúdo
das escritas. Após o término da pesquisa, os formulários já estão arquivados
confidencialmente e permanecerão por um intervalo de tempo de cinco anos e
serão incinerados após este período.
A fim de manter o anonimato dos depoentes,
foram identificados por códigos seguidos de numeração. Assim denominadas:
médicos (M1, M2, M3...), enfermeiros (E1, E2, E3...), fisioterapeutas (F1, F2,
F3...), nutricionistas (N1, N2, N3...), psicólogos (P1, P2, P3...),
fonoaudióloga (A1) e técnicos de enfermagem (T1, T2, T3...).
Técnicas/ instrumento
de coleta de dados
A coleta de dados foi realizada através do
preenchimento de um formulário. O roteiro do formulário, previamente elaborado,
testado e corrigido, constou de questões que caracterizavam o perfil sócio-demográfico
dos participantes como idade, sexo, tempo
de experiência e formação, cursos de
pós-graduação, e questões
específicas e
objetivas sobre o tema.
O instrumento de coleta de dados foi composto
por duas partes. A primeira continha questões fechadas dados de caracterização sócio-demográfica e de formação profissional dos
participantes do estudo e, a segunda parte foi composta por questões
norteadoras a exemplo: 1) Qual o conceito de cuidados paliativos? 2) Quando se
inicia os cuidados paliativos no paciente crítico? 3) Quais fases fazem parte
dos cuidados paliativos? 4) O que significa “cuidados paliativos exclusivos”?
Análises dos dados
Para a abordagem qualitativa, os dados foram
analisados segundo o método de análise de conteúdo temático de Bardin [11], que propõe um conjunto de técnicas de análise
de comunicação verbal aplicado aos discursos, para obtenção de indicadores,
qualitativos ou não, que permitam a descrição do conteúdo das mensagens dos
entrevistados. Esse método sistemático e prático é composto por três etapas
distintas: a) pré-análise, b) exploração do material,
c) tratamento dos resultados a partir das inferências e interpretações.
De acordo com os princípios deste método, as
estruturas e elementos do conteúdo foram desmontadas e analisadas por meio do
estudo minucioso das palavras e frases que o compuseram, procurando seu sentido
e intenções, reconhecendo, comparando, avaliando e selecionando-o para
esclarecer suas diferentes características e extrair sua significação, utilizando-se
o critério temático.
A pré-análise
consistiu, inicialmente, da leitura flutuante de cada resposta das entrevistas
permitindo ao pesquisador se deixar invadir sobre impressões a respeito do
material coletado. Ulteriormente, elas foram lidas exaustivamente e
minuciosamente, visando à compreensão profunda do material. Durante a leitura
foram destacadas as falas sendo denominadas de núcleos de sentido (unidade de
significados). A categorização decorreu na análise e semelhança apresentadas
pelas unidades de significação possibilitando definir quatro categorias
temáticas. Os resultados foram trabalhados para se tornarem reveladores de
significados. Realizado assim, inferências e interpretações baseada na
literatura que fundamentaram o estudo, retornando à mesma para contribuir com o
processo de reflexão [11].
“É o conjunto de cuidados ao paciente em fase avançada da
doença, que priorizam alívio do sofrimento do mesmo e de sua família” (M9).
Caracterização dos
participantes da pesquisa
Dos 65 participantes do estudo, cinquenta e
dois eram mulheres e treze homens, com idade entre 23 e 59 anos. O tempo de
formação variou entre três e trinta e seis anos, sendo que destes, o tempo de
experiência em UTI, foi de dois a vinte dois anos.
Entre os participantes médicos, enfermeiros,
fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e fonoaudióloga, 1 médico possui
doutorado e 1 fisioterapeuta mestrado. E especialização em diversas áreas
totaliza 26 membros e no formato de residência 19 profissionais. Dentre os
técnicos de enfermagem, onze tinham especialização de nível médio em UTI.
Categorias temáticas
Partindo-se das ideias centrais dos cuidados
paliativos em unidade de atendimento crítico e os saberes de uma equipe
multiprofissional, após tratamento dos resultados, emergiram as seguintes categorias
temáticas: Compreendendo a qualidade de vida como essência do cuidado
paliativo; Dificuldade de compreensão do melhor momento para início dos
cuidados paliativos; Desconhecendo a organização dos cuidados paliativos de
acordo com o grau de complexidade da doença e Paliação exclusiva: quando as
medidas heroicas e terapias fúteis provocam dor e sofrimento.
Categoria
1 - Compreendendo a qualidade de vida como essência do cuidado paliativo
Embora os profissionais não apontem o conceito
total de cuidados paliativos, quando questionados a maioria dos participantes
traz em seus discursos um elemento essencial para a abordagem, a necessidade de
promover a qualidade de vida, conforme trechos a seguir:
“É fornecer o cuidado ao paciente independente de proposta
curativa, buscando bem-estar à qualidade de vida do paciente”. (M5)
“Consiste no oferecimento de conforto a família e ao
paciente que se encontra na fase terminal da doença, objetivando a melhoria na
qualidade de vida no paciente neste período”. (F9)
Efetivamente
CP é uma forma de abordagem que
visa à melhoria da qualidade de vida de pacientes e seus
familiares que
enfrentam doenças ameaçadoras à vida,
através da prevenção, da
identificação e
do tratamento precoce dos sintomas físico, psíquico,
espiritual e social e que
esses cuidados devem ser prestados a todos os pacientes, em
concomitância com
os cuidados curativos, sendo a intensidade individualizada de acordo
com as
necessidades, com os desejos dos pacientes e de seus familiares e com a
evolução própria de cada doença [12].
Desta forma, o modo como cada paciente vive a
sua terminalidade tem a ver com as circunstâncias em que está sendo cuidado, na
dinâmica da ética das relações que se criam entre ele e os profissionais que o
assistem. Portanto o enfoque terapêutico é voltado para a qualidade de vida, o
controle dos sintomas do doente e o alívio do sofrimento humano apoiado no
caráter trans, multi e
interdisciplinar dos cuidados paliativos. A terapêutica paliativa é voltada ao
controle sintomático e preservação da qualidade de vida para o paciente, sem
função curativa, de prolongamento ou de abreviação da sobrevida [13].
Quando
a OMS traz em seu conceito que “Cuidados
paliativos é uma abordagem que aprimora a qualidade de
vida...” pode-se pensar
que esta filosofia pode especificar alguns princípios
fundamentais, tais como:
valorizar a obtenção e a manutenção de um
nível ótimo de dor e a administração
dos sintomas; os CP afirmam a vida e encaram a morrer como um processo
normal;
não apressam nem adiam a morte; integram aspectos
psicológicos e espirituais
dos cuidados do paciente; oferecem sistema de apoio para ajudar os
pacientes a
viver tão ativamente quanto possível, até o
momento da sua morte; ajudam a família
no enfretamento da doença do paciente e do luto; a
família é uma unidade de
cuidados, juntamente com o paciente; os CP exigem uma abordagem inter e multidisciplinar; destinam-se a aprimorar a
qualidade de vida e são aplicáveis no estágio inicial da doença ameaçadora da
vida, concomitantemente com as modificações da doença e terapias que prolongam
a vida.
A assistência aos familiares é um dos aspectos
importantes do cuidado global dos pacientes internados na UTI, sendo um dos
pilares do cuidado humanizado. Do ponto de vista ético, existe um grande
impacto nas relações humanas e profissionais, onde se deve considerar o
paciente e a família como uma unidade de cuidados.
A propósito, o cuidado prestado à família ainda
merece respeito necessário, tanto no âmbito assistencial quanto no processo
formativo dos profissionais. Uma abundante literatura contemporânea evidencia
que estratégias assistências voltadas para os familiares (englobando não
somente parentes consanguíneos e cônjuges, mas também todos os que fazem parte
do círculo afetivo do paciente), como a melhoria de comunicação, prevenção de
conflitos e valores e escolhas, e conforto espiritual resultam em maior
satisfação e percepção da qualidade de vida e de assistência ao paciente na UTI
[14].
Outrossim, ainda nos chamam a atenção para a
questão do conforto neste processo, conforme excertos abaixo:
“Consiste em cuidados que expressem qualidade da
assistência prestada pela equipe multiprofissional visando o conforto ao
paciente e da família e qualidade de vida diante de uma patologia que ameaça a
vida”. (E1)
“São aqueles cuidados dados aos pacientes ao qual se
utilizou de todos os recursos para a manutenção da vida do paciente, seja
medicamentoso e com isso se inicia uma medida de conforto”. (T2)
“Ações realizadas pela equipe multiprofissional com
objetivo de garantir o conforto, evitando qualquer medida fútil”. (P1)
“É quando o foco do tratamento do paciente deixa de ser
curativo para priorizar o conforto do mesmo”. (N2)
Para que haja excelência de assistência
prestada aos pacientes com doença ameaçadora a vida e os cuidados ao final da
vida, é indispensável que a equipe de saúde encontre
estratégias para o controle de sintomas físicos, mas que, também, valorize a
necessidade de alívio de sofrimentos psicológicos e espirituais presentes nesta
situação.
Some-se a isto o controle dos sintomas e
melhora da qualidade de vida do paciente em cuidados paliativos exclusivos ser
promovido por medidas farmacológicas e não farmacológicas. A equipe deve atuar
coordenadamente na aplicação de medidas não farmacológicas como horário de
visitas mais flexível, musicoterapia, quarto privativo a suspensão de
restrições físicas e controle de fatores ambientais, tais como, excesso de
barulho. Essas medidas contribuem para a prevenção e controle de delírio em
pacientes críticos.
Nos depoimentos, observou-se a preocupação com
alívio dos sintomas físicos proporcionando o conforto e diminuição do
sofrimento psicossocial. Contudo, nenhum participante relatou a dimensão
espiritual. Constatou-se, ainda a inclusão da família como parte do cuidado e
as necessidades de garantir qualidade de vida, concordando com a filosofia de
cuidados paliativos, definida pela OMS.
Dessa forma, o cuidado paliativo propõe, ao
profissional de saúde, o desafio de cuidar com competência científica sem, no
entanto, esquecer-se da valorização do ser humano. Para que essas necessidades
sejam atendidas, e o cuidado seja integral, é primordial que a equipe de saúde
resgate a relação interpessoal empática, sendo fundamental ouvir e torna-se
sensível às necessidades dos pacientes, mais do que habilidades técnicas para
diagnosticar e tratar. Estes pacientes esperam que a relação com os
profissionais de saúde seja alicerçada por compaixão, respeito e empatia, de
modo a auxiliá-los no processo de morte, valorizando a sua experiência [15].
Para o cuidado paliativo é necessário que o
trabalho multiprofissional procure resgatar os valores éticos e humanos, assim
como a autonomia individual. O cuidado deve ser compartilhado, e o paciente no
processo de terminalidade merece do profissional toda a benevolência e
respeito. Auxiliá-lo em todas as fases deste processo, implica orientá-lo sem
coagir, mostrando-lhe os benefícios e desvantagens de cada tratamento, de forma
inteligível a seu nível de compreensão [15].
Assim, para que haja qualidade de vida ao
paciente portador de doença crônico-degenerativa ameaçadora a vida, o
profissional de saúde precisa ter uma atitude humanizada no processo do cuidar.
Entende-se que a essência humana está no cuidado, sendo o suporte para
inteligência, criatividade e liberdade sendo transposto pelos princípios
morais, éticos, valores e atitudes presentes no agir e viver.
A propósito, para a construção do processo
saudável é fundamental um cuidado que estimule e permita o indivíduo a tomar
consciência do mundo e de si mesmo, sustentando a responsabilidade pela sua
transformação e consequentemente melhorar a qualidade de vida. E para a equipe
de saúde é um grande desafio cuidar do ser humano em sua totalidade e
integralidade, e ter uma ação efetiva preferencialmente na dor e sofrimento,
nas dimensões físicas, psíquica, social e espiritual com competência
técnico-científica e humana.
Categoria
2 - Dificuldade de compreensão do melhor momento para início dos cuidados
paliativos
Nesta categoria, foi evidenciado que poucos
participantes demonstraram o conhecimento do momento de encetar cuidados
paliativos, de acordo com as falas a seguir:
“Sempre,
desde a admissão do paciente na UTI”. (M5)
“Na admissão”. (M8)
“Os cuidados paliativos no paciente crítico devem ser
iniciados na sua admissão. Eles podem ser gerais, visando o conforto de todo o
paciente admitido com criticidade, minimizando a dor, proporcionando conforto
de modo geral, higiene, apoio familiar e psicológico com perspectiva curativa e
prognóstico satisfatório”. (E8)
“Se iniciam no paciente crítico no momento em que sua
internação se inicia”. (E9)
“Quando adentra a unidade”. (F8)
Em adição, a maioria dos participantes não
concebem qual o momento apropriado para iniciar a paliação, associando que esta
conduta deverá ser implementada quando o paciente obtiver prognóstico reservado
ou em processo de terminalidade da vida:
“Quando esgotamos o tratamento clínico visando à cura –
doença irreversível”. (E3)
“Quando a doença é irreversível”. (E7)
“A partir da constatação de uma doença irreversível, bem
como do momento de identificação do paciente que se encaixa em curta
perspectiva de sobrevida”. (M7)
“Depois que todas as alternativas de recuperação de saúde
(vida) não surtem efeito. Quando não se tem mais prognóstico”. (T3)
“Se inicia quando o paciente não tem um prognóstico bom, os
cuidados paliativos priorizam a qualidade de vida do paciente mesmo sabendo que
o final será a morte”. (T7)
“Quando o paciente não responde mais a terapia utilizada; sem
prognóstico favorável”. (F5)
“Quando observa-se que não há mais
tratamento para a doença do paciente; que o paciente não responde mais ao que
já foi feito”. (N2)
Além disso, o CP é uma abordagem que deve
começar no momento do diagnóstico da doença grave e ameaçadora à vida segundo
Organização Mundial de Saúde. Seu objetivo principal é promover a qualidade de
vida e aliviar os sintomas de sofrimento durante a doença, visando não só o
paciente, mas também seus familiares e às pessoas importantes de sua
convivência [16].
Para a American
Thoracic Society todos os pacientes de UTI
deveriam receber cuidados paliativos, uma vez que todos apresentam doenças que
ameaçam a continuidade da vida, e isso não exclui a busca da cura e o cuidado
curativo [17].
Entende-se atualmente que durante a evolução da
doença os cuidados curativos e paliativos andam lado a lado, não
necessariamente excludentes, ao mesmo tempo em que ocorre a intensificação do
cuidado curativo, deve haver a intensificação do cuidado paliativo, buscando o
controle adequado dos sintomas. Integração entre cuidados curativos e
paliativos é essencial, especialmente na UTI, evitando-se a abordagem do “tudo
ou nada”, conforme a recomendação de diversas sociedades médicas [18].
Neste sentido, é importante entender que os
cuidados paliativos são concebidos com estratégia para atender às necessidades
de pacientes com doenças graves e de alta complexidade e dos familiares
paralelamente ao cuidado curativo no momento da admissão do doente na UTI.
Desta forma, todos se beneficiam igualmente, recebendo cuidados de forma
integral e digna, aliviando o sofrimento, bem como proporcionando a melhor
qualidade de vida possível.
Além disso, acompanhar um ser humano que está
sofrendo ou morrendo é um dos maiores desafios que a equipe multiprofissional
pode enfrentar. Trata-se de um processo permeado por crises de medo e
insegurança. Não há uma maneira correta de acompanhar esses pacientes, porque o
morrer de cada um é tão singular quanto o seu viver. Daí a necessidade de se
conhecer e implementar adequadamente as fases que compõe os cuidados
paliativos, uma vez que será garantido a atenção integral para todos os
envolvidos.
Categoria
3 - Desconhecendo a organização dos cuidados paliativos de acordo com o grau de
complexidade da doença.
A Câmara Técnica de Terminalidade e Cuidados
Paliativos da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), levando em
consideração os conceitos previamente apontados e, tendo em vista a necessidade
de que todos os pacientes criticamente enfermos devam receber cuidados
paliativos, foi realizado o IIº Fórum do Grupo de Estudos do Fim da Vida do
Cone Sul em 2010, na cidade de Brasília. O objetivo deste fórum foi a
elaboração de recomendações pertinentes aos cuidados paliativos a serem
prestados aos pacientes críticos.
Como resultado os participantes, baseados em
dados de literatura, sugeriram definições, recomendações e ações integradas a
serem seguidas para a implantação dos cuidados paliativos propostos aos
pacientes criticamente enfermos. Foi também proposto um fluxograma para a
prestação de cuidados paliativos na UTI.
O paciente com uma doença ameaçadora de vida
pode ser classificado em 04 fases distintas dos cuidados paliativos. A primeira
fase é aplicável na maior parte dos pacientes da UTI, quando a recuperação é o
desfecho mais provável e os cuidados que buscam a cura e/ou controle da doença
é a prioridade. Nesta fase, os CP promovem o adequado controle de sintomas e a
comunicação empática com pacientes e familiares. Já na fase 02 a recuperação ou
o controle são improváveis, pode-se, por meio do consenso com paciente e/ou
família, priorizar os cuidados que buscam o que o paciente entende por conforto
e qualidade de vida, utilizando intervenções para controle da doença de maneira
proporcional a este objetivo prioritário do cuidado. Durante a terceira fase
acontece em situações em que a morte apresenta-se
iminente ou inevitável, o CP pode ser exclusivo [13].
Em outro estudo complementando esta
recomendação a quarta e última fase caracteriza-se também pelo suporte e apoio
aos familiares diante do óbito do paciente [15].
Contrariamente ao que foi exposto, os
participantes deixam evidentes, que desconhecem quais as fases compõem os
cuidados paliativos.
“Fases não sei, não consigo definir”. (A1)
“Desconheço essa classificação por fases”. (E14)
“Em todas as fases: controle dos sintomas (dor,
desconforto); Fase I: facilitar presença dos familiares; respeitar as crenças;
proporcionar apoio psicológico. Fase II: possibilitar alta da UTI; Fase III:
retirar terapias fúteis”. (P1)
“Não tenho conhecimento das fases”. (F2)
“Não há fases”. (M8)
“Não conheço essa classificação, não faz parte da minha
vivência prática tal classificação”. (E2)
O déficit de conhecimento da equipe
multiprofissional sobre as fases que compõe o CP pode comprometer a assistência
de saúde ao paciente crítico. Cada etapa imprime a necessidade de atenção e
medidas específicas para melhora do quadro clínico e definição dos cuidados
paliativos exclusivos.
Diante dos discursos, os membros desta equipe
demonstraram dificuldades em determinar em qual fase do CP o paciente se
encontra devido à carência de formação teórica e prática para lidar com este
momento do processo de terminalidade.
Desta maneira, deduz-se que é de fundamental
importância ampliar a discussão e a formação profissional acerca dos cuidados
paliativos, aprimorando o currículo através de atividades extensionistas que
tratem da morte e dos cuidados a pessoas que está morrendo, com o propósito de
conscientização e sensibilização dos profissionais da equipe multiprofissional
intensivista para melhor atuarem e discutirem sobre a temática.
Categoria
4 - Paliação exclusiva: quando as medidas heroicas e terapias fúteis provocam
dor e sofrimento.
O CP se apoia na visão da ortotanásia que se
caracteriza pela morte em seu tempo natural, garantindo a dignidade do
indivíduo e promovendo a seu bem-estar, com a finalidade de produzir uma “boa
morte”. Por conseguinte, o investimento extenuante em esforços da equipe
multiprofissional para salvar vidas e todo o aparato tecnológico envolvido no
cuidado no ambiente de terapia intensiva é um paradoxo à abordagem paliativa,
uma vez que esta traz a proposta de promover conforto ao enfermo, não
necessitando de grandes recursos tecnológicos. [8]
Os participantes trazem a importância de se
evitar medidas heroicas e terapias fúteis, ou seja, haverá um momento em que
não se convém um tratamento curativo:
“Quando não utiliza métodos invasivos, medidas heroicas
priorizando sedação e conforto”. (E6)
“Evitar medidas invasivas, priorizar conforto focando em
controle de sintomas e evitando medidas fúteis”. (M7)
Observa-se também nos discursos uma preocupação
em afirmar que a abordagem não tenta promover a cura, de acordo com alguns
relatos:
“É a assistência dada ao paciente “incurável” que visa
diminuir o sofrimento e que alivie a dor aos pacientes terminais para que ele
possa ao seu modo, se preparar para a morte”. (T7)
“São todas as medidas instituídas para evitar sofrimento em
um paciente internado ou não, no qual não existam perspectivas de tratamento
curativo para a doença de base”. (M1)
De fato, os CP oferecem não apenas a
possibilidade de suspender tratamentos considerados fúteis, mas a realidade
tangível de ampliação da assistência oferecida por uma equipe que pode cuidar
dos sofrimentos físicos, sintomas de progressão da doença ou das sequelas de
tratamentos agressivos que foram necessários no tratamento ou no controle da
doença grave e incurável. [12]
A propósito, a questão da futilidade médica
também é um grande desafio. Existem razões pelas quais os médicos devem prestar
um bom tratamento de suporte de vida, quando indicado, mas não necessariamente
para todos os pacientes. Muitos relutam em suspender o tratamento porque temem
consequências legais, embora haja declarações e políticas favoráveis, tanto
oriundas do Colégio Americano de Emergências Médicas como da Associação Médica
Americana.
Em relação às questões ético-legais, o Conselho
Federal de Medicina Brasileiro, através da resolução nº. 1805/2006, em vigor
desde 2010, estabelece a possibilidade de o médico limitar ou suspender
procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de
enfermidades graves e incuráveis, respeitando a vontade do paciente e de seu
representante legal, respaldando, por conseguinte, a decisão médica na escolha
pela filosofia de cuidado paliativista [17],
corroborando o depoente seguinte:
“São cuidados que visa conforto do paciente em detrimento
ao tratamento patológico. A monitorização, digo, a invasão com artefatos é
evitada assim como condutas “heroicas”, são priorizadas as condutas como o
alívio da dor, conforto na terminalidade do paciente”. (E12)
Assim, cuidados paliativos exclusivos são
definidos como, na fase final de vida, quando a morte se mostra iminente e
inevitável, o médico deve oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis,
sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas levando
em consideração a vontade expressa do paciente ou seu representante [13].
Nas falas a seguir, apesar dos participantes
não trazerem em seus discursos o conceito atual de cuidados paliativos
exclusivos, ditam:
“Quando não se investe no paciente de modo a prolongar o
sofrimento, não realiza procedimento e exames desnecessários”. (T16)
“Apenas analgesia e avaliação dos marcadores de sofrimento.
Sem IOT, sem acesso/sonda... sem exames”. (F3).
O tratamento fútil, advindo da internação na
UTI, proporcionou severa violação à integridade psicofísica do paciente
terminal, impossibilitando-o de exercer o direito a uma existência digna. Tal
fato logrou vitimar o doente terminal, cujos procedimentos médicos invasivos,
desvinculados de uma finalidade curativa, proporcionaram-lhe apenas o
prolongamento de sua morte e o isolamento daqueles que realmente o amavam [15].
A obstinação terapêutica, ou medicina fútil e
inútil ou ainda distanásia é a durame da problemática, que transforma o final
da existência do paciente, tornando-os prisioneiros de uma aparelhagem técnica
que além de prolongar a vida do ser humano de forma artificial, transforma
esses momentos em verdadeiras torturas de dores e sofrimentos. É através desta
premissa que os cuidados críticos e intensivos trazem tanto para os pacientes e
seus familiares à esperança de uma recuperação “milagrosa”, difícil, porém
possível, somados ao medo e angústia profunda de perder a própria vida ou há de
alguém muito querido, estão inacreditavelmente juntos!
A maioria dos profissionais de saúde que
participaram desta pesquisa reconhece a necessidade de qualidade de vida e
conforto diante do paciente que tem uma doença que ameace a vida. No entanto,
desconhecem os conceitos preconizados sobre cuidados paliativos, e algumas
premissas, como quando se deve iniciar, as fases que compõe, além da falta de
entendimento sobre o significado dos cuidados paliativos exclusivos.
O trabalho profissional com pacientes com
doença que ameace a vida exige formação especial, incluindo capacitação e
atualização contínua sobre o assunto, pois é por meio da convivência com esse
tema que os profissionais se tornarão cada vez mais habilitados e confiantes na
assistência prestada aos pacientes sob seus cuidados. Desta forma, é de suma
importância que o tema morte seja tratado de maneira corriqueira, haja vista
que com a convivência, a observação, as intervenções e as constantes
atualizações a equipe se tornará cada vez mais
confiante e apta na realização de sua prática.
Some-se a isto, o que se percebe atualmente nas
UTIs é que estas se configuram como espaço de
gerenciamento técnico de vidas e mortes. Dessa forma, a perspectiva desafiadora
é justamente recuperar o seu papel original, isto é, sua razão de existir, que
consiste em aplicar toda a ciência da saúde conhecida em prol da melhora da
saúde a da pessoa que está internada concomitante aos cuidados paliativos.
A verdade é que os profissionais de saúde não têm
como afastar a morte indefinidamente. A morte chega para todos, esta é a única
certeza da vida. Quando a terapia medicamentosa não consegue mais atingir os
objetivos de preservar a saúde ou aliviar o sofrimento, tratar para curar
torna-se uma futilidade ou um peso e, mais do que prolongar a vida, prolonga-se
a agonia. Surge então o imperativo ético de parar o que é inútil e fútil,
intensificando os esforços no sentido de proporcionar mais que quantidade,
qualidade de vida diante do morrer.
1 O termo “doença
ameaçadora à vida” é mais apropriado para designar o paciente em risco iminente
de morte [13]. Em respeito aos autores será mantido o termo.