REVISÃO
Assistência
de enfermagem oncológica: reflexão sobre enfrentamento, riscos ocupacionais e
qualidade de vida dos profissionais
Anna Maria de Oliveira Salimena, D.Sc.*, Maggie Rocha de
Melo**, Maira Buss Thorferhn,
D.Sc.***
*Enfermeira,
Professora Titular Faculdade de Enfermagem da UFJF e do Programa de
Pós-graduação Mestrado em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da UFJF/MG,
**Enfermeira, Mestranda Programa de Pós-graduação Mestrado em Enfermagem da
Faculdade de Enfermagem da UFJF/MG, ***Enfermeira, Professora Adjunta da
Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da UFPEL e do Programa de Pós-graduação
Mestrado em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da UFJF/MG
Recebido em 3 de agosto
de 2018; aceito em 5 de abril de 2019.
Correspondência: Anna Maria de Oliveira
Salimena, Rua Marechal Cordeiro de Faria, 172,
36081-330 Juiz de Fora MG
Anna Maria de Oliveira Salimena: annasalimena@terra.com.br
Maggie Rocha de Melo:
maggierocha_@hotmail.com
Maira Buss Thorferhn:
mairabt@ufpel.tche.br
Resumo
Objetivou-se refletir
sobre a assistência da equipe de enfermagem prestada ao portador de doença
oncológica e suas implicações para a saúde destes profissionais. Métodos: Revisar a literatura sobre a
temática. Resultados: Selecionados
artigos versando sobre a assistência de enfermagem ao paciente oncológico e a
equipe de enfermagem no enfrentamento, riscos ocupacionais e qualidade de vida.
Conclusão: Destaca-se ser necessário
que se tenha boa saúde física e mental para enfrentar a rotina laboral e
prestar cuidados de enfermagem de modo integral, humanizado e de qualidade a
pessoas acometidas por doença oncológica.
Palavras-chave: Enfermagem
oncológica, riscos ocupacionais, qualidade de vida, cuidados de enfermagem.
Abstract
Oncological
nursing assistance: reflection on counseling, occupational risks and quality of
life of professionals
The
objective was to reflect on the assistance of the nursing team provided to
patients with cancer disease and its implications for the health of these
professionals. Methods: Reviewing the
literature on the subject. Results:
Selected articles on nursing care for oncology patients and nursing staff in
coping, occupational risks and quality of life. Conclusion: It is necessary to have good physical and mental health
to face the labor routine and to provide comprehensive, humanized and quality
nursing care to people affected by oncological disease.
Key-words: Oncological
nursing, occupational risks, quality of life, nursing care.
Resumen
Asistencia de enfermería
oncológica: reflexión sobre enfrentamiento,
riesgos ocupacionales y calidad de vida de los profesionales
Se objetivó
reflexionar sobre la asistencia
del equipo de enfermería
prestada al portador de enfermedad oncológica y sus implicaciones para la salud de estos profesionales. Métodos:
Revisar la literatura sobre la
temática. Resultados: Seleccionados artículos versando sobre la
asistencia de enfermería al
paciente oncológico y el equipo de Enfermería en el
enfrentamiento, riesgos ocupacionales y calidad de vida. Conclusión: Se
destaca ser necesario que se tenga
buena salud física y mental
para enfrentar la rutina laboral y prestar cuidados
de enfermería de modo integral, humanizado y de calidad a personas acometidas por enfermedad
oncológica.
Palabras-clave: Enfermería
oncológica, riesgos ocupacionales,
calidad de vida, cuidados de enfermería.
Câncer é o nome dado ao
conjunto de mais de cem doenças, que apresentam em comum a característica de
crescimento desordenado das células, que tendem a invadir tecidos e órgãos
vizinhos [1].
No Brasil, a partir das
últimas décadas, juntamente com as transformações demográficas, sociais e
econômicas, vêm ocorrendo mudanças nos perfis de morbidade e mortalidade. Esse
processo envolve algumas mudanças, dentre elas o aumento da morbimortalidade
por doenças e agravos não transmissíveis, bem como o aumento de grupos de
idosos em contrapartida da diminuição dos grupos mais jovens.
Sendo assim, esta
situação diminui a mortalidade e passa a predominar a morbidade, determinando
um impacto relevante para o sistema de saúde, desta forma fazem-se necessários
novos investimentos em tratamentos e medicações específicas para atender a
demanda de saúde [1].
Vários fatores estão
relacionados à elevada incidência do câncer no mundo, como a maior exposição a
agentes cancerígenos, entre eles agentes químicos, físicos e biológicos, além
do aumento da expectativa de vida desencadeando o crescimento da população
idosa e, consequentemente, o número crescente de agravos à saúde e em paralelo
a esta modificação as doenças próprias do envelhecimento ocorrem cada vez mais
[2,3].
O trabalho dos
profissionais de enfermagem junto à pessoa acometida por câncer pode causar
estresse e insatisfação devido à convivência intensa durante o tratamento e
suas intercorrências, bem como as condições ambientais, organizacionais e
interpessoais. Estas situações podem interferir diretamente no desenvolvimento
de suas atividades como também em sua própria saúde e qualidade de vida [4].
O cuidado a pessoa com
câncer deve ser desenvolvido por uma equipe de saúde multidisciplinar e
multiprofissional, visando atender as demandas do doente e de sua família. Mas
o enfermeiro tem relevante papel neste cuidado, pois as condições do seu
trabalho intra-hospitalar durante as 24 horas/dia,
oportuniza maior convívio com o paciente e sua família, favorecendo o
equilíbrio entre o cuidado biologicista e o
humanizado [5].
Neste contexto, estudo
evidenciou que o trabalho desenvolvido em hospital oncológico gera uma gama de
sentimentos positivos ou negativos nos profissionais e que podem ser
minimizados pelas estratégias estabelecidas pela gestão dos estados emocionais
quer individuais ou em grupo [6].
Neste sentido, teve-se
como objetivo refletir sobre a assistência da equipe de enfermagem prestada ao
portador de doença oncológica e suas implicações para a saúde destes
profissionais.
Como artigo de
reflexão, organizam-se ideias alicerçadas em referenciais teóricos. Portanto, a
busca para compreensão/reflexão deste cotidiano da equipe de enfermagem se deu
após diálogo e reflexão das autoras, por meio de revisão da literatura em
artigos publicados em periódicos nacionais, na área da enfermagem versando
sobre a assistência de enfermagem a pessoas com diagnóstico ou em tratamento
oncológico, bem como a equipe de enfermagem cuida de sua saúde no dia adia de
suas atividades.
Assistência
de enfermagem ao paciente oncológico
O Brasil deverá
registrar cerca de 600 mil novos casos de câncer no biênio 2018-2019 [7]. A
partir das informações de mortalidade da décima edição da Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID
10/2013), a segunda maior causa de óbitos no Brasil são as neoplasias,
representando mais de 16,3% de todos os óbitos do país [1].
Na atenção ao paciente
oncológico o cuidado de enfermagem deve transcender o modelo biomédico,
abarcando suas subjetividades e compreendendo um cuidado integral e humanizado.
Esta característica traz o desafio de ir além das competências técnicas
inerentes à profissão.
Cabe
destacar que a
Portaria nº874/2013 institui a Política Nacional para
Prevenção e Controle do
Câncer na Rede de Atenção à Saúde das
pessoas com doenças crônicas no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS) [8], traz princípios
e diretrizes relacionados ao
cuidado integral (inciso quinto) que no art. 13 inclui como parte do
cuidado
integral a prevenção, a detecção precoce, o
diagnóstico, o tratamento e os
cuidados paliativos.
Neste contexto, a
assistência dos profissionais de enfermagem ao paciente oncológico abrange
desde a atenção primária, perpassando pela atenção secundária até chegar ao
nível terciário de atenção, em que muitas vezes a pessoa chega bastante
debilitada e permanece longo período internada e necessita de cuidados
paliativos.
Cuidados paliativos,
segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), consistem na assistência
promovida por uma equipe multidisciplinar que objetiva a melhoria da qualidade
de vida do paciente e seus familiares diante de uma doença que ameace a vida,
por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce,
avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais,
psicológicos e espirituais [9].
Portanto, os
profissionais atuantes tanto em âmbito domiciliar (atenção primária) quanto
hospitalar apresentam grande importância nas intervenções em cuidados
paliativos. Na atenção domiciliar o portador de doença oncológica encontra a
possibilidade de se manter em seu contexto familiar e social, o que favorece a
qualidade de vida preconizada nesta linha de cuidados. Porém, demanda dos
profissionais conhecimentos e cuidados não só ao cuidado direto, mas para que
repasse aos familiares e cuidadores que, muitas vezes, despreparados, não
conseguem realizar os cuidados necessários levando muitas vezes à atenção
terciária. Quando o paciente precisa ser hospitalizado, a equipe de enfermagem
permanece sendo a responsável pelo cuidado direto.
A necessidade de
assistência especializada é um importante fator que leva ainda à grande parte
dos cuidados ao paciente oncológico ser realizada na atenção terciária e,
ainda, manter longa permanência destes nas instituições. Esta longa permanência
é uma das geradoras da aproximação entre profissional e paciente, levando aos profissionais
da equipe de enfermagem a desenvolverem estratégias de enfrentamento nesta
área.
Enfrentamento,
riscos ocupacionais e qualidade de vida
Sabidamente, em setores
específicos como a oncologia é mais comum o desenvolvimento do estresse na
rotina dos profissionais [10], pois lidam constantemente com sofrimento e
morte, situações que são intensificadas pelas características da demanda e ambiente
de trabalho [11].
Ainda podemos ressaltar
que o processo de morte e morrer é um aspecto complexo que envolve o ser
humano. Entre pessoas que estão envolvidas com este aspecto em suas atividades
laborais, apesar de terem conhecimento da morte como ciclo natural da vida, um
número significativo não está preparado para aceitar o fim da vida. Assim,
profissionais que lidam com pacientes que apresentam sentimentos negativos,
sofrimento físico e psíquico, bem como se encontram em processo de finitude
estão sujeitos a apresentar desgaste emocional. A frustração por não poder
ajudar o paciente, nem mesmo o salvar acarreta em impacto negativo para
profissionais da saúde e isto exige destes um grande esforço físico e mental
[10].
Os riscos à saúde relacionados
ao trabalho dependem do tipo e das condições em que é exercida a atividade
profissional [12]. Nos serviços de saúde (principalmente na atenção terciária)
as condições de trabalho são reconhecidamente piores as verificadas que outros
setores de atividade. A enfermagem vem sendo considerada há muito tempo uma
profissão em que fatores como desgaste físico e emocional, baixa remuneração e
o desprestígio social afetam as condições de trabalho, o que influencia direta e negativamente na qualidade da assistência
prestada [13].
Pesquisadores [13,14]
identificaram fatores que interferem na qualidade de vida no trabalho dos
profissionais da equipe de enfermagem que atuam no ambiente hospitalar como
abalos físicos e psicológicos, deficiente estrutura e materiais, remuneração
insatisfatória, jornadas duplas de trabalho, insatisfação com o trabalho,
sobrecarga de atividades, dimensionamento de pessoal, trabalho noturno,
ausência de reconhecimento profissional e os acidentes de trabalho.
Ao considerar a equipe
de enfermagem como responsável pelos cuidados contínuos, esta tende a se
envolver mais com estes pacientes. Deste modo, acompanha todo o processo do
adoecer, prognóstico da doença e tratamento e, quando o desfecho deste processo
é negativo, pode desencadear frustrações a estes profissionais.
A proximidade entre
profissional-paciente tem seu lado positivo, pois favorece o cuidado integral,
porém possibilita ao profissional absorver sentimentos negativos advindos das
situações enfrentadas pelo pacientes, carecendo aos
membros da equipe que desenvolvam habilidades para lidar com seus sentimentos,
exigindo também um preparo psicológico. Assim, é necessário que existam modos
de auxílio a estes profissionais com o intuito de ajudá-los a lidarem com estas
situações, reconhecidamente geradoras de sofrimento e vulnerabilidade
psicológica [15].
Estudo sobre mecanismos
de enfrentamento dos profissionais para conviver com o sofrimento na área de
atuação oncológica traz o distanciamento dos pacientes para tentar evitar o
envolvimento; por outro lado, a satisfação em promover alívio ao sofrimento
destes favorece seu tratamento e melhora o desempenho em suas atividades
laborais [12]. Corroborando outros pesquisadores apontam que profissionais da
equipe de enfermagem utilizam como forma de enfrentamento diante dos
sentimentos vivenciados o diálogo com outras pessoas e a religiosidade ou até
mesmo tentam desvincular suas vivências profissionais e pessoais, a fim de
diminuir o envolvimento com os pacientes [16].
A partir de este
pensar, os riscos ocupacionais que envolvem os profissionais da equipe de
enfermagem oncológica vão além de riscos biológicos, físicos, químicos e
ergonômicos, englobando também o risco psicológico e emocional.
Saúde do Trabalhador,
segundo a Lei Orgânica da Saúde (art. 6.º, § 3.º) [17] “é
um conjunto de atividades que se destina, através das
ações de
vigilância epidemiológica e vigilância
sanitária, à promoção e
proteção da
saúde dos trabalhadores, assim como visa à
recuperação e reabilitação da saúde
dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das
condições de
trabalho.”
Portanto, os
profissionais têm assegurado por lei a promoção, proteção, recuperação e
reabilitação da saúde, porém apesar destas ações, ainda faltam atividades que
favoreçam o cuidado específico à saúde psicoemocional dos profissionais
vulneráveis em suas atividades laborais.
A Organização Mundial
de Saúde (OMS) define Qualidade de Vida como “percepções do indivíduo a partir da sua posição na vida, no contexto
da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação às suas metas,
expectativas, padrões e preocupações” [18]. Mas ainda não existe uma
conformidade em relação à definição de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), que
pode ser entendida como “programa que
visa facilitar e satisfazer as necessidades do trabalhador ao desenvolver suas
atividades na organização, tendo como ideia básica o fato de que as pessoas são
mais produtivas quanto mais estiverem satisfeitas e envolvidas com o próprio
trabalho.” [14:67]
Sendo assim, a QVT está
relacionada à satisfação e bem-estar do profissional ao executar suas funções
laborais. No caso dos profissionais da equipe de enfermagem que atuam com
pacientes oncológicos a QVT está estreitamente relacionada à forma como estes
profissionais estão expostos aos riscos ocupacionais e enfrentam seus
sentimentos.
Ao refletir sobre o
cotidiano de trabalho em enfermagem, percebemos como os profissionais de
enfermagem oncológica estão inseridos em rotinas de trabalhos muitas vezes
vulneráveis, em que suas funções e atividades são potencialmente expostas a
riscos ocupacionais, mas muitas vezes não percebem que podem adoecer devido à
vivência de suas atividades laborais.
A falta de suporte a
estes profissionais bem como ausência de formas de enfrentamento pode gerar,
inclusive, consequências à qualidade da assistência, visto que precisam de
estabilidade física, psicológica e emocional para prestar cuidado adequado aos
pacientes oncológicos em cuidados paliativos ou não. Tal realidade deve ser
modificada, pois diante do significativo aumento de casos de câncer é
necessário que se tenha profissionais preparados física e emocionalmente para
prestar assistência integral, humanizada e de qualidade a estes pacientes.
Esta reflexão
possibilitou uma revisão sobre o conhecimento publicado na literatura nacional
acerca da temática e incentivar os profissionais de enfermagem além de docentes
e discentes, desde a graduação a pós-graduação, realizar outros estudos para a
instrumentalização de conhecimentos, habilidades e atitudes que atendam as
demandas na área de oncologia coerentes aos avanços científicos.