ARTIGO
ORIGINAL
A
atenção primária em saúde como fonte de apoio social a gestantes adolescentes
Pamela Nery do Lago*,
Albertina Antonielly Sydney de Sousa**, Dafne Paiva
Rodrigues***, Maria Rocineide Ferreira da Silva****,
Nayara Sousa de Mesquita*****
*Enfermeira
do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG/EBSERH,
**Docente do curso de Graduação em Enfermagem do Centro Universitário Estácio,
***Docente do curso de Graduação em Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação
Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde (PPCCLIS) da UECE, ****Professora
Adjunta do Curso de Enfermagem e da Pós-Graduação nos Programas de Saúde
Coletiva, Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde, Saúde Coletiva e Mestrado
Profissional em Saúde da Família da UECE, *****Enfermeira do Instituto Federal
de Ciência, Tecnologia e Educação (IFCE)
Recebido em 6 de agosto de 2018; aceito em 8 de setembro de 2018.
Endereço
para correspondência:
Pamela Nery do Lago, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas
Gerais, Av. Prof. Alfredo Balena, 110, Santa
Efigênia, 30130-100 Belo Horizonte MG, E-mail: pamelabio@yahoo.com.br;
Albertina Antonielly Sydney de Sousa:
albertina_sousa@hotmail.com; Dafne Paiva Rodrigues: dafne.rodrigues@uece.br;
Maria Rocineide Ferreira da Silva:
rocineideferreira@gmail.com; Nayara Sousa de Mesquita: nayara_sousadm@hotmail.com
Resumo
Objetivou-se
investigar a atuação da atenção primária em saúde na rede de apoio social à
gestante adolescente. Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva,
qualitativa, realizada com 16 gestantes entre 12 e 18 anos e com enfermeiros,
de fevereiro a maio de 2014, em quatro Unidades de Atenção Primária à Saúde da
cidade de Fortaleza/CE, além do domicílio das gestantes. Para a coleta dos
dados com as gestantes, utilizou-se uma entrevista semiestruturada; para
avaliar a atuação do enfermeiro nas consultas de pré-natal, realizou-se a
observação sistemática. Da análise dos dados pela técnica de análise de
conteúdo, emergiu a categoria O apoio
social da Atenção Primária à Saúde na maternidade adolescente. Nenhuma
participante possuía vínculo empregatício e algumas relataram abandono dos
estudos; mais da metade era casada/amasiada e todas afirmaram ser católicas. A
rede de apoio social contribuiu significativamente para as gestantes
adolescentes no enfrentamento das adversidades inerentes ao seu processo
adaptativo à nova realidade. Contudo, percebeu-se que o pouco apoio social
oriundo dos enfermeiros foi um ponto negativo, revelando vínculos frágeis e
pouco efetivos na contribuição da adoção do papel materno.
Palavras-chave: gravidez na adolescência,
apoio social, atenção primária à saúde, Enfermagem.
Abstract
Primary health care as source of social support of pregnant adolescents
This study aimed to investigate the role of primary health care in the
network of social support of pregnant adolescents. It is an
exploratory-descriptive, qualitative research conducted with 16 pregnant women
between 12 and 18 years old and with nurses, from February to May 2014, in four
Primary Health Units in the city of Fortaleza/CE, and at adolescents’ home. To
collect the data with pregnant adolescents, was used a semi-structured
interview; to evaluate the work of nurses in prenatal consultation, was done a
systematic observation. Data analysis by the content analysis technique,
revealed the category Social support by
primary health care in the adolescent motherhood. The participants were not
employed and some reported school dropout; more than half were married /
consensual union and all were catholic. The social support network contributed
significantly to the pregnant adolescents in facing adversities inherent in
their adaptation process to the new reality. However, it was perceived, as a
negative point, the little social support coming from the nurses, revealing
weak and ineffective relationships in the contribution on the maternal role
adoption.
Key-words: pregnancy in
adolescence, social support, primary health care, Nursing.
Resumen
La atención
primaria en salud como fuente de apoyo social a
gestantes adolescentes
Se objetivó investigar la
actuación de la atención primaria en salud en la
red de apoyo social a la gestante adolescente. Se trata de una investigación exploratoria-descriptiva,
cualitativa, realizada con
16 gestantes y con enfermeros,
de febrero a mayo de 2014, en 04 Unidades de Atención
Primaria a la Salud de Fortaleza/CE y en el domicilio de las gestantes. En la recolección de los datos con las
gestantes, se utilizó la
entrevista semiestructurada; para evaluar
la actuación del enfermero en
las consultas de prenatal,
se realizó la observación sistemática. Del análisis
de los datos por la técnica de análisis
de contenido, emergió la categoría El apoyo social de la
Atención Primaria a la Salud en la
maternidad adolescente. Las
participantes tenían edades
entre 14 y 18 años; sin
vínculo laboral y algunas con
abandono de los estudios;
más de la mitad estaba casada y todas
católicas. La red de apoyo
social contribuyó a las
gestantes adolescentes en el enfrentamiento de las adversidades inherentes al proceso adaptativo. Sin embargo, el poco apoyo social proveniente de los enfermeros fue un punto negativo, revelando
vínculos frágiles y poco efectivos en la
contribución de la adopción del papel materno.
Palabras-clave: embarazo
en adolescencia, apoyo social, atención primaria
de salud, Enfermería.
A adolescência é uma
fase do desenvolvimento humano muito importante para atingir a maturidade
biopsicossocial, na qual a sexualidade manifesta-se em novas e surpreendentes
necessidades e sensações corporais [1]. Esta se constitui em um momento de
descobertas, mudanças e escolhas, envoltas em um turbilhão de hormônios, o que,
em conjunto, ocasiona um período de grande instabilidade emocional tanto para a
adolescente como para os que a cercam.
Quando uma gestação
se apresenta neste cenário, aumentam-se consideravelmente os fatores
estressores, principalmente quando a gravidez não é planejada e/ou desejada. A
adolescente vê-se mudando da posição de um indivíduo até então cuidado pela
família, para outra que a eleva à condição de adulto responsável por cuidar de
uma nova vida.
A transição entre a
posição de indivíduo que recebe cuidados para a do que oferece cuidados ocorre,
geralmente, num contexto de coabitação e dependência sociofamiliar.
E a opção pela gravidez encerra o ônus da ilegitimidade social da maternidade
precoce, atribuída frequentemente à "irresponsabilidade" adolescente.
A forma como a família, companheiro e amigos percebem esse processo,
influenciará diretamente na maneira como a adolescente vivenciará este momento
[2].
Neste contexto,
destaca-se o apoio social como elemento facilitador na vivência da maternidade
adolescente. Além de amenizar o sofrimento, o qual pode afetar negativamente a
saúde, o apoio social se constitui em um fator de proteção à vida nos aspectos
físico, mental e psicoafetivo [3]. O indivíduo passa
a ser protagonista da sua vida, recebendo apoio através de suas redes para
controlar seu destino, favorecendo a construção da capacidade social e pessoal
pela interação com os que fazem parte do seu convívio.
Estudos mostram que,
no âmbito da gravidez adolescente, o suporte social influencia positivamente na
saúde das jovens mães [3-5]. Apesar do caráter protetor do apoio social, o que
a literatura tem mostrado é que as redes sociais de gestantes adolescentes
tendem a ser pouco diversificadas, com predominância dos membros da família,
muitas vezes marcadas por conflitos, tensões e discussões frequentes [6]. As
outras pessoas incluídas nas redes significativas geralmente figuram relações
apenas de contato social ou distante, e que não desempenham funções
significativas de ajuda no enfrentamento das dificuldades vivenciadas [6].
O enfermeiro surge
nesse cenário, não apenas como membro da equipe de saúde que executa suas
tarefas assistenciais, durante o pré-natal, parto e pós-parto, mas também como
um profissional com competências para ajudar e direcionar a adolescente diante
dos conflitos que envolvem a gravidez na adolescência. Torna-se imperativo um
agir ético que envolva também a família, suprindo não apenas a necessidade de
cuidado biológico como também psicossocial; assim, surgem outros profissionais
da área da saúde e da educação que podem somar esforços para atender, de forma
mais integral, à jovem e sua família [7].
Sobre os conflitos
que emergem na família da adolescente, durante e depois do descobrimento da
gestação, cabe ressaltar que as ações de enfermagem devem objetivar a
subjetividade do cuidado humano e o atendimento global às necessidades de
saúde, ou seja, envolver a gestante e sua família, incentivar e permitir a
participação dos familiares nos grupos de gestantes e consultas de enfermagem,
priorizando também um espaço na agenda da enfermagem para visitas domiciliares
ao lar dessa família [7].
Neste contexto,
oportuniza-se ao enfermeiro o desenvolvimento de uma consulta pré-natal e
puerperal qualificada e acolhedora, visando aproximar-se da realidade da
gestante adolescente, compreendendo qual a composição de sua rede de apoio e fornecendo
subsídios a uma gestação, parto e puerpério mais
confortáveis e seguros, configurando-se como outra significativa fonte de apoio
social, além da família.
O profissional de
enfermagem necessita estabelecer interações efetivas e relações de cuidado
embasada na solidariedade, apoio emocional, conforto e calor humano, dada as
circunstâncias do processo de pré, trans e pós-parto [8]. Traça-se, desta forma, um paralelo
com o que é proposto pelo Pacto pela Vida [9], que traz em seu texto a
importância de se garantir o direito da gestante ao acesso a um atendimento
digno e de qualidade na gestação/parto e puerpério.
A compreensão da
tessitura da rede de apoio social das gestantes adolescentes pode promover um
cuidado mais integral, voltado tanto para suas necessidades biológicas como
para as necessidades psicossociais que as cercam neste ciclo de vida tão
particular. Desta forma, o enfermeiro, juntamente com as outras fontes de
apoio, pode contribuir para a adoção do papel materno de forma mais eficaz e
segura.
Diante do exposto,
este estudo objetivou investigar a atuação do profissional enfermeiro na rede
de apoio social à gestante adolescente e sua influência no exercício do papel
materno.
Trata-se de uma
pesquisa exploratória e descritiva, de abordagem qualitativa realizada em
quatro Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS), pertencentes à Secretaria
Executiva Regional IV do município de Fortaleza, Ceará. O domicílio das
gestantes adolescentes também se constituiu local de coleta de dados, em razão
da baixa adesão destas às consultas de pré-natal.
A seleção dos locais
de estudo se deu por amostragem não probabilística por conveniência.
Participaram do estudo 16 gestantes adolescentes que faziam acompanhamento
pré-natal nas UAPS, selecionadas segundo os critérios: a) inclusão: gestantes
entre 12 e 18 anos de idade, segundo faixa etária padronizada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente [10], cadastradas no SISPRENATAL, e que iniciaram o
pré-natal independente do trimestre gestacional; b) exclusão: gestantes
acompanhadas exclusivamente por profissional médico. Quanto aos enfermeiros,
participaram do estudo 5 profissionais, selecionados
segundo o tempo mínimo de seis meses de atuação na UAPS, o que formalizaria um
certo vínculo com as gestantes.
A coleta de dados foi
realizada no período de fevereiro a maio de 2014 por meio de duas técnicas:
para a obtenção de informações das gestantes adolescentes, utilizou-se uma
entrevista semiestruturada composta por questões relacionadas à identificação
do perfil sociodemográfico e de sua rede de apoio;
para avaliar a atuação do enfermeiro nas consulta de pré-natal, realizou-se a
observação sistemática, a qual seguiu o seguinte roteiro: a) O enfermeiro
identifica os aspectos psicossociais da gestante adolescente durante a
consulta? b) O enfermeiro identifica a rede social de apoio à gestante? Se o
faz, utiliza algum instrumento para tal? c) O enfermeiro permite que a gestante
exponha suas dúvidas e as esclarece?
As entrevistas foram
gravadas, transcritas na íntegra e organizadas em arquivos do Microsoft Word®,
garantindo-se o sigilo e o anonimato das identidades das gestantes designando a
cada uma o nome de uma pedra preciosa. Já a observação foi registrada no diário
de campo do pesquisador e para cada enfermeiro atribuiu-se a letra E, seguida
do número referente à ordem da observação.
Os dados foram analisados por meio da
técnica de análise de conteúdo [11], focando-se particularmente na análise
temática de conteúdo, em que o conceito central é o tema. Este comporta um
feixe de relações e pode ser graficamente apresentado através de uma palavra,
uma frase ou um resumo. Neste estudo, identificou-se a categoria O apoio social da Atenção Primária à Saúde
na maternidade adolescente.
A pesquisa foi
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará,
com parecer nº 681.375/2014 e pelas UAPS, por meio de anuência da Secretaria
Municipal de Saúde de Fortaleza. Foram respeitados os aspectos éticos e legais
preconizados pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde [12]. Após
explicação da pesquisa, os sujeitos atestaram sua concordância em participar da
mesma mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Nos casos de gestantes com menos de 18 anos, o TCLE foi assinado pelo
responsável e as mesmas assinaram o Termo de Assentimento Informado.
Perfil
das participantes
As 16 participantes
apresentaram idades entre 14 e 18 anos, todas primíparas, com tempo de estudo
variando entre o 6º ano do ensino fundamental até o ensino superior em curso,
sete delas interromperam seus estudos antes ou durante a gestação. Nenhuma
possuía vínculo empregatício e as rendas familiares variaram de R$356,00 a
R$3.000,00. Em relação à religião, oito (50%) afirmaram ser
católicas, três (18,75%) evangélicas, duas (12,50%) cristãs protestantes e três
(18,75%) referiram não ter religião. Quanto ao relacionamento, nove (56,25%)
tinham união estável ou eram casadas e sete (43,75%) eram solteiras.
Categoria:
O apoio social da Atenção Primária à Saúde na maternidade adolescente
Esta categoria
emergiu segundo a percepção das mães acerca do apoio advindo do profissional
enfermeiro durante a consulta de pré-natal, além da captação do pesquisador por
meio da observação sistemática.
O compromisso dos
profissionais em realizar um bom atendimento e a orientação oferecida pela
Equipe de Saúde da Família, especialmente pelos agentes comunitários de saúde
(ACS), enfermeiros e médicos, foram enfatizados por
algumas gestantes. O posto de saúde se constituiu em um local de apoio e
suporte social, segundo as falas a seguir:
Eu
gosto muito da agente de saúde porque ela se preocupa muito, vem sempre ver
como eu estou, se estou bem, se tomei as vacinas. O
restante é só no dia do pré-natal mesmo... Eles dizem pra eu comer bem, pra não
fazer muito esforço, se eu sentir alguma coisa pra ir logo procurar ajuda.
Essas coisas (Safira).
No entanto, para
muitas das participantes, o apoio prestado pelo serviço de saúde se resumiu à
oferta de uma consulta pré-natal puramente técnica focada na verificação de
exames e avaliação do estado de saúde do bebê, sem aprofundar questões de cunho
pessoal que avaliassem sua saúde psicológica e o meio social em que viviam.
Quando questionadas sobre o que era mais importante durante a consulta de
pré-natal, nenhuma das gestantes citou nada além do preenchimento do cartão de
pré-natal, do exame físico abdominal e da prescrição medicamentosa.
Compreende-se, assim, que muitas delas não perceberam a unidade de saúde como
um dispositivo de apoio para além do cuidado biomédico.
Segundo o apreendido
pelo pesquisador durante as consultas de pré-natal do enfermeiro, constatou-se
que muito do que as gestantes relataram nas falas coadunavam com o observado.
As consultas eram focadas basicamente na conferência dos exames apresentados
pelas gestantes e, quando disponível, era feita a ausculta dos batimentos
cardíacos fetais com sonar Doppler e a medição da altura uterina, garantindo a
parte técnica da consulta. Raramente questões de abordagem psicossociais foram
exploradas.
Diante do fato de que
a maioria das gestantes em suas entrevistas não citou espontaneamente o
enfermeiro como importante fonte de apoio, elas foram questionadas
particularmente sobre o papel do enfermeiro nas consultas de pré-natal. As
gestantes não souberam referir a importância destes
profissionais no seu acompanhamento pré-natal.
Em diálogo com os
enfermeiros envolvidos na pesquisa, pode-se perceber certa angustia dos mesmos,
pois relataram a sobrecarga de trabalho como um importante fator impeditivo
para uma consulta de pré-natal que levasse a um acompanhamento psicossocial
aprofundado das gestantes, sem abordagens mais significativas neste aspecto. Em
determinados momentos a enfermeira E1 e o enfermeiro E4 relataram que possuem
tantas famílias pelas quais eram responsáveis em suas equipes de ESF que era
impossível dar a atenção necessária que certos grupos requeriam,
como no caso de gestantes adolescentes que precisam de um atendimento
diferenciado dado o contexto vulnerável em que normalmente a gravidez acontece.
Uma observação
relevante diz respeito ao baixo número de consultas de pré-natal realizadas
pelas adolescentes, fato preocupante enfatizado pelos enfermeiros participantes
da pesquisa. Estes relataram que as adolescentes realizavam de 3 a 5 consultas
durante todo o período gestacional e expressaram dificuldade em atrair este
público para as consultas. Retomando algumas fragilidades do serviço, os
enfermeiros apontaram: elevada demanda, falta de tempo, falta de veículos para
realizarem visita domiciliar, falta de interesse da própria equipe em formar
grupo de gestante e criar vínculo, falta de interesse das gestantes que “não se
importam muito” (E2) com suas gestações.
Outro aspecto
negativo apresentado na fala da adolescente versa sobre o estigma social acerca
da gravidez adolescente traduzido pela falta de acolhimento e juízo de valor
demonstrado pela postura dos profissionais da UAPS:
[...]
pro posto eu venho pro pré-natal porque é o jeito
[...] pra mim, todo mundo aqui (Posto de Saúde) fica me olhando com cara de
reprovação, me sinto um lixo. Eu sei que não se deve engravidar nova, que a
gente precisa estudar e tal, mas aconteceu e eu não vou morrer por isso. Se eu
aceitei essa gravidez e minha família também, então acho que as outras pessoas
deveriam respeitar também e não ficar me julgando (Jade).
Este referido fato
não foi percebido durante a observação da pesquisadora das consultas de
pré-natal. Os enfermeiros tratavam as gestantes adolescentes com a mesma
cordialidade que as demais. Contudo, quando as entrevistas eram realizadas nos
domicílios das gestantes, percebeu-se que os ACS que acompanhavam a
pesquisadora no campo, demonstravam nas entrelinhas certo preconceito em
relação às adolescentes estarem grávidas, fazendo comentários negativos e
moralistas.
No geral, as UAPS
tiveram um papel bastante limitado como fonte de apoio citado pelas gestantes.
Apenas três delas referiram este apoio como importante, sobretudo na figura do
ACS. As demais mantinham relações enfraquecidas com as unidades, até mesmo
relatando que não tinham interesse em frequentá-las e formar vínculo. Esse
sentimento corroborou, inclusive, informações fornecidas pelos ACS que
mencionaram que as gestantes deixavam de realizar suas consultas de pré-natal
de forma regular e adequada pela falta do sentimento de pertença àquele espaço
de cuidados.
Estima que,
anualmente, 7,6 milhões de adolescentes tornam-se mães. Destas, cerca de 70 mil
morrem de causas relacionadas à gravidez e ao parto em países em
desenvolvimento. Essas adolescentes tendem a originar-se de domicílios de baixa
renda e a apresentarem deficiência nutricional [13].
Na realidade
brasileira, evidenciada a partir de dados do Sistema de Informações sobre
Nascidos Vivos (SINASC), percebe-se que a proporção de jovens entre 10 e 14
anos que tiveram filhos se manteve constante entre os anos de 2002 e 2013,
destacando-se, nesse contexto, as regiões Norte e Nordeste do país [14].
As estatísticas
relativas ao ano de 2013 mostram que dos 2.904.027 nascidos vivos notificados
ao SINASC, 559.991 (19,28%) eram filhos de mães com idade até 19 anos, sendo
27.989 (0,9%) de mães do grupo etário de 10 a 14 anos e 532.002 (18,31%) de
mães com idade de 15 a 19 anos [14]. Logo, percebe-se que jovens entre 15 e 19
anos se constituem na faixa etária que agrupa o maior número de adolescentes
grávidas, o que está de acordo com os achados deste estudo, no qual das 16
gestantes adolescentes, quatorze estavam na faixa etária de 15 a 19 anos.
Estudo que
entrevistou 4.634 jovens identificou que 29,6% das moças e 21,4% dos rapazes
haviam experimentado a gravidez antes dos 20 anos. As jovens com renda familiar
per capita de até R$220,00, que engravidaram na adolescência, referiram mais
frequentemente não terem concluído a educação básica. Entre os homens, ter
renda familiar per capita até R$220,00, ter pais separados antes dos 20 anos e
ter engravidado uma parceira antes dos 20 anos implica em maior chance de não
concluir a educação básica [15].
A proporção de
adolescentes com filhos é consideravelmente maior nos grupos de menor
escolaridade. A incidência de gravidez é de uma em cada quatro mulheres para
quem tem quatro anos de estudo ou menos (25%). Em contraste, entre as mulheres
com oito anos de estudo, uma em cada doze tem filhos (cerca de 8%) [16].
A gravidez na
adolescência é mais frequente nos estratos de renda mais baixa e, para muitas
jovens, engravidar é uma escolha tomada como um meio de inserção social. É
notável, ainda, a relação existente entre gravidez e abandono escolar, pois se
estima que 57,8% das meninas brasileiras com filhos não estudam nem trabalham.
Das meninas com idade entre 10 e 17 anos sem filhos, somente 6,1% não
estudavam; já entre as meninas com filhos, esta proporção chega a
impressionantes 75,7%, das quais 57,8% destas não estudavam nem trabalhavam, o que evidencia as dificuldades encontradas
para engajar-se em alguma atividade fora de casa com um filho pequeno para
cuidar [17]. Nesse sentido, há que se falar sobre a necessidade de articulação
entre os setores de saúde e educação na busca de uma interdisciplinaridade
capaz de enfrentar os desafios da orientação sexual para adolescentes [18].
Quanto à crença
religiosa das participantes, referida em sua maioria como católica, corrobora a
literatura [16]. Em estudo com 119.978 mulheres de 15 a 19 anos, 80,7% se
declararam católicas e 11,7% delas já tinham filhos. Os autores observaram os
diferentes perfis de crenças religiosas e sua relação com a taxa de
fecundidade, porém não chegaram a uma explicação concreta dessas variações. O
que se pode destacar é que a espiritualidade tem papel importante no âmbito da
maternidade adolescente. Os profissionais devem ter conhecimentos a respeito
das crenças e valores das várias vertentes religiosas, além dos modos de
vivenciar a espiritualidade, para estarem capacitados a desenvolver um cuidado
significativo, fornecendo o apoio necessário nesse momento singular [19].
Quanto ao
relacionamento, observou-se que a maior parte das participantes tinha um
relacionamento estável, o que pode ser considerado um fator favorável, pois
indica que a presença do companheiro pode funcionar como uma fonte de apoio
neste contexto. Estudos apontam que a gestação na adolescência pode ser desejada e gratificante, promovendo o reconhecimento e a concretização
de um projeto de vida, principalmente para aquelas com nível
socioeconômico menos favorecido e que estejam em relações estáveis [20].
Pesquisas
qualitativas apontam que muitas vezes tanto a moça quanto o rapaz planejam a
gravidez, ou, pelo menos, não se esforçam muito para evitá-la e ficam contentes
quando é confirmada. A adolescente busca construir sua identidade e sentir-se
mais adulta, mais mulher e com mais poder tendo seu próprio filho. O projeto de
vida profissional, neste caso, pode dar lugar ao de construir uma família ou,
pelo contrário, o fato de ter um filho pode reforçar o plano de seguir
estudando e buscar ascender socialmente [17].
A figura do
companheiro como fonte de apoio social durante a gestação já é bem relatada na literatura.
Estudo com adolescentes apontou que o companheiro ofertou carinho, amor e
proferiu palavras que fortaleceram a autoestima da adolescente [21]. Outro
estudo observou que as gestantes e puérperas receberam o apoio do
companheiro/marido. Em relação ao papel de pai, gradualmente o homem tem atuado
para além do suporte econômico da família, está se fazendo presente na
alimentação e no cuidado com o bebê, inclusive no acompanhamento ao longo do
seu desenvolvimento [22].
No contexto da
maternidade adolescente, a equipe de saúde assume papel fundamental e deve
estar preparada para enfrentar quaisquer fatores que possam afetar adversamente
a gravidez, sejam eles clínicos, obstétricos ou de
cunho socioeconômico ou emocional. Além do apoio informacional à gestante,
orientando-a sobre o andamento de sua gestação e instruindo-a quanto aos
comportamentos e atitudes que deve tomar para melhorar sua saúde, a equipe deve
trabalhar no intuito de ampliar sua rede social de apoio, agregando família, companheiro(a) e pessoas de convivência próxima [23].
Estudo desenvolvido
com puérperas, afirma que elas se sentiram acolhidas ao receberem dos
profissionais de saúde informações com tranquilidade, destacando-as como
únicas, conhecendo-as e auxiliando-as neste momento de mudanças e adaptações.
Ao atender adolescentes, é fundamental ter dedicação e sensibilidade para
perceber as demandas do período, bem como a necessidade de informação e
orientação acerca dos direitos garantidos por lei, que podem auxiliá-las de maneira
positiva [21].
Pesquisa “Nascer no
Brasil”, relacionada aos partos em primíparas adolescentes, evidenciou sua
vulnerabilidade quando comparadas às mulheres adultas. As adolescentes
apresentam mais desvantagens quanto aos seus direitos, com atraso escolar ou
mesmo não frequentando a escola [24]. Faz-se necessário que os professores
estejam mais próximos no período gravídico-puerperal e que atentem para as suas
demandas [21].
Um aspecto
preocupante ressaltado pelos profissionais de saúde se refere ao baixo número
de consultas no pré-natal realizados pelas adolescentes. Estes enfatizaram que
as gestantes adolescentes são as que mais faltavam às consultas de pré-natal,
dificilmente perfazendo o mínimo de seis atendimentos preconizados pelo Ministério
da Saúde [23].
O ACS, sempre que
possível, deve intermediar as ações de saúde entre os profissionais do posto de
saúde e a comunidade, com o intuito de promover vínculos e facilitar as
relações interpessoais entre a comunidade e o serviço de saúde [25].
Sobre a competência
da atenção básica, por meio da ESF, deve-se buscar proporcionar um ambiente
acolhedor aos jovens, através de busca ativa e diálogo entre serviço de
saúde/escola; oportunizar através das consultas com pais, familiares e
responsáveis, informações pertinentes à saúde sexual dos jovens; discutir,
ofertar e orientar sobre os métodos anticoncepcionais; proporcionar espaços
resolutivos para o esclarecimento de dúvidas [26].
Em relação às
situações de preconceito levantadas pelas gestantes, a literatura aponta que a
desconstrução de preconceitos e estereótipos em torno da gravidez na
adolescência significa pensar as relações de gênero em um contexto mais amplo
de reflexão sobre a vivência da sexualidade na juventude. Contudo, isto deve
ocorrer a partir de uma perspectiva renovada, que substitua o olhar
moralizante, culpabilizador e amedrontador sobre os
jovens pela valorização de seus direitos, entre eles os direitos sexuais e os
direitos reprodutivos [17].
Apesar da maioria dos
profissionais de saúde não valorizar aspectos psicossocioculturais,
é possível realizar aproximações a uma abordagem integral e humanizada. Estas,
praticadas por profissionais principalmente da saúde mental em atividades
grupais junto às adolescentes gestantes, distinguem-se do modelo hegemônico da
biomedicina pela presença ativa dos sujeitos nas trocas dialógicas e pela
produção e desenvolvimento da autonomia das adolescentes gestantes [27].
No
que concerne à
satisfação de gestantes com a consulta de
pré-natal realizada por enfermeiros,
um estudo apontou resultados semelhantes, afirmando que é
possível perceber, a
partir dos relatos, que a satisfação refere-se apenas aos
aspectos gerais. Um
bom atendimento pré-natal, além de fazer um
acompanhamento clínico da evolução
gestacional, deve ser capaz de identificar intercorrências e
prestar
orientações quanto à alimentação,
mudanças físicas e psicológicas durante o
período gestacional. Percebe-se que não há um
aprofundamento das consultas na tentativa
de abordar questões mais densas [28].
Em estudo com
puérperas adolescentes, contatou-se que os profissionais de saúde não foram
mencionados como pessoas que as apoiavam, o que pode desvelar ausência de
sensibilidade para perceber a subjetividade e as demandas das adolescentes em
particular. A falta de apoio referida por algumas adolescentes acarretou
abandono escolar, isolamento social e problemas de relacionamento com o
companheiro e familiares. Estes fatos demonstram a necessidade de acompanhamento
dos profissionais de saúde no ciclo gravídico-puerperal, para que possam
atender às demandas das adolescentes e ampliar as suas possibilidades de fontes
de apoio social [21].
O enfermeiro tem o
compromisso, bem como a obrigação ética e moral, de envolver as famílias em
seus cuidados de saúde [30]. Atividades de educação em saúde envolvendo
gestantes e familiares, através de encontros e grupos, são recursos que
permitem a aproximação entre profissionais e receptores do cuidado além de
contribuírem para a assistência humanizada [28].
É neste sentido que o
enfermeiro pode buscar superar a invisibilidade demonstrada pelo presente
estudo, o qual aponta que muitas adolescentes sequer lembravam-se desse
profissional como importante fonte de apoio para o desenvolvimento saudável de
sua gestação.
Quando a gestante
adolescente procura um profissional de saúde, este deve buscar investir na
formação de vínculo para que estas adolescentes participem de grupos de apoio
social através de um cuidado informal, passando a se ver em outras que estão
vivenciando a mesma condição, ampliando desta forma sua rede de apoio, que
influencia diretamente no desenvolvimento saudável da gestação. Estudo [2]
afirma que a integração destas ações às atividades realizadas pelos serviços de
saúde poderá efetivar-se nas UAPS a partir da identificação das famílias ou dos
grupos sociais primários, não só como destinatários de ações assistenciais, mas
também como copartícipes no processo de atenção à
saúde.
Neste estudo, a rede
de apoio social contribuiu para as gestantes adolescentes no enfrentamento das
adversidades inerentes ao seu processo adaptativo à nova realidade, sobretudo,
considerando que todas eram primíparas e inexperientes ao vivenciar o papel
materno.
Contudo, as relações
enfraquecidas de apoio social ofertado pelos profissionais de saúde das UAPS
foram pontos negativos observados tanto nas falas das gestantes adolescentes
quanto na observação da pesquisadora durante as consultas de pré-natal.
Neste cenário, surge
o questionamento: onde está a figura do enfermeiro e qual o seu real papel
junto à comunidade? O que se percebe no presente estudo é que este profissional
tem sua função fragilizada no que concerne ao apoio social oferecido à gestante
para que esta desenvolva o seu papel materno. Com ações superficiais e
empobrecidas de vínculos fortes é pouco provável que estes profissionais
alcancem o objetivo de prestar uma assistência integral e de qualidade. Através
dessa postura, acaba por manter um vínculo fraco com a comunidade, perpetuando
um ciclo de ações pouco efetivas e frágeis, perdendo seu espaço como
profissional de saúde da família.
Para estabelecer
vínculos, faz-se necessário conhecer a família de fato: seus valores, suas
percepções, suas dificuldades e suas forças na condução do cuidado cotidiano,
pois só assim será possível uma assistência integral, mais eficaz e
satisfatória do ponto de vista de quem a procura.
Ações de promoção da
saúde e vínculo efetivo podem e devem ser realizadas por todas as pessoas que
compõem as equipes multiprofissionais de saúde, pois estão aptos a prestar as
devidas orientações com vistas a melhorar a qualidade de vida da população
atendida. Estes devem buscar estratégias para que o vínculo seja formado, uma
vez que as UAPS encontram-se inseridas na comunidade e tem como um de seus
objetivos um maior e mais efetivo contato com a população.
Para traçar o perfil
da rede de apoio social fornecida a uma gestante se faz necessário romper com
as barreiras impostas pelo modelo biomédico centrado na doença e ainda
ultrapassar os limites do individualismo que afastam as pessoas e dificultam as
relações humanas, e buscar estratégias de aproximação tanto da gestante quanto
da sua família e demais pessoas de seu convívio. Embasando-se neste
conhecimento, pode-se propor mudanças adaptativas
necessárias a essa nova etapa da sua vida. Portanto, é papel do enfermeiro ser
parte integrante e fundamental dessa rede de apoio social, recuperando as redes
de solidariedade primárias como provedoras de cuidados informais.