ARTIGO
ORIGINAL
Cuidado
centrado na família do recém-nascido: alegações dos profissionais de saúde
Patricia Rejane Ribeiro
Bispo, M.Sc.*, Isabel Lopes
Pereira da Silva Amaral**, Maria da Conceição Luna dos Santos, M.Sc.*, Josicleide Montenegro da
Silva Guedes Alcoforado, M.Sc.*, Maria Gorete Lucena
de Vasconcelos, D.Sc.***
*Universidade
Federal de Pernambuco, **Pós-Graduada em Saúde Pública com Ênfase em Saúde da
Família pela Faculdade de Comunicação e Turismo de Olinda, ***Pós-Doutora em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto
Recebido em 5 de setembro de 2018; aceito em 5 de dezembro de 2018.
Endereço
de correspondência:
Isabel Lopes Pereira da Silva Amaral, 1ª Travessa Santa Catarina, 25, 53620-373
Saramandaia, Igarassu PE, E-mail:
isabel20ilps@yahoo.com.br; Patricia Rejane Ribeiro
Bispo: patriciarrbispo@hotmail.com; Maria da Conceição Luna dos Santos:
cecaluna4@gmail.com; Josicleide Montenegro da Silva
Guedes Alcoforado, josialcoforado@hotmail.com; Maria Gorete Lucena de
Vasconcelos: mariagoretevasconcelos@gmail.com
Artigo retirado da
dissertação intitulada: Cuidado Centrado na família do recém-nascido: alegações
de profissionais de saúde de autoria de Patricia
Rejane Ribeiro Bispo, sob a orientação de Profª. Mª
Gorete Lucena de Vasconcelos do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e
do Adolescente da UFPE
Resumo
Objetivo: Analisar as
alegações dos profissionais de saúde sobre o cuidado centrado na família do
recém-nascido. Métodos: O estudo foi
do tipo descritivo/exploratório, de natureza qualitativa. Fizeram parte do
estudo nove profissionais de saúde da unidade de terapia intensiva neonatal do
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC/UFPE) no
período de abril a maio de 2010, tendo por base a saturação teórica dos dados.
A coleta de dados se deu por meio de entrevista semiestruturada orientada por
três questões norteadoras. As entrevistas foram analisadas utilizando-se a
análise de conteúdo, modalidade temática proposta por Minayo.
Resultados: Foram identificadas 4 categorias: Família:
elo para o bem-estar, a saúde e a cidadania do pequeno ser; A família como
apoio materno; Inclusão insuficiente da família; Alegações ambivalentes sobre o
cuidado centrado na família. Conclusão:
Os profissionais demonstraram reconhecer a importância do cuidado centrado na
família, mas a prática resumiu-se em orientações e inclusão no cuidado direto.
A carência de profissionais no setor foi um ponto desafiador. Os próprios
profissionais apresentaram soluções como encontros educativos para melhora
nesse cenário.
Palavras-chave: relações
profissional-família, recém-nascido, enfermagem neonatal, saúde da
família.
Abstract
Care centered on the family of the newborn: allegations of health
professionals
Objective: To analyze
the health professionals' claims about care centered on the family of the
newborn. Methods: The study was
descriptive / exploratory, qualitative in nature. Nine health professionals
from the neonatal intensive care unit of the Hospital das Clínicas
of the Federal University of Pernambuco (HC / UFPE)
from April to May 2010 were part of the study, based on the theoretical
saturation of the data. The data collection took place through a
semi-structured interview guided by three guiding questions. The interviews
were analyzed using the content analysis, thematic modality proposed by Minayo. Results: We
identified four categories: Family: link to the welfare, health and citizenship
of the small being; The family as maternal support;
Insufficient inclusion of the family; Ambivalent claims about family-centered
care. Conclusion: Professionals
demonstrated the importance of family-centered care, but the practice was
summarized in guidelines and inclusion in direct care. The shortage of
professionals in the industry was a challenging point. The professionals
themselves presented solutions as educational meetings to improve this
scenario.
Key-words:
professional-family relations, infant newborn, neonatal nursing,
Resumen
Cuidado centrado en
la familia
del recién nacido: alegaciones de los profesionales de la salud
Objetivo: Analizar
las alegaciones de los profesionales de la salud
sobre el cuidado centrado en
la familia del recién nacido.
Métodos: El estudio
fue del
tipo descriptivo / exploratorio,
de naturaleza cualitativa. Nueve profesionales de salud de la
unidad de terapia intensiva neonatal del Hospital de las Clínicas de la Universidad Federal de
Pernambuco (HC/UFPE) participaron del
estudio en el período de abril a mayo de
2010, teniendo como base la
saturación teórica de los datos. La recolección de datos se dio
por medio de una entrevista semiestructurada
orientada por tres cuestiones
orientadoras. Las entrevistas fueron
analizadas utilizando el análisis de contenido, modalidad temática propuesta por Minayo. Resultados: Se identificaron
4 categorías: Familia: vínculo para el bienestar, La salud y la ciudadanía del
pequeño ser; La familia
como apoyo materno; Inclusión
insuficiente de la familia;
Alegaciones ambivalentes sobre el
cuidado centrado en la familia. Conclusión: Los profesionales demostraron reconocer la importancia
del cuidado centrado en la familia, pero la práctica se resumió en orientaciones
e inclusión en el cuidado directo. La carencia de profesionales en el
sector fue un punto desafiante. Los propios profesionales presentaron
soluciones como encuentros educativos para mejorar en ese
escenario.
Palabras-clave: relaciones profesional-familia, recién
nascido, enfermería neonatal, salud
de la familia.
Ao longo da história,
a assistência ao recém-nascido (RN) que tinha como foco no
passado, apenas, o avanço tecnológico e o controle da doença com o objetivo de
maior sobrevida do neonato vem sofrendo transformações neste modelo
biotecnológico despertando para uma nova filosofia de cuidado, centrando-o na
família, tendo como finalidade ampla à capacitação, o empoderamento
e a qualidade de vida da tríade mãe/recém-nascido/família [1].
No ciclo familiar
mudanças dramáticas podem ocorrer quando acontece o nascimento inesperado de uma
criança doente, pois a necessidade de cuidados especializados com consequente
hospitalização prolongada, talvez por meses a fio, revela sempre momentos
difíceis para mães e familiares, permeados por sentimentos de ansiedade,
tristeza, medo, dúvida ou revolta, frente à experiência de ter um filho em
situação de risco. A situação vivida faz com que a família procure apoio
formalmente nos profissionais de saúde e informalmente com outros familiares,
amigos, vizinhos, inclusive, na religião, para suportar as dificuldades da
experiência de ter o filho hospitalizado [2].
Estudo realizado
sobre o cuidado centrado na família (CCF) demonstra as repercussões sobre o
crescimento e o desenvolvimento de crianças prematuras, reduzindo o
comportamento de stress, possibilitando rápido retorno ao estado de sono e
menor utilização de recursos, quando comparadas com crianças cujas famílias não
se constituíram no foco da atenção, no qual os neonatos receberam apenas os
cuidados de rotina [3].
Gradativamente, estas
transformações na filosofia e nas abordagens do cuidado em saúde estão sendo
incorporadas às diretrizes das políticas públicas sociais através do Programa
Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH). Esse tem o objetivo
de melhorar a qualidade e a eficácia dos serviços por meio do aprimoramento das
relações entre profissionais de saúde e comunidade assistida, valorizando a
dimensão humana e a subjetiva, agregando à eficiência técnica e científica uma
ética que considere e respeite a singularidade das necessidades do sujeito no
ambiente hospitalar [4].
É necessário informar
os pais sobre o plano de tratamento e procedimentos realizados, responder aos
seus questionamentos com honestidade, ouvir atentamente seus medos e suas
expectativas e assisti-los na compreensão das respostas da criança durante a
hospitalização, tendo inclusive, a confirmação da importância do suporte que a
enfermagem proporciona no atendimento das necessidades dos pais de crianças
prematuras [5].
A concepção de trabalhar
com o neonato de risco fundamentado nos princípios do cuidado centrado na
família pode restabelecer a competência parental, ajudar a equipe de
profissionais a respeitar valores e sentimentos dos familiares e contribuir
para que os pais e profissionais trabalhem em parceria na unidade neonatal [6].
Mesmo em outros
contextos e situações, o que os profissionais de saúde passam através do
cuidado com foco na família, talvez esteja além da comunicação verbal,
evidenciado pela manifestação de interesse pela pessoa do paciente, a troca de
experiência entre os envolvidos no processo, a força de coesão da equipe de
profissionais, contendo nesta atividade um potencial regenerador considerável
ou terapêutico, quando utilizado de forma adequada e efetiva para melhoria da
qualidade da assistência [7].
Contudo, as
investigações pouco têm explicado o que os profissionais que estão no cotidiano
das Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) entendem e alegam sobre esse
processo de trabalho tão discutido nos últimos anos. Esta lacuna desencadeou os
seguintes questionamentos de pesquisa a serem investigados pelo estudo em
questão: Qual o conhecimento da equipe de saúde neonatal sobre o cuidado
centrado na família? Como a família é incluída nesse cuidado?
Ante o exposto, o
presente estudo teve como objetivo analisar as alegações dos profissionais de
saúde sobre o cuidado centrado na família do recém-nascido.
Para contemplar o
objetivo do estudo, optou-se pelo estudo do tipo descritivo e exploratório de
natureza qualitativa. A metodologia foi escolhida por ter como finalidade
proporcionar maiores informações sobre o assunto investigado, descrevendo as
alegações dos profissionais envolvidos no cuidado ao recém-nascido hospitalizado
com a família deste [8].
Esta pesquisa faz
parte de um projeto de âmbito maior que tem como título “Estudo Epidemiológico
e Avaliação Qualitativa com a família do recém-nascido prematuro em Recife”.
A investigação
ocorreu na UTIN do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco
(HC/UFPE), localizado no município de Recife e tem como função básica apoiar o
ensino de graduação e pós-graduação do Centro de Ciências da Saúde da UFPE. O
HC atua como hospital escola e centro de pesquisa científica; integra o SUS,
com prestação de serviços médico-hospitalares e atendimento ambulatorial à
população do estado e da região Nordeste. É considerado referência para o
atendimento da gravidez e do recém-nascido de alto risco.
Em 2000, o hospital
recebeu o título de Hospital Amigo da Criança, iniciativa da Organização
Mundial de Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), e
em 2003 foi instituído um Grupo de Apoio a Mãe
Acompanhante (GAMA), dentro dos princípios do cuidado centrado na família, que
desenvolve atividades de escuta e de lazer, ajudando a manter o vínculo afetivo
da tríade mãe/recém-nascido/família, se consolidando como um espaço inovador de
pesquisa.
Os sujeitos do estudo
foram nove profissionais da UTIN que atenderam os critérios de inclusão
adotados no estudo: trabalhar diretamente com o recém-nascido de risco na
instituição e ter vínculo efetivo. Foram excluídos residentes, alunos de
graduação ou voluntários. Definiu-se, ainda, como critério de exclusão os
profissionais que estavam afastados do serviço, por licença formal ou por
férias.
O período da coleta
dos dados deu-se nos meses de abril e maio de 2010.
O instrumento
utilizado para a coleta de dados foi uma entrevista elaborada pelas próprias
autoras, contendo 16 questões, sendo 13 questões referentes à identificação e
caracterização dos participantes e as demais relacionadas à exploração do
significado para o profissional acerca do processo de trabalho centrado na
família, dando margem também para colocações que os sujeitos achassem
pertinentes.
As entrevistas foram
individuais, mediante autorização prévia dos participantes, realizadas em seu
ambiente de trabalho, em local reservado, conforme disponibilidade do
entrevistado, quanto à data e horário, gravadas em aparelho
MP4 com duração média de 15 minutos e transcritas logo após a sua
realização. Foi salientado que a participação de cada um em nada influenciaria
no seu vínculo e ambiente de trabalho. Ao término da entrevista a mesma foi
exibida ao entrevistado com o objetivo da validação inicial do estudo junto ao
profissional.
As entrevistas foram
submetidas à análise de conteúdo, na modalidade de análise temática, que revela
como conceito central o tema, e este pode ser representado por uma palavra, uma
frase ou um resumo. Foi seguida a trajetória de análise de conteúdo temático
proposta por Minayo, com o cumprimento das etapas:
Primeira etapa - leitura exaustiva das entrevistas na íntegra; Segunda etapa -
exploração do material; Terceira etapa - síntese interpretativa de toda a
análise realizada [9].
Atendendo a Resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (CNS/MS), o projeto
foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde
da Universidade Federal de Pernambuco (CEP/CCSUFPE), obtendo parecer favorável
em 07/05/2009, com número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética
- CAAE - 0056.0.172.000-9.
Os sujeitos eram do
sexo feminino, com idade variando entre 31 e 51 anos e tempo de serviço na
instituição entre 02 e 17 anos. Das nove entrevistadas, duas não tinham filhos,
mas pretendiam ter e as demais tinham de um a dois filhos, com nenhum
nascimento de risco. Quanto ao estado civil, duas eram solteiras, seis casadas,
uma divorciada e uma com união estável. Com relação à escolaridade, três
possuíam curso superior e as demais, curso técnico.
Família:
elo para o bem-estar, saúde e a cidadania do pequeno ser
Essa temática
resultou do questionamento aos profissionais de como eles enxergavam o papel
dos familiares na internação do seu recém-nascido de risco. Os entrevistados
reconheceram que a presença da família na rotina da UTIN, conversando, apoiando
e tocando a criança é uma forma de humanizar a assistência estimulando essa
interação:
A
família é importante pela humanização em si, do apoio, da conversa, do toque do
bebê, entendeu? Eu acho que a família estando presente isso aí é estimulado. (E-1)
É
importante essa interação. Eu vejo o lado, assim, humano, da formação da
criança, desde que ela é gerada, é importante ela ter aquele contato com o pai,
que tinha na barriguinha, ouvindo a voz, o toque da mãe, do pai na barriga [_]
E isso tem que continuar, não pode parar! ... Ela precisa receber carinho,
atenção. (E-2)
De
acordo com estes recortes de falas, pode-se concluir que o convívio foi
mencionado como importante fator para que a relação criança/família fosse
promovida, em especial com a mãe, configurando assim, a importância da
manutenção do vínculo da criança com os pais mesmo na situação da UTIN, onde o
filho se encontra enfermo.
[...] É importante pelo vínculo. Tudo que
passa para o bebê. Mesmo ele não tendo todo entendimento, raciocínio, ele sente
o toque da mãe, ele escuta a voz da mãe, que ele escutava quando estava dentro
da barriga. (E-3)
No
meu ponto de vista, acho que tem que haver essa interação, deve haver, de pais
com o seu filho, principalmente o prematuro [_] faz bem para eles. (E-2)
Este contato pode ser
constituído como a origem principal do bem-estar, da segurança e da
afetividade, dando ao RN a capacidade de procurar novas vivências,
influenciando, basicamente, todos os demais relacionamentos. Esse vínculo
fundamenta a capacidade para formar toda ligação profunda e intensa com uma
pessoa [10].
Os entrevistados
compreenderam que o vínculo afetivo entre a família e o RN é uma estratégia que
reduz o estresse emocional tanto da criança como da família. Wright & Leahey confirmam esse raciocínio e são enfáticas ao dizerem
que os profissionais tanto podem diminuir o processo de cura como podem
aumentar a promoção da mesma. Para isso basta eles elegerem qual será o tipo de
assistência prestada ao seu paciente, com ou sem a interação da família [11].
Os profissionais entrevistados repassaram ter esse conhecimento através dos
seguintes depoimentos:
[...]
eu acho que é importante os familiares virem dar o apoio, pra recuperação da
criança. Porque a família estando presente, é mais fácil. (E-1)
A
família com certeza é fundamental... É importante pra saúde física. Acho que é
fundamental do ponto de vista emotivo e consequentemente do ponto de vista
físico mesmo, porque eu acho que a criança com o apoio, qualquer pessoa com
apoio, vai se recuperar melhor. (E-5)
Por estes relatos, os profissionais
demonstraram avaliar a influência da interação familiar sobre a causa, a
evolução e a cura da doença, como evidenciado também nos depoimentos abaixo:
A
gente vê quando existe essa interação, as crianças reagem muito bem e saem
daqui mais rápido (do hospital)! (E-2)
Quanto
maior for o vínculo entre a mãe, o pai e o bebê, melhor para a recuperação da
criança... E o vínculo entre pais e filho, no geral é muito bom e a recuperação
do bebê é muito grande. (E-6)
A ligação efetiva entre a criança e seus
familiares foi avaliada também como estratégia notável para proporcionar
segurança emocional tanto para a família como para o recém-nascido. Laços
afetivos garantem que as bases psicológicas do futuro adulto sejam mantidas
intactas [12] e este benefício foi observado pela maioria dos profissionais em
estudo através dos discursos:
[...]
Quanto mais a família ficar perto do RN melhor para
ele. Porque a meu ver traz mais segurança tanto para ele quanto para a família,
porque está sempre ali presente. (E-6)
A
família presente é fundamental com certeza, tanto pelo apoio emocional como
para a família também. Emocional da mãe, família e do bebê. Questão de estar
junto, de estar presente na UTI. Que todo bebê gosta... gosta
de se sentir seguro. (E-5)
A
importância da família para mim é essa, é fazer com que os pais, os avós, ou
quem for, até o bebê, sinta-se seguro e adaptado na nova realidade. (E-4)
As falas dos
profissionais, embora por conhecimento do senso comum, evidenciaram o retrato
acima descrito em conjunto com o reconhecimento da criança como ser humano, pertencente a uma família e a uma sociedade,
revelando preocupação com o seu desenvolvimento.
Eu
acho que seria mais a criança como ser humano, de que ela faz parte de uma
família, que as pessoas estão preocupadas com ela. Que aquele indivíduo tem uma
importância na família dele, na comunidade sim. (E-7)
Esse
ser vai pro seio da família, então se a gente não trabalhar com a família, tudo
que a gente tentou construir para entregar o bebê a ela, a sociedade, pra ele
se desenvolver, tudo aquilo que se é esperado, não vamos
conseguir! (E-8)
Até
pra criança ser um cidadão de bem, tranquilo, ele tem que aprender a conviver
na sociedade, então tem que haver esse contato (família e RN). Tem que haver
essa continuidade! (E-2)
Pelos relatos,
percebeu-se uma sintonia de ideias entre as categorias profissionais
participantes do estudo quanto à relevância da família presente na hospitalização
do RN na UTIN para a saúde física e a formação da criança e bem-estar para o
binômio criança/família.
A
família como apoio materno
Na concepção da
maioria dos entrevistados, a presença da família na UTIN é importante não só
para o RN, mas também para apoiar a genitora recém-parida que ali se encontra
frente aos cuidados possíveis ao filho.
[...]
A família estando presente, a mãe vai se sentir mais segura, apoiada na família
e posteriormente ela vai sentir mais segurança em tá perto do filho dela, em
trazer o leite [_] aquelas coisas que a gente sabe aqui na UTI. (E-1)
Vivenciar o
nascimento de uma criança enferma afeta toda a família e as mães se sentem
tensas quando não podem estar com seus parentes, e mais confiantes e aliviadas
quando do contrário [13].
[...]
Ela (a mãe) tem mais ânimo porque sabe que a família tá perto, pode contar com
a família ali.( E-1)
A
mãe fica mais segura e animada com a família por perto para apoiá-la. (E-4)
[...] É extremamente necessário que eles
estejam juntos (familiares e mãe) no dia a dia, dando segurança e conforto para
a mãe. A mãe fica muito fragilizada aqui (UTIN) né? Tudo é diferente aqui, toda
essa estrutura, porque não é a casa delas, desde a alimentação, a cama [_] tudo
é diferente! As pessoas são diferentes. Então a família que vem dar esse apoio
a essa mãe, é tudo. A mãe fica mais confiante, mais tranquila, apesar de tá
tristinha porque o filhinho tá aqui passando por todo aquele processo. (E-9)
E-8 enfatizou que as
mães também carecem desse apoio por permanecerem durante o dia inteiro dentro
do hospital:
[...]
A família tem um papel muito importante. Porque essa mãe é que tá ali 24h,
praticamente morando no hospital, ela precisa de apoio da família. Então não é
só a mãe, não adianta. (E-8)
O apoio às mães por
parte da família e da equipe de saúde é essencial, mas também é fundamental o
fornecimento de informações que facilitem e criem condições necessárias para
que elas saibam lidar com seu filho enfermo, percebendo-se, assim, seguras
[13]. Os recortes das falas reconheceram essa parceria equipe/mãe como
importante e evidenciaram que a consequência desta é uma mãe motivada e que se
sente mais útil.
Faço
algumas orientações... a gente termina envolvendo ela
no dia a dia da criança, nos cuidados. Então elas se sentem motivadas e felizes
e começam a contribuir. (E-2)
A
gente vai incluindo ela, ela vai se sentindo útil, vendo que ela é importante,
vai se preparando, perdendo todo o medo, o temor. (E-3)
Para promover
resultados ideais tanto para o RN como para a mãe, a equipe além de promover
cuidados voltados para o desenvolvimento da criança, também deve ajudar a mãe a
passar de um sentimento de maternidade incerta para o sentimento de “mãe real”
do seu filho.
O acolhimento dos
pais possui importância significativa para que as experiências que venham
ocorrer durante esse período sejam bem aceitas e o sofrimento, minimizado [14].
Inclusão
insuficiente da família
A internação em UTIN
é uma experiência dolorosa para a criança e para os pais, diante disso, a comunicação
franca entre profissional e pais alivia o sofrimento do bebê pela assistência
conjunta desenvolvida. Nessa perspectiva, as entrevistas evidenciaram a
conversa como forma de cuidado ao binômio família/RN, informando e orientando
os familiares envolvidos nessa assistência:
Eu procuro sempre
conversar com a família, dizer o que tá acontecendo. (E-7)
Aqui
a gente já estendeu a visita, então deixar essa família participar do processo,
além da mãe, de uma maneira organizada... na medida do
possível se consegue dar orientação a essa avó, a esse pai, nesse momento.
(E-8)
A
comunicação está presente em todas as ações realizadas com o paciente, seja
para orientar, informar, apoiar, confortar ou atender suas necessidades
básicas. Essa visão fica bem patente na fala de E-5:
A
gente pode inserir ela (a família) em muitos aspectos para acompanhar o bebê.
Desde chegar, acompanhar o caso clínico dele, saber o que tá acontecendo, como
é que vai a evolução, como é que vão os exames, se o bebê tá se recuperando, se
o bebê não está se recuperando [_] assim, tudo! (E-5)
Porém, foi notado que
em todas as falas essa comunicação só era estabelecida de forma unidirecional,
indo contra um pressuposto do CCF que fala que a informação compartilhada pelos
profissionais de saúde deve ter um caráter não apenas de comunicar ao outro,
mas sim de dividir as informações imparcialmente para que possam ser tomadas
decisões conjuntas (família/paciente e equipe) quando oportuno [3].
A comunicação não
verbal foi incentivada entre pais e filhos, isso ficou claro nas falas quando
eles expressaram estímulo ao toque e ao contato entre o binômio:
[...]
(A gente) incentiva o pai a tocar, a mãe também. Quando ele (o RN) não está na oxigenioterapia, a gente procura botar esse bebê pra ele
sentir o pai, a mãe junto, os avós [...] Eu acho que é basicamente isso. É esse
apoio aí. (E-1)
Fazemos
com que o pai tenha contato com o filho [_] levando o pai junto ao bebê.
Pegando o bebê e levando junto da mãe, levando ao lado dela, caso possa ir ao
peito, colocamos junto. (E-6)
Geralmente
a gente tenta viabilizar essa interação deles, colocar no colinho quando
possível, dizer à mãe que é importante o toque dela, para ele se sentir
acolhido [...] (E-2)
A comunicação não
verbal pode ser definida como toda informação obtida por meio de gestos,
posturas, expressões faciais, toque, orientações do corpo e até pela distância
do corpo entre os indivíduos [15].
[...]
Como hoje mesmo foi o caso, eu quando fiz o banho no leito... Eu fiz questão
que a mãe segurasse o bebê, mesmo o menino entubado. Ela estava junto e segurou ali, ficou bem juntinha, quietinha, enquanto
eu arrumava a incubadora pra ela. Ela ficou felicíssima [...] (E-9)
As
falas dos entrevistados também demonstraram incluir os familiares em sua
assistência, integrando-os nos cuidados básicos diretos a criança enferma, como
o oferecimento da dieta, a troca da fralda, a realização do banho, envolvendo
eles nos cuidados de rotina como forma de prepará-los para a alta:
[...] Tem o momento, no caso, da dieta, a
gente ensina, incentiva o pai a segurar a sonda, a seringuinha.
(E-1)
E
aí a gente diz: vamos lá! A gente já vai treinando para quando você (o
familiar) chegar em casa. (E-3)
Alegações
ambivalentes sobre o cuidado centrado na família
O conhecimento e a
consciência do processo de cuidado centrado na família receberam grande espaço
nas respostas dos entrevistados, mas na prática os resultados foram
contraditórios a tal aspecto. Os profissionais relataram não ter o tempo devido
para oferecer uma assistência voltada também para a família, por causa do
quantitativo escasso de pessoal, resultando numa sobrecarga de trabalho:
Embora
se queira, a disponibilidade de colocar isso (o CCF)
em prática... a situação não permite. Se não tiver
muitos profissionais, isso impossibilita a interação. É um processo que leva
tempo, de parar para ouvir e explicar. (E-2)
Eu
acho que todos têm essa visão, mas não colocam em prática. Eu acho que é
diferente, até porque todo o sistema da gente tem barreira [...] Todo o
trabalho de sobrecarga da gente, tudo isso interfere nessa assistência
humanizada. (E-3)
Apesar de existir no
hospital um Grupo de Apoio as Mães Acompanhantes (GAMA), desde 2003, com o
intuito de realizar ações que congregam atividades de escuta e de lazer,
ajudando a manter o vínculo afetivo da tríade mãe/recém-nascido/família, se
consolidando como um espaço inovador de pesquisa, o envolvimento dos
profissionais não é concretizado com a justificativa da falta de pessoal, como
descrito na fala abaixo:
Olha, eu acho que falta funcionários aqui na neo... Acho que se existisse um quadro completo de
funcionários, esse grupo (GAMA) funcionaria. Porque hoje realmente eu não vejo
como tirar uma médica e uma enfermeira daqui de dentro pra fazer esse grupo, na
situação que a gente vive entendeu? A sensação é que hoje já existe uma dificuldade
do pessoal que tá na chefia de conseguir manter a chefia e a assistência. (E-7)
Para aqueles que
conhecem o grupo, fica claro esta falta de envolvimento:
Aqui
tem o GAMA, Grupo de Apoio as Mães Acompanhantes, mas ele não funciona como
deveria. Porque falta muito envolvimento dos profissionais. A gente trabalha
com déficit de pessoal. Eu gostaria sempre de ir. Quando eu não posso ir, fico
preocupada. Às vezes o médico não pode. (E-8)
Eu
acredito que esse grupo funciona, apesar de ser um pouco desligada, porque como
a gente aqui tem uma rotina muito ativa, a gente não participa muito. Até
porque a gente não tem tempo mesmo, condições de tá participando. (E-5)
A falta de interação
com o GAMA, apontada pelos profissionais, fica clara nas falas de alguns
entrevistados que não sabiam o que realmente o grupo representava ou como
funcionava. Mesmo com sete anos de existência, os participantes não
demonstraram conhecimento profundo do grupo do qual deveriam fazer parte:
Aqui
tem a psicóloga que conversa muito com as mães. Grupinhos onde se escutam elas,
as dificuldades delas. Não sei te dizer se é só psicóloga, assistente social...
Sei que tem esse papel importante de abordar, ver as dificuldades delas. (E-2)
Tinha
um grupo aqui e deixou de ter, acho muito importante essa questão de ter um
grupo, de discutir. (E-7)
Aqui,
que eu saiba, tem um grupo de apoio as mães que ficam aí acompanhando os
filhos. Sai até em jornal [_] Passeiam [_] Só para a mãe [_] E quem participa é
a assistente social. (E-3)
Em consequência da
presença de poucos funcionários e muitos pacientes, a atenção demandada por
familiares que acompanham a internação do RN fica prejudicada em função do
pouco tempo disponível dos profissionais. A instituição hospitalar está impregnada
ainda do modelo biomédico curativo o que reduz o humano ao biológico, deixando
de lado a visão humanística e holística dos cuidados [16].
Assistir a um
paciente com a visão do CCF também foi analisada como consciência de cada um,
valor atribuido pela natureza de cada ser:
A
questão é mais pessoal, natureza do ser humano... Se tenta
de toda forma trazer essa pessoa pra essa visão pro nosso dia a dia. Mas é
difícil trabalhar o ser humano, porque aí é psicológico de cada um. (E-2)
Os
profissionais têm a visão (do CCF), sabem o que é, mas não põem em prática!
(E-9)
[...]
Eu acho que tem alguns profissionais que precisam se trabalhar sim.
Principalmente o pessoal de nível superior, por incrível que pareça! (E-7)
Eu
acho que vai de cada um, ser tocado [_] De querer botar no colo não é? (E-1)
A filosofia do CCF
reconhece os profissionais e o serviço de saúde como temporários e flutuantes e
a família como uma constante na vida da criança. Consequentemente, duas ações
são essenciais segundo essa concepção: a parceria e a negociação com a família
[17]. Sobre essa parceria, os entrevistados manifestaram não reconhecê-la na
rotina de trabalho de seus colegas da UTIN, descrevendo que os profissionais
não gostam nem de repassar as informações sobre a saúde da criança, chegando a
apresentarem dificuldade na comunicação:
Acho
que alguns (profissionais) deveriam melhorar no contato assim que o bebê chega,
pois às vezes as pessoas (profissionais) são muito agressivas com a família...
Porque assim que o bebê chega, a família fica ansiosa e quer saber como é que
tá tudo e as pessoas são muito ríspidas. Eles não dão essas informações.
Pessoas até por parte de auxiliar, da enfermeira e do médico. (E-6)
A
equipe não tem essa visão (do CCF). Eu vou ser bem sincera com você. Enfermagem
tem muita formação desse tipo e mesmo tendo, ainda tem pessoas que têm
dificuldade de entrar nesse processo. Mas eu acho que o médico tem mais
dificuldade pela própria formação. (E-8)
Em relação a esse
ponto, os sujeitos da pesquisa sugerem que sejam implantadas no serviço ações
que busquem a sensibilização dos mesmos sobre a ótica do CCF.
No
caso de melhorar, deveriam existir muitas palestras, reuniões onde são
abordadas soluções [_] Se tentar de toda forma trazer essa pessoa com essa
visão (do CCF) pro nosso dia a dia. (E-2)
Acho
que um curso de reciclagem, [_] de humanização. Para que seja geral, todo mundo
tenha a mesma postura profissional, de quando a família chegar, incentivar.
(E-1)
Deve-se
fazer trabalho de conscientização dos profissionais [...] Ter mais trabalho de
treinamento, como a gente deve se portar. (E-3)
Sobre essa concepção,
um estudo aponta que desenvolver pessoas e melhorar a qualidade da assistência
à saúde beneficia tanto os trabalhadores como os pacientes, considerando seus
direitos como cidadãos contribuindo para melhorar a qualidade de vida de ambos
os envolvidos no processo [18].
Transformar a forma
de assistir por meio de ações que valorizem a família como parceira no cuidado
ao RN pode ser uma boa maneira de humanizar a saúde.
Os profissionais de
saúde demonstraram reconhecer a família como ponto importante na recuperação e
desenvolvimento do RN a curto e longo prazo. Entretanto, a inserção da mesma
limitou-se na informação quando oportuna e no encorajamento a participar do cuidado
à criança, apoiando-a.
Ressalta-se que,
embora o processo de trabalho da UTI neonatal não facilite a oferta da
assistência humanizada, é percebido que alguns trabalhadores desenvolvem ações
que facultam essa prática. A ausência de algo concreto que fixe um elo entre os
profissionais e a família foi evidenciada quando estes demonstraram desconhecer
total ou parcial a existência do grupo de apoio às
mães já implantado na instituição campo da pesquisa há alguns anos.
Para todos os
problemas apontados como empecilhos para a prática assistencial centrada na
família, foi apresentada como solução pelos próprios profissionais a
necessidade de se realizar oficinas, cursos de reciclagem, treinamento em
serviço. Enfim, encontros educativos pré-agendados que resgatassem ou
despertassem a sensibilidade do ser humano em relação às necessidades do outro
e a vinculação disso com a saúde da criança.