RELATO DE CASO

Uso de cobertura com tecnologia hydrofiber a base de carboximetilcelulose sódica e prata iônica no tratamento da síndrome de Fournier infectada

 

Simone Conceição Oliveira Baptista*

 

*Enfermeira especialista em Residência de Enfermagem em Terapia Intensiva (Programa de Residência da UNIFACS/SESAB), Metodologia do Ensino Superior, UTI Pediátrica e UTI Neonatal pela Faculdade de Tecnologia e Ciências, Especialização em Dermatologia pela AVM

 

Recebido 15 de setembro de 2018; aceito 15 de maio de 2019.

Correspondência: Simone Conceição Oliveira Baptista, Conjunto Colinas de Pituaçu, Via B-1, Bloco 643/104 São Marcos 41250-520 Salvador BA, E-mail: baptista.simone@gmail.com

 

Resumo

Introdução: A Síndrome de Fournier (SF) é uma fasciíte necrosante polimicrobial que envolve o períneo e/ou genitália externa com sinergismo para parede abdominal, que tem origem no escroto podendo ficar confinada apenas nesta área e evoluir para o pênis, podendo acometer, raramente, as mulheres e as crianças. Objetivo: Relatar o caso de uma paciente portadora de SF que foi submetida ao desbridamento cirúrgico e teve como conduta terapêutica das lesões a utilização da carboximetilcelulose sódica e prata iônica (HCSPI). Metodologia: Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de caso realizado na UTI Geral do Hospital Geral Roberto Santos em Salvador/BA no período de 25/04/17 a 10/05/2017. Para a coleta dos dados, utilizaram-se as anotações da equipe de enfermagem do prontuário da paciente, além dos critérios de avaliação diária da pele lesionada e o acompanhamento fotográfico. Resultados: O presente estudo demonstrou através do relato de caso, que o uso da cobertura primária com HCSPI influenciou diretamente na melhoria do volume da exsudação, na modificação do odor, no aspecto do centro da lesão e na regressão da extensa área lesionada. Conclusão: Relatou-se que a utilização da HCSPI na lesão infectada provocada pela SF, teve como resultado uma evolução satisfatória da lesão e no bem-estar físico, psicológico, social e emocional do paciente.

Palavras-chave: gangrena de Fournier, cuidados de enfermagem, ferimentos e lesões, desbridamento, procedimentos cirúrgicos reconstrutivos.

 

Abstract

Use of coverage with hydrofiber technology based on sodium carboxymethyl cellulose with silver nanoparticles in the treatment of infected Fournier gangrene

Introduction: Fournier gangrene is a polymicrobial necrotizing fasciitis that involves the perineum and/or external genitalia with synergism to the abdominal wall, which originates in the scrotum and can be confined only to this area and develop into the penis. This syndrome is less frequent in women and children. Objective: To report the case of a patient with SF who underwent surgical debridement and treatment with carboxymethyl cellulose with silver nanoparticle (CMC). Methodology: This is a descriptive study of a case report carried out at the General ICU of the General Hospital Roberto Santos in Salvador/BA in the period from 04/25/17 to 05/10/2017. To collect the data, the nursing team annotations of the patient's chart were used, as well as the criteria for daily evaluation of injured skin and the photographic follow-up. Results: The present study demonstrated that the use of primary coverage with CMC directly influenced the exudation volume, the modification of the odor, the aspect of the lesion center and the regression of the extensive lesion area. Conclusion: It was reported that the use of CMC in the infected lesion caused by Fournier gangrene resulted in a satisfactory evolution of the lesion and in the physical, psychological, social and emotional well-being of the patient.

Key-words: Fournier gangrene, nursing care, wounds and injuries, debridement, reconstructive surgical procedures.

 

Resumen

Uso de cobertura con tecnología de hidrofibras a base de carboximetilcelulosa sódica y plata iónica en el tratamiento de gangrena de Fournier

Introducción: La gangrena de Fournier (GF) es una fascitis necrotizante polimicrobiana que afecta el periné y/o los genitales externos con sinergismo a la pared abdominal, que se origina en el escroto y se puede limitar solo a esta área y propagarse al pene. Este síndrome tiene una baja incidencia en mujeres y niños. Objetivo: Informar el caso de un paciente con GF que se sometió a desbridamiento quirúrgico y tratamiento con carboximetilcelulosa sódica y plata iônica (HCSPI). Metodología: Este es un estudio descriptivo, del tipo relato de caso realizado en la UCI General del Hospital General Roberto Santos en Salvador/BA en el período del 25/04/17 al 10/05/2017. Para recopilar los datos, se utilizaron los registros de enfermería en el historial clínico del paciente, así como los criterios para la evaluación diaria de la piel lesionada y el seguimiento fotográfico. Resultados: El presente estudio demostró que el uso de la cobertura primaria con HCSPI influyó directamente en el volumen de exudación, la modificación del olor, el aspecto del centro de la lesión y la regresión del área extensa de la lesión. Conclusión: Se informó que el uso de HCSPI en la lesión infectada causada por la GF resultó en una evolución satisfactoria de la lesión y en el bienestar físico, psicológico, social y emocional del paciente. Palabras-clave: gangrena de Fournier, cuidados de enfermería, heridas y lesiones, desbridamiento, procedimientos quirúrgicos reconstructivos.

Palabras-clave: gangrena de Fournier, cuidados de enfermería, heridas y lesiones, desbridamiento, procedimientos quirúrgicos reconstructivos.

 

Introdução

 

A Síndrome de Fournier (SF) ou Gangrena de Fournier é uma fasciíte necrosante polimicrobial que envolve o períneo, região perianal e/ou genitália externa com sinergismo para parede abdominal, retroperitônio e raiz da coxa, que tem origem no escroto podendo ficar confinada apenas nesta área e evoluir para o pênis, com predomínio em homens afetando todas as faixas etárias em média aos 50 anos, podendo acometer raramente as mulheres e as crianças [1].

A fisiopatologia dessa enfermidade é caracterizada por uma endarteríte obliterante causando trombose vascular subcutânea e necrose de tecidos, desencadeada pela ação patogênica sinergística de uma flora polimicrobiana aeróbica e anaeróbica. O tecido desvitalizado favorece a entrada de bactérias em áreas previamente estéreis [2].

Em 1884, Jean Alfred Fournier, dermatologista francês especializado no estudo de doenças venéreas, descreveu cinco casos de pacientes com gangrena do pênis e escroto, de características idiopáticas. Nos relatos originais, Fournier descreveu três aspectos fundamentais do quadro sendo o início abrupto em homens jovens saudáveis, rápida progressão e ausência de agente causador específico [2].

Entre as doenças que podem predispor à Síndrome de Fournier, o Diabetes Mellitus é encontrado em 40% a 60% dos pacientes, sendo esta enfermidade a principal causa de maus resultados no tratamento. O alcoolismo é encontrado em 25% a 50% dos casos. A associação com HIV deve ser pesquisada, pois houve índices de pior prognóstico nesta afecção. A desnutrição gerou impactos negativos na sobrevida dos pacientes. Outras doenças aparecem como fatores de risco, como hipertensão arterial, tabagismo, obesidade, linfomas [2].

Vários microrganismos aparecem como patógenos nas culturas dos pacientes com essa enfermidade. Bactérias que habitualmente não são patogênicas, em condições favoráveis podem provocar a doença. Os microrganismos mais frequentemente isolados entre os Gram negativos aeróbios são Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Proteus mirabilis. Entre os aeróbios Gram positivos destacam-se o Staphylococcus aureus, o Staphylococcus epidermidis, StreptococcusViridans e o Streptococcus fecalis. Os anaeróbios estão representados pelo Bacteróides fragilis, Bacteróides melaninogenicus, cocos Gram positivos e Clostridium species [3].

Manifesta-se inicialmente por dor intensa, edema local, toxemia e prurido na região genitoperineal podendo se estender para a parede abdominal e raiz da coxa, acompanhada de febre alta ou não, calafrios, prostração, apatia, taquicardia e mal-estar geral, seguindo de crepitação e saída de secreção purulenta com forte e repulsivo odor pútrido, podendo levar à trombose dos vasos cutâneos e subcutâneos e necrose da pele da região acometida. Hemoglobinúria, creatinina alta, albumina baixa, hipocalcemia, leucocitose com desvio também estão presentes. A suspeita diagnóstica deve ser levantada quando esses sinais e sintomas evoluem com piora progressiva em poucos dias. A exclusão de outras doenças também aumenta a suspeita clínica. Entre os diagnósticos diferenciais estão: celulite, hérnia estrangulada, abscesso de escroto, fasciíte necrotizante estreptocócica ou estafilocócica, herpes simples, pioderma gangrenoso, necrose pelo warfarin, entre outros [3].

Infecção começa no local do trauma ou inaparente. Nas primeiras 24h o edema, calor, eritema e hipersensibilidade com propagação rápida em direção distal e proximal a partir do foco. Entre 24 a 48 horas o eritema escurece, passando de vermelho para púrpura em seguida para azul, formando vesículas e bolhas que contém líquido amarelo-claro. Já entre 4 a 5 dias as áreas púrpuras tornam-se francamente gangrenosas. E dentre 7 a 10 dias a linha de demarcação fica bem definida, e a pele morta começa a revelar extensa necrose de tecido subcutâneo [4].

As complicações mais frequentes da SF são a extensão para a parede abdominal anterior, região dorsal, aos membros superiores e ao retroperitônio. A insuficiência renal, síndrome da angústia respiratória, insuficiência cardíaca, hemorragia cerebral, coagulopatia, acidose, disfunções hepáticas. Pode advir sepse, falência de múltiplos órgãos e morte. Em relação aos achados laboratoriais, verificaram-se alterações do hematócrito, ureia, cálcio, albumina, fosfatase alcalina e colesterol, embora não tenham importância prática [4].

O diagnóstico é clínico e deve ser precoce bem como hemocultura e cultura das lesões. Seu tratamento, além de imediato, deve ser agressivo, rápido, efetivo e com suporte intensivo. Desbridamento extenso de toda área necrótica, drenagem ampla, antibióticos de amplo espectro, estomas, quando necessário, e curativos são medidas terapêuticas eficazes. Os pacientes submetidos à desbridamento cirúrgico tardiamente possuem mortalidade próxima de 100%. A mortalidade permanece elevada quando o diagnóstico é tardio e o procedimento cirúrgico é retardado alcançando em alguns estudos 30% a 50%, aumentando para até 80% em diabéticos e idosos [3].

Pacientes entre a segunda e sexta décadas de vida são acometidos com comorbidades predisponentes, como desnutrição, lúpus eritematoso sistêmico, estados imunossupressores. Através do diabetes mellitus, alcoolismo crônico, doença maligna subjacente como o HIV/AIDS, sarampo, uso de quimioterápicos, leucemias, doenças colorretais e urogenitais e doença de Crohn. No pós-operatório com uso de instrumentação urológica, herniorrafia, hemorroidectomia, orquiectomia, prostatectomia. Trauma local, mecânico, técnico, químico, incluindo mordeduras, arranhões, intercurso anal e o próprio coito [5].

Considerando tais implicações, coberturas de última geração têm sido desenvolvidas e aplicadas com vistas a auxiliar e favorecer um meio adequado à cicatrização, sendo sua seleção associada a um processo de avaliação crítica e contínua e à promoção de uma terapêutica com base na visão holística do paciente.

A oxigenoterapia hiperbárica e os curativos a vácuo tem sua eficácia por removerem exsudato, promoverem a cobertura da ferida por tecido de granulação estimulando a angiogênese e reduzirem a contaminação bacteriana. No entanto, são tratamentos adjuvantes dispensáveis [6].

É nessa perspectiva que estudos comprovam que a utilização da hydrofiber a base de carboximetilcelulose sódica e prata iônica (HCSPI) atua no processo de cicatrização. A aplicação desta cobertura no tratamento de feridas infectadas, com elevada exsudação purulenta e tecido desvitalizado, demonstrou resultado resolutivo, com a particularidade de não serem mencionados efeitos adversos pelos pacientes, sendo o seu uso recomendado como uma terapêutica a mais no tratamento dessas afecções, não só pela sua capacidade resolutiva, como também pela fácil produção e disponibilidade de um produto barato e de fácil acesso [6].

 

Objetivo

 

Relatar o caso de uma paciente portadora de Síndrome de Fournier de 27 anos internada na UTI Geral do Hospital Geral Roberto Santos em Salvador/BA, que foi submetida ao desbridamento cirúrgico e teve como conduta terapêutica das lesões a utilização da hydrofiber a base de carboximetilcelulose sódica e prata iônica.

 

Métodologia

 

Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de caso de uma paciente, realizado na UTI Geral do Hospital Geral Roberto Santos, localizado na Estrada do Saboeiro em Salvador/BA no período de 25/04/17 a 10/05/2017. O relato de caso é uma ferramenta de pesquisa descritiva que apresenta uma reflexão sobre algo vivenciado. Para a coleta dos dados, utilizaram-se as anotações da equipe de enfermagem do prontuário da paciente, além dos critérios de avaliação diária da pele lesionada e o acompanhamento fotográfico. A amostra foi composta por uma paciente internada na UTI, que se inseriu nos critérios de elegibilidade da pesquisa.

Os critérios de inclusão foram: ter idade igual ou maior que 18 anos, sexo feminino e portador da Síndrome de Fournier com ferida infectada com necessidade de desbridamento cirúrgico e utilização de curativo especial.

Esta pesquisa atendeu o estabelecido nas Diretrizes do Conselho Nacional de Saúde e na Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012 sobre pesquisas envolvendo seres humanos e a aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o CAEE número: 78859417.8.0000.5028 e pela administração da instituição de estudo.

 

Resultados

 

Paciente L.C. com 27 anos, afrodescendente, sexo feminino, estado cível solteira, porém vivia com um companheiro em uma casa com infraestrutura completa, possuía ensino médio completo e tinha como profissão manicure. Relatou que a cerca de duas semanas vinha cursando com dor anal e picos febris onde procurou por cinco Unidades de Pronto Atendimento (UPA), porém sem resolução. Após perceber a piora do quadro clínico resolveu procurar um serviço de cunho particular com uma coloproctologista que a examina e percebe hipoatividade, taquicardia (FC = 120 bpm) taquipneica (FR= 24 inc/min) necrose extensa em região perianal com odor fétido e secreção purulenta e orienta a paciente a procurar uma unidade de emergência da capital com pose do relatório médico desta consulta para realizar um desbridamento cirúrgico de urgência.

Foi admitida no hospital público no dia 24/05/17 e após avaliação médica, ao exame físico foi evidenciada área extensa de necrose na genitália, região perineal e perianal. Negava doenças de base ou uso de medicação contínua. Sem história de cirurgias prévias. No momento da internação, o paciente se apresentava lúcida, orientada, febril com temperatura 39,9°, eupneica, normotensa e taquicárdica com FC = 124 bpm.

Sendo encaminhada para o centro cirúrgico para realizar o desbridamento cirúrgico de tecidos desvitalizados em região perianal e perineal bilateral com saída de secreção purulenta em grande quantidade e tecido necrótico, colocado drenos de penrose e confecção de uma colostomia protetora. Observou-se durante a realização do procedimento presença de uma fístula em parede lateral do reto com comunicação com lesão em períneo.

Após realização do procedimento a paciente foi encaminhada para UTI Geral com piora do quadro clínico onde evoluiu com choque séptico e posteriormente com lesão renal aguda. Iniciado antibioticoterapia com Metronidazol 500 mg 8/8h, Ceftriaxone 1 g 12/12h e Tazocin 4,5 g 6/6/h.

A lesão apresentava pontos de tecido granulado e necrótico, elevado exsudação purulenta e odor pútrido com piora significativa do quadro clínico e hemodinâmico. Após 48 horas no dia 27/04/2107 foi realizado novo desbridamento cirúrgico em função da piora da lesão conforme figura 1. Sendo visualizada lesão com aspecto necrótico que se estendia das nádegas, períneo, até região lateral da vulva, presença de área pequena de desbridamento prévio em região de períneo. Realizado toque vaginal sem identificação de fistula. Realizado toque retal com identificação de fístula em parede lateral comunicando com lesão em períneo. Realização de desbridamento bilateralmente de tecidos desvitalizados em região de metade inferior da nádega, perianal, períneo e região lateral da vulva com saída de secreção purulenta em grande quantidade. Foi preservado o esfíncter anal, clitóris e parte da vulva não sendo visualizada extensão de necrose nessas áreas conforme figura 2. Realizado cultura de material colhido em procedimento cirúrgico e iniciado Cefepime 2 g 8/8h, Clindamicina 600 mg 6/6h e suspenso Tazocin. Feito 2 bolsas de concentrado de hemácias e 6 unidades de plasma fresco com Hemoglobina e Hematócrito 5,1/15,2 respectivamente.

Após o procedimento retorna para a UTI geral em estado gravíssimo, choque séptico, em uso de drogas vasoativas através de Solução de Noradrenalina e Vasopressina ambas concentradas em alta vazão, intubada em ventilação mecânica, sedada com escala de RASS -5, hipotérmica, oligúria em uso de sonda vesical de Foley, piora dos valores gasométricos e distúrbio de coagulação (TP 18% e RNI 4,1) e escala de Bradem admissional com escore de sete pontos onde evidencia alto risco de desenvolver novas lesões.

Após o procedimento foi atribuído como conduta terapêutica para limpeza com antimicrobiano potente a base de polihexametileno de biguanida (PHMB) com o objetivo de remover o biofilme formado sobre a lesão e promover ação antimicrobiana.

 

Figura 1Registro fotográfico da lesão provocada pela Síndrome de Fournier após desbridamento realizado dia 24/04/17 com uso de dreno de penrose.

 

 

Figura 2Registro fotográfico da lesão provocada pela Síndrome de Fournier após segundo desbridamento realizado dia 27/04/17.

 

E como cobertura primária foi atribuída à colocação de placas de HCSPI, para diminuir o excesso de exsudação devido ao alto poder de absorção e redução da infecção através da prata iônica. Foi mantida a conduta terapêutica por todo o período de internamento em função da resposta positiva demonstrado pela ferida ao longo do tratamento que durou 37 dias e no dia 30/05/17 a paciente foi transferida para unidade hospitalar de referência para realizar a cirurgia de correção plástica.

 

Figura 3 - Registro fotográfico de lesão provocada pela Síndrome de Fournier datada em 09/05/2017.

 

Discussão

 

A síndrome de Fournier está associada a vários fatores causais e comorbidades, sendo descritos como fatores de risco para a Síndrome de Fournier o abscesso anorretal, alcoolismo, diabetes mellitus, cirrose, obesidade, desnutrição, doença vascular periférica, cirurgias orificiais, vasectomia, trauma perineal, neoplasia colorretal avançada, estenose uretral, neoplasias hematológicas, radioterapia, HIV, apendicite, diverticulite aguda, hérnia estrangulada e doença inflamatória intestinal [7].

Na paciente relatada, foram pesquisados diversos fatores de risco, no entanto foi evidenciado que não possuía nenhum fator de risco pré-existente nem tumoração ao toque retal. A apresentação clínica do paciente com síndrome de Fournier pode ser variável, porém o quadro mais comumente encontrado é hiperemia, dor, crepitação, edema de região perianal, drenagem de secreção serosa e febre, podendo evoluir para choque séptico [8].

O presente estudo demonstrou através do relato de caso, o uso do antimicrobiano polihexametileno de biguanida (PHMB) e cobertura primária com HCSPI influenciaram diretamente na melhora no volume da exsudação, na modificação do odor, no aspecto do centro da ferida e na regressão da extensa área lesionada.

Vale ressaltar que o PHMB é atraído para a membrana citoplasmática, onde causa a perda de substâncias de baixo peso molecular, tais como íons de Potássio, Cálcio e a inibição de enzimas responsáveis pela união da membrana, tais como o ATPase [9].

A ruptura subsequente da membrana citoplasmática pode então levar à perda de substâncias macromoleculares e à precipitação das substâncias celulares, causando a morte bacteriana. Este agente bactericida foi utilizado devido ao resultado positivo para cultura da lesão com duas bactérias gran- negativas: Proteus mirabilis e a Escherichia coli [10].

O estudo demonstrou que a utilização da HCSPI foi efetiva, pois, a paciente apresentava uma lesão extensa e muito exsudativa, sendo necessário a troca do curativo secundário duas vezes nas 24 horas, diminuindo consideravelmente a exsudação, a colonização e infecção. Corroborando com esta afirmativa, as hidrofibras são compostas por carboximetilcelulose que, quando em contato com exsudado, transforma-se em gel e são superabsorvível. São mais absorventes que os alginatos. Indicadas em feridas exsudativas e criticamente colonizadas ou infectadas. O HCSPI é uma associação de hidrofibra com a prata, que tem função de controle da infecção e absorção [11].

As feridas criticamente colonizadas e infectadas o diagnóstico de infecção das lesões pode ser dado por alguns parâmetros: demora na cicatrização, aumento do tamanho ou da quantidade de exsudado, presença de debris e/ou tecido necrótico, odor forte, avaliação se há edema, eritema e aumento da temperatura. Na presença dos critérios acima, alguns trabalhos sugerem colher swab e realizar tratamento de acordo com culturas, enquanto outros indicam uso de hidrofibra, alginato e antibióticos para esse tipo de ferida [11].

Estudo aponta que há muitos anos a prata vem sendo utilizada como curativo por possuir capacidade antimicrobiana. Hoje, os curativos à base de prata são bastante populares, podendo esta se apresentar composta, associada a um sal, ou elementar, na forma de nanopartícula, conferindo esse e outros benefícios [12].

Entretanto, um estudo que descreve que o uso HCSPI confirmou que as nanofibras de prata permitiram melhor cicatrização de feridas. Uma possível causa pode ser a libertação rápida e constante de prata e sódio e a excelente capacidade antibacteriana de hidrofibra. Além disso, o estudo indicou a aceitabilidade de hidrofibras para administração e com importante atividade antibacteriana, inibindo significativamente o crescimento de bactérias de Escherichia coli e Staphylococcus aureus [13].

Dentre alguns fatores que interferem na cicatrização, há a infecção, que retarda ou impede que a cicatrização aconteça. Por isso, é necessária a existência de curativos à base de materiais que garantam a ação antibacteriana e testes que comprovem sua eficácia. A aplicação de pensos de HCSPI tem promovido um ambiente próprio para a reepitelização, mostrando-se eficaz na prevenção e no tratamento de áreas contaminadas [14].

Alguns trabalhos trazem resultados que reforçam essa ação antibacteriana de curativos contendo nanopartículas de prata. A utilização de cobertura de celulose bacteriana contendo nanopartículas de prata demonstrou excelentes resultados contra Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e Escherichia coli, além de alta eficácia da cicatrização [15].

Pesquisadores realizaram testes com curativos oclusivos impregnados de prata iônica (PI) e prata nanocristalina (PN), em ratos, e reforçaram os resultados dos artigos aqui discutidos, considerando que houve melhor contração das feridas nos grupos PN e PI quando comparados ao grupo controle (AD), além da presença de macrófagos, observados já na primeira semana nos grupos PN e PI. Os macrófagos são importantes no processo de cicatrização, pois eles secretam as proteases, liberam substâncias vasoativas e fatores de crescimento que controlam a proliferação celular. Foi comprovada ainda a eficácia do uso de pensos com prata em feridas não infectadas, mostrando que houve uma melhora na cura em grupos PI e PN, em comparação com o grupo de controle (AD) [16]

Outro estudo demonstra que, o uso de curativo especial contendo HCSPI apoiou as evidências apresentadas, indicando resultados favoráveis, como redução da área da ferida, menor citotoxicidade, baixa genotoxicidade e melhor efeito terapêutico no controle da infecção, mostrando-se um ótimo cicatrizante de feridas [17].

Pesquisa aponta que a HCSPI também é um curativo tópico retentor de umidade, que pode liberar prata por até 14 dias. Tem em sua composição hidrofibra com 1,2% de prata que também dispensa o uso de curativos secundários para a absorção de exsudatos e outras secreções. Muitos estudos demonstraram uma importante atividade antimicrobiana deste curativo contra patógenos, incluindo microrganismos aeróbios e anaeróbios, fungos e bactérias resistentes a antibióticos. O fechamento da ferida é adquirido rapidamente com o uso de HCSPI reduzindo, assim, não só o custo de possíveis cirurgias, como também os efeitos adversos de anestesias [18].

Ao final desta discussão, os resultados dos estudos sugerem evidências de que coberturas à base de HCSPI mostram-se eficazes e benéficas.

 

Conclusão

 

O presente estudo relatou à utilização da hydrofiber a base de carboximetilcelulose sódica e prata iônica na lesão infectada provocada pela Síndrome de Fournier, teve como resultado uma evolução satisfatória da lesão, com diminuição da infecção e exsudato, promovendo o bem-estar físico, psicológico, social e emocional do paciente, reforçando a importância do olhar humanizado dos enfermeiros.

O diagnóstico precoce, o tratamento adequado e a assistência de enfermagem com intervenções precisas, garantem um melhor prognóstico e para isso a equipe de enfermagem deverá ter pleno conhecimento da doença, o acompanhamento periódico de preferência com enfermeiro estomaterapeuta para o correto acompanhamento da evolução clínica da doença e atendimento especializado ao cliente com perda da integridade cutânea.

O enfermeiro, como profissional de saúde mais envolvido nos cuidados ao paciente portador de ferida, deve sempre estar atualizado sobre novas tecnologias disponíveis para o tratamento de feridas, buscando soluções de coberturas que garantam a melhor recuperação das lesões e prevenções de complicações, proporcionando maior conforto e qualidade de vida para o paciente, além de participar das decisões institucionais para aquisição e indicação de produtos, considerando a sua eficácia e a segurança do paciente.

É necessária a intervenção segura por parte do enfermeiro especialista em dermatologia para reabilitar e recuperar esses pacientes com essa magnitude de lesão, pois quando as feridas complicam, requer mais dedicação dos profissionais e conhecimento dos produtos disponíveis, com a finalidade de amenizar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Nesse contexto, são imprescindíveis a reabilitação e a recuperação do paciente pela atuação do enfermeiro capacitado nessa reintegração social e o conhecimento destes produtos disponíveis bem como sua utilização.

 

Referências

 

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