ARTIGO
ORIGINAL
Perfil de
gestantes adolescentes atendidas pela atenção primária à saúde
Alessandra Lima Vicentim*, Alessandra Marinela de
Abreu Queiroz**, Maria de Lourdes Sperli
Geraldes Santos***, Natália Sperli Geraldes Marin dos
Santos Sasaki****, Raul
Aragão Martins*****, Renata Galli Barbosa******, Zaida Aurora Sperli Geraldes
Soler***
*Enfermeira Obstétrica, Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), São José do Rio Preto/SP,servidora pública da Secretaria Municipal de Saúde de São José do Rio Preto/SP, docente do Curso de Enfermagem da União das Faculdades dos Grandes Lagos (Unilago), **Enfermeira, discente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), docente do Curso de Enfermagem da União das Faculdades dos Grandes Lagos (Unilago), ***Enfermeira, doutora pelo Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP, professora adjunta IV da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) e docente da Graduação e Pós-Graduação em Enfermagem da FAMERP, ****Enfermeira Obstétrica, docente e coordenadora do Curso de Enfermagem da União das Faculdades dos Grandes Lagos (Unilago), docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), *****Livre-docente em Psicologia da Educação, Departamento de Educação, Universidade Estadual Paulista (UNESP), ******Especialista em Saúde Pública, Psicóloga, servidora pública da Secretaria de Saúde de São José do Rio Preto/SP
Recebido em 29 de
novembro de 2018; aceito em 30 de abril de 2019.
Endereço
de correspondência:
Alessandra Lima Vicentim, Rua Pedro Amaral, 1020/1
Parque Industrial 15025-043 São José do Rio Preto SP, E-mail:
alessandravicentim@gmail.com; Alessandra Marinela de
Abreu Queiroz: alessandramarinela@hotmail.com; Maria de Lourdes Sperli Geraldes Santos:
mlsperli@gmail.com; Natália Sperli
Geraldes Marin dos Santos Sasaki: nsperli@gmail.com; Raul Aragão Martins: raul@ibilce.unesp.br; Renata Galli Barbosa:
gallibarbosa@hotmail.com; Zaida Aurora
Sperli Geraldes Soler: zaidaaurora@gmail.com
Resumo
Introdução: A adolescência é uma
fase de transformações físicas e emocionais e o início de relacionamentos
amorosos. Quando acontece a gestação na adolescência, há aspectos específicos
que devem ser considerados; torna-se fundamental dimensionar estratégias para a
redução das taxas de fecundidade nesta faixa etária. Objetivo: Identificar o perfil socioeconômico e obstétrico das
gestantes adolescentes atendidas nas unidades de atenção primária à saúde. Métodos: Estudo descritivo realizado com
100 gestantes adolescentes atendidas nas unidades de atenção primária à saúde
do município de São José do Rio Preto/SP, através de entrevista semiestruturada
e Instrumental de Avaliação Socioeconômica. Foram feitas análises estatísticas
descritivas através do Software SPSS® Statistics
(versão 19.0). Resultados: Idade
média de 17,45 anos, 68,0% não estavam estudando, 65,0% estavam casadas ou em
união estável e 79,0% não estavam trabalhando. Primeira relação sexual em média
com 14,46 anos, 70,0% não estavam utilizando método contraceptivo quando
engravidaram, apesar de 99,0% conhecerem algum método, 100% procuraram a
unidade de saúde e 91,0% engravidaram de parceiro fixo. Conclusão: Somente o conhecimento dos métodos contraceptivos não se
traduz em prevenção da gravidez; torna-se necessário o empoderamento das
adolescentes, sobretudo, o desenvolvimento de projetos de vida que possam lhes
envolver tanto no trabalho quanto no estudo.
Palavras-chave:
gravidez na
adolescência, atenção primária à
saúde, adolescente, educação em saúde.
Abstract
Profile
of pregnant adolescents assisted at the primary health-care unit
Introduction:
Adolescence is a phase of physical and emotional changes and the beginning of
love relationships. When gestation happens during adolescence, specific aspects
must be considered; it is fundamental to address some strategies to reduce
fertility rates in this age group. Objective:
To identify the socioeconomic and obstetric profile of pregnant adolescent who
had been attended at the primary health care units. Methods: A descriptive study with 100 pregnant adolescents attended
at the primary health care units of the city of São José do Rio Preto/SP,
through a semi-structured interview and a Socioeconomic Assessment Tool.
Descriptive statistical analyzes were performed using the SPSS® Statistics
Software (version 19.0). Results:
Mean age was 17.45 years, 68.0% were not studying, 65.0% were married or in a
stable union and 79.0% were not working. First sexual intercourse averaged with
14.46 years, 70.0% were not using any contraceptive method when they became
pregnant, although 99.0% knew some method, 100% looked for a health unit and
91.0% became pregnant with a fixed partner. Conclusion:
Only knowledge of contraceptive methods does not mean prevention of pregnancy; furthermore,
to empower adolescents and also the development of
life projects that could provide them work as well as study.
Key-words: pregnancy in
adolescence, primary health care, adolescent, health education.
Resumen
Perfil de gestantes adolescentes atendidas por la atención primaria a la salud
Introducción: La adolescencia es
una fase de transformaciones físicas y emocionales y el inicio de relaciones amorosas. Cuando
ocurre la gestación en la
adolescencia, hay aspectos
específicos que deben ser considerados; se hace fundamental dimensionar estrategias
para la reducción de las tasas de fecundidad
en este grupo de edad. Objetivo: Identificar el perfil socioeconómico y obstétrico de las gestantes adolescentes atendidas en
las unidades de atención
primaria a la salud. Métodos: Estudio
descriptivo realizado con
100 gestantes adolescentes atendidas en las unidades de atención primaria
a la salud del municipio de São José do Rio
Preto/SP, a través de entrevista semiestructurada e
Instrumental de Evaluación Socioeconómica. Se realizaron análisis estadísticos descriptivos a través del
software SPSS® Statistics (versión
19.0). Resultados: Edad média de 17,45 años, 68,0%
no estaban estudiando, 65,0%
estaban casadas o en unión estable y el 79,0% no estaban trabajando. La primera relación sexual en promedio con 14,46 años, el 70,0% no estaba utilizando método anticonceptivo cuando
se quedaron embarazadas, a
pesar de que el 99,0% conocía
algún método, el 100% buscó la unidad
de salud y el 91,0% se embarazaron de un compañero fijo. Conclusión: Sólo el conocimiento
de los métodos anticonceptivos no se traduce en prevención
del embarazo; se hace necesario el empoderamiento de las adolescentes, sobre todo, el desarrollo de proyectos de vida
que puedan implicar tanto en
el trabajo y en el estudio.
Palabras-clave: embarazo
en adolescencia, atención primaria de salud,
adolescente, educación en salud.
Adolescência é
compreendida como período de crescimento e desenvolvimento humano que ocorre
após a infância e antes da vida adulta, correspondendo à faixa etária dos 10
aos 19 anos [1,2], podendo ser dividida em anos iniciais (10-14 anos) e anos
finais (15-19 anos) [1]. Passando por várias experiências fundamentais como
desenvolvimento físico, biológico, mental, social e emocional, exigindo uma
atenção especial, devido à formulação das características pessoais, passando
por mudanças corporais, medos, expectativas, aproximação de questões sexuais e
início dos relacionamentos amorosos [3].
Nesta fase, assumem-se
compromissos e responsabilidades da maioridade civil, além do surgimento de
dúvidas, desejos, curiosidades, a descoberta do próprio corpo e do prazer
sexual [4]. Apesar de estarem biologicamente capacitados para a reprodução,
existe o despreparo psíquico para o exercício sexual e parentalidade [5], o que
contribuem para aumento da vulnerabilidade para uma gravidez indesejada [4].
Atualmente, observa-se
uma valorização da maternidade por adolescentes com baixa condição
socioeconômica que a veem como oportunidade de ascensão social [6] e conquista de
uma melhor qualidade de vida [7,8]. A gravidez nesta fase tem consequências
biológicas consideráveis para a mãe e para feto, o que contribui para o aumento
da morbimortalidade materna e fetal [9,10]. Contudo, além dos riscos
biológicos, existem as implicações sociais, como empobrecimento nas
perspectivas de escolarização, trabalho e renda [11], com maior propensão a
pobreza [12].
O Fundo de População
das Nações Unidas destacou o tema sobre a maternidade na adolescência,
relatando que a maioria das gestações em adolescentes ocorre em países em
desenvolvimento e que evidências sugerem que a gravidez nesta faixa etária está
ocorrendo com menos frequência, principalmente entre meninas menores de 15
anos, apesar da diminuição lenta nos últimos anos [13]. Entretanto, a região da
América Latina e Caribe é a única que o número de partos de meninas com menos
de 15 anos de idade aumentou e projeta-se que tais nascimentos devam aumentar
ligeiramente até 2030 [13].
Em 2016, o Brasil
apresentou 24.135 mães na faixa etária de 10 a 14 anos e 477.246 de 15 a 19
anos. No estado de São Paulo, esse número foi respectivamente 2.690 e 76.607
[14]. Em 2017, o município de São José do Rio Preto/SP apresentou 0,24% das mães
adolescentes na faixa etária dos 10 aos 14 anos e 8,69% dos 15 aos 19 anos,
mostrando queda significativa em relação aos anos anteriores nos dois segmentos
[15].
Pensando na gravidez na
adolescência como tema de interesse dos profissionais de saúde e sabendo que
quando a adolescência e gestação acontecem, há aspectos específicos que devem
ser considerados. Torna-se fundamental dimensionar estratégias para a redução
das taxas de fecundidade nesta faixa etária, através do desenvolvimento de
políticas públicas, ações de planejamento e educação permanente dos
profissionais de saúde. Para isso, este estudo teve como objetivo identificar o
perfil socioeconômico e obstétrico das gestantes adolescentes atendidas nas
unidades de atenção primária à saúde em um município do interior paulista.
Trata-se
de um estudo
descritivo, de corte transversal, com abordagem quantitativa, realizado
em
todas as 27 unidades de Atenção Primária à
Saúde (APS) do município de São José
do Rio Preto/SP. Para este estudo, levantou-se uma
população de 335 gestantes
adolescentes, número definido após análise das
planilhas localizadas na Pasta
de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde entre junho e
agosto de 2017.
Os critérios de
inclusão foram gestantes, com idade entre 10 e 19 anos, que realizavam
Pré-Natal nas unidades de atenção primária à saúde no ano de 2017 a 2018,
residiam na área de abrangência destas unidades e concordaram em participar do
estudo. Foram excluídas as gestantes que completaram 20 anos ou se tornaram
puérperas antes da realização da entrevista, as que interromperam o
acompanhamento por aborto ou mudança de endereço, as que realizaram
acompanhamento através de convênio ou particular, as faltosas no dia do
agendamento, as menores de 18 anos que não estavam acompanhadas por um dos
genitores ou responsáveis para o preenchimento do Termo de Consentimento Livre
e Pós-Esclarecido, e as que se recusaram a participar do estudo. Foram
incluídas 100 gestantes adolescentes.
A coleta de dados teve
início em junho de 2017 e término em julho de 2018 e foi realizada por meio de
dois questionários. O primeiro, semiestruturado, elaborado por profissionais
representantes da APS, atenção especializada e da educação do município e
utilizado anteriormente no estudo “Perfil de gestantes adolescentes atendidas
em Unidades Básicas de Saúde da Família de São José do Rio Preto/SP”, realizado
por Alessandra Lima Vicentim, Renata Galli
Barbosa e Raul Aragão Martins. Este questionário é
composto por variáveis socioeconômicas; vida sexual e
reprodutiva; conhecimento
em relação ao ciclo reprodutivo, métodos
anticoncepcionais e Infecções
Sexualmente Transmissíveis (IST); antecedentes
obstétricos e gestação atual; e
relacionamento e apoio após o parto. Referente à
variável sobre conhecimento em
relação aos métodos anticoncepcionais, o coito
interrompido foi considerado por
grande parte das entrevistadas como método contraceptivo, e
apesar de não o
ser, foi classificado como tal dentre as opções neste
estudo. O segundo
questionário é um Instrumental de Avaliação
Socioeconômica, que através de uma
somatória de pontos relacionados à renda bruta,
número de membros residentes da
família, escolaridade dos membros,
condição/situação da
habitação e ocupação
dos membros da família resulta na classificação
socioeconômica do indivíduo,
sendo Classe Baixa Inferior (0-20), Baixa Superior (21-30),
Média Inferior
(31-40), Média (41-47), Média Superior (48-54) e Alta
(55-57) [16].
Foram feitas análises
estatísticas descritivas através de números absolutos, percentuais, medidas de
tendência central e de variabilidade através do Software SPSS® Statistics (versão 19.0)
atreladas às funcionalidades da ferramenta Excel.
Este estudo foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José
do Rio Preto (FAMERP) sob parecer nº 1.912.829 e CAAE: 63195816.9.0000.5415.
Os dados foram coletados após aceite do Comitê de Ética em Pesquisa,
autorização dos responsáveis pelos locais e consentimento informado dos
sujeitos do estudo através do Termo de Consentimento Livre e Pós-Esclarecido
e/ou o Termo de Assentimento Livre e Pós-Esclarecido.
A população
entrevistada apresentou média de 17,45 anos de idade (DP:
1,579, mediana de 18 anos, mínima de 13 e máxima de 19 anos). Verificou-se que
no momento da descoberta da gravidez 92,0% das adolescentes estavam na faixa
etária dos 15 a 19 anos e no momento da entrevista este número aumentou para
94,0% nesta faixa. Em relação à cor, houve predominância da cor branca com
44,0% (Tabela I).
Somente 32,0% informaram que estavam
estudando no momento da entrevista (Tabela I). Destas, 9,0% relataram Ensino
Fundamental Incompleto, 18,0% Ensino Médio Incompleto, 3,0% Ensino Médio
Completo, 1,0% Ensino Superior Incompleto e 1,0% não respondeu à questão.
Quanto à pretensão de continuar os estudos, 55,0% desejavam continuar, 13,0%
não desejavam.
No momento da
descoberta da gravidez, 53,0% das entrevistadas informaram como estado civil
estar casada ou em união estável e durante a entrevista, 65,0% estavam casadas
ou em união estável. Quando engravidaram 72,0% não estavam trabalhando e no
momento da entrevista 79,0% não estavam (Tabela I).
Em relação à renda
familiar na época da descoberta da gravidez, 48,0% informaram dois salários
mínimos (SM) e no momento da entrevista 49,0%. Na classificação socioeconômica
88,0% das entrevistadas na Classe Baixa Superior (Tabela I).
Tabela I - Distribuição das variáveis socioeconômicas. São José do Rio Preto/SP,
2018.
*Salário Mínimo (SM) =
R$ 937,00
A primeira relação
sexual das entrevistadas ocorreu em média com 14,46 anos (DP:
1,611, mediana de 15 anos, mínima de 11 e máxima de 19 anos). Verificou-se que
52,0% das adolescentes iniciaram a vida sexual com idade entre 15 e 19 anos.
Dentre as adolescentes, 86,0% preocupavam-se com a prevenção de IST e 73,0%
informaram uso de preservativo para esta prevenção. Quando engravidaram, 70,0%
não estavam utilizando método contraceptivo e 93,0% já haviam passado por algum
serviço dentro da unidade de saúde antes do diagnóstico da gestação (Tabela
II).
Tabela II - Distribuição das variáveis sobre vida sexual e reprodutiva. São José
do Rio Preto/SP, 2018.
Verificou-se que 69,0%
das adolescentes sabiam o que era período fértil e 99,0% já conheciam algum
método contraceptivo antes de ficar grávida (Tabela III). Houve predomínio das
adolescentes que informaram como principal fonte dessas informações, os
familiares (73,0%), a escola, através do professor (68,0%), a unidade de saúde
(68,0%), a internet (58,0%), a televisão (56,0%) e cartazes/folders (54,0%).
Dentre os familiares a fonte mais citada foi a mãe (49,0%).
Quanto ao recebimento
de orientações sobre IST, Hepatites B e C, e HIV, antes da gestação, 98,0%
relataram ter recebido alguma informação sobre o tema (Tabela 3) com predomínio
da fonte de informação, sendo a unidade de saúde (74,0%), a escola, através do
professor (71,0%), a televisão (68,0%), os familiares (66,0%), a internet
(63,0%) e cartazes/folders (56,0%). Dentre os familiares a fonte mais citada
foi a mãe (43,0%).
Quanto aos métodos
contraceptivos conhecidos antes da gestação, o mais citado foi o preservativo
masculino (98,0%), e quase a totalidade informou conhecimento de que a unidade
básica de saúde oferta métodos contraceptivos de forma gratuita (98,0%) (Tabela
III). O coito interrompido não é um método anticoncepcional, porém foi citado
como um por 66,0% das adolescentes (Tabela III).
Tabela
III - Distribuição das variáveis sobre
conhecimento em relação ao ciclo reprodutivo, métodos anticoncepcionais e
Infecções Sexualmente Transmissíveis. São José do Rio Preto/SP,
2018.
*Não é considerado
método anticoncepcional, porém surgiram respostas.
Sobre a gestação, 70,0%
das entrevistadas informaram que a gravidez não foi planejada e 57,0% utilizou
o de teste de farmácia para diagnóstico (Tabela IV). Logo após o diagnóstico da
gestação, 97,0% das adolescentes contaram que estavam grávidas, sendo que 60,0%
contaram primeiro para indivíduos sem consanguinidade (Tabela IV). Dentre os
indivíduos consanguíneos a pessoa mais procurada para receber a notícia da
gestação foi a mãe (25,0%) e quanto aos indivíduos sem consanguinidade que
receberam a informação, o pai da criança foi o mais procurado (49,0%). Após a
descoberta da gravidez, 95,0% das entrevistadas informaram que receberam apoio
(Tabela IV), e as três fontes de apoio mais citadas pelas adolescentes foram
respectivamente, a mãe (75,0%), o pai da criança (71,0%), e o pai (29,0%).
Todas as pacientes
procuraram a unidade de saúde após a descoberta da gravidez (100,0%). Até o
momento da entrevista, 87,0% informaram que não tiveram problemas durante a
gestação, 48,0% já estavam no terceiro trimestre, 93,0% realizaram a primeira
consulta de Pré-Natal no primeiro trimestre, 83,0% haviam realizado até seis
consultas; 96,0% já haviam realizado exames laboratoriais e 83,0% ultrassom
(US) obstétrico; e 92,0% já haviam atualizado a carteira de vacina (Tabela IV).
Quanto ao uso de drogas, 57,0% não relataram uso antes da gestação e 94,0% não
relataram uso durante (Tabela IV). Das drogas utilizadas durante a gestação
4,0% informaram tabaco, 1,0% álcool e 1,0% maconha.
Quanto aos antecedentes
obstétricos, 76,0% das adolescentes era primigesta, 88,0% eram nulíparas, 12,0% já contavam com um ou mais partos, 88,0%
não tinham filhos, 12,0% realizaram aborto, destes 3,0% provocados (Tabela IV).
Tabela IV - Distribuição das variáveis sobre antecedentes obstétricos e gestação
atual. São José do Rio Preto/SP, 2018.
As adolescentes
engravidaram de parceiro fixo (91,0%), sendo este esposo (56,0%), com relação
fixa há 8 meses ou mais (76,0%) e parceiros acima de 19 anos (69,0%). Quando a
gravidez ocorreu, 55,0% dos parceiros já moravam com a entrevistada. Antes da
gravidez, 52,0% das adolescentes moravam com o pai da criança e após a
descoberta da gravidez, 69,0%. Quanto à manutenção do relacionamento, 87,0%
estavam com o parceiro (Tabela V).
Das entrevistadas que
terminaram o relacionamento, no momento da entrevista, 100,0% sabiam onde ele
morava, 7,6% informaram que ele estava estudando, 38,0% informaram que ele
estava trabalhando, 46,0% relataram que ele pagaria pensão, 77,0% informaram
que ele veria a criança e 54,0% relataram que ele iria conviver com a criança
(Tabela V).
Quanto aos cuidados com
a criança após o nascimento, 79,0% contariam com outras pessoas para auxílio ou
realização desta tarefa (Tabela V). A grande maioria das entrevistadas informou
que ela e o pai da criança seriam os responsáveis pelo cuidado (71,0%). Quanto
à moradia da criança, 85,0% informaram que morariam com a criança em companhia
de outras pessoas (Tabela V). A grande maioria informou que a criança moraria
com ela e o pai da criança (74,0%). Quanto à responsabilidade financeira sobre
a criança, 99,0% informaram que esta responsabilidade seria de outra pessoa ou
compartilhada (Tabela V). Dentre as opções mais citadas temos, o pai da criança
como responsável financeiro (46,0%), a entrevistada e o pai da criança como
responsáveis (33,0%) e a família da entrevistada como responsável (15,0%).
Tabela V - Distribuição das variáveis sobre relacionamento e apoio após o parto.
São José do Rio Preto/SP, 2018.
Em relação às variáveis
socioeconômicas, este estudo foi semelhante a literatura [7,8,10,11,17-22]. A
prevalência da gravidez na primeira fase da adolescência apresenta maior risco
de morbimortalidade [13]. Contudo, é importante ressaltar que as ações e
recursos para se evitar a gravidez na adolescência se concentram em meninas na
segunda fase, o que sugere uma revisão de tais práticas [13].
Quanto à cor
autodeclarada pelas entrevistadas, nota-se que esta variável pode sofrer
influência da região onde o estudo foi realizado, sendo que no município
estudado há o predomínio da cor branca, como ocorre na região sudeste e sul
[18,23]. Diferentemente de outros realizados no Nordeste
[20,22].
Quanto ao tema
trabalho, várias adolescentes não exerciam atividade remunerada, resultado
também demonstrado na literatura [11,19-22]. Sobre a classificação
socioeconômica, estudos corroboram o resultado encontrado com prevalência na
classe socioeconômica baixa [7,10]. Em relação à renda familiar, o município de
estudo tem uma média de 2,7 salários mínimos [24], o que contribui para o
resultado diferente do encontrado na literatura que foi de um salário mínimo [11,22].
O relacionamento
estável, com parceiro fixo, está predominando nos estudos recentes
[7,11,17,18,22], diferente dos mais antigos [8,19,20]. Muitas vezes a
constituição de uma família é vista como conquista de uma melhor qualidade de
vida, funcionando como projeto e forma de reconhecimento [7]. Porém, a vida
conjugal motivada pela gravidez precoce não implica em independência
financeira, em relação à família de origem, e de cuidado, em relação aos
recém-nascidos [11,21].
Em relação à
escolaridade, verifica-se um atraso ou interrupção nos estudos por parte das
adolescentes o que pode ser resultado da ocorrência da gravidez neste período
[7,8,11,18-22]. A escolaridade igual ou inferior a oito anos pode duplicar as
chances de uma gestação na adolescência [25]. Além disto, a gravidez pode
resultar em abandono escolar, comprometendo as condições socioeconômicas,
interferindo na qualificação e inserção no mercado de trabalho e causar
dependência financeira do companheiro ou família [18]. Sabe-se que meninas que
permanecem por mais tempo nas escolas são menos propensas a engravidar, por
apresentarem maior preparo para o mercado de trabalho e possuírem maior
capacidade de subsistência, maior autoestima e status social, além de reduzir o
casamento precoce e retardar a gravidez [13].
A escola é um local privilegiado para
reflexão e discussão sobre o tema sexualidade e gravidez na adolescência, onde
ações realizadas pela equipe de saúde otimizam o espaço para a prevenção e
promoção da saúde sexual e reprodutiva, ampliando o conhecimento e incentivando
a visão da APS como um ponto de referência para suas necessidades. Para isso, é
necessário o trabalho intersetorial, otimizando o espaço para a prevenção e a
promoção da saúde sexual e reprodutiva do adolescente [26].
O Programa Saúde na
Escola (PSE) é um exemplo de política intersetorial que surgiu em 2007, em que
a APS desenvolve ações pautadas nas políticas de saúde e educação voltadas às
crianças, adolescentes, jovens e adultos da educação pública brasileira para
promover saúde e educação integral [27].
É
importante ressaltar
que a o início da vida sexual se dá por volta dos 14/15
anos [7,11,17,20],
porém, ocorrendo cada vez mais cedo (12 e 13 anos) [21]
aumentado a
vulnerabilidade a gestação [17]. Esta vulnerabilidade
decorre de muitos
fatores, como impulsividade, pensamento egocêntrico, idade da
primeira relação
sexual, falta de informação ou uso inadequado dos
métodos contraceptivos,
frequência escolar, número de parceiros sexuais e
crenças [5]. Além da falta de
orientação dos pais, identificação com
ídolos, tendência grupal, construção da
independência, erotização do corpo feminino pela
mídia [8], falta de informação
e diálogo no ambiente familiar, abordagem inadequada da
temática nas escolas,
poucos avanços nos serviços de saúde que articulem
o planejamento familiar com
a comunidade, e precariedade de políticas públicas [28].
A prevenção da gravidez
nesta fase é um assunto importante para os adolescentes que elencam diversos
motivos para tal, como a manutenção das atividades de lazer, da liberdade e da
própria adolescência, maiores oportunidades de futuro, de emprego e
continuidade dos estudos, além de evitar conflitos familiares e o preconceito
da sociedade. Porém, existem diversas barreiras no acesso aos serviços de saúde
para prevenção da gravidez e abordagem à sexualidade, como a qualidade do
atendimento, o constrangimento, o acolhimento oferecido e a falta de vínculo
[29]. Além da dificuldade de acesso aos métodos contraceptivos, existem outras
dificuldades de utilização como a escolha de não fazer uso do método diante de
um relacionamento estável, a inexperiência, o uso incorreto dos contraceptivos
por falta de conhecimento ou esquecimento, medo dos pais descobrirem o início
das relações sexuais [21] e pensamento mágico de que não engravidariam [30].
O conhecimento dos
métodos contraceptivos pelos adolescentes não se traduz em uso ou uso correto,
pois somente o recebimento de informações, muitas vezes não é suficiente para a
prevenção da gravidez [19,22,28-32]. Motivos como baixo custo, fácil acesso,
distribuição de forma gratuita na APS, compra sem receita médica e ampla
divulgação da mídia são considerados pelos adolescentes para que o
anticoncepcional oral e o preservativo masculino estejam entre os mais
conhecidos [30].
Apesar de ser pouco
utilizada pelas adolescentes do estudo, a pílula do dia seguinte foi citada
como método de anticoncepção. Compreendida como contraceptivo de emergência,
compõe a estratégia preventiva para adolescentes disponível na APS. Os
profissionais da APS integram a estratégia de dar acesso ao contraceptivo de
emergência a adolescentes, mas o fazem numa perspectiva multiprofissional, como
em grupos de planejamento familiar [33].
Em relação à origem das
informações sobre período fértil e métodos anticoncepcionais predominou como
principal fonte de informação, respectivamente, a família, a escola e a unidade
de saúde; sendo a mãe a fonte mais citada dentre os familiares. Resultado
diferente é visto em estudo que mostra a escola como principal espaço para
obtenção de informações sobre saúde sexual e reprodutiva. Quanto à busca por
informações sobre o assunto, os amigos são os mais procurados pelos
adolescentes, seguidos pelos familiares, professores e profissionais de saúde.
A maioria dos adolescentes disse que a fonte de informação mais buscada era a
televisão, seguido da internet e livros e revistas [31]. Já em outro estudo, a
maioria das conversas sobre as mudanças corporais e sexualidade aconteceram com
membros da família; sendo a escola e os serviços de saúde os locais menos
citados [17].
Os pais se mostram como
importante ferramenta para prevenção da gravidez na adolescência [34].
Verificou-se que maior supervisão pelos pais foi associada a relações sexuais
tardias, maior uso de preservativo e aumento do uso de anticoncepcionais [34],
além da proteção contra gravidez sob condições de múltiplos riscos familiares e
riscos de pares [35].
As adolescentes se
sentiram apoiadas após a descoberta da gravidez, sendo as duas fontes de apoio
mais citadas, respectivamente, a mãe da adolescente e o pai da criança [36]. O
apoio familiar é essencial para que as jovens mães aprendam a cuidar dos filhos
e estejam atentas às suas necessidades, sendo muito relevante a presença da
mãe, da irmã ou mesmo da sogra [21]. Além destes, o companheiro, amigos e
acesso aos serviços de saúde foram considerados apoiadores importantes para
criação de vínculos [36].
A maioria das
adolescentes entrevistadas estava na primeira gestação, fato também verificado
em outros estudos [7,8,11,17,19,20,22]. Porém, a reincidência da gravidez na
adolescência continua ocorrendo e pode ser decorrente de diversos fatores,
dentre eles, a história de gestação na adolescência por outras mulheres da família,
mantendo-se um ciclo [17,30]. Outros fatores também permaneceram associados à
recorrência da gravidez na adolescência, especialmente fatores reprodutivos e
socioeconômicos, como coitarca menor que 15 anos,
idade da primeira gestação menor que 16 anos, mudança de parceiro, não cuidar
dos filhos e renda familiar menor que um salário mínimo [37].
Verifica-se neste
estudo que parte das adolescentes planejaram a gestação. Quanto ao planejamento
da gravidez são considerados fatores associados à faixa etária, ao estado
civil, à escolaridade, à renda e à sexarca [38].
Ressalta-se a
importância da realização do Pré-Natal para prevenção de complicações
decorrentes de uma gestação de alto risco [8,11,18,22]. O enfermeiro possui
papel fundamental no processo de educação e saúde, da escola e da família [20].
Algumas dificuldades podem estar presentes quanto ao desenvolvimento das ações
preventivas da gravidez na adolescência por estes profissionais, como falta de
adesão do público alvo, falta de capacitação dos profissionais, falta de
infraestrutura, planejamento, colaboração das escolas, excesso de trabalho e
falta de comunicação entre as equipes [39]. Porém, assumindo seu papel, o
enfermeiro deve promover ações interdisciplinares de educação sexual que integrem
família, escola, e comunidade, e despertar no adolescente o interesse de
ampliar o conhecimento e desenvolver habilidades e atitudes, contribuindo para
o exercício de uma sexualidade mais responsável e segura [40].
O enfermeiro já realiza
ações para a prevenção da gravidez, como distribuição de contraceptivos,
panfletos e cartilhas; realização de palestras; realização de dinâmicas [39];
orientação individual, como a consulta de enfermagem, e, realização de grupos
[39,40]. Contudo, tem-se que pensar além do já realizado, e para isso, é
necessário focar na mudança de comportamento como solução, e ver como
verdadeiro caminho para a prevenção da gravidez na adolescência a busca da
justiça social, o desenvolvimento equitativo e o empoderamento das meninas,
através de abordagens mais amplas para desenvolver o capital humano, com foco
na sua capacidade de tomar decisões sobre suas próprias vidas, incluindo
questões de saúde sexual e reprodutiva, e proporcionando oportunidades reais,
de modo que a gravidez não seja vista como seu único destino [13].
Este estudo teve como
limitações a falta de informação nas planilhas da APS, adesão das gestantes,
com muitas faltosas ou sem representante legal durante a consulta de Pré-Natal. Apesar de muitas já estarem casadas, e,
portanto, terem a emancipação [41], não apresentaram comprovação no momento, e
de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde menores de 18
anos necessitam da aprovação de um responsável legal para participação do estudo
[42].
Verifica-se um perfil
de gestantes adolescentes que não estavam estudando ou trabalhando no momento
em que aconteceu a gravidez, a maioria estava casada ou em união estável, com
parceiro fixo, e se encontravam na Classe Socioeconômica Baixa Superior. Estas
adolescentes apresentavam preocupação quanto à prevenção de IST e informaram
uso de preservativo para este fim, relataram conhecimento sobre período fértil
e métodos contraceptivos, conheciam a unidade de saúde e a oferta gratuita de
contraceptivo, porém a maioria não estava utilizando nenhum método
contraceptivo quando a gravidez ocorreu. Diante disso, verifica-se que somente
o conhecimento dos métodos contraceptivos não se traduz em prevenção da
gravidez na adolescência e tornam-se necessárias abordagens mais amplas, com
foco no empoderamento das meninas e desenvolvimento de capital humano para
projetos de vida, que envolvam o trabalho e o estudo.