ARTIGO ORIGINAL
Exposição de crianças
ao material particulado atmosférico inalável em duas
escolas na região Amazônica do Brasil e associações com a saúde
Marina
Smidt Celere Meschede, D.Sc.*, Bernardino
Ribeiro Figueiredo**
*Enfermeira, Docente no
Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA),
**Geólogo, Docente no departamento de Geologia e Recursos Naturais da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Recebido
em 27 de dezembro de 2018; aceito em 27 de agosto de 2019.
Correspondência: Marina Smidt Celere Meschede,
Instituto de Saúde Coletiva, Av. Mendonça Furtado (Campus Amazônia) 2º andar,
68040-050 Santarém PA
Marina
Smidt Celere Meschede: marcelere@yahoo.com.br
Bernardino
Ribeiro Figueiredo: bernafigueiredo@yahoo.com.br
Trabalho resultante da
tese de doutorado intitulada “Implicações para a saúde de escolares a partir do
consumo de água e material particulado atmosférico inalado em escolas de
Santarém e Mojuí dos Campos, Pará, Amazônia”,
defendida em maio de 2018 pelo Programa de Pós-Graduação em Sociedade Natureza
e Desenvolvimento da Universidade Federal do Oeste do Pará
Resumo
O
objetivo deste estudo foi verificar a exposição de crianças ao Material
Particulado Atmosférico (MPA) em duas escolas na Amazônia, uma em Santarém e a
outra em Mojuí
dos Campos, durante as estações seca e
chuvosa entre 2015 e 2016. Os métodos analíticos
incluíram análise
gravimétrica, avaliação de íons
solúveis e de elementos traço. A
concentração
mássica média diária foi maior durante a
estação seca (55,28 a 76,30 µg/m3
para partículas grossas e 8,10 a 20,84 µg/m3 para partículas finas),
quando comparada com a estação chuvosa (26,08 a 31,9 µg/m3 para
partículas grossas e 0,11 a 2,05 µg/m3 para partículas finas).
Análises químicas evidenciaram baixas concentrações de compostos solúveis (≤
0,54 mg/m3) com a predominância de Cl- e NO3-
e as análises de elementos traço mostraram que os compostos de maior abundância
nas partículas grossas foram elementos terrígenos como Ca, Na, Mg e nas finas
houve a predominância de SO4²-, NH4+
e de K. Conclui-se que as crianças estão expostas a uma maior concentração de
poluentes atmosféricos durante a estação seca, predominantemente às partículas
grossas, com abundância de compostos químicos que se relacionam a ressuspensão de poeiras do solo e que podem ser associadas
a implicações respiratórias menos graves, como aquelas de vias aéreas
superiores.
Palavras-chave: poluição do ar,
material particulado, ecossistema amazônico.
Abstract
Exposure of
children to inhalable atmospheric particulate matter in two schools in the Amazon region,
Brazil, and associations with health
The
objective of this study was
to verify the exposure of
children to atmospheric particulate matter (PM) in two schools in the Amazon, in Santarém and
other in Mojuí dos Campos, during the dry
and rainy seasons between 2015 and 2016. The analytical methods included gravimetric analysis, evaluation of soluble
ions and trace elements. The mean daily mass concentration
was higher in the dry season
(55.28 to 76.30 µg/m3 for coarse particles and 8.10 to 20.84 µg/m3
for fine particles), when compared to (26.08 to 31.9 µg/m3 for coarse
particles and 0.11 to 2.05 µg/m3 for fine particles).
Chemical analysis revealed low concentrations
of soluble compounds (≤ 0.54 mg/m3) with the predominance
of Cl-, NO3-, Ca2+
e Na+ and analysis
of trace elements showed that the
compounds of greatest abundance in the coarse particles
were terrigenous elements such as Ca, Na and Mg in the fine SO4²-,
NH4+ and K. The children are exposed to a higher concentration
of pollutants atmospheric conditions during the dry
season, predominantly to the coarse
particles, with abundance of chemical
compounds related to resuspension of soil dust
and could be associated to
less severe respiratory disorders such as those of
the upper airways.
Key-words: air
pollution, particulate matter, amazon ecosystem.
Resumen
Exposición de niños a Partículas
Atmosféricas Inhaladas en
dos escuelas de la región amazónica, Brasil, y asociaciones
de salud
El
objetivo de este estudio fue
verificar la exposición de los niños a las
Partículas Atmosféricas Inhaladas (PAI) en dos escuelas en la Amazonia,
una en Santarém y la otra en Mojuí
dos Campos, durante las estaciones seca y lluviosa de 2015 a 2016. Los métodos analíticos incluyeron análisis. Análisis gravimétrico de iones solubles
y oligoelementos. La concentración de masa diaria promedio
fue mayor durante la estación seca (55.28 a 76.30
µg/m3 para partículas gruesas y 8.10 a
20.84 µg/m3 para partículas finas) en comparación con la estación lluviosa
(26, 08 a 31.9 µg/m3 para partículas gruesas
y 0.11 a 2.05 µg/m3 para partículas finas). Los análisis
químicos mostraron bajas concentraciones
de compuestos solubles (≤
0,54 mg/m3) con predominio
de Cl- y NO3- y los análisis de elementos traza mostraron que los compuestos más abundantes en
partículas gruesas eran
elementos terrigenicos como Ca, Na, Mg y en los finos hubo
un predominio de SO4²-,
NH4+ y K. Se concluye que los niños están
expuestos a una mayor concentración de contaminantes atmosféricos durante la estación seca,
predominantemente a partículas gruesas, con abundancia de compuestos
químicos relacionados con resuspensión
del polvo del suelo y que puede estar asociado con implicaciones
respiratorias menos graves, como las
de las vías respiratorias superiores.
Palabras-clave: contaminación del aire, material particulado, ecosistema
amazónico.
O Material Particulado Atmosférico (MPA) é
composto por partículas sólidas e líquidas de tamanhos variados, suspensas no
ar que podem ser emitidas a partir de várias fontes como as poeiras das ruas,
emissões vulcânicas, aerossóis marinhos, queima de combustível fósseis e a
partir das queimadas florestais [1]. As frações inaláveis do MPA constituem as
partículas grossas com diâmetro maior que 2,5 µm até 10 µm e são normalmente
formadas devido a ressuspensão de poeiras do solo, as
partículas finas, com diâmetro menor 2,5 µm e as ultrafinas que são menores que
0,1 µm, predominantemente derivadas da combustão de combustíveis fósseis e das
queimadas florestais [2]. As partículas de diferentes tamanhos poderão
apresentar em sua composição compostos de espécies químicas diferentes, como
íons de sulfato, nitrato, metais na forma de elementos traços como chumbo e
cádmio, sais marinhos, pólen e elementos da crosta como ferro, cálcio e
alumínio [3].
A relação entre qualidade do ar e saúde vem
sendo estudada a partir de pesquisas epidemiológicas e toxicológicas
desenvolvidas ao redor do mundo [4,5]. A atenção deve-se ao fato da exposição
ao MPA inalável determinar quadros importantes de
morbidade e mortalidade em populações. Segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS), uma em cada nove mortes no mundo é resultante dos efeitos da poluição
atmosférica e estima-se que 3 milhões de mortes ocorrem anualmente em
decorrência da exposição aos contaminantes presentes no ar, e os grupos mais
suscetíveis aos efeitos adversos em saúde são os extremos de idade como idosos
e as crianças [6].
No Brasil, os dados disponíveis sobre qualidade
do ar e efeitos em saúde são escassos. O Ministério do Meio Ambiente publicou
em 2014 o “1º Diagnóstico de Rede de Monitoramento da Qualidade do Ar no
Brasil” e, a partir dele, verificou-se que o monitoramento da qualidade do ar
no Brasil ainda é muito restrito e incipiente em termos de coleta amostral,
cobertura territorial, parâmetros monitorados e representatividade nas medições
[7], o que dificulta associações com quadros de adoecimentos e mortalidade
devido a exposição à poluição atmosférica.
A poluição atmosférica na Amazônia possui
características distintas de grandes centros urbanos brasileiros. Na Amazônia a
principal fonte poluidora é o desmatamento, enquanto que em grandes centros
urbanos a poluição do ar associa-se principalmente com a queima de combustíveis
fósseis. O MPA é o principal composto emitido pelas duas fontes, entretanto
apresenta características químicas diferentes de uma região para a outra [8].
Alguns estudos vêm sendo realizados na região Amazônica e têm mostrado efeitos
adversos à saúde decorrentes da exposição ao MPA advindos da queima de biomassa
florestal. Esses estudos concentram-se em locais da Amazônia com intensa
atividade antrópica, como aqueles localizados no Arco do Desmatamento, ao sul
do bioma Amazônico. As pesquisas mostram aumento nos atendimentos de
emergência, consultas ambulatoriais e internações hospitalares, bem como uma
diminuição do pico de fluxo expiratório e o aumento na frequência de
micronúcleos em células epiteliais orais em crianças e idosos expostos a
concentrações elevadas de MPA em municípios como Alta Floresta e Tangará da
Serra, localizados ao norte do estado do Mato Grosso [9-11].
Diante da necessidade de ampliar as discussões
e o conhecimento sobre a relação entre MPA e a saúde humana em outras regiões
da Amazônia, o objetivo do presente trabalho foi avaliar a exposição ao MPA por
crianças em duas escolas, sendo uma no município urbano de Santarém e a outra
no município rural de Mojuí
dos Campos, a partir da
sua determinação experimental da
concentração mássica e da composição
química
inorgânica. Os resultados obtidos por este estudo são
inéditos nessas
localidades, e auxiliarão ampliar os conhecimentos sobre a
composição mássica e
química da atmosfera e os efeitos adversos em saúde que
podem estar associados a sua exposição.
Local de estudo
Trata-se de um estudo experimental descritivo
conduzido em duas escolas na região Amazônica, uma localizada na cidade de
Santarém (S 02º 26 35” W 54 42 30) e a outra na cidade de Mojuí
dos Campos (S 02 40 55 W 54 38 32) (Figura 1). A região dos municípios
apresenta clima tropical húmido e a sazonalidade climática é marcada por dois
períodos (i) o período de seca (julho a novembro) e (ii)
período chuvoso (dezembro a maio), o mês de junho pode ser considerado como de
transição [12].
Figura 1 - Pontos de localização para coleta das amostras de MPA nas escolas de
Santarém e Mojuí dos Campos, Pará, Amazônia.
Santarém e Mojuí dos
Campos localizam-se no Oeste do Pará, região que vem se destacado no avanço de
fronteiras agrícolas, principalmente do cultivo da soja, e na instalação de
obras de infraestrutura como portos, pavimentação de vias já existentes, com
grande ênfase na região da BR-163 e na bacia do Rio Tapajós. Em cada município
selecionou-se uma escola pública municipal de ensino fundamental denominada
para este trabalho de “escola Santarém” e “escola Mojuí
dos Campos”. O critério de seleção das escolas deu-se pela localização mais a
Leste de cada município, visando evitar interferências da pluma da cidade na
coleta de MPA, uma vez que a direção do vento na região é predominantemente
vinda de Leste [13] e, também, a escola que tivesse o maior número de alunos
matriculados de ensino fundamental.
Amostragem do MPA
Para a coleta de amostras do MPA utilizou-se um
Impactador de Cascata de oito estágios em que o ar
entra no equipamento através de uma bomba de sucção a vácuo com vazão constante
de 28,3 l/min, a um sistema de fluxo controlado e constante a partir de um
orifício circular e atravessa diferentes estágios, totalizando nove estágios de
coleta. As partículas de MPA de menor porte aerodinâmico passam por inercia
para os estágios mais profundos e as maiores ficam retidas nos primeiros
estágios do equipamento.
O equipamento foi posicionado dentro das
escolas, em ambientes externos as salas de aula, protegidos da chuva e do sol.
O meio filtrante utilizado foi o filtro de fibra de quartzo modelo QMA8X10IN
(marca Whatman®) previamente calcinados em mufla por
5 horas a 500 ºC. A coleta foi realizada por um
período de 7 dias consecutivos, de forma intermitente. A primeira coleta ocorreu
na escola Santarém durante a estação seca no período de 21 a 28/09/2015, após
esse período de 7 dias os filtros foram trocados do equipamento e substituídos
por novos e a segunda coleta durante a estação seca na mesma escola ocorreu de
28 a 05/10/2015. Na escola Mojuí dos Campos, a
primeira coleta ocorreu durante a estação seca de 12 a 19/10/2015 e após a
troca dos filtros, a segunda ocorreu de 19 a 26/10/2015, durante a estação
chuvosa.
Durante
a estação seca optou-se por realizar em cada escola, duas coletas de MPA de
sete dias cada. Na primeira coleta, os filtros foram destinados para análise
química de elementos traço por Espectrômetro de Massa por Plasma Indutivamente
Acoplado (ICP-MS) e a segunda coleta os filtros foram destinados para análise
química de íons solúveis por Cromatografia Iônica (CI).
Durante o período chuvoso, optou-se em realizar
apenas uma coleta de MPA para análise de elementos traço por ICP-MS. O motivo
pelo qual a análise por CI não foi realizada para o período chuvoso, foi
considerando que durante esse período existe uma tendência de diminuição de
todas as concentrações de MPA evidenciado na literatura e dessa forma o ponto
mais crítico, considerado para a saúde humana, é durante a estação seca. Dessa
forma, durante o período chuvoso, a coleta na escola Santarém ocorreu do dia 07
a 14/03/2016 e na escola Mojuí dos Campos ocorreu de
16 a 23/03/2016.
Metodologia analítica
Análise
gravimétrica
A quantificação da massa do MPA retida nos
filtros foi realizada utilizando-se a análise gravimétrica. Essa análise
consistiu em pesar todos os filtros antes e depois da amostragem em uma balança
Sartorius CP225D, com precisão de 0,01 mg, sob
condições controladas de temperatura e umidade relativa. Cada filtro foi pesado
três vezes, posteriormente foi obtido um valor médio dos três valores.
Ressalta-se que, para controle de qualidade dos processos analíticos, foram
utilizados filtros brancos, levados a campo e que passaram pelos mesmos
procedimentos que os demais amostrados. Cada coleta resultou em nove filtros
(desde o filtro que foi colocado no estágio nº 0 ao estágio nº 7 e mais o
filtro acoplado na posição Back up). Os nove filtros foram separados em dois grupos, um
grupo reuniu os filtros dos estágios de nº 0 ao nº 4 (totalizando cinco
filtros) correspondente ao intervalo granulométrico de 10 µm até 2,1 µm
(considerou-se como fração grossa do MPA), e um ouro grupo reuniu os filtros
dos estágios de nº 05 ao Back up (totalizando quatro filtros) correspondente ao
intervalo granulométrico de 2,1 µm até 0,43 µm (considerou-se como a fração
fina do MPA). Para se obter as concentrações mássicas em µg/m3,
utilizou-se uma planilha de amostragem no Excel, na qual foram inseridas as
massas em gramas iniciais e finais de cada filtro. Posteriormente a massa em
gramas obtida de cada fração (fina e grossa) foi dividida pela vazão total de
ar durante a coleta de 0,0283 m3 e multiplicado por 106. Dessa forma
obteve-se a concentração mássica de MPA em µg/m3 correspondente para
cada fração fina e grossa.
Análise
das fases solúveis e elementos traço
Os filtros foram recortados em pedaços menores
e acondicionados em tubos de centrífuga de 50 ml aos quais adicionou-se 15 ml
de água Milli-Q para análise da fração solúvel. Uma
vez concluída a etapa anterior, os tubos foram colocados sob agitação mecânica
durante 5 horas a 115 rpm, a temperatura ambiente, visando à solubilização dos
compostos químicos presentes no MPA. A solução obtida foi filtrada com filtros
de seringa Millipore 0,22 µm com membrana hidrofílica. O filtrado foi analisado
por CI, marca Dionex/Thermo
Scientific, modelo ICS-2500. Para controle de
qualidade analítica também foram analisados os filtros brancos, sendo os
resultados obtidos, posteriormente, subtraídos dos valores de concentração nas
amostras. Foram analisados os ânions fluoreto (F-), cloreto (Cl-),
nitrito (NO2-), nitrato (NO3-),
sulfato (SO4²-) e brometo (Br-);
e os cátions amônio (NH4+); sódio (Na+); lítio (Li+);
potássio (K+); magnésio (Mg2+) e cálcio (Ca2+)
do MPA coletado durante a estação seca. Os limites de detecção do método foram
em mg.l: de 0,001 para F-; 0,015 para Cl-;
0,005 para NO2- e Br-;
0,003 para NO3-; 0,01 para SO42-;
0,02 para o NH4+ e Na+; 0,004 para Li+;
0,05 para K+ e Ca2+ e 0,03 para Mg+2
Para a análise de elementos traço, os filtros
coletados para esse fim foram recortados em pedaços e colocados em tubos de
centrífuga de 50 ml, aos quais foi adicionado 15 ml de uma solução de ácido
nítrico (HNO3) a 1% para extração parcial de elementos traço. Após os
tubos permaneceram durante 5 horas em um agitador mecânico à 115 rpm, à
temperatura ambiente, visando a máxima interação do ácido com as partículas
retidas no filtro. Os extratos foram filtrados com filtros Millipore de 0,22 µm
de tamanho do poro. Na sequência, o filtrado foi transferido para tubos de
centrífuga de 10 ml para a realização da análise por ICP-MS em sala limpa. Para
controle de qualidade analítica também foram analisados os filtros brancos,
sendo os resultados obtidos no branco, posteriormente, subtraídos dos valores
de concentração das amostras. A análise do MPA pelo ICP-MS permitiu medir a
concentração de 56 elementos traço. A partir das concentrações obtidas das
amostras de MPA (fração grossa e fina), foram escolhidos os elementos alumínio
(Al), cálcio (Ca), cádmio (Cd), chumbo (Pb), cobre (Cu), ferro (Fe), magnésio (Mg), níquel (Ni), potássio (K) e sódio (Na) para serem apresentados e
discutidos neste trabalho. O limite de detecção do método para esses elementos
traço foram em ng.ml-1: 0,4 para Al; 0,0005 para Ca; 0,004 para Cd; 0,002 para Pb; 0,05 para Cu;
1,6 para Fe; 0,2 para Mg; 0,04 para Ni; 47 para K e
2,0 para Na.
Resultados e discussão
Concentração mássica de
partículas atmosféricas nas escolas
Na
Tabela I são apresentados os resultados das
concentrações mássicas de MPA nas escolas. A
concentração mássica da fração
grossa e fina do MPA coletado, durante a estação seca, foi
substancialmente maior do que as concentrações obtidas durante a estação
chuvosa. Os achados foram esperados, uma vez que, durante a estação chuvosa, a
atmosfera apresenta-se mais limpa devido à ausência quase completa de queimadas
e diminuição da ressuspensão de poeiras do solo
devido à sua umidade. O MPA coletado na escola Santarém atingiu, durante a
estação seca e chuvosa, uma concentração mássica maior da fração grossa quando
comparado com os resultados obtidos na escola Mojuí
dos Campos. A ressuspensão de poeiras do solo devido
a ruas não asfaltadas nas proximidades da escola Santarém pode ser um fator
contribuinte nesse achado. Por outro lado, a escola Mojuí
dos Campos apresentou concentrações mais elevadas da fração fina durante as
duas coletas realizadas na estação seca, indicando a influência de queimadas
provenientes das atividades agrícolas que ocorrem durante a estação seca no
município de Mojuí dos Campos.
Tabela I - Concentrações mássicas (µg/m3) de MPA fração grossa e fina na escola
Santarém e Mojuí dos Campos durante as estações seca
e chuvosa de cada coleta, Pará, Amazônia.
As
concentrações mássicas de MPA nas
frações
grossa e fina encontradas para o presente estudo são inferiores
aos padrões de
qualidade do ar estabelecidos pelo Decreto Estadual de São Paulo
nº 59.113 [14]
em ambas as escolas e períodos de coleta. O referido Decreto
é o primeiro a
nível nacional e estabelece novos padrões de qualidade do
ar baseando-se em
valores-guia publicados pela OMS (2005) para poluentes
atmosféricos visando à
proteção da saúde da população [1].
Os valores da OMS ainda são mais
restritivos que o Decreto, dessa forma, as concentrações
do presente estudo em
relação à fração grossa do MPA, na
estação seca, excedem o limite máximo da OMS
de 50 µg/m3 para ambas as escolas. Durante a estação chuvosa, todos
os valores encontrados apresentaram-se abaixo do recomendado pelo Decreto e
pela OMS (2005). Ressalta-se que o Decreto de São Paulo [14] e o da OMS [1]
apresentam metodologias diferentes do presente estudo quanto ao período de
coleta do MPA. A diferença está no fato de que o Decreto de SP e o da OMS definem
padrões de qualidade do ar para amostras coletadas em 24 horas e, no presente
estudo, esses valores foram obtidos por um período de sete dias.
A concentração de particulas
grossas, embora tenha se apresentado em concentrações mais altas nas escolas,
ao serem inaladas, tendem a se depositar nas vias aéreas superiores humanas e,
normalmente, não são associadas a taxas expressivas de morbidade e mortalidade
na população, mesmo em grupos vulneráveis como as crianças [15]. As implicações
mais severas em saúde de escolares ocorreriam se houvesse um excesso de
partículas mais finas nas escolas, fato que não foi observado no presente
estudo.
As concentrações mássicas obtidas para o
presente estudo foram superiores aos valores encontrados por outros estudos em
áreas mais preservadas da Amazônia. No trabalho de revisão de Gonçalves e
Figueiredo [16], na região Amazônica, as áreas mais preservadas, localizadas
mais ao norte e oeste da bacia (ex. região de Balbina, reserva florestal
Adolpho Ducke e outras), as concentrações de MPA
apresentam-se com valores médios no período chuvoso nos intervalos 5,8-6,5 µg/m3
para a fração grossa e 1,6-2,1 µg/m3 para a fração fina. No estudo
de Gonçalves et al. [16] em uma
região próxima ao município de Alenquer (Amazônia), localizada a uma distância
aproximada de 55 km de Santarém, os autores observaram uma concentração média
de partículas totais em suspensão de MPA de 31 ± 7,8 µg/m3 durante a
estação seca, e concentrações ainda menores obtidas durante a estação chuvosa, de
14 ± 1,3 µg/m3. Por outro lado, os valores obtidos de concentrações
mássicas no presente estudo são menores quando comparados com áreas de intensa
atividade antrópica como aquelas de expansão agrícola, localizadas no Arco do
Desmatamento, Sul da Amazônia. Artaxo et al. [17] encontraram no munícipio de
Alta Floresta (estado do Mato Grosso, Sul da Amazônia) concentração média para
a fração grossa do MPA entre 400-600 µg/m3 durante a estação seca.
Nas regiões com intensa atividade antrópica (ao
sul do bioma Amazônico), alguns estudos vêm sendo desenvolvidos e relacionam a
concentração mássica do MPA e efeitos em saúde. Os trabalhos investigam sobre a
exposição a níveis excessivos de MPA e o aumento do número de admissões
hospitalares e em unidades de emergência devido à morbidade por doenças
respiratórias [10,18]. Ignotti et al. [19] reportaram que no município de Alta Floresta/MT foram
observadas associações significativas entre a exposição ao MPA fino, com
concentração média diária de 44,5 µg/m3 e um aumento considerável
nas admissões hospitalares por crianças e idosos durante a estação seca do ano
de 2010. Em outro estudo, Jacobson [20] apontou sinais subclínicosimportantes
em escolares de seis a oito anos expostos durante o período
escolar
a concentrações da fração fina do MPA
(concentração média em 24 horas de 24,35 µg/m3)
em uma região localizada ao sul da floresta amazônica.
Os mecanismos biológicos que levam ao aumento
das taxas de morbidade e mortalidade decorrente da exposição inalatória a
concentrações excessivas de MPA ainda permanecem incertos. A OMS [1] sugere que
ocorrem efeitos pulmonares locais como a inativação de bactérias pertencente a
microbiota no tecido pulmonar, alterações na permeabilidade epitelial e
diminuição da função de macrófagos. Esses efeitos são fatores que podem atuar
como imunodepressores dos mecanismos normais de defesa pulmonar e aumentar a
suscetibilidade do indivíduo aos efeitos adversos da exposição a concentrações
elevadas de MPA. Por outro lado, a presença de MPA na atmosfera não deverá ser
entendida como a única responsável por induzir alterações biológicas no sistema
respiratório de humanos. A composição química do MPA também poderá ser um fator
importante na determinação de perfis de morbidade e mortalidade na população
[1]. Compostos químicos em concentrações elevadas no MPA, especialmente na
fração fina, estão sendo associados a uma diminuição na expetativa de vida da
população, pois podem atingir alvéolos pulmonares, passam pela membrana
celular, alcançam a corrente sanguínea e podem atingir de forma sistêmica
outros órgãos humanos [21].
Análise da composição
química inorgânica do MPA nas escolas
As frações do MPA obtidas das escolas foram
avaliadas quanto a sua composição química inorgânica. As concentrações iônicas
mais abundantes observadas para a fração solúvel do MPA durante a coleta
realizada na estação seca de 2015 são apresentadas na Tabela II.
Tabela II - Concentrações iônicas (mg/m3) mais abundantes na fase solúvel do MPA na
escola Santarém e Mojuí dos Campos durante a estação
seca do ano de 2015, Pará, Amazônia.
LD
= abaixo do limite de detecção
Nota-se que os compostos solúveis no MPA das
escolas apresentam baixas concentrações (menores que 0,54 mg/m3) nas
amostras avaliadas. Os compostos Li+, NO2-, K+
e Br- na fração grossa e fina das escolas
mostraram-se abaixo do limite de detecção do método, por esse motivo não foram
apresentados na Tabela II. As concentrações iônicas solúveis mostraram-se
superiores na fração grossa do MPA das escolas com exceção do SO4²-
e do NH4+. Segundo Oliveira, Ignotti
e Hacon [22], a partir de uma pesquisa de revisão
sobre a composição do MPA no Brasil, apontaram que o SO4²-
foi o elemento de maior contribuição para a fração fina do MPA nos estudos
publicados entre 2000 e 2009 durante a estação seca e realizados na região
Amazônica.
Quanto aos íons de maior contribuição na fração
grossa do MPA das escolas, verificou-se a predominância do Cl-, NO3-,
Ca2+ e Na+. Os elementos Cl-, Ca2+,
Na+ inalados em baixas concentrações pelos escolares (menor que 0,42
mg/m3), sugerem ausência de implicações relacionadas com a saúde,
uma vez que são compostos que participam de várias funções fisiológicas e
celulares no organismo. Quanto ao NO3-, segundo a Agência
Norte Americana para Substâncias Tóxicas e Registro de Doenças (ATSDR) [23],
diferentemente da rota de ingestão, reportou a ausência de evidências entre a
sua exposição por via inalatória e efeitos adversos observáveis. Da mesma forma
para o Mg2+, encontrado em baixas concentrações nas amostras das
escolas (menor que 0,04 mg/m3), que segundo os autores Kuschner
et al. [24], não houve associações
significantes nas respostas inflamatórias pulmonares, mesmo a partir da
inalação em concentrações elevadas (4138 mg/m3) de Mg2+.
Além da determinação dos elementos solúveis
presentes no MPA das escolas, avaliou-se a composição química dos elementos
traço no MPA. As concentrações de um grupo representativo de elementos são
apresentadas na Tabela III.
Tabela III - Concentrações dos elementos traço (ng/m3)
mais representativos no MPA fração grossa e fina nas escolas A e D durante as
estações seca e chuvosa entre 2015 a 2016, Pará/AM.
LD
= Abaixo do limite de detecção
Os resultados do presente estudo mostraram que
os elementos traço (obtidos por extração ácida) mais abundantes na fração
grossa do MPA das escolas foram o Ca, Na, Mg, Al, Fe. Segundo Mascarenhas et al. [10], esses elementos são
considerados terrígenos e ocorrem comumente na fração grossa do MPA devido a ressuspensão de poeiras do solo. Nas proximidades das
escolas existem ruas que não são asfaltadas, a passagem de veículos favorece a ressuspensão de poeiras, o que pode ter contribuído para a
maior concentração desses elementos na fração grossa do MPA das escolas.
Na fração fina do MPA das escolas, a
concentração de K se sobressaiu dos demais constituintes químicos durante a
estação seca. A maior concentração de K foi observada na escola Mojuí dos Campos de 90,7 ng/m3.
Concentrações elevadas de K na fração fina, especialmente durante a estação
seca, podem ser provenientes de ressuspensão de
poeiras enriquecidas com fertilizantes utilizados nas atividades agrícolas e em
decorrência das queimadas florestais [25]. Para o presente estudo, o aumento do
número de focos de queimadas durante a estação seca decorrente das atividades
agrícolas no município de Mojuí dos Campos pode ter contribuído
para concentrações maiores de K+ nas amostras das escolas. Estudos
apontam para a ocorrência de K+ no MPA como traçador da queima de
biomassa florestal na Amazônia, especialmente, nas regiões localizadas mais ao
sul da bacia, como o município de Alta Floresta e Rondônia no arco do
desmatamento [26,27].
Os elementos traço como Cd,
Ni, Cu e Pb apresentam
baixas concentrações nas frações do MPA coletado nas escolas (menores que 1,1 ng/m3). Esses elementos são considerados
traçadores de atividades antropogênicas como queima de combustíveis fósseis e
emissões industriais [28]. As baixas concentrações desses elementos nas
escolas, eram esperadas, uma vez que as escolas não estão localizadas em região
de intensa atividade industrial e de tráfego veicular.
O conhecimento atual disponível não permite a
quantificação precisa ou classificação definitiva dos efeitos sobre a saúde em
relação aos muitos compostos químicos presentes no MPA inalável
e, de fato, as associações entre compostos poderá resultar em componentes
múltiplos que atuam em diferentes mecanismos fisiológicos, e se tornam ainda
mais difíceis de serem compreendidos. Acredita-se que os mecanismos
fisiológicos possam ser manifestados através de vários caminhos no organismo
humano e muito provavelmente se inter-relacionam e envolvem mecanismos de
estresse oxidativo celular e respostas inflamatórias intensas dependendo do
tipo de elemento traço [1]. O estresse oxidativo, também tem sido associado,
como um fator comum em uma série de efeitos adversos da poluição do ar no
aparelho respiratório e no sistema cardiovascular. A partículas químicas a
partir do MPA vem sendo associada a injúrias respiratórias levando à
exacerbação de bronquite crônica e diminuição da função pulmonar [29].
A partir dos resultando encontrados, conclui-se
que as crianças de ambas as escolas estão expostas a uma atmosfera com grande
quantidade de partículas grossas durante a estação seca, composta por
substâncias químicas solúveis em baixas concentrações e elementos traços que
indicam serem provenientes de ressuspensão de poeiras
do solo como das ruas não asfaltadas localizadas nas proximidades das escolas.
Dessa forma, entende-se que a exposição das crianças ao MPA, embora em concentração
mais elevada durante a estação seca, não seja um fator prioritário na
determinação de desfechos graves em saúde, como as pneumonias e as bronquites,
por serem partículas que tendem a se depositar nas vias aéreas superiores e,
normalmente, são expelidas do organismo pelo sistema imunitário. As partículas
mais finas, mais perigosas para a saúde, mostraram-se em baixas concentrações
nas escolas em ambas as estações, entretanto a predominância do potássio,
especialmente na escola Mojuí dos Campos, indica a
influência das queimadas proveniente da biomassa florestal e a importância de
novos estudos epidemiológicos e toxicológicos que relacionem o desmatamento com
o número de casos de morbidade por doenças respiratórias na região.
Agradecimentos são devidos ao Jozinei Ferreira Lopes e Cátia Gonçalves pela orientação de
campo durante a coleta e análises das amostras de material particulado
atmosférico. De vários modos, esta pesquisa se beneficiou do apoio da
Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Laboratório Labvida-Santarém
e do financiamento das agências CAPES e CNPq (Grant 305119/2015-0).