ARTIGO ORIGINAL

Conhecimento e acesso de mulheres à prevenção do câncer de colo uterino

 

Maria Aparecida da Cruz Oliveira*, Elionara Teixeira Boa Sorte Fernandes, M.Sc.**, Magno Conceição das MercesM.Sc.***, Talitha Sonally Soares Fernandes****, Antônio Marcos Tosoli Gomes D.Sc.*****

 

*Enfermeira graduada pela Universidade do Estado da Bahia, Campus XII, Guanambi, Bahia, **Enfermeira, Professora Assistente do Departamento de Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia, ***Biólogo e Enfermeiro, Professor do Departamento de Ciências da Vida, Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus I, Salvador, ****Enfermeira, Professora Auxiliar do Departamento de Educação, Universidade do Estado da Bahia, Campus XII, Guanambi, Bahia, *****Enfermeiro, Professor Titular do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica e do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

 

Recebido em 12 de outubro de 2018; aceito em 5 de dezembro de 2018.

Endereço para correspondência: Magno Conceição das Merces, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula 41150-000 Salvador BA, E-mail: magnomerces@hotmail.com; Maria Aparecida da Cruz Oliveira: cida.igaporan@hotmail.com; Elionara Teixeira Boa Sorte Fernandes: naratbsorte@gmail.com; Talitha Sonally Soares Fernandes: talithasonally@yahoo.com.br; Antônio Marcos Tosoli Gomes: mtosoli@gmail.com

 

Resumo

Introdução: O câncer do colo do útero constitui-se um importante problema de saúde pública que requer uma atenção especial das instituições de saúde, gestores, profissionais da saúde e população em geral. Objetivos: Apreender o conhecimento de mulheres em idade fértil quanto à prevenção ao câncer do colo uterino e descrever seu acesso às ações preventivas na atenção básica. Métodos: Estudo descritivo, com abordagem qualitativa, realizado em uma Unidade Básica de Saúde em Guanambi/BA. Para a coleta de dados foram utilizados um formulário e um roteiro de entrevista semiestruturada. Para análise utilizou-se a técnica de análise de conteúdo de Bardin. Resultados: Apesar de possuírem acesso às ações de saúde relacionadas à neoplasia em questão, ainda há um conhecimento restrito sobre os fatores de risco e sua prevenção. Isso contribui para a vulnerabilidade a esta neoplasia. Conclusão: Faz-se necessário uma avaliação das estratégias de educação em saúde utilizadas, priorizando aquelas que considerem os aspectos socioculturais das mulheres e que as reconheçam como participantes ativas do processo educativo.

Palavras-chave: neoplasias do colo do útero, conhecimento, acesso aos serviços de saúde, prevenção de doenças, enfermagem.

 

Abstract

Knowledge and women's access to cervical cancer prevention

Introduction: Cervical cancer is an important public health problem that requires special attention to health institutions, managers, health professionals and the general population. Objectives: To apprehend the knowledge of women of childbearing age about the prevention of cervical cancer and describe their access to preventive actions in primary care. Methods: A descriptive study with a qualitative approach, carried out in a Basic Health Unit in Guanambi/BA. For data collection were used a form and semi-structured interviews. For analysis we used the Bardin content analysis technique. Results: Despite having access to health actions related to the cancer in question, there is still a lack of knowledge about risk factors and prevention. This contributes to the vulnerability of this neoplasm. Conclusion: It is necessary an assessment of health education strategies used by prioritizing those that consider sociocultural aspects of women and recognize them as active participants in the educational process.

Key-words: uterine cervical neoplasms, knowledge, health services accessibility, disease prevention, nursing.

 

Resumen

Conocimiento y acceso de las mujeres a la prevención del cáncer de cuello uterino

Introducción: El cáncer cervical (CC) es un importante problema de salud pública que requiere especial atención a las instituciones de salud, gerentes, profesionales de la salud y la población en general. Objetivos: Aprender el conocimiento de las mujeres en edad fértil sobre prevención del cáncer del cuello uterino y describir su acceso a las acciones preventivas en la atención primaria. Métodos: Estudio descriptivo con un enfoque cualitativo, realizado en una Unidad Básica de Salud en Guanambi/BA. Para la recolección de datos se utilizaron un formulario y entrevistas semiestructuradas. Para el análisis se utilizó la técnica de análisis de contenido de Bardin. Resultados: A pesar de tener acceso a las acciones de salud relacionadas con el cáncer en cuestión, todavía hay una falta de conocimiento sobre los factores de riesgo y prevención. Esto contribuye a la vulnerabilidad de esta neoplasia. Conclusión: Es necesario una evaluación de las estrategias de educación para la salud utilizadas, priorizando las que consideren los aspectos socioculturales de las mujeres y que las reconozcan como participantes activas en el proceso educativo.

Palabras-clave: neoplasias del cuello uterino, conocimiento, acceso a los servicios de salud, prevención de enfermedades, enfermería.

 

Introdução

 

O câncer do colo do útero (CCU) constitui-se um importante problema de saúde pública que requer uma atenção especial das instituições de saúde, gestores, profissionais da saúde e população em geral. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o CCU ocupa a quarta posição de causa de morte de mulheres por câncer no Brasil e corresponde ao terceiro tumor mais frequente na população feminina [1].

Também chamado de câncer cervical, ele está associado à infecção persistente do Papilomavírus Humano (HPV). Esse vírus é transmitido durante as relações sexuais, através do contato com os fluidos corporais e mucosas e, na maioria das vezes, não apresenta nenhuma sintomatologia e patogenicidade. Contudo, em alguns casos, pode causar alterações celulares no colo uterino que poderão evoluir para o câncer [1,2].

Sua prevenção consiste em afastar os fatores de risco como a obesidade, sedentarismo, tabagismo, multiplicidade de parceiros, atividade sexual precoce, relação sexual desprotegida, dentre outros, e a realização periódica do exame preventivo, também conhecido como Papanicolau [3].

A não realização do exame preventivo, bem como a exposição aos diversos fatores de risco tornam diversas mulheres vulneráveis ao CCU. O termo vulnerabilidade é empregado para designar susceptibilidades das pessoas a problemas e danos de saúde. Pode ser caracterizado ainda pela intensidade do dano, a magnitude de uma ameaça, ou qualquer outro tipo de evento adverso [4].

As mulheres em idade fértil (15 a 49 anos), por exemplo, podem e devem realizar o exame, pois estudo realizado na região sul do Brasil demonstra que grande parte das mulheres acometidas pelo CCU está nesta faixa etária. Este mesmo estudo aponta que a doença pode trazer transtornos a uma possível gravidez, por afetar o estado emocional da gestante e devido às restrições do tratamento [5].

A Estratégia de Saúde da Família (ESF) exerce um trabalho fundamental no controle ao CCU, desenvolvendo ações de promoção, prevenção e proteção da saúde das mulheres. Nas Unidades de Saúde da Família (USF), as mulheres podem participar de atividades educativas, assim como agendar e realizar o exame preventivo, além de obter orientações ao receber o resultado.

Como base nessas constatações, questiona-se: Qual o conhecimento de mulheres em idade fértil sobre a prevenção do CCU? Como se dá o acesso dessas mulheres aos serviços preventivos? Tal inquietação remete à necessidade do enfermeiro, na condição de integrante das equipes de saúde da família, compreender seu importante trabalho nesse processo, através do planejamento e execução de estratégias de educação em saúde, orientando as mulheres sobre a prevenção e os fatores de risco associados ao CCU; realização de coleta do material para o exame citopatológico; da busca ativa das mulheres faltosas no serviço e no acesso às orientações diversas sobre a patologia.

Observa-se ainda uma lacuna no conhecimento acerca do conhecimento de mulheres em idade fértil sobre prevenção ao CCU e acesso aos serviços de prevenção, revestindo-se este estudo em uma importante contribuição sobre o tema no cenário científico.

Neste sentido, este estudo buscou apreender o conhecimento de mulheres em idade fértil quanto à prevenção ao CCU e descrever o acesso das mesmas às ações preventivas na atenção básica.

Assim, acredita-se que o acesso às ações educativas e preventivas é um elemento indispensável na prevenção do CCU, uma vez que os estudos apontam que o conhecimento da doença está diretamente relacionado à maior adesão às condutas de prevenção.

 

Material e métodos

 

Trata-se de uma pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa, realizada em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do município de Guanambi/BA. As colaboradoras da pesquisa foram 26 mulheres que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ter de 15 a 49 anos (idade fértil) e serem adstritas na UBS escolhida. As mulheres que concordaram em participar receberam as informações sobre a pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O número de participantes foi definido com base no critério de saturação dos dados, que interrompe a captação de novos componentes quando for constatado que as informações obtidas por novos participantes não altera o material coletado [6].

As colaboradoras foram entrevistadas individualmente na UBS, antes da realização do exame preventivo. As informações fornecidas foram confidenciais, de modo que as falas não permitiram reconhecer as envolvidas, que foram identificadas com a letra E, seguida do número de ordem da entrevista.

Os dados foram coletados no período de outubro a novembro de 2015. Para tal, utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturada, que contemplava dados sociodemográficos, para a caracterização das participantes, e questões específicas relativas ao tema em questão. As entrevistas foram gravadas com auxílio de um gravador de voz e, além disso, a pesquisadora registrava todas as impressões obtidas em um diário de campo.

Para sistematizar e analisar os dados obtidos nas entrevistas utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo Temática de Bardin [7]. Essas foram minunciosamente transcritas e lidas exaustivamente, seguindo então o plano de análise, em três fases: a pré-análise, a exploração do material, o tratamento dos resultados e a interpretação.

A pesquisa faz parte de um projeto maior, intitulado “Vulnerabilidade de mulheres aos cânceres de colo uterino e de mama”, o qual seguiu todos os preceitos éticos e legais da Resolução nº 466/2012 e recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNEB sob o CAAE nº 47525915.9.0000.0057.

 

Resultados

 

As características sociodemográficas das 26 mulheres que participaram do estudo incluíram: idade entre 19 e 47 anos; sendo 20 casadas ou em relação estável com seu companheiro, 05 solteiras e 01 viúva. Em relação à escolaridade, 06 não completaram o ensino fundamental, 07 concluíram o ensino fundamental, 09 concluíram o ensino médio, 02 cursavam o ensino superior e 02 concluíram o ensino superior. No que se refere à ocupação, 12 das entrevistadas exerciam uma atividade remunerada, 04 eram autônomas, 04 donas de casa, 02 aposentadas, 01 possuía apenas o benefício Bolsa Família e 03 estavam desempregadas. A renda familiar variou de 01 a 03 salários mínimos. No quesito raça/cor, 05 mulheres se declararam brancas, 03 amarelas, 17 pardas, 01 indígena e nenhuma preta. E em relação à religião que professam, 14 declararam-se católicas e 12 evangélicas.

As condições sociodemográficas influenciam o acometimento pelo CCU na medida em que mulheres de baixa escolaridade e nível socioeconômico são as que menos têm acesso às ações de rastreamento e acabam não realizando o exame preventivo [8,9].

O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil evidenciou que, no ano de 2008 a taxa de não realização do exame preventivo entre as mulheres brancas foi de 13,2%, enquanto que entre as mulheres pretas e pardas foi de 18,1%. Para as mulheres brancas com ensino fundamental completo, a taxa de não realização do exame preventivo para câncer de colo de útero foi de 17,7%, ao passo que para as pretas e pardas foi de 21,5%. Com isso, é possível observar uma assimetria de cor ou raça no que concerne à prevenção dessa neoplasia de colo uterino [10].

Os conteúdos dos depoimentos contemplaram duas categorias temáticas referentes ao conhecimento de mulheres sobre a prevenção do CCU e o acesso aos serviços preventivos: “Câncer do colo uterino: doença temida que deve ser prevenida” e “Acesso às ações de prevenção: avaliação positiva e algumas dificuldades”. Sua discussão fundamentou-se em autores que abordam a temática.

 

Câncer do colo uterino: doença temida que deve ser prevenida

 

As mulheres associaram o câncer a uma doença temida, e que causa a morte caso não se previna. Isso pode ser percebido tanto nas falas das entrevistadas, como também através das expressões faciais e da maneira como elas falam ao serem questionadas sobre qual o seu conhecimento acerca do CCU.

 

[...] a gente tem que prevenir para que não aconteça esse mal terrível com a gente (E02)

 

[...] sei que a gente morre rapidinho e que se não cuidar a mulher morre. (E21)

 

Apesar de inicialmente dizerem não saber nada sobre o CCU ou a prevenção da doença, as mulheres destacaram a importância da prevenção precoce através da realização periódica do exame preventivo, como demonstrado nas falas abaixo.

 

Vou fazer o preventivo hoje. O que eu sei é que é muito importante, pois quanto mais cedo detectar o problema, mais chance de você viver. E se passar, não tem jeito. (E14)

 

Eu não sei. Até hoje ninguém nunca me falou nada. Eu acho que é o preventivo né? (E25)

 

Nem sei o que eu sei sobre o câncer do útero. Eu faço exame. Faço o preventivo de ano em ano (E08).

 

De três mulheres que afirmaram não saber nada sobre o CCU, duas delas alegaram nunca ter realizado o exame.

Algumas mulheres (cinco) citaram o preservativo masculino como forma de prevenção do CCU, mesmo esta não sendo uma prática constante nas suas relações sexuais:

 

Ué! Através de quê? De camisinha. (E12)

 

Usar preservativo [...] fazer os exames. (E04)

 

Tem que estar usando preservativo. (E23)

 

Eu não sei como se previne, pelo uso do preservativo, sei lá. (E22)

 

De vez em quando uso preservativo, quando estou sem remédio. Injeção também já usei muito. (E17)

 

Uma entrevistada afirmou ainda que usa o preservativo, mesmo contra a vontade do parceiro.

 

Eu tenho meu marido e mesmo assim eu uso preservativo, contra a vontade dele, tem que estar se cuidando. (E07)

 

Acesso às ações de prevenção: avaliação positiva e algumas dificuldades

 

As mulheres entrevistadas fazem uma avaliação positiva do atendimento na prevenção ao CCU, o que é confirmado pelas falas abaixo:

 

O atendimento sempre é ótimo por todos aqui no nosso PSF. Toda quinta-feira tem essa prevenção. (E26)

 

Você pode vir no postinho marcar [...] todo mundo consegue fazer esses exames. Eu creio que era bem mais difícil, mas hoje facilitou. (E20)

 

Apesar de avaliarem o atendimento como positivo, algumas entrevistadas deste estudo mencionarem algumas dificuldades como o enfrentamento de grandes filas e a morosidade do atendimento e do interstício entre a marcação e a realização do exame.

 

Às vezes a gente marca um exame e demora um pouco. Eu estava até questionando com a menina ali agora, porque hoje tudo é esperar, é fila, é muita gente. E você chega, e você tem que trabalhar ainda, e demora muito pra atender. (E20)

Pra você conseguir um exame desses é muito demorado. E às vezes quando você tá com uma doença dessas, ela não espera. Você tem que ter um atendimento adequado. Às vezes você coloca um exame desses no posto de saúde e leva seis a um ano pra sair. (E15)

 

Quando questionadas sobre as informações recebidas no serviço de saúde a respeito do CCU, as entrevistadas afirmaram que sempre receberam orientações dos profissionais de saúde quando realizavam o exame.

 

Fui bem orientada. Ela me orientou direitinho. Me explicou. (E10)

 

Aqui eu não tenho o que reclamar. Sempre é bom. Recebo orientações, tudo direitinho. Se tiver alguma coisa ela fala, é muito bom, eu não tenho o que reclamar não. (E09)

 

Geralmente essas orientações são dadas no momento das consultas para a coleta do material para exame e também no momento da entrega do resultado como demonstra a fala abaixo.

 

Eles orientam tudo direitinho, na hora de realizar e na hora de entregar também. (E04)

 

Não obstante a afirmação que sempre recebem orientações sobre o câncer do colo do útero por profissionais de saúde, o tipo de orientação não fica explicitado nas falas, com exceção da orientação de repetir o exame anualmente, a qual foi recorrente durante as entrevistas.

 

Quando recebe o resultado a mulher é orientada a fazer com um ano depois, novamente. (E26)

 

Quando a gente recebe o resultado, ela orienta a gente pra estar anualmente fazendo. (E02)

 

As palestras também aparecem nas falas das entrevistadas como momentos nos quais elas possuem acesso às informações sobre o CCU.

 

Sempre tem palestra aqui, que elas falam sobre o câncer do colo do útero. Elas fazem a palestra no posto falando. É muito bom. Elas conversam com a gente e explica. (E01)

 

É bom, tem os exames certos, tem orientação, tem palestra. A gente vem direto pra assistir a palestra. (E21)

 

De vez em quando tem as palestras também, que falam sobre isso. (E17)

 

Discussão

 

Embora algumas patologias e/ou problemas de saúde sejam inevitáveis, existem tantas outras que são evitáveis quando conhecemos suas características, sinais e sintomas, manifestações clínicas, formas de prevenção e tratamento.

Apesar das campanhas realizadas pelo Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, dentre outros órgãos das esferas públicas e privadas, ainda há um caminho muito longo a trilhar no campo da educação em saúde, especialmente na saúde da mulher, o que ficou evidente nas falas das mulheres entrevistadas.

O temor em relação ao câncer é comum entre as mulheres devido ao sofrimento que a patologia causa, aos estigmas da sociedade quando uma pessoa é acometida pela mesma e também devido à possibilidade de perda de um órgão que tem um valor simbólico e repleto de representações para a mulher, por este estar intrinsecamente associado à maternidade e à feminilidade [11].

Estudo realizado com o objetivo de perceber as representações sociais das mulheres com relação à doença demonstrou que a mesma é atribuída a uma ferida de difícil tratamento e que se não for tratada pode evoluir para uma forma mais grave e levar à morte [13].

Durante as entrevistas, as mulheres se mostraram receosas em falar sobre a doença, talvez pelo fato das neoplasias, em geral, serem consideradas pela maioria das pessoas uma patologia de difícil tratamento e grande morbimortalidade, portanto, infere-se que este excesso de temor acaba prejudicando a compreensão das informações veiculadas pelos meios de comunicação, salas de esperas, campanhas, consultas, dentre outros espaços.

Um estudo que objetivou avaliar a percepção de mulheres frente ao diagnóstico e tratamento do CCU apontou que quando a mulher não conhece a doença e suas consequências, ela protela a realização do exame preventivo, aumentando, desta forma, a sua vulnerabilidade à patologia [12]. Destaca-se assim a importância das ações de educação em saúde no campo da saúde da mulher, especialmente, no que se refere à prevenção do CCU.

Outro estudo realizado com mulheres em um hospital universitário, no interior de São Paulo, demonstrou que grande parte das mulheres diagnosticadas com a patologia não realizava periodicamente o exame. Algumas afirmaram que não o faziam por medo e vergonha, por não estarem sentindo nenhum sintoma e por falta de tempo [11].

Outra ação importante para prevenção ao CCU é o uso de preservativos durante a relação sexual, contudo, segundo o INCA, seu uso não é suficiente para proteger o indivíduo do contágio pelo HPV, causador do CCU. Os preservativos protegem apenas parcialmente, uma vez que o contágio também pode ocorrer através do contato com a pele da vulva, região perineal, perianal e bolsa escrotal [1].

Além disso, o medo da gravidez indesejada parece ser maior que o de contrair uma doença, pois fica evidente que o preservativo é utilizado apenas como método contraceptivo, visto que o seu uso acontece apenas na ausência de outros métodos anticoncepcionais.

Estudo realizado em Recife, com um grupo de adolescentes, demonstrou que dos oito adolescentes que já tinham iniciado a vida sexual, três utilizavam o preservativo em suas relações apenas para evitar a gravidez, enquanto outros três utilizavam para prevenir IST [14]. Entre as idosas, também há a ideia equivocada da dispensação do uso do preservativo, dentre outros fatores, devido à chegada da menopausa nas mulheres e a impossibilidade de gravidez [15-17].

Grande parte dos estudos confirma que a prática sexual desprotegida é bastante comum nas relações estáveis devido à confiança que os parceiros depositam no outro. Com isso, muitas mulheres são infectadas nessas relações, em nome dos juramentos de fidelidade e de amor eterno feitos pelos parceiros [18].

Geralmente, as alegações são de que o preservativo diminui a sensibilidade e, consequentemente, a sensação de prazer proporcionada pelo ato sexual. Nesse contexto, algumas mulheres são coagidas a não utilizar o preservativo, ficando, desta forma, vulneráveis à infecção pelo HPV e outras IST [19].

Embora a maioria das mulheres demonstre conhecer que o CCU é uma doença que se detectada precocemente as chances de sobrevivência são aumentadas, há ainda um equívoco sobre as suas formas de prevenção. Um destes equívocos é acreditar que apenas a frequência da realização do exame citopatológico é suficiente para prevenir a doença, enquanto existem vários fatores de risco para o seu desenvolvimento, os quais estão atrelados ao estilo de vida que a mulher possui [3].

Desta forma, as mulheres têm consciência de que o exame citopatológico deve ser realizado periodicamente, porém, faz-se necessário a compreensão de que o exame em questão é apenas uma forma de rastreamento da doença e que é preciso dar uma ênfase maior aos fatores de risco para doença, a fim de se alcançar uma prevenção mais efetiva.

Estudo que objetivou avaliar os aspectos da qualidade dos serviços oferecidos pela rede básica de saúde do município de Tubarão, Santa Catarina, na perspectiva das usuárias, apontou que das 16 entrevistadas, 15 manifestaram satisfação com o atendimento [20]. Outro estudo, realizado no estado da Paraíba, demonstra que 64% das participantes da pesquisa estão satisfeitas com a realização do exame, ou seja, com o procedimento em si, porém demonstram insatisfação com as orientações recebidas, as quais, segundo elas, não são suficientes para a compreensão da doença [21].

Por problemas estruturais e de gestão, o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta dificuldades recorrentes nos serviços de saúde nos diversos municípios brasileiros. Dificuldades semelhantes às apontadas pelas participantes desta pesquisa foram também relatadas em estudo realizado no município de Paracatu, Minas Gerais, em que 11% das participantes alegaram demora em conseguir marcar e realizar o exame [22]. Outro estudo realizado em Uberaba também constatou que 20% das entrevistadas encontravam dificuldade na marcação do exame, devido à insuficiência de vagas no serviço oferecido [23].

Apesar de as entrevistadas afirmarem a qualidade do atendimento, o conhecimento de algumas sobre a patologia não se mostrou amplo, o que pode ser justificado por um serviço deficiente no que se refere à informação de maneira completa, pois se destaca, apenas, a periodicidade de realização do exame.

A consulta de enfermagem constitui-se um importante espaço de educação em saúde e pode ser utilizada como um indispensável momento de compartilhamento do saber sobre práticas de prevenção, promoção e proteção da saúde, contribuindo, desta forma, para facilitar o acesso da população às informações sobre essa tríade.

Estudo realizado com enfermeiros das Unidades de Saúde da Família do município de Juazeiro do Norte, Ceará, com o objetivo de investigar as práticas dos mesmos acerca da educação em saúde para a prevenção de CCU evidenciou a utilização de atividades coletivas, como palestras, salas de espera e rodas de conversa, para facilitar o acesso das mulheres às informações sobre a prevenção do CCU, assim como sobre os aspectos gerais da doença [24].

Apesar da utilização de diferentes estratégias de educação em saúde, geralmente, os métodos utilizados são baseados no tradicionalismo, através da transmissão do conhecimento, no qual o profissional de saúde assume a posição de detentor do saber e as usuárias de meras expectadoras. Paulo Freire, educador brasileiro, denomina esse fenômeno de educação bancária, no qual aquele que transmite a informação é comparado ao depositante e os sujeitos que a recebem de maneira passiva se assemelham à conta bancária [25].

Ademais, acredita-se que a utilização de linguagem técnica e inapropriada que não faz parte do cotidiano das mulheres afeta significativamente a compreensão das informações recebidas.

Neste sentido, profissionais de saúde precisam reconhecer as usuárias como participantes do processo educativo e utilizar métodos baseados no compartilhamento das informações, estabelecendo uma relação horizontal com as mesmas e evitando a utilização demasiada de vocabulário técnico e rebuscado em suas abordagens.

 

Conclusão

 

Este estudo evidenciou que apesar da adesão de muitas mulheres à realização do exame preventivo e mesmo possuindo acesso aos serviços e às ações de prevenção e promoção da saúde, ainda há um conhecimento restrito sobre o CCU e suas formas de prevenção, o que contribui para a vulnerabilidade das mulheres à neoplasia.

É preciso que as mulheres reconheçam os fatores de risco associados ao desenvolvimento do CCU e a vulnerabilidade a que estão expostas. Isto é possível a partir do estabelecimento de estratégias efetivas de promoção e prevenção da saúde. Neste sentido, faz-se necessário a avaliação constante das estratégias de educação em saúde utilizadas por profissionais, especificamente por enfermeiros, com vistas à utilização de abordagens nas quais as usuárias se sintam participantes ativas do processo educativo, instigando, desta forma, o seu envolvimento com a atividade desenvolvida, o que contribuirá significativamente para a compreensão das informações compartilhadas.

Este estudo apresentou uma limitação quanto ao momento de abordagem das participantes da pesquisa, pois a ansiedade e o receio de ser convocada para a consulta no momento da entrevista interferiu no conteúdo das respostas. Contudo, este estudo poderá contribuir para a reflexão sobre o modelo de educação em saúde vigente e para dar subsídios a outros estudos que por ventura vierem a surgir sobre o assunto em questão.

 

Referências

 

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