ARTIGO ORIGINAL
Percepção da qualidade
de vida de idosos residentes em instituições de longa permanência privada
Gerson Scherrer Júnior*, Odete Teresinha Portela, D.Sc.**, Kleyton Góes Passos***, Meiry Fernanda Pinto Okuno****,
Mirela Schultz Mesquita*****, Angélica Castilho Alonso, D.Sc.******,
Dulce Aparecida Barbosa*******, Angélica Gonçalves Silva Belasco*******
*Enfermeiro, Doutorando
em Ciências, Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo
(EPE/UNIFESP), **Enfermeira, Escola Paulista de Enfermagem. Universidade
Federal de São Paulo. (EPE/UNIFESP), **Enfermeiro, Doutorando em Ciências pela Universidade
Federal de São Paulo/UNIFESP, Escola Paulista de Enfermagem/EPE,
****Enfermeira, Pós-Doutor em Ciências, Professor Adjunto da Escola Paulista de
Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo (EPE/UNIFESP), *****Enfermeira da
Estratégia da Saúde da Família na Prefeitura Municipal de Cachoeiro de
Itapemirim - Espírito Santo, ******Fisioterapeuta, Pós Doutor em Ciências,
Professora do Programa de Mestrado em Ciências do Envelhecimento da
Universidade São Judas Tadeu, Pesquisadora do Laboratório do Estudo do
Movimento, Universidade de São Paulo, ******Enfermeira, Pós-Doutor em Ciências,
Professor Adjunto da Escola Paulista de Enfermagem. Universidade Federal de São
Paulo (EPE/UNIFESP)
Recebido em 24 de
janeiro de 2019; aceito em 20 de janeiro de 2020.
Correspondência: Gerson
Scherrer Júnior, Rua Augusta, 561/46 Consolação
01305-000 São Paulo SP
Gerson
Scherrer Júnior: gscherrer@ig.com.br
Odete Teresinha Portela:
odetetportela@gmail.com
Kleyton Góes Passos:
kleyton.ufac@gmail.com
Meiry Fernanda Pinto Okuno: mf.pinto@unifesp.br
Mirela Schultz Mesquita:
mirela.schultz1979@gmail.com
Angélica Castilho
Alonso: angelicacastilho@msn.com
Dulce Aparecida Barbosa:
dulce.barbosa@unifesp.br
Angélica Gonçalves Silva
Belasco: abelasco@unifesp.br
Resumo
Introdução: O envelhecimento da
população brasileira aumenta a demanda por instituições privadas de longa
permanência para idosos. A institucionalização é considerada um fator que pode
interferir negativamente na qualidade de vida do morador. Objetivo:
Avaliar a percepção da qualidade de vida de idosos residentes em instituições
de longa permanência de alto-padrão econômico. Métodos: Estudo
transversal e descritivo, realizado com 101 idosos de quatro instituições
privadas, entre os meses de janeiro de 2014 a fevereiro 2015. Os dados foram coletados com uso do World Health Organization Quality of Life Group-Old
Instrument. Resultados: A média do domínio do
WHOQOL-OLD da faceta funcionamento do sensório é de 76,67, autonomia 61,26,
atividades passadas, presentes e futuras 64,17, participação social 62,81,
morte e morrer 78,53, intimidade 58,97 e escore total 67,07. Conclusão:
A percepção da qualidade de vida dos residentes das instituições de longa
permanência de alto-padrão econômico na cidade de São Paulo é satisfatória, o
pior domínio de análise é a intimidade e o melhor é morte e morrer.
Palavras-chave: instituição de longa
permanência para idosos, qualidade de vida, enfermagem, saúde do idoso.
Abstract
Perception of the quality of life of elderly residents in private
long-term institutions
Introduction: The aging of the Brazilian population increases the demand for
long-term private institutions for the elderly. Institutionalization is
considered a factor that can interfere negatively in the quality of life of the
resident. Objective: To evaluate the perception of the quality of life
of elderly residents in long-stay institutions of high economic standard.
Methods: A cross–sectional and descriptive study with 101 elderly people from
four private institutions between January 2014 and February 2015. Data were
collected using the World Health Organization Quality of Life Group-Old
instrument. Results: The mean of the WHOQOL-OLD domain of the sensory
functioning facetis 76.67, autonomy 61.26, past,
present and future activities 64.17, social participation 62.81, death and
dying 78.53, intimacy 58.97 and total score 67.07. Conclusion: The
perception of the quality of life of the residents of long-stay institutions of
high economic standard in the city of São Paulo is satisfactory, the worst
domain of analysis is intimacy and the best is death
and dying.
Keywords: homes for the aged, quality of life, nursing, health of the elderly.
Resumen
Percepción de la
calidad de vida de adultos mayores
residentes en instituciones
privadas de larga permanencia
Introducción: El envejecimiento de la población brasileña aumenta la demanda por instituciones
privadas de larga permanencia para adultos mayores. La institucionalización
se considera un factor que puede interferir negativamente en
la calidad de vida del morador. Objetivo: Evaluar
la percepción de la calidad de vida de los adultos mayores residentes en instituciones de larga permanencia de alto estándar
económico. Métodos: Estudio transversal y descriptivo, realizado con 101
personas mayores de cuatro instituciones privadas, entre los
meses de enero 2014 a febrero
2015. Los datos fueron recolectados con el uso del World Health Organization Quality of Life Group-Old
Instrument. Resultados: El promedio del dominio
del WHOQOL-OLD de la faceta
funcionamiento del sensorio es de 76,67, autonomía
61,26, actividades pasadas,
presentes y futuras 64,17, participación social
62,81, muerte y morir
78,53, intimidad 58,97 y puntuación
total 67,07. Conclusión: La percepción de la calidad de vida de los residentes
de las instituciones de
larga permanencia de alto estándar
económico en la ciudad de São Paulo es satisfactoria,
el peor dominio
de análisis es la intimidad y el mejor es muerte y morir.
Palabras-clave: hogares
para ancianos, calidad de
vida, enfermería, salud del anciano.
A transição demográfica
é um fenômeno mundial e irreversível, que resulta em populações mais velhas em
todos os lugares [1]. Como consequência dessa mudança demográfica, a
porcentagem de idosos com perdas funcionais decorrentes da senescência ou
senilidade, que necessitam de instituições de longa permanência para idosos (ILPIs), vem aumentando significativamente [2].
As residências de
idosos são prestadoras de cuidados intermediários e de longo prazo fora do
ambiente hospitalar para indivíduos cuja capacidade de autocuidado é limitada
devido a deficiências físicas ou cognitivas. No entanto, apesar de sua
necessidade de assistência, os moradores de lares de idosos querem controlar
suas vidas, estabelecer suas rotinas e fazer coisas agradáveis. A extensão em
que os residentes podem manter autonomia e dignidade é importante [3].
As ILPIs
são classificadas por natureza jurídica, sendo 65,2% filantrópica, 28,2%
privadas e 6,6% públicas. A partir dos anos de 1980, constatou-se o crescimento
das instituições privadas, e começou a ficar mais expressivo entre 2000 e 2009,
57,8% das novas instituições tinham esta natureza jurídica [4].
O principal desafio das
ILPIs é proporcionar ao idoso um ambiente
estimulador, com atividades variadas: teatro, terapia ocupacional, atividade
física, dança, cinema entre outras, ocupando o tempo ocioso e assim promovendo
a qualidade de vida [5].
O aumento do tempo de
vida do ser humano é sem dúvida uma conquista, e um importante problema social,
com ênfase na promoção da saúde para melhorar a qualidade de vida (QV) em
idosos [6].
Assim emergiu a
necessidade de avaliar a QV no envelhecimento e, consequentemente, os fatores
relevantes para a QV dos idosos e definição de intervenções capazes de causar
impacto positivo na melhora, manutenção e preservação da QV na velhice [7].
É considerada
satisfatória a QV dos idosos quando existem boas relações familiares, sociais,
de saúde e condições materiais; mas é feita uma avaliação negativa quando eles
são dependentes, têm limitações funcionais, são infelizes, reduzidas redes
sociais e acometimento de doenças crônicas. Desta maneira, as perdas do estado
de saúde, redes sociais e limitações funcionais influenciam diretamente na
piora da qualidade de vida [8].
Esse novo momento
vivenciado pela população brasileira, de crescimento da expectativa de vida,
aumento do número de idosos, prevalência de doenças crônicas, perdas
funcionais, piora da QV da população e consequentemente aumento da demanda por
ILPI privada, fundamentou a seguinte questão norteadora: como os idosos
institucionalizados percebem a sua qualidade de vida?
O objetivo deste estudo
foi avaliar a percepção da qualidade de vida de idosos residentes em
instituições de longa permanência de alto-padrão econômico.
Trata-se de estudo
quantitativo, transversal e descritivo realizado em quatro ILPIs
privadas de alto-padrão econômico da cidade de São Paulo. O ambiente físico das
ILPIs apresenta semelhança em relação as comodidades,
proporcionando ao idoso uma permanência mais tranquila e confortável, com
restaurantes, salas de ginástica, piscina para hidroginástica, lavanderia, a
higienização das instalações é realizada por camareiras com desinfecção, troca
de roupas de cama e banho diariamente.
A casuística foi
constituída de 101 (15,54%) moradores com as seguintes características: ambos
os sexos, idade ≥ 60 anos, residentes há pelo menos 3 meses e
apresentavam condições cognitivas favoráveis para a compreensão dos
questionários.
Com a finalidade de
aferir o estado cognitivo, foi usado o teste Mini Exame
do Estado Mental (MEEM). As notas de corte utilizadas foram: 17 para os
analfabetos; 22 para idosos com escolaridade entre um e quatro anos; 24 para os
com escolaridade entre cinco e oito anos; e 26 para os que tinham nove anos de
estudos ou mais [9].
A coleta de dados
aconteceu de janeiro de 2014 a fevereiro 2015. As informações, sociais (idade,
sexo, estado civil e cor de pele), culturais (grau de instrução e religião),
econômico (renda), QV e nível de cognição foram coletadas pelo próprio
pesquisador por meio de entrevista.
A QV foi avaliada pelo
WHOQOL-OLD (World Health Organization Quality of Life Group) composto por 24 questões e seis domínios. Cada
questão possui respostas que variam de 1 a 5 pontos e cada domínio possui
escore próprio. O escore total varia de 24 (pior estado) a 100 (melhor estado)
[10].
Este estudo foi
precedido pela aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal
de São Paulo pelo parecer número 268.997/13, autorizado pelas ILPIs e consentimento livre e esclarecido dos participantes
do estudo, respeitando a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466 de 12
de dezembro de 2012.
Os dados coletados
foram armazenados no programa Microsoft Excel, e submetidos à estatística
descritiva (média, desvio padrão, coeficiente de variação, valores máximos e
mínimos e amplitude), além de frequências absoluta e relativa e apesentados em
forma de tabela e gráfico.
A média de idade dos
residentes foi 85,49 anos, variando de 63 a 108 anos, 81,2% eram mulheres,
66,3% eram viúvos, a cor predominante foi a branca com 97%, a religião católica
teve destaque em 73,3%. Alto nível de escolaridade, 40,6% tinham o ensino
superior completo e não havia analfabetos.
A renda ficou
estipulada em igual ou maior a 15 salários mínimos e a fonte de renda para
cobrir as despesas mensais foi a aposentadoria pública com 61,4% seguida por 36,6%
de aplicações.
Conforme a Tabela I,
indica-se as notas atribuídas a cada um dos domínios relacionados no
instrumento WHOQOL-OLD. Percebe-se que os domínios autonomia e intimidade
obtiveram as médias 13,80 e 13,44 respectivamente, apresentando o pior
desempenho em relação aos demais domínios; enquanto o domínio Morte e Morrer
obteve a maior média (16,56).
Tabela I - Estatística
descritiva dos domínios do WHOQOL-OLD de idosos residentes em instituições de
longa permanência de alto-padrão econômico. São Paulo/SP, Brasil, 2015.
(N=101).
Na figura 1 é possível
observar os escores dos domínios do WHOQOL-OLD, os idosos percebem sua
qualidade de vida de forma boa, com média de 67,07. Em uma análise específica,
o domínio morte e morrer é o que está com melhor pontuação, com 78,53%, seguida
do domínio funcionamento do sensório, com 76,67%. Em contrapartida, a menor
pontuação encontrada foi o domínio intimidade, com 58,97%.
Figura 1 - Escores dos
domínios da qualidade de vida, de acordo com WHOQOL-OLD. São Paulo/SP, Brasil,
2015.
A população deste
estudo foi constituída de idosos com excelente padrão social, cultural e
econômico, o que não condiz com a realidade dos idosos brasileiros
institucionalizados. Todavia, as características são similares com frequência
menores, nos aspectos faixa etária elevada, sexo feminino, estado civil viúvo,
cor branca, religião católica, média de filhos baixa e ocupação aposentado
[11-13]. O grande diferencial deste estudo é a renda elevada e o nível de
escolaridade superior completo, que também não é semelhante a estudo com idosos
institucionalizados europeus e da América Latina [8].
Neste estudo o domínio
intimidade foi o que apresentou menor escore (58,97), semelhante estudo em
Bauru, SP [14], diferente de estudos conduzidos no Nordeste [13] e no Sudeste
[14] brasileiro que o menor domínio foi autonomia (56,90) e (40,70). Idosos que
vivem na comunidade do Rio de Janeiro, sem qualquer intervenção, percebe o
domínio autonomia nem boa nem ruim (56,88) e satisfatória na faceta intimidade
(70,56) [15], no presente estudo a faceta autonomia apresentou o segundo pior
escore (61,26). A rotina geralmente monótona e de baixa autonomia nas
atividades, convívio social limitado, com, geralmente, poucos familiares e
amigos, contribui para baixa autoestima e perda da qualidade de vida [13]. Com
isso, percebe-se que o envelhecimento traz perda na autonomia e a
institucionalização não supre a busca de encontrar qualquer tipo de
relacionamento íntimo, seja ele um companheiro ou uma pessoa próxima com a qual
você possa compartilhar sua intimidade.
Idosos independentes
para realização das atividades básicas da vida diária, que se mantém
participativos em grupos sociais e construindo relações pessoais com que possa
trocar intimidades, apresentam melhor percepção de sua qualidade de vida [16].
Ainda neste estudo, o
domínio morte e morrer foi o que apresentou o melhor escore (78,53), superando
pesquisas realizadas com idosos que vivem na comunidade do Rio de Janeiro sobre
intervenção de terapia medicina tradicional chinesa (71,50) [15], idosos
institucionalizados no nordeste (65,55) [11] e sudeste (71,8) [12]. Estes
mesmos estudos apresentam melhores escores no domínio funcionamento sensorial:
nordeste (68,17), sudeste (73,7) e Rio de janeiro (86,13), que no atual estudo,
esta faceta, apresentou o segundo melhor escore (76,67%). Estes achados podem
inferir que a institucionalização, a idade avançada e o nível educacional alto
fazem o idoso refletir e se preparar para a finitude, e que as perdas no
sistema sensorial, que é um fato no envelhecimento, sejam reprimidas pela
vergonha ou melhorada a função residual pela tecnologia.
Quando analisado o
escore total, os idosos estudados perceberam a qualidade de vida, de acordo com
o WHOQOL-OLD, como satisfatória (67,07%). Esse fato corrobora achados de estudo
realizado em duas instituições de longa permanência de Pouso Alegre e Santa
Rita do Sapucaí/MG [12], contudo investigação realizada em uma ILPI no
município de Três Lagoas/MS a qualidade de vida foi avaliada como regular [7].
Pesquisa concluída em um Centro de Referência de Belo Horizonte/MG, identificou
que 63,4% dos idosos consideravam sua QV boa e encontravam-se satisfeitos com
sua saúde [17].
O escore global do
WHOQOL-OLD dos idosos, desta pesquisa, são superiores aos idosos que vivem na
comunidade do Rio de Janeiro, sem intervenção (61,69) [15], idosos
frequentadores de centros-dia em Portugal (62,87) [18], idosos do Rio Grande do
Sul que participam de grupo de convivência para terceira idade [19], e menores
que os idosos institucionalizados no Rio Grande do norte [16] (68,17), Minas
Gerais [12] (73,7) e idosos da comunidade do Rio de Janeiro que eram tratados
com técnicas de medicina tradicional chinesa (77,25%) [15].
Pesquisa desenvolvida
com idosos que vivem sozinhos, com a família e institucionalizados, na cidade
de Barra Bonita, SP, concluiu que, apesar do esperado, os idosos
institucionalizados não apresentaram pior percepção de sua qualidade de vida
quando comparados aos indivíduos não institucionalizados [16].
Na revisão realizada
para este estudo, não foram encontrados estudos com idosos residentes em
instituições de alto-padrão econômico. Sendo assim, não se conhece esta
população, pois em nosso país 65,2% das instituições brasileiras são
filantrópicas e não mantêm o padrão das instituições pesquisadas, isto limitou
as comparações dos achados do estudo.
Os
resultados obtidos
com a realização deste estudo permitiram concluir que, de
maneira geral, a
percepção da QV dos residentes das
instituições de longa permanência de alto
padrão econômico de São Paulo é
satisfatória, o pior domínio de análise é a
intimidade e o melhor é a morte e morrer.