ARTIGO ORIGINAL
Acidentes no Centro de
Materiais e Esterilização de um Pronto Socorro Municipal
Luzia
Beatriz Rodrigues Bastos, D.Sc.*, Maria Alves
Barbosa, D.Sc.**, Diniz Antonio
de Sena Bastos, D.Sc.***, Caroline Prazeres de
Sousa****, Delma Rejani
Figueiredo Ramos****
*Professora de
Enfermagem na Universidade da Amazônia/UNAMA, Belém/PA, **Professora de
Enfermagem na Universidade Federal de Goiás, ***Universidade
Trás-os-Montes/UTAD/PT, Professor de Psicologia na Universidade do Estado do
Pará, ****Enfermeiras, graduadas na Universidade da Amazônia/UNAMA
Recebido
em 20 de fevereiro de 2019; aceito em 2 de julho de 2019.
Correspondência: Luzia Beatriz
Rodrigues Bastos, Universidade da
Amazônia/UNAMA, Av. Alcindo Cacela, 287 Umarizal 66060-000 Belém PA
Luzia
Beatriz Rodrigues Bastos: beatrizbastos_02@yahoo.com.br
Maria
Alves Barbosa: maria.malves@gmail.com
Diniz
Antonio de Sena Bastos: diniz_sena27@yahoo.com.br
Caroline
Prazeres de Sousa: prazerescaroline@gmail.com
Delma Rejani Figueiredo
Ramos: delma-rejani@hotmail.com
Resumo
Objetivo: Analisar a ocorrência
de acidentes com perfurocortantes no Centro de Materiais e Esterilização (CME)
e as medidas de saúde tomadas em relação aos profissionais de enfermagem. Métodos: Pesquisa descritiva, com
abordagem quantitativa, utilizando-se o questionário como instrumento de coleta
de dados, aplicado em 26 profissionais de enfermagem que lidam diretamente com
materiais e equipamentos no CME, de um Pronto Socorro em Belém/PA, no período
de setembro a outubro de 2018. Resultados:
Na análise de dados, detectou-se no estudo que 90% dos acidentes ocorreram com
perfurocortantes. O principal local atingido foram as mãos e dedos (90%); 81,82%
afirmaram que o acidente ocorreu durante a lavagem dos materiais e
equipamentos; 90% referiram sangue, como agente contaminante; 54,55% dos
pesquisados fizeram a profilaxia imediatamente; 81,81% comunicaram o acidente à
chefia imediata; e 45,45% preencheram a Comunicação de Acidente de Trabalho
(CAT). Conclusão: O CME é considerado
o setor que mais aproxima os profissionais a riscos devido ao processamento de
artigos resultantes de intervenções clínicas e cirúrgicas, em razão disso,
recomenda-se a implementação de instrumentos que possibilitem o gerenciamento
de riscos, favorecendo uma avaliação dos pontos críticos, rastreabilidade das
possíveis falhas, possibilitando as melhores decisões.
Palavras-chave: esterilização,
acidentes de trabalho, profissionais de enfermagem.
Abstract
Accidents at
the
Material and Sterilization
Center of a Municipal Emergency
Room
Objective: To
analyze the occurrence of sharps
injuries in the Material and Sterilization
Center (MSC) and the health measures taken in relation to nursing professionals.
Methods: Descriptive research, with a quantitative approach, using the questionnaire
as a data collection instrument,
applied in 26 nursing professionals who deal directly with
materials and equipment in the MSC, of an Emergency
Room in Belém/PA, from September to October
of 2018. Results: In the data analysis, it was detected in the study that 90% of the accidents
occurred with piercings.
The main site reached were the hands
and fingers (90%); 81.82% said that the
accident occurred during the washing
of materials and equipment; 90% reported blood as a contaminating agent; 54.55% of those surveyed
did the prophylaxis
immediately; 81.81% reported
the accident to the immediate
supervisor; and 45.45% completed
the Work-Related Injury Report Form
(WIRF). Conclusion:
The MSC is considered the sector that brings professionals closer to risks
due to the
processing of articles resulting from clinical and
surgical interventions. Therefore, it is recommended to implement instruments that allow risk
management, favoring an evaluation of the
critical points, traceability
of possible failures, enabling the best decisions.
Key-words: sterilization,
accidents at work, nursing professionals.
Resumen
Accidentes en
el Centro de Materiales y Esterilización de una Sala de Emergencias
Municipal
Objetivo: Analizar
la ocurrencia de accidentes con punzocortantes en el Centro de Materiales y Esterilización (CME) y las
medidas de salud tomadas en
relación a los profesionales de enfermería. Métodos: La investigación
descriptiva, con abordaje cuantitativo, utilizando
el cuestionario como
instrumento de recolección de datos,
aplicado en 26 profesionales
de enfermería que tratan directamente con materiales y equipos en el CME, de un Pronto Socorro en Belém/PA, en el período de septiembre a octubre de 2018. Resultados:
En el análisis
de datos, se detectó en el estudio
que el 90% de los accidentes ocurrieron con punzocortantes. El principal
sitio afectado fueron las manos y los dedos (90%);
81,82% afirmaron que el accidente ocurrió durante el lavado de los materiales y equipamientos; el 90% mencionó sangre, como
agente contaminante; el 54,55% de los
encuestados hicieron la profilaxis inmediatamente;
el 81,81% comunicó el accidente a la jefatura inmediata;
y el 45,45% llenó la Comunicación de Accidente de Trabajo (CAT). Conclusión: El
CME es considerado el sector que más aproxima a los profesionales a riesgos debido al procesamiento de artículos resultantes de intervenciones
clínicas y quirúrgicas, debido
a ello, se recomienda la implementación de instrumentos
que posibilite la gestión de riesgos, favoreciendo una evaluación de los puntos críticos, la trazabilidad de las posibles fallas,
posibilitando las mejores decisiones.
Palabras-clave: esterilización, accidentes de trabajo, profesionales de enfermería.
O Centro de Material e Esterilização (CME) é um
componente hospitalar que fornece produtos esterilizados, indispensáveis à vida
humana. Caracteriza-se como um setor de cuidados indiretos que instrumentaliza
a assistência prestada pela equipe de Enfermagem e por outros profissionais da
área da saúde [1].
É considerado um ambiente que favorece a
exposição do trabalhador, por atuar em contato com fluidos orgânicos, calor e
substâncias químicas decorrentes de processos químicos e térmicos de desinfecção
e esterilização, em ambiente restrito e exaustivo, propiciador a riscos [2].
Está propenso à exposição e riscos de acidentes devido a sua natureza
específica de trabalho, oriunda do processamento de artigos dos centros
cirúrgicos e das intervenções clínicas tornando a equipe de enfermagem
vulnerável [3].
Estudos
apontam falhas no processo de trabalho
no CME, que dizem respeito à infraestrutura inadequada,
relações humanas,
qualificação da equipe, exigência das
instituições hospitalares em relação
à
produtividade; e causas relativas ao próprio processo de
trabalho, como os
riscos ocupacionais, falta de recursos humanos, falta de apoio mediante
a
demanda institucional, precariedade na comunicação
intersetorial e
profissionais atuando sem capacitação técnica para
a função [2,4].
O
trabalho da equipe de enfermagem é importante, pois atua na esterilização dos
equipamentos da unidade hospitalar e diretamente com atividades no setor,
desenvolvendo competências favoráveis à administração da unidade, no âmbito
técnico-assistencial e científico [5].
As exposições acidentais com instrumentos
perfurocortantes são os acidentes de trabalho mais comuns, havendo grande risco
em adquirir infecção, principalmente devido à negligência quanto ao uso do EPI
(equipamento de proteção individual) e a desatenção no manuseio de materiais
contaminados [6]. No entanto, há de se admitir que existem fatores subjetivos
que podem acometer os profissionais de enfermagem que atuam em CME, propiciando
o desencadeamento de acidentes de trabalho [7].
Diante do exposto o estudo tem por objetivo
analisar a ocorrência de acidentes com perfurocortantes no Centro de Materiais
e Esterilização (CME) e as medidas de saúde adotadas pelos profissionais de
enfermagem.
Estudo do tipo descritivo, abordagem
quantitativa, apoiado em estudo de caso, com 26 profissionais de enfermagem,
componentes do quadro do CME de um Pronto Socorro Municipal. Foram incluídos no
estudo técnicos e auxiliares de enfermagem, efetivos e temporários que
desenvolvem suas atividades laborais no CME. Os enfermeiros que desempenham as
funções de coordenadores do CME e profissionais de enfermagem (técnicos e
auxiliares) do CME que se encontravam de férias e de licença do trabalho foram
considerados nos critérios de exclusão.
A coleta de dados ocorreu entre setembro e
outubro de 2018, através de questionário estruturado, com dados de
identificação e de atuação no CME. O instrumento foi aplicado pelas
pesquisadoras, após a autorização do gestor da Secretaria Municipal de Saúde e
a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), respeitando
a disponibilidade de escalas e turnos de trabalho dos pesquisados.
Para análise do estudo foi utilizada a estatística
descritiva e quantitativa, processada em tabelas para análise do perfil
socioeconômico, destacando as variáveis categóricas (sexo, escolaridade, estado
civil) e contínuas (idade, frequência dos acidentes e outros); e as variáveis
relacionadas aos tipos de acidentes de trabalho, local atingido, ação no
momento e após o acidente, ação contaminante, uso de EPI, preenchimento da
Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), dentre outros. O estudo foi
devidamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da
Amazônia/ Plataforma Brasil, sob o CAEE nº 2.913.603.
A Tabela I revela que 92,31% dos pesquisados
são do sexo feminino; 34,62% solteiros; 96,15% são técnicos de enfermagem;
61,54% trabalham somente na instituição pesquisada; 100% foram admitidos por
concurso público da Secretaria de Saúde Municipal.
Tabela I – Perfil socioeconômico dos funcionários do CME, Pronto Socorro,
Belém/PA, 2018.
A Tabela II revela que 42,30% dos pesquisados
registraram acidentes no CME, sendo 90% com perfurocortantes. O principal local
atingido foram as mãos e dedos (90%), e braço (10%). Quando relacionado à
atividade exercida no momento do acidente, 81,82% afirmaram que ocorreu durante
a lavagem dos materiais e equipamentos. Em relação ao agente contaminante
envolvido, 90% referiram sangue. Quanto ao uso de EPI, 81,82% referiram uso de
luva, gorro e avental; e 18,18%, o uso de luvas, gorros e máscara.
Quanto aos procedimentos realizados após a
ocorrência do acidente, 54,55% fizeram a profilaxia imediatamente; 9,09%
continuaram desenvolvendo suas atividades laborais e fizeram a profilaxia
momentos depois; e 18,18% não fizeram a profilaxia. Após a ocorrência do
acidente, 27,27% dos pesquisados espremeram, lavaram com água e sabão e usaram
antissépticos; 45,45% lavaram com água e sabão e utilizaram antisséptico, e
27,28% espremeram e lavaram com água e sabão.
Tabela II – Análise de ocorrência de acidente no CME, Pronto Socorro, Belém/PA,
2018.
Em relação aos procedimentos médicos após
acidente (Tabela III), 46% dos entrevistados realizaram consulta médica e
profilaxia para HIV e/ou hepatite B; 18,19% não buscaram serviço médico. Quanto
à comunicação sobre o acidente, 81,81% relataram terem comunicado à chefia
imediata. Quando questionados sobre o preenchimento da CAT, 45,45% responderam
“SIM”, e 54,55% responderam “NÃO”. A respeito do motivo da não notificação
16,66% referiram desconhecimento em como fazer a notificação; e 50%
displicência ou negligência.
Tabela III – Profilaxia e cuidados de saúde aos funcionários do CME, Pronto Socorro,
Belém/PA, 2018.
O estudo confirma a tradição feminina na
enfermagem, cuja predominância é histórica, marcando o CME pelo sexo feminino
[2,4]. Por suas atividades assistenciais, diretamente ligadas com secreções
orgânicas, os profissionais de enfermagem estão mais expostos ao risco
biológico, propensos à contaminação por doenças infecciosas [8].
O ambiente hospitalar favorece o elevado número
de acidentes devido à quantidade de procedimentos realizados. O uso do
equipamento de proteção individual (EPI) é essencial pelos trabalhadores de
enfermagem e contribui para prevenção de infecções e acidentes químicos,
físicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos, melhorando a qualidade de vida
destes profissionais [9,10].
Os riscos químicos correspondem às substâncias
que possam invadir o organismo, seja pela via respiratória, pelo contato com a
pele ou por ingestão; os riscos físicos envolvem calor, frio, ruído, vibrações,
pressões anormais, radiações ionizantes e não ionizantes e umidade; os
biológicos são bactérias, fungos, bacilos, parasitas, protozoários, vírus,
entre outros; e os ergonômicos, são fatores físicos e organizacionais que
envolvem as características psicofisiológicas do trabalhador [11]. O estudo
demonstrou que 90% dos profissionais registraram acidentes no CME com
perfurocortantes, em que todos informaram o uso de EPIs, o que causou
estranheza, considerando o alto índice de contaminação. Observa-se que muitas
vezes, o cansaço, muitas atribuições, desconforto, descuido, equipamentos
inadequados, quantidade de procedimentos realizados são considerados
importantes fatores que promovem acidentes com perfurocortantes.
Também foi relatado no estudo que 54,55% dos
entrevistados realizaram a profilaxia logo após o acidente, indo de encontro a
outras pesquisas em que grande parte dos profissionais ignora o seu acidente,
banalizando a situação e a gravidade de exposição, negligenciando o perigo e
colocando a saúde em risco [9,10].
A
Norma Regulamentadora (NR) 32/2005 estabelece
diretrizes para elaboração e implementação
de medidas de prevenção, promoção e
assistência à saúde em geral, entre elas o plano de
prevenção de riscos de
acidentes com perfurocortantes.
A referida norma determina que em todo local
onde exista a possibilidade de exposição a agentes biológicos devam ser
fornecidas aos trabalhadores instruções escritas, em linguagem acessível, das
rotinas realizadas no local de trabalho e medidas de prevenção de acidentes e
de doenças relacionadas ao trabalho, devendo ser entregues ao trabalhador [12].
É recomendado que todos os trabalhadores do CME utilizem luvas de cano longo
antiderrapante, touca, máscara compatível com o risco, óculos de proteção ou
protetor facial, avental impermeável, calçado fechado, impermeável e
antiderrapante, protetor auricular em concha, com o objetivo de minimizar os
riscos relacionados aos materiais contaminantes [10, 13].
Outro ponto de destaque no estudo ocorreu em
relação ao preenchimento da CAT, em que 54,55% desconheciam como fazer a
notificação ou foram negligentes. Nesse sentido, percebe-se a necessidade de
estratégias de enfrentamento da subnotificação como conscientização da
gravidade, rever a segurança no ambiente de trabalho, capacitar a equipe quanto
à manipulação segura de materiais perfurocortantes [12].
Destaca-se que os profissionais atuantes na CME
estão sobrecarregados por falta de pessoal, jornada de trabalho de 48 horas
semanais, dupla jornada de trabalho, aumentando assim os riscos de acidentes.
Relatam que a enfermagem presta assistência contínua em condições insalubres,
reforçadas por elevada demanda de clientes e exigências constantes de preparo
no atendimento e intercorrências e pacientes de diversas complexidades [3].
As propostas de ações e medidas de redução de
riscos através de ferramentas adequadas permitem diagnosticar os pontos
críticos do processo de trabalho e propor soluções de melhoria que possam vir a
incorporar na rotina de trabalho medidas mais seguras na realização das
atividades [14]. É importante ressaltar que o estudo se limitou a apontar os
acidentes ocorridos com profissionais de enfermagem no CME de um Pronto
Socorro, que pode ou não coincidir com o que ocorre em outros estabelecimentos
hospitalares de saúde. Daí a necessidade de condução de novos estudos.
No processamento dos artigos no CME, os
profissionais de enfermagem ficam suscetíveis aos riscos de acidentes,
especialmente com perfurocortantes, havendo a necessidade de medidas rigorosas
por parte da instituição a fim de minimizar esses riscos. Em razão disso,
recomenda-se a implementação de instrumentos que possibilite o gerenciamento de
riscos, favorecendo uma avaliação dos pontos críticos e possíveis falhas.
A criação de estratégias de capacitação dos
trabalhadores, motivando-os ao uso dos EPIs, como também os programas de
educação continuada, poderão também colaborar para evitar o índice elevado de
acidentes e na melhora do ambiente de trabalho.