EDITORIAL
Trabalho,
estresse e corpo
Magno Conceição das Merces*, Sueli Lago Pinheiro**
*Docente do Departamento de Ciências da Vida da Universidade do Estado
da Bahia, Salvador/BA, ** Mestra em Filosofia
Correspondência: Magno
Conceição das Merces: mmerces@uneb.br; Sueli
Lago Pinheiro: sbonfimlago@gmail.com
Poderíamos afirmar,
sem medo de cometer um erro grosseiro, que uma das questões muito discutidas
atualmente, em vários ramos do conhecimento, seja a questão do estresse.
Discussões à parte, acerca de seu conceito e de sua comprovação científica,
podemos dizer que o senso comum costuma usar sempre a palavra estresse para
referir-se a sensações de fadiga, mal humor e tantas
outras sensações de natureza semelhante. E um consenso também é observado no
que se refere às implicações que o estresse provoca no corpo, podemos aqui
abrir um viés e considerar o corpo, não exclusivamente como um corpo biológico,
mas os aspectos subjetivos que envolvem seu conceito [1].
Segundo a literatura
especialista no tema, ao nos referirmos ao estresse, este pode ser de natureza
psicológica, emocional e social e que em excesso pode provocar adoecimento.
Portanto, o corpo padece à medida que estamos “estressados”.
No que concerne à
atribuição de causas do acometimento do estresse, podemos afirmar que o
trabalho lidera o ranking. Por razões já bem conhecidas, tais como jornadas
excessivas, condições precárias, salários baixos entre outras tantas questões
legadas pelo modelo econômico neoliberal que impõe como meta para a vida
relações pautadas na disputa, em que o trabalho está para além de realização
pessoal, estabelece, outrossim, relações
mercadológicas de dominação de cunho econômico e político [2]. Aceitando a sua
centralidade à vida, admitindo que a visão marxista seja correta, o trabalho
distingue o homem dos demais animais, uma vez que o homem planeja, para
posteriormente executar [3].
Assim, o trabalho
realiza uma relação peculiar, um pensamento, um planejamento, transforma-se em
ação, que modifica, que interage com o mundo, com a
realidade [4]. Uma ideia, um pensamento para se objetivar necessita de um
corpo, não se pode experimentar uma sensação de estresse, por exemplo, sem um
corpo que padeça, que experimente esse sofrimento. É o
corpo o lugar de inscrição de nossas experiências, experiências de mundo e
experiências de nós mesmos, enquanto singularidade, que reflete,
que inventa, que crê, que sofre.
É com o corpo que o
homem pode habitar o mundo e o transforma por meio do trabalho, por vezes
transgredindo seus limites. Então, através do trabalho, o indivíduo pode
realizar-se mediante um conflito de sofrimento e prazer. Se nessa relação
aparecem patologias, ou estados que possam conduzir a um desequilíbrio,
saúde-doença, como o estresse, nos impõe buscar caminhos para sua compreensão e
possíveis soluções, ou amenizações de suas causas. O estudo da corporeidade se
afigura como basilar a essa tarefa. A perspectiva de uma experimentação de si,
enquanto corpo que percebe o mundo, que vive na carne este mundo, pode conduzir
a orientações acerca de autocontrole, relaxamento, motivação que possivelmente
amenizem o estresse. Mas, não como algo que se contamine
as exigências de mercado, que se submeta as dominações de poder e seus
artifícios de manutenção, sejam nas relações macro ou micro. O que se impõe é a
compreensão de si, não como um corpo que tenho, mas como um corpo que sou, um corpo vivo.
E quem sabe assim, na
medida em que se problematize esse olhar sobre o corpo, a rejeição a uma visão
coisificada do homem, tão comum nas relações de trabalho, possa ser refutada,
uma vez que as representações sociais de corpo possam se modificar e substituir
a visão biologicista, dualista, hegemonicamente
aceitas.