ARTIGO
ORIGINAL
Segurança
do paciente: notificação de incidentes em hospitais de referência
Milene Gouvêa Tyll, M.Sc.*, Stephanie de
Carvalho Lima**, Suzanne Lourdes Souza Carvalho***, Maira da Silva Peixoto****, Carlos
Leonardo Cunha, D.Sc.*****, Glenda
Roberta Oliveira Naiff Ferreira, D.Sc.******
*Professora
Adjunta do Curso de Enfermagem da Universidade da Amazônia, **Enfermeira,
Universidade da Amazônia, ***Enfermeira, Universidade da Amazônia,
****Enfermeira, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Biologia Parasitária
da Amazônia, Universidade do Estado do Pará, *****Enfermeiro, Professor Adjunto
da Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal do Pará, ******Enfermeira,
Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal do Pará
Recebido em 9 de abril
de 2019; aceito em 15 de dezembro de 2019.
Correspondência: Milene de Andrade Gouvêa
Tyll, Avenida Alcindo Cacela,
287, 66060-902 Belém PA
Milene Gouvêa Tyll: milene.tyll.gouvea@gmail.com
Stephanie de Carvalho
Lima: stephanieclima@yahoo.com.br
Suzanne Lourdes Souza
Carvalho: enf.suzanne@gmail.com.
Maira Cibelle da Silva Peixoto: mairapeixoto2@hotmail.com
Carlos Leonardo
Figueiredo Cunha: leocunhama@gmail.com
Glenda Roberta Oliveira Naiff Ferreira: glendaf@ufpa.br
Resumo
Objetivo: Determinar a
prevalência dos incidentes notificados em relação à segurança do paciente em
dois hospitais públicos de referência no estado do Pará. Métodos: Estudo de abordagem quantitativa e retrospectivo. Foi
realizado em dois hospitais de referência no Pará. Foram coletadas em
formulário semiestruturado as notificações dos incidentes de segurança do paciente
do ano de 2017. Resultados: Entre as
1.272 notificações registradas, houve diferença no número e perfil de
notificações entre os hospitais. O incidente com dano foi o mais prevalente em
ambos os hospitais. No hospital de cardiologia predominaram a queda e lesão por
pressão, enquanto no hospital de trauma predominaram as notificações de erros
de medicação. Conclusão: Verificou-se
que o perfil assistencial pode contribuir para as diferenças no tipo de
incidente, sendo importante para adoção de medidas de prevenção com foco nas
peculiaridades do hospital.
Palavras-chave: notificação,
segurança do paciente, risco.
Abstract
Patient
safety: notification of incidents in reference hospitals
Objective: To determine
the prevalence of reported incidents in relation to patient safety in two
public reference hospitals in the state of Pará. Methods: This quantitative and retrospective study was carried out
in two hospitals in Pará. The reports of the patient safety incidents of 2017
were collected in semi-structured forms. Results:
Among the 1,272 registered reports, there were differences in the number and
profile of notifications among hospitals. The incident with damage was the most
prevalent in both hospitals. In the cardiology hospital, fall and pressure
injury predominated, while in the hospital of trauma predominated the
notifications of medication errors. Conclusion:
We verified that the assistance profile can contribute to the differences in
the type of incident, being important for the adoption of preventive measures
focusing on the peculiarities of the hospital.
Key-words: notification,
patient safety, risk.
Resumen
Seguridad del
paciente: notificación de incidentes en hospitales de referencia
Objetivo: Determinar la prevalencia de los incidentes notificados en relación a la seguridad
del paciente en dos hospitales públicos de referencia en el estado de Pará. Métodos:
Estudio de abordaje cuantitativo y retrospectivo. Se realizó
en dos hospitales de referencia en
Pará. Se recogieron en formularios semi estructurados las notificaciones de los incidentes
de seguridad del paciente del año 2017. Resultados: Entre las
1.272 notificaciones registradas, hubo
diferencias en el número y
perfil de notificaciones entre los
hospitales. El incidente con
daño fue el más prevalente en ambos hospitales. En el hospital de cardiología predominaron la caída y lesión por presión, mientras que en el hospital de trauma predominaron
las notificaciones de errores de medicación. Conclusión: Se verificó que el perfil asistencial puede contribuir a las diferencias en el tipo de incidente, siendo
importante para la adopción
de medidas de prevención con
foco en las peculiaridades del hospital.
Palabras-clave: notificación,
seguridad del paciente, riesgo.
A segurança do paciente
no Brasil encontra-se em ascensão e a enfermagem desenvolve um papel de
protagonista na implantação da cultura de segurança do paciente nos serviços de
saúde, através da prática assistencial com a utilização dos diagnósticos de
enfermagem na redução de riscos e do gerenciamento do serviço, com a
implantação de protocolos de assistência; boletim de notificação de eventos
adversos; uso de lista de verificação da cirurgia segura [1]. No entanto, a
segurança do paciente deve ser incorporada por todos os profissionais de saúde,
tanto em hospitais privados quanto nos públicos independentemente do nível de
gestão [2].
A adoção de práticas de
segurança do paciente é recente na América Latina e no Brasil, sendo os debates
acerca do tema iniciado pela enfermagem em 2008, a partir de iniciativa da
Organização Pan-Americana da Saúde, que culminou na criação da Rede Brasileira
de Enfermagem e Segurança do Paciente [3]. Somente em 2013 foi instituído o
Programa Nacional de Segurança do Paciente, por meio da portaria de nº 529/2013
do Ministério da Saúde com o objetivo geral de contribuir para a qualificação
do cuidado em saúde em todos os estabelecimentos de saúde do território
nacional e define a segurança do paciente como a “redução, a um mínimo
aceitável, do risco de dano desnecessário associado ao cuidado de saúde”[4].
Os serviços de saúde
devem elaborar o plano de segurança do paciente e buscar estratégias para
implantação da cultura de segurança dos pacientes em suas práticas assistenciais
e gerenciais. A elaboração do plano de segurança do paciente em serviços de
saúde deve conter estratégias e ações de gestão de risco, conforme as
atividades desenvolvidas pelo serviço de saúde. No Brasil, é obrigatório que os
serviços de saúde notifiquem os eventos adversos mensalmente até o 15º (décimo
quinto) dia útil do mês subsequente ao mês de vigilância, por meio das
ferramentas eletrônicas disponibilizadas pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) [5].
Nesse contexto, os
serviços de saúde têm buscado estratégias para cumprir os preceitos legais e de
boas práticas assistenciais, promovendo um ambiente seguro e sem danos ao
paciente [6,7]. Implantar a cultura de segurança do paciente no Brasil é um
desafio diante de um cenário de serviços de saúde que possuem processos de
trabalhos hierarquizados e punitivos; com alta rotatividade de profissionais e
baixa qualidade de recursos humanos; além de problemas com equipamentos e
falhas da estrutura física [1].
A relevância deste estudo se dá pela
necessidade de investigar a realização das notificações dos eventos
relacionados à segurança do paciente em hospitais do Pará, uma vez que são
poucos os registros sobre esse tema. Desta forma, este estudo objetivou
determinar a prevalência dos incidentes notificados em relação à segurança do
paciente em dois hospitais públicos de referência no estado do Pará, e ainda,
identificar a frequência dos registros das notificações de agravos de acordo
com cada pilar descrito pelo Ministério da Saúde, comparando a frequência dos
registros de notificações relacionadas à segurança do paciente entre dois
hospitais públicos.
Estudo retrospectivo de
abordagem quantitativa, realizado no Núcleo de Segurança do Paciente (NSP), de
dois hospitais públicos, um de referência cardiológica e o outro de referência
em trauma, localizados nos municípios de Belém e Ananindeua-PA. A coleta de
dados foi realizada entre julho e outubro de 2018, por meio de formulário
semiestruturado.
Foram incluídos no
estudo os registros dos dados numéricos das notificações dos incidentes
registrados em todos os setores dos referidos hospitais, do período de janeiro
a dezembro de 2017, preenchidos por profissional de qualquer categoria, completos,
legíveis. Foram excluídas as notificações de queixas técnicas e demais dados
que não estivessem relacionadas à segurança do paciente.
Os dados foram
armazenados em planilha do programa Microsoft® Excel contendo os dados
referentes às unidades, mês de notificação e tipo de incidente. As informações
referentes ao planejamento das ações preventivas desenvolvidas na instituição
ao longo do período estudado foram coletadas nos documentos do NSP.
Para o processamento de
análise dos dados utilizou-se epidemiologia descritiva com elaboração de
tabelas e gráficas, e as variações percentuais foram calculadas da seguinte
forma: obteve-se primeiramente a diferença ente os valores registrados no
último mês (dezembro/2017) e o primeiro mês (janeiro/2017), em seguida
dividiu-se tal resultado pelo valor registrado no primeiro mês (janeiro) e, por
último, multiplicou-se o resultado por 100. O estudo atendeu às normas éticas
de acordo com a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sendo
aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa sob o CAAE: 90734818.5.0000.0016.
Parecer CEP: 2.882.558.
A análise das
notificações dos incidentes identificou 1272 registros nos hospitais do estudo.
No período entre janeiro e dezembro de 2017, o hospital especializado em trauma
registrou 985 notificações de incidentes no hospital, com variação percentual
de 409,1%, ou seja, aumentou em quatro vezes as notificações. Enquanto, o
hospital especializado em cardiologia registrou 287 notificações, com variação
percentual de -28,6%, ou seja, houve redução das notificações. Verifica-se um
crescimento gradual das notificações no hospital de trauma, registrando um
maior crescimento no mês de outubro, período que ocorreu o 1º ciclo de
auditoria (figura 1).
Figura 1 - Distribuição mensal das notificações de incidentes nos hospitais de
referência do estudo. Pará, 2017.
Os registros das
notificações nos hospitais do estudo demonstraram uma elevada prevalência de
incidentes com danos com um total de 39% (496/1272), sendo o incidente mais
notificado em ambos os hospitais, contudo no hospital especializado em
cardiologia a prevalência é superior a 50% de todas as notificações do hospital
(tabela I).
O incidente sem danos
teve 27,1% (345/1272) registros notificados. Foi o terceiro incidente mais
notificado em ambos os hospitais. O incidente relacionado a circunstância de
risco/notificável teve 30,6% (389/1272), sendo o segundo incidente mais
notificado no total. O incidente quase evento/near
miss foi o menos notificado tendo 3,3% (42) do total de registros.
Tabela I - Prevalência dos incidentes notificados em relação à segurança do
paciente de dois hospitais de referência. Pará, 2017.
Fonte: Gerência de risco
e NSP do hospital referência em trauma e em cardiologia, 2017.
Na
figura 2,
identificamos no hospital referência em cardiologia uma maior
prevalência da
meta de “prevenção de quedas e lesões por
pressão (LPP)” com 34,8% (76)
notificações, seguido de
“administração de medicamentos seguro” com
22,9% (50),
“comunicação segura” com 20,1% (44)
notificações, “identificação do
paciente”
com 13,3% (29) notificações, “cirurgia
segura” com 8,7% (19) notificações.
No hospital referência
em trauma, a maior prevalência foi da meta de “administração de medicamentos
seguro” com 62,6% (158) notificações, seguido de “prevenção de quedas e LPP”
com 23,8% (60), “comunicação segura” com 10,7% (27), “cirurgia segura” com 1,9%
(5), “identificação do paciente” com 0,7% (2).
Figura 2 - Registros das notificações de agravos de acordo com cada pilar descrito
pelo Ministério da Saúde. Pará, 2017.
Em
relação à
“higienização das mãos” não foi
observado nenhum registro de notificação em
ambas as instituições estudadas, o que não indica
que os incidentes não
ocorreram, pois as metas de segurança do paciente
estão interligadas entre si e, por este motivo, dificultam o processo de
identificação, notificação e compilação de certos achados.
A análise e
acompanhamento do indicador de segurança do paciente demonstra que após
esforços para fortalecimento da cultura de segurança em serviço de saúde há uma
tendência de aumento da adesão as práticas seguras, sendo importante realizar o
acompanhamento mensal dos indicadores [6-8]. Estudos anteriores demonstram um
perfil variado em relação a natureza dos incidentes relacionado a segurança do
paciente, ao contrário deste estudo. Em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI)
do Rio Grande do Sul, foram registradas 40,8% notificações de eventos adversos
[9]. Outro estudo realizado na região sul do Brasil encontrou percentual
superior, 52% [10].
Resultado similar ao
encontrado no hospital de cardiologia neste estudo, foi observado em São Paulo,
em que 19,8% das notificações foram sem incidentes [11], em outro hospital de
São Paulo, 84,6% foram de evento sem danos e 15,4% foram de eventos adversos
[12]. Assim, há variação das notificações da incidência de quase evento entre
hospitais do Brasil. No hospital de clínicas em Botucatu 7,7% das notificações
foram de quase evento, sendo inferior ao encontrado em uma clínica cirúrgica
que registrou 71% [13,14]. Na UTI de um hospital em Goiás foram encontradas 88%
de notificações de circunstância notificável, superior aos encontrados em ambos
os hospitais deste estudo [15].
Nos hospitais do estudo
verificou-se perfil divergente nas notificações das metas estabelecidas pelos
órgãos reguladores do Brasil. A prevalência de erros associados à medicação foi
maior no hospital de trauma, assim como encontrado em outras unidades de
urgência do Brasil, sendo mais baixo em hospitais e unidades que não tem esse
perfil assistencial [16-18]. As características assistenciais das unidades de
urgência podem contribuir para os erros relacionados a administração de
medicamentos, se medidas gerenciais com foco na
assistência e no risco não forem adotadas [17].
No hospital de
referência em cardiologia, a LPP e queda do paciente foram os incidentes mais notificados.
Essa diferença na incidência é encontrada em hospitais e entre unidades de
internação do Brasil. Em UTI, as LPP foram 25,8% das notificações [19],
enquanto em UTI do centro oeste foi de 13,1% [20], sendo menor em clínica
cirúrgica, 4,92% [21]. Em um hospital de Goiânia foram registrados 18,5% de
queda [21], já em outro hospital universitário os eventos relacionados a queda foram de 10,7% [22]. Caracterizar os fatores associados a
queda é importante para implementar protocolo de prevenção, e medidas como
avaliação e sinalização de risco, educação de pacientes e familiares e
capacitações com as equipes de enfermagem, para assim reduzir a ocorrência [7].
A meta de identificação
dos pacientes nos hospitais do estudo teve uma frequência de notificação de
erros reduzida, sendo menor no hospital de trauma. Estudos demonstram que essa
meta tem sido incorporada as práticas assistenciais, incluindo a presença de
anotações sobre a presença da pulseira no prontuário do paciente [6,23]. Um
estudo, realizado em UTI do Rio de Janeiro, evidenciou que 67% dos erros foram
referentes a higienização das mãos [24]. Essa falha não foi notificada nos
hospitais estudados. Em UTI, no centro-oeste, 11,2% das notificações estavam
relacionadas a complicações cirúrgicas [17]. As falhas de comunicação foram 9%
em hospital de Botucatu [13].
As principais
limitações neste estudo referem-se às divergências nas classificações e
nomenclaturas das notificações adotadas entre as instituições; a escassez de
estudos e documentos científicos que trabalham com a estratificação dos dados
por meta de segurança do paciente e também que citem as circunstâncias
notificáveis; além da dificuldade durante a coleta de dados em uma das
instituições em comprovar a efetividade das ações para fomento da cultura de
segurança na diminuição dos incidentes e consequentemente eventos adversos,
devido à falha na compilação de dados e auditorias de segurança e de risco.
Os resultados deste
estudo permitiram identificar e analisar os incidentes notificados em relação à
segurança do paciente em dois hospitais públicos. Há disparidades no número de
notificações entre os hospitais. No entanto, em ambos prevalece os registros de
incidentes com dano, sendo necessário fortalecer as estratégias de notificação
de incidentes relacionados a segurança do paciente. Verificou-se que o perfil
assistencial pode contribuir para as diferenças no tipo de incidente, sendo
importante para adoção de medidas de prevenção com foco nas peculiaridades do
hospital.