ARTIGO ORIGINAL
O uso do partograma na assistência ao trabalho de parto em uma
maternidade pública
Érica Rayanne da Silva Salazar*, Ruanna
Cardoso Leal*, Jeíse Pereira Rodrigues*, Rafaela
Ferreira Vilanova**, Irene Sousa da Silva, M.Sc.***
*Enfermeira Obstétrica,
Universidade Estadual do Maranhão, **Enfermeira Obstétrica, Preceptora da
Residência em Enfermagem Obstétrica, Universidade Estadual do Maranhão,
***Docente na Graduação de Enfermagem, Universidade Estadual do Maranhão
Recebido em 20 de
dezembro de 2019; aceito em 18 de junho de 2020.
Correspondência: Érica Rayanne da Silva Salazar, Avenida Marechal Castelo Branco,
1185 São Pedro 65400-000 São Luis MA
Érica Rayanne da Silva Salazar: ericarayanne91@gmail.com
Ruanna Cardoso Leal:
rhuannaleal@hotmail.com
Jeíse Pereira Rodrigues:
jeiserodrigues120@hotmail.com
Rafaela Ferreira
Vilanova: vilanova_13@hotmail.com.
Irene Sousa da Silva:
irenesilva102@bol.com.br
Resumo
A assistência no
processo parturitivo necessita de uma criteriosa
avaliação para que seja realizada de forma segura e eficaz. Atualmente a
ferramenta recomendada para este fim é o partograma.
Um instrumento que possibilita a representação gráfica do trabalho de parto. O
objetivo deste estudo é analisar o uso do partograma
por profissionais que atuam no centro obstétrico de uma maternidade pública.
Trata-se de uma pesquisa descritiva exploratória, documental, com abordagem
quantitativa, cujo objeto de investigação foi o partograma.
Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão o cálculo amostral resultou
em 345 partogramas. A coleta de dados foi realizada
por meio de um instrumento elaborado pelos pesquisadores de modo a alcançar os
objetivos propostos. Entre os 345 prontuários analisados, 94,5% tinham o partograma presente no prontuário. Dentre os que contavam
com a presença da ferramenta, somente 36,3% estavam preenchidos, porém o percentual
de preenchimento completo foi de 21,2% e o de preenchimento correto foi de
44,9%. Portanto, observou-se que a frequência de utilização do partograma na instituição em que foram coletados os dados é
baixa, e quando utilizado não atendeu ao propósito de monitorização do trabalho
de parto na maioria dos casos, já que a maioria foi preenchido incompletamente.
Palavras-chave: trabalho de parto,
parto, monitoramento, assistência.
Abstract
The use of the partogram in monitoring labor
in a public maternity
Assistance
in the parturition process needs a careful evaluation to be carried out safely
and effectively. Currently the recommended tool for this purpose is the partogram. An instrument that allows the graphic
representation of labor. The aim of this study was to analyze the use of the partogram by professionals who work in the obstetric center
of a public maternity hospital. It is a descriptive exploratory, documentary
research, with a quantitative approach, whose object of investigation was the partogram. After applying the inclusion and exclusion
criteria, the sample calculation resulted in 345 partograms.
Data collection was performed using an instrument designed by the researchers
in order to achieve the proposed objectives. Among the 345 records analyzed,
94.5% had the partogram present in the chart. Among
those who counted on the presence of the tool, only 36.3% were filled, but the
percentage of complete filling was 21.2% and the correct filling was 44.9%.
Therefore, it was observed that the frequency of using the partograph in the
institution where the data was collected is low, and when used it did not meet
the purpose of monitoring labor in most cases, since most were completed
incompletely.
Keywords:
labor of delivery, childbirth, monitoring, assistance.
Resumen
El uso del partograma en asistencia al trabajo de parto en una maternidad pública
La asistencia
en el proceso
de parto necesita una evaluación
cuidadosa para llevarse a cabo de manera
segura y efectiva. Actualmente
la herramienta recomendada
para este propósito es el partograma.
Un instrumento que permite la
representación gráfica del trabajo. El objetivo de este estudio
es analizar el uso del partograma por parte de profesionales que trabajan en el centro obstétrico de un hospital público de maternidad.
Es una investigación documental exploratoria
descriptiva, con un enfoque cuantitativo, cuyo objeto de investigación fue el partograma.
Después de aplicar los criterios de inclusión y exclusión, el cálculo de la muestra resultó
en 345 partogramas. La recolección de datos se realizó utilizando un instrumento
diseñado por los
investigadores para lograr los objetivos propuestos. Entre los 345
registros analizados, el
94.5% tenía el partograma presente en la tabla. Entre aquellos que tenían la presencia de la herramienta, solo se llenó 36.3%, pero el porcentaje de llenado completo fue 21.2% y el llenado correcto fue 44.9%. Por lo tanto, se observó que la frecuencia de uso del partograma en la
institución donde se recopilaron
los datos es baja, y cuando se usó no cumplió el propósito de monitorear el trabajo
de parto en la mayoría de los casos, ya que la mayoría
se completó de manera
incompleta.
Palabras-clave: trabajo
de parto, parto, supervisión, asistencia.
O nascimento é em
evento fisiológico que marca o fim de uma gestação, constitui a forma natural
de reprodução da espécie humana e pertence à mulher e à sua família, sendo,
nesta concepção, os profissionais da saúde coadjuvantes da experiência. No contexto
da assistência ao trabalho de parto, é indispensável o acompanhamento e
criteriosa avaliação do processo parturitivo.
Atualmente, a
ferramenta recomendada para esta criteriosa avaliação é o partograma.
Esse instrumento é simples e barato, permite a representação gráfica do
trabalho de parto, além do acompanhamento e documentação de sua evolução,
diagnóstico de alterações e indicação de condutas apropriadas para correção
destes desvios [1].
A referência histórica
mais recorrente do partograma é a experiência de Philpott e Castle em maternidades
de baixos recursos na Rodésia, em 1972. Com base nos conhecimentos originais da
dilatação cervical, eles construíram uma linha de alerta, que servia para
identificar as pacientes com parto de risco. Quando a dilatação cervical
cruzava a linha de alerta, a paciente deveria ser encaminhada ao hospital, onde
se efetuavam partos operatórios. O trabalho foi considerado um passo
revolucionário no sistema gráfico. Com duas linhas, chamadas
“linha de alerta” e “linha de ação”, os médicos evidenciaram claramente
a evolução anormal do trabalho de parto [2].
As novas recomendações
da Organização Mundial de Saúde (OMS), lançadas em 2018, apoiam o seu uso
durante o trabalho de parto, com o objetivo de reduzir a morbidade e
mortalidade materna e fetal [3]. O Ministério da Saúde do Brasil, corroborando
a OMS, também recomenda o partograma como um
instrumento que possibilita acompanhar a evolução do trabalho de parto,
documentar e diagnosticar alterações e indicar a necessidade de condutas
apropriadas a fim de evitar intervenções desnecessárias, o que contribui para
uma assistência humanizada ao parto [4].
Entretanto, para que a
utilização do partograma na assistência obstétrica
gere os impactos supracitados faz-se necessário que o instrumento seja
preenchido de forma adequada, correta e completa. É necessário ainda que haja
uma interpretação coerente do registro, pois do contrário o profissional será
induzido a intervir desnecessariamente [2].
Embora a utilização
desta tecnologia seja altamente incentivada no âmbito das políticas públicas de
atenção à saúde materna e neonatal, observa-se que tal prática ainda é pouco
investigada nas pesquisas. Daí emerge a proposta deste estudo, de analisar a
utilização do partograma na assistência ao trabalho
de parto em uma maternidade pública.
O desenvolvimento do
presente estudo justifica-se pelo fato de que o uso do instrumento na
assistência ao trabalho de parto é uma das medidas que contribuem para a redução
das intervenções intrapartos, das cirurgias, e estimulam o respeito a
fisiologia do parto e conferem à mulher e sua família uma experiência positiva
a despeito do seu processo parturitivo [3].
Trata-se de uma
pesquisa descritivo exploratório, documental, com abordagem quantitativa,
caracterizada pelo emprego da quantificação, tanto nas modalidades de coleta de
informações quanto no tratamento delas por meio de técnicas estatísticas [5].
O objeto de
investigação foi o partograma, o qual compõe o
prontuário das pacientes na unidade onde o estudo foi desenvolvido. Foram
incluídos os prontuários das mulheres que foram admitidas para o parto de feto
vivo, com idade gestacional maior que 22 semanas e/ou peso fetal maior que 500
gramas, no período de janeiro a dezembro de 2017. Destes, foram excluídos os
prontuários de pacientes que foram admitidas para cesariana, ou que a cesariana
foi indicada ainda na fase latente (caracterizada por presença de contrações
uterinas dolorosas e irregulares, com alguma modificação cervical, incluindo
apagamento e dilatação de até 4 cm [4]), bem como as que foram admitidas no
período expulsivo do trabalho de parto.
A aplicação destes
critérios resultou em 3.451 prontuários. O cálculo amostral resultou em 345 partogramas (nível de confiança de 95% e margem de erro de
5%). Optou-se por realizar uma amostragem estratificada proporcional ao número
de partos ocorridos em cada mês do período da coleta de dados (janeiro a
dezembro).
A coleta de dados foi
realizada por meio de dois instrumentos, sendo uma ficha de análise do partograma, contendo 17 questões fechadas sobre tópicos que
permitiram analisar o preenchimento e o uso da ferramenta na assistência
obstétrica, e um check-list para quantificar a
presença ou não do registro em cada item do partograma,
o que possibilitou a avaliação da completude dos registros no mesmo.
Ressalta-se que a
construção destes instrumentos foi baseada no modelo padrão de partograma adotado no cenário do estudo, tal modelo é o
mesmo recomendado pelo Ministério da Saúde. Ambos os instrumentos foram
elaborados e aplicados aos prontuários pelos pesquisadores.
Para análise dos
registros no partograma foram considerados os
seguintes parâmetros: registro da identificação da parturiente e do
profissional examinador, descrição da evolução do trabalho de parto, registro
de identificação de distócias, bem como indicação de
condutas baseadas na ferramenta e anotação do desfecho do trabalho de parto, se
parto normal ou cesáreo.
Em relação ao grau de
completude dos registros no partograma, adotou-se
como parâmetro o percentual de itens registrados durante todo o processo de
trabalho de parto, quando este percentual foi maior ou igual a 80%, o partograma foi classificado como “completo”.
Os dados foram
analisados utilizando-se o programa estatístico SPSS® versão 21.0 que executou
análises estatísticas simples descritivas, empregando a frequência absoluta e
percentual dos dados, transformando-os em informações.
Quanto aos aspectos
éticos, a pesquisa foi analisada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) através
da Plataforma Brasil, obtendo aprovação do mesmo, sob parecer nº 3.130.306.
O partograma
é um instrumento que possibilita a visualização gráfica da evolução do trabalho
de parto, permitindo assim uma avaliação acurada desse processo. É considerado
ideal que a ferramenta seja utilizada na assistência a todas as parturientes,
guiando as condutas obstétricas empregadas.
Entre os 345
prontuários analisados, 326 (94,5%) tinham o partograma
presente no prontuário. Dentre esses, somente 118 (36,3%) ferramentas estavam
preenchidas.
Em relação ao número
total de partos que compuseram a amostra, 322 (93,3%) foram vaginais e 23
(6,7%) foram cesarianas. Torna-se imprescindível esclarecer que este percentual
de partos normais não reflete a realidade de todos os partos atendidos na
maternidade em questão, pois refere-se aos prontuários que atenderam aos
critérios da pesquisa.
Quanto ao o uso do partograma, buscou-se investigar os profissionais que o
preencheram, os itens de identificação da paciente, a fase do trabalho de parto
em que estes registros foram iniciados, bem como o intervalo de tempo entre
eles, desfecho do parto registrado na ferramenta, zona em que o parto ocorreu e
assinatura dos examinadores. Tais achados estão descritos na tabela I.
Tabela I – Achados
referentes ao uso do partograma em uma maternidade
pública. Caxias/MA, 2019.
Dentre os achados do
estudo foi possível constatar que apenas duas distócias
foram identificadas por meio do partograma, sendo 1
(0,8%) “fase ativa prolongada” e 2 (1,6%) “parada secundária da descida”. Logo,
observa-se que na maioria absoluta dos prontuários não foi identificado nenhuma
distócia.
Sobre às intervenções
listadas de acordo com as zonas do partograma em que
foram executadas, nota-se predomínio do agrupamento de intervenções invasivas
e/ou farmacológicas como administração de ocitocina endovenosa, amniotomia e uso de fármacos com a finalidade de favorecer
a dilatação realizadas tanto na zona 1 quanto na 2. Estes resultados estão
retratados na tabela II.
Tabela II – Intervenções
realizadas nas respectivas zonas do partograma.
Caxias/MA, 2019.
A despeito da avaliação
da qualidade dos registros no partograma,
constatou-se que na maioria da amostra analisada os registros estavam incorretos
e incompletos, conforme descrito na tabela III.
Tabela III – Qualidade dos
registros no partograma quanto a adequações,
completudes e incompletudes. Caxias/MA, 2019.
O uso rotineiro do partograma é uma prática de aplicabilidade simples e
eficaz, que contribui para uma assistência obstétrica segura, pois possibilita
a detecção precoce de distócias, constituindo-se no
verdadeiro “retrato de corpo inteiro” da evolução do trabalho de parto, cujos
desvios podem ser reconhecidos pela leitura de definições gráficas de padrões e
normalidades [1].
Sabe-se que o partograma é um indicador de qualidade da assistência
clínica ao parto, o mesmo contribui para a diminuição
da morbimortalidade materno-fetal por permitir o diagnóstico do parto
obstruído/prolongado e guiar a indicação de intervenções em momento oportuno
[6].
A utilização do partograma permite a avaliação do parto como um todo: a
dilatação cervical, a descida da apresentação, a posição fetal, a variedade de
posição, a frequência cardíaca fetal e as contrações uterina. O exame completo
de todas essas variáveis possibilita o conhecimento dos fatores etiológicos
responsáveis pela evolução normal ou anormal do trabalho de parto [4].
No presente estudo, o partograma esteve presente em 94,5% dos prontuários
avaliados. Tal achado pode ser compreendido como sendo uma forma da instituição
apoiar seu uso, uma vez que se empenha em disponibilizar o instrumento para os
profissionais. Este percentual varia bastante quando comparado com achados de
outros estudos, tais como 28,5% em hospitais de Goânia
[6], 31,9% em uma maternidade de alto risco de Maceió/AL[7]
e 98,5% em maternidades públicas de Curitiba/PR [8].
Quanto ao preenchimento
do partograma, um estudo [9] nacional de base
hospitalar aponta um percentual de 41,4% no país. Quando analisado por região,
os percentuais foram: Norte (20,7%), Nordeste (30,4%), Sudeste (59,4%), Sul
(51,1%) e Centro-oeste (32%). Assim, infere-se que o achado deste estudo
(36,3%) corrobora a média dos resultados no cenário nacional e mostra que
embora as políticas públicas estimulem o uso da ferramenta na assistência
obstétrica, a prática ainda não faz parte do cotidiano dessa assistência no
Brasil.
Uma possível
justificativa para a baixa adesão ao uso do partograma
pode ser a sobrecarga de trabalho que leva a uma rotina laboriosa acrescida do
fato de que muitos profissionais consideram a ferramenta uma carga
administrativa. Sobre esta questão, um estudo desenvolvido no Sudoeste da Nigéria
[10] apontou a “falta de tempo” como principal justificativa relatada pelos
profissionais para o não preenchimento do partograma.
O que torna esse contexto ainda mais preocupante é a análise da qualidade desse
preenchimento. No presente estudo, a maioria dos partogramas
estava preenchido incorretamente e incompletamente. Este dado esteve presente
em vários estudos [2,6,7,11].
O preenchimento
incompleto do partograma foi indicado como a causa do
monitoramento inadequado do trabalho de parto em um centro de saúde da Zâmbia
[12]. Os resultados analisados indicaram que os profissionais podem não
perceber a necessidade de que tais medições sejam frequentes, resultando em uma
avaliação ruim do bem-estar materno-fetal. Estudo de caráter semelhante [11] expõe
a necessidade de medidas eficazes de qualificação e sensibilização dos
profissionais que fazem o acompanhamento do trabalho de parto para que estes
percebam a importância da utilização do instrumento. Além disso, os autores
comentam ainda que é incontestável o correto preenchimento do partograma como uma referência de qualidade de assistência
à parturiente, pois a existência do instrumento por si só não gera impacto,
sendo de extrema importância certificar-se do preenchimento correto, garantindo
que as avaliações e anotações estejam sendo reais, mostrando que o partograma foi o condutor das principais intervenções
utilizadas [13]. Dessa forma, o instrumento terá potencial para reduzir a taxa
de cesarianas [9] e de intervenções [14].
Dentre os profissionais
que mais preencheram a ferramenta, tem-se em ordem decrescente: médicos
obstetras, residentes em enfermagem obstétrica, enfermeiros obstetras e médicos
residentes. Tal achado é contrariado pelos resultados de outras pesquisas
[11,15] quando mostram que enfermeiros obstetras são os profissionais que mais
utilizam o partograma. A causa provável para isso é
que no cenário do presente estudo a admissão das parturientes é realizada pelo
médico, o qual geralmente registra sua avaliação inicial no partograma.
Considerando as
variáveis de identificação da paciente registradas no instrumento, os
resultados vão ao encontro de outro estudo [11] quando evidencia que o nome da
paciente, sua paridade e idade gestacional foram os itens mais utilizados para
identificá-la. Acrescenta-se ainda o percentual de 31,3% dos partogramas sem itens de identificação da paciente, o que
pode desencadear prejuízos na assistência relacionados a incidentes causados
por trocas de pacientes e/ou falhas na identificação das mesmas [16].
Em se tratando de
abertura do partograma, é preciso que a parturiente
esteja na fase ativa do trabalho de parto [11]. Observa-se que a maioria dos
registros foram iniciados nesta fase, porém em 20,3% dos instrumentos
analisados o partograma foi aberto em fase latente, e
quanto mais precocemente a parturiente for admitida mais exposta ela fica às
rotinas hospitalares [9] e mais intervenções são realizadas [17].
Sobre o tempo entre os
registros, em metade da amostra havia apenas 1 registro. Em estudo com achados
semelhantes [11], os autores citam que o instrumento foi elaborado para a
monitorização e visualização da evolução do trabalho de parto, o que não seria
possível com apenas 1 registro no partograma. É
importante ressaltar que este dado infere uma descontinuidade da assistência,
pois um profissional inicia o acompanhamento do trabalho de parto na ferramenta
e os demais não o continuaram.
Salienta-se que o partograma é um importante instrumento de comunicação da
equipe durante o processo de parturição, pois estabelece uma relação
interdisciplinar facilitando os registros das observações, bem como se evita
posturas contraditórias entre os membros da equipe. A ferramenta pode ser vista
também como uma forma de incentivo à documentação adequada da assistência ao
parto [11].
O partograma
apresenta valor preditivo para diagnosticar alterações na evolução do trabalho
de parto e para indicação de intervenções adequadas em tempo hábil, favorecendo
assim o controle do bem-estar do binômio mãe-bebê [13]. Nesta pesquisa, em
97,5% dos partos acompanhados com partograma não
foram identificados nenhuma distócia, porém é
provável que este dado não reflita a realidade, haja vista que a maioria dos
instrumentos foram preenchidos incompletamente e incorretamente.
Quando analisado nos
prontuários, as intervenções por zona dos partogramas
preenchidos obtêm-se um número de intervenções não condizentes com o achado
anterior de maioria absoluta de trabalhos de parto eutócicos,
pois nestes casos as intervenções são desnecessárias já que elas são indicadas
para a resolução de distócias. Logo, o uso da
ferramenta estimula o profissional a buscar a causa da disfunção e torna
racional o emprego de intervenções [9].
As zonas do partograma
são delimitadas pelas linhas de alerta e de ação
presentes no instrumento. Assim, a zona 1 é limitada pela linha
de alerta, a
zona 2 fica entre as linhas de alerta e ação, e a zona 3
fica após a linha de
ação. Não há necessidade de
intervenção quando a dilatação atingir ou
cruzar a
linha de alerta, neste caso exige-se apenas melhor
observação clínica. Quando a
curva de dilatação cervical se aproximar ou atingir a
linha de ação, uma
intervenção tornar-se-á necessária com
intuito de melhorar a evolução do parto
[1].
Sobre as intervenções,
verificou-se que tanto na zona 1 quanto na 2 houve um maior número de registro
de intervenções invasivas e/ou farmacológicas, como amniotomia,
uso endovenoso de ocitocina e outros fármacos em 107 (46,6%) e 15 (50%)
prontuários nas respectivas zonas. Já na zona 3 não houve registro de
intervenções.
Sabe-se que as práticas
de estímulo ao parto como deambulação, exercícios pélvicos e agachamento devem
ser priorizadas por favorecer a fisiologia do trabalho de parto [9].
Observou-se um decréscimo no uso dessas práticas entre a zonas 1 e 2 do partograma. Quanto ao uso endovenoso de ocitocina
sintética, houve um aumento entre a zona 1 e a zona 2. Sobre a realização de amniotomia, nota-se uma constância entre a zonas 1 e 2.
Ressalta-se que pode haver subinformação de
intervenções nos prontuários.
No que tange as
intervenções no trabalho de parto, é de extrema importância realizá-las com
bastante cautela, resguardando o seu uso em casos de processos parturitivos disfuncionais [13] para evitar que gestantes
sejam expostas desnecessariamente aos riscos de iatrogenia
no parto, além de mais condutas como uso de ocitocina sintética e amniotomia reforçam a prática do parto doloroso e traz como
consequência o temor do parto vaginal e concomitante aumento do prestígio da
cesariana [9], tal fato pode ser observado especialmente no contexto
brasileiro.
A assinatura do
examinador, a qual permite identificar o profissional responsável pela
avaliação da parturiente, teve seu registro em 84 (71,2%) dos instrumentos
analisados. Todavia, é imprescindível que os profissionais tenham mais rigor
nas assinaturas e anotações realizadas nos prontuários [14].
Por fim, a constatação
de que apenas 21,2% dos partos normais analisados nesta amostra foram
acompanhados inteiramente pelo partograma e que 78,8%
foram acompanhados parcialmente pela ferramenta sinaliza a subutilização do
instrumento no cenário do estudo, o que pode comprometer a qualidade da
assistência obstétrica.
Os achados deste estudo
evidenciaram que a utilização do partograma na
instituição em que foram coletados os dados não atendeu ao propósito de
monitorização do trabalho de parto na maioria dos casos. Observou-se ainda que
houve predomínio de condutas adotadas na assistência obstétrica não embasada na
interpretação da ferramenta. Logo, depreende-se que pouca importância é dada
pelos profissionais a este instrumento.
As múltiplas pesquisas
analisadas mostram que a desvalorização do partograma
faz parte da realidade da maioria das instituições que prestam assistência
obstétrica no Brasil. Tal realidade é refletida no contexto de assistência
intervencionista no país, que tem uma das maiores taxas de cesarianas do mundo
e revelam que as políticas públicas nacionais ainda têm um longo percurso para
diminuir os indicadores de intervenções e suas respectivas consequências na
saúde materno-neonatal.
Verificou-se que os
profissionais possuem um baixo nível de conhecimento acerca da utilização do partograma e da interpretação dos seus registros. Logo,
dado os resultados encontrados neste estudo propõe-se que sejam realizados
treinamentos regulares para uso da ferramenta. Ademais, recomenda-se reforçar o
uso do instrumento por meio de indicadores e incentivos que permitam monitorar
a prática do seu uso, elaboração e adoção de um protocolo que inclua o partograma na assistência ao trabalho de parto.
Conclui-se que os
profissionais que atuam na assistência ao trabalho de parto precisam ser
sensibilizados quanto a importância da utilização do partograma
e passem a realizar o uso adequado da ferramenta, a fim de que haja um melhor
acompanhamento e facilidade de observação gráfica do monitoramento do trabalho
de parto. Pois, através da adesão à essa prática, a assistência ao parto
vaginal num modelo intervencionista poderia ser transformada em uma assistência
segura, eficaz e positiva para a mulher.