ARTIGO ORIGINAL
A religiosidade para
pessoas vivendo com HIV/Aids: um estudo de representações sociais
Antonio Marcos Tosoli Gomes*, Sergio Corrêa Marques, D.Sc.**, Virginia Paiva
Figueiredo Nogueira, D.Sc.***, Julio
Cesar Cruz Collares-da-Rocha, D.Sc.****,
Gerson Lourenço Pereira, D.Sc.*****, Themistoklis Apostolidis******,
Luiz Carlos Moraes França, M.Sc.*******, Karen Paula
Damasceno dos Santos Souza, M.Sc.*******, Magno da
Conceição Merces, M.Sc.********,
Pablo Luiz Santos Couto, M.Sc.*********, Leandra da
Silva Paes, M.Sc.*******, Rafael Moura Coelho Pecly Wolter**********
*Professor
Titular do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica e do Programa de
Pós-graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Líder do Grupo de Pesquisa
“Espiritualidade/Religiosidade no contexto do Cuidado de Enfermagem e Saúde: Produção
Discursiva e Representações Sociais - UERJ” – Rio de Janeiro, RJ, **Professor
Adjunto do Departamento de Fundamentos de Enfermagem e do Programa de
Pós-graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da UERJ, Membro do Grupo
de Pesquisa “Espiritualidade/Religiosidade no contexto do Cuidado de Enfermagem
e Saúde: Produção Discursiva e Representações Sociais - UERJ”, ***Doutora do
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Membro do Grupo de Pesquisa
“Espiritualidade/Religiosidade no contexto do Cuidado de Enfermagem e Saúde:
Produção Discursiva e Representações Sociais - UERJ”, ****Professor
adjunto da graduação e do mestrado em psicologia da Universidade Católica
de Petrópolis, Membro do Grupo de Pesquisa “Espiritualidade/Religiosidade no
contexto do Cuidado de Enfermagem e Saúde: Produção Discursiva e Representações
Sociais - UERJ”, *****Professor Adjunto do Departamento de Ciências da Religião
da Universidade Federal de Juiz de Fora, Membro do Grupo de Pesquisa
“Espiritualidade/Religiosidade no contexto do Cuidado de Enfermagem e Saúde:
Produção Discursiva e Representações Sociais - UERJ”, *******Diretor do
Laboratório de Psicologia Social da Aix Marseille Université,
LPS EA 849, 13621 - Aix en Provence, France,
*******Membro do Grupo de Pesquisa “Espiritualidade/Religiosidade no contexto
do Cuidado de Enfermagem e Saúde: Produção Discursiva e Representações Sociais
- UERJ”, ********Professor Assistente do Departamento de Ciências da Vida da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus I, Salvador, Bahia, Membro do
Grupo de Pesquisa “Espiritualidade/Religiosidade no contexto do Cuidado de
Enfermagem e Saúde: Produção Discursiva e Representações Sociais - UERJ”,
*********Docente do centro de Ensino Superior de Guanambi, Membro do Grupo de
Pesquisa “Espiritualidade/Religiosidade no contexto do Cuidado de Enfermagem e
Saúde: Produção Discursiva e Representações Sociais - UERJ”,
**********Pós-Doutor em Psicologia, Professor titular da Universidade Federal
do Espírito Santo, Membro do Grupo de Pesquisa “Espiritualidade/Religiosidade
no contexto do Cuidado de Enfermagem e Saúde: Produção Discursiva e
Representações Sociais - UERJ”
Recebido em 6 de junho
de 2019; aceito em 18 de dezembro de 2019.
Correspondência: Karen Paula Damasceno
dos Santos Souza, Boulevard 28 de Setembro, 157 Sala 818, 20551-030 Rio de
Janeiro RJ
Karen Paula Damasceno
dos Santos Souza: paulakaren8@gmail.com
Antonio Marcos Tosoli Gomes: mtosoli@gmail.com
Sergio Corrêa Marques:
sergiocmarques@uol.com.br
Virginia Paiva
Figueiredo Nogueira: virginiafigueiredo@yahoo.com.br
Julio Cesar Cruz Collares-da-Rocha: juliopsicorocha@hotmail.com
Gerson Lourenço Pereira:
ersonlourenco2000@yahoo.com.br
Themistoklis Apostolidis:
themistoklis.apostolidis@univ-amu.fr
Luiz Carlos Moraes
França: lcmoraesfranca@hotmail.com
Magno da Conceição Merces: mmerces@uneb.br
Pablo Luiz Santos Couto:
pabloluizsc@hotmail.com
Leandra da Silva Paes:
lepaes80@yahoo.com.br
Rafael Moura Coelho Pecly Wolter:
rafaelpeclywolter@gmail.com
Resumo
Introdução: A religiosidade
consiste no apoio de enfrentamentos cotidianos relativos à existência humana e
subjetivados pela convivência com uma condição crônica e estigmatizada. Objetivo: Analisar as representações
sociais da religiosidade para pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA). Métodos: Estudo descritivo, qualitativo,
à luz da teoria do núcleo central das representações sociais. Participaram 165
PVHA atendidas no ambulatório especializado de um hospital universitário do
município do Rio de Janeiro. Utilizou-se um questionário sociodemográfico e a
técnica de evocação livre ao termo indutor religiosidade. Os dados foram
tratados respectivamente no software
Excel e EVOC, o qual possibilitou a construção do quadro de quatro casas. Resultados: A maioria dos participantes
(61,8%) é do sexo masculino, com ensino fundamental completo (47,9%), 38,2% são
católicas, 24,9% espíritas/espiritualistas, 20% protestantes e 17,6% sem
religião. Concernente ao núcleo central figuram as palavras fé, Deus e
acreditar; e no sistema periférico elementos relacionados à prática da
religiosidade. As PVHA representam-na como o exercício da fé através do
transcendente, de uma instituição religiosa, da crença e do reflexo desta dimensão
para ressignificar sua condição. Conclusão:
A religiosidade ocupa um espaço de crença/prática para elas.
Palavras-chave: psicologia social,
religião, HIV.
Abstract
Religiousness
for people living with HIV/AIDS: study of social representations
Introduction:
Religiousness consists in support daily confrontations related to human
existence and subjectivated by living with a chronic
and stigmatized condition. Objective:
To analyze the social representations of religiousness for people living with
HIV/Aids (PLWHA). Methods: This is a
descriptive and qualitative study, guided by the central core theory of social
representations. A total of 165 PLWHA attended the specialized outpatient
clinic of a university hospital in the city of Rio de Janeiro participated in
this study. A sociodemographic questionnaire and the technique of free
evocation to the inducer religiosity were used. Data were processed
respectively by softwares Excel and EVOC, which
generated the four-house board. Results:
Most participants (61.8%) are male, with a complete elementary education
(47.9%), 38.2% are Catholic, 24.9% Spiritualists, 20% Protestants and 17,6%
without religion. Concerning to central nucleus are the words faith, God and
believe; and in the peripheral system elements related to religiosity practice.
PLWHA represent religiosity as the exercise of faith through a transcendent
entity, a religious institution, the belief and the reflection of this
dimension to give a new meaning for their condition. Conclusion: Religiosity occupies a space of belief/practice for
them.
Key-words: psychology,
social, religion, HIV.
Resumen
La religiosidad para las personas que viven con el VIH/SIDA: un estudio de las
representaciones sociales
Introducción: La religiosidad
consiste en el apoyo de enfrentamientos
cotidianos de la existencia
humana y subjetivados por la convivencia
con una condición crónica y
estigmatizada. Objetivo: Analizar las representaciones
sociales de la religiosidad para las personas
que viven con el VIH/SIDA (PVVS). Métodos:
Estudio descriptivo, cualitativo, a la luz de las representaciones sociales. Participaron 165 PVVS
atendidas en el ambulatorio especializado de un
hospital universitario del municipio de Río de Janeiro. Se utilizó un cuestionario sociodemográfico
y la técnica de evocación
libre al inductor religiosidad.
Los datos fueron tratados y
posibilitaron la construcción del cuadro de cuatro casas. Resultados: La mayoría
de los participantes (61,8%) es del
sexo masculino, con enseñanza
fundamental completa (47,9%), 38,2% son católicas,
24,9% espíritas / espiritualistas, 20% protestantes y 17,6 % sin religión. En
el núcleo central figuran las palabras fe,
Dios y creer; y en el sistema periférico
elementos de la práctica de
la religiosidad. Las PVVS representan la religiosidad como ejercicio de la fe para resignificar su condición. Conclusión: Religiosidad
ocupa un espacio de creencia / práctica para ellas.
Palabras-clave: psicología
social, religión, VIH.
Os dados da epidemia da
síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) evidenciam que viver com este
vírus não é mais uma sentença de morte como nos anos 1980. Desde o surgimento
dos casos de AIDS, mais de 78 milhões de pessoas no mundo foram infectadas pelo
HIV [1]. No Brasil, dos anos 1980 até junho de 2016 foram registrados 842.710
casos. Em relação aos registros de notificação para HIV no município do Rio de
Janeiro de 1980 até junho de 2015, totalizaram 61.254 pessoas, sendo 41.396
referentes à população masculina e 19.837 à população feminina [2]. A partir
das pesquisas científicas e avanços na terapia antirretroviral, é possível que
as pessoas que recebem o tratamento tenham a mesma expectativa de vida daquelas
que não vivem com o vírus [1].
Ainda assim, viver com
HIV, para muitos, ainda está ancorado na morte social, fazendo com que a
religiosidade atue como uma forma de enfrentamento da doença. A religiosidade e
a espiritualidade em pessoas soropositivas para o HIV auxiliam como apoio
social no ajustamento psicológico e no enfrentamento da doença, para promover a
esperança [3,4]. Assim, compreende-se a religiosidade como uma inclinação
natural do homem direcionada aos sentimentos religiosos e a abertura ao
sobrenatural de modo mais comprometido e difuso [5].
Tendo em vista o exposto e, ainda, o fato
do pensamento psicossocial sofrer influência de
aspectos históricos, sociais e do contexto de vida dos grupos, considera-se
necessário conhecer como as pessoas com HIV/Aids representam a religiosidade a
partir dos pressupostos da teoria das representações sociais (TRS). De acordo
com o encontrado na literatura [6], muitas pesquisas sobre HIV/Aids foram
realizadas utilizando o referencial da TRS, em especial no Reino Unido, Brasil
e Estados Unidos. Assim, o presente estudo tem como objetivo analisar as
representações sociais da religiosidade para PVHA.
Trata-se de uma
pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa, apoiada nos pressupostos da
teoria do núcleo central (TNC) das representações sociais, no contexto da
psicologia social [7]. Na perspectiva da TNC, a representação social (RS) se
constitui de um conjunto de informações, crenças, opiniões e atitudes acerca de
um objeto social. A RS se organiza de uma maneira específica, isto é, com
elementos que formam um núcleo central, que dão significado à representação, e
elementos periféricos, que são mais acessíveis e mais concretos, exercendo as
funções de concretização, regulação e defesa desse núcleo [7,8].
O estudo é parte do
projeto intitulado “A espiritualidade e a religiosidade em pessoas que vivem
com HIV/Aids e suas interfaces com as representações da síndrome: construções
simbólicas, práticas sociais e cuidado de enfermagem”, que foi aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro com o
parecer nº 699.220/2014. O campo para o desenvolvimento da pesquisa foi o
serviço ambulatorial especializado em HIV/Aids de um hospital universitário
estadual que presta assistência às PVHA, localizado no município do Rio de
Janeiro. Participaram 165 pessoas com HIV/Aids segundo os seguintes critérios
de inclusão: ser maior de 18 anos, já que o cenário foi um ambulatório para
adultos, estar em acompanhamento no serviço e ter condições de responder os
instrumentos de coleta.
A coleta de dados foi
realizada entre março e outubro de 2015, no ambulatório da referida
instituição, onde os participantes que aguardavam a consulta na sala de espera
ou saiam da consulta eram convidados a participar da pesquisa. Aqueles que
aceitaram foram levados ao consultório ou espaço reservado, sendo esclarecidos
acerca do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
(TCLE). Ressalta-se que foram respeitados os demais princípios éticos que
norteiam a pesquisa com seres humanos conforme preconiza a resolução nº
466/2012.
Foi utilizado um
instrumento de coleta de dados contendo um questionário, no qual constavam
itens referentes à caracterização sociodemográfica, e a técnica de evocação
livre de palavras, para a obtenção dos conteúdos mentais da representação de
forma rápida, objetiva e espontânea, minimizando a possibilidade de expressões
discursivas convencionais e direcionadas [9]. No desenvolvimento da técnica de
evocação, solicitou-se que citassem as primeiras cinco palavras ou expressões
que lhe ocorressem diante do termo indutor ‘Religiosidade’.
Os dados
sociodemográficos foram registrados na planilha do software Excel, sendo calculadas as frequências absolutas e
relativas de cada variável. Em relação às evocações livres, os conteúdos foram
analisados com o auxílio do software
EVOC 2005. Este tipo de análise, também denominada análise prototípica, é uma
das técnicas mais difundidas para caracterização estrutural de uma
representação social [10].
Cabe destacar que o
EVOC calcula a frequência de ocorrência de cada palavra evocada e sua média
ponderada de ocorrência em função da ordem de evocação, além da média das
ordens médias ponderadas do conjunto das palavras evocadas, culminando com a
formação do Quadro de Quatro Casas [9]. No quadro, os conteúdos são
distribuídos em quatro quadrantes diferenciando-se em elementos centrais e
elementos periféricos. Os elementos centrais ficam situados no quadrante
superior esquerdo, e são aqueles que constituem o possível núcleo central da
representação, sendo os que dão significado à mesma. Os elementos periféricos
se organizam em torno do núcleo central sendo os componentes mais acessíveis e
concretos da representação [8].
Após a análise das
evocações, a partir do quadro de quatro casas gerado pelo software EVOC 2005,
foi realizada a análise de similitude com o objetivo de detectar o grau de
conexidade dos elementos identificados como integrantes da representação social
analisada. Esta técnica, proposta por Flament, em
1986, pode ser definida como destinada à averiguação da quantidade de conexões
que um dado elemento mantém com outros elementos da representação [11]. Essas
conexões são verificadas através do cálculo dos índices de similitude entre os
elementos mais frequentemente evocados resultando em uma árvore máxima, que
sintetiza graficamente o conjunto das conexões existentes presentes na
representação social do grupo [11,12].
No grupo de
participantes do estudo, composto por 165 PVHA, 61,8% são do sexo masculino e
38,2% do sexo feminino. Em relação à escolaridade, 47,9% têm ensino fundamental
completo, 35,1% possuem ensino médio completo e 17% ensino superior completo.
Quanto à religião, 38,2% relatam ser católicos, 24,9%
espíritas/espiritualistas, 20% protestantes e 17,6% não tem religião, destes
apenas 3,6% dos participantes afirmam que não acreditam em Deus. A maioria
(59,4%) informa não ter parceiro.
Quanto ao conteúdo e à
estrutura da representação social analisada, o software EVOC versão 2005 contabilizou 617 palavras evocadas pelos
participantes, deste total 233 eram diferentes. A partir da média ponderada da
ocorrência e das ordens médias, foi definido como ponto de corte a frequência
mínima de 5, a frequência média de 14 e a ordem média de evocação (OME) de
2,60. O resultado da análise combinada desses dados culminou com a organização
dos conteúdos nos quadrantes do quadro de quatro casas, conforme observado no
Quadro 1.
Quadro 1 – Quadro de quatro casas com a organização dos conteúdos evocados pelas
PVHA ao termo indutor religiosidade. Rio de Janeiro/RJ, 2017.
Fonte: Elaborada pelos
autores.
No quadrante superior
esquerdo aparecem os cognemas fé, Deus e acreditar. De
acordo com a TNC, as palavras deste quadrante caracterizam o provável núcleo
central da representação, pois elas foram evocadas um maior número de vezes e
mais prontamente. Portanto, caracterizam a parte da representação menos
sensível a mudanças, em função do contexto externo ou das práticas cotidianas
dos sujeitos [13,8].
Desta forma, no
provável núcleo central da representação social da religiosidade das PVHA, o
elemento ‘fé’ organiza os demais elementos, na medida que ‘fé’ se associa ao
elemento ‘deus’, que é a personificação do transcendente ao qual a fé se
dirige, e ao elemento ‘acreditar’, que significa fé como crença em algo/alguém.
Segundo a literatura [14], o relacionamento com o transcendente tem na fé a sua
categoria mais fundamental, tendo considerado a fé como “uma orientação da
pessoa total, dando propósito e alvo para as lutas e esperanças, para os
pensamentos e ações da pessoa”.
Na primeira periferia,
que corresponde ao quadrante superior direito, encontram-se os elementos que
remetem aos valores relacionados à experiência/expectativa da religiosidade. O
elemento ‘amor’, que apresentou alta frequência e por isso poderá ser
caracterizado como central, traduz o valor essencial na mística/prática de
diversas religiões, figurando como um sentimento fundamental nas relações
interpessoais/transcendentes na religiosidade; o elemento ‘respeito’ se conecta
ao elemento amor como uma atitude/ação também interpessoal/transcendente
integrante da mística/prática religiosa.
Os elementos que
figuram na primeira periferia, ou seja, amor
e respeito, não são valores
exclusivos das religiões, todavia, fazem parte de escrituras/tradições
religiosas, orientando as atitudes/ações das pessoas que vivenciam a
religiosidade. Esses valores são importantes para as PVHA, visto que sofrem
discriminação em face da síndrome nas relações interpessoais. É importante
destacar que em diversas religiões os valores supracitados são marcados pela
ideia de reciprocidade: amar e ser amado, respeitar e ser respeitado, paz como
experiência subjetiva/objetiva de bem-estar para si e nas relações
interpessoais e força como apoio que se recebe e se troca com os outros.
No quadrante inferior
esquerdo, ficam localizados os elementos de contraste, que apresentam ordem
média de evocação elevada, mas que aparecem em menor número e tendem a se
associar ao primeiro quadrante [13]. Nesta análise os elementos de contraste
são: catolicismo, necessidade,
escolha-individual, igreja, esperança, importante, religião, não acredito,
evangélico e compromisso.
Na zona de contraste,
encontramos elementos que sugerem a presença de subgrupos, como postulado por Abric [7,8]. O elemento ‘catolicismo’ representa a maior
pertença religiosa declarada na pesquisa; o elemento ‘evangélico’ parece
representar a pertença religiosa de alguns dos participantes da pesquisa que se
declararam protestantes; e o elemento ‘não-acredito’ representa os respondentes
que indicaram não ter pertença religiosa. A diversidade na pertença religiosa
presente na pesquisa evidenciou, não apenas a presença das duas maiores
religiões do país (católica e protestante), como parece ter revelado um subgrupo
que tem crescido no Brasil, os sem religião [15]. Além disso, o elemento
‘escolha individual’ indica a prioridade do individual em relação ao coletivo,
na escolha da religiosidade.
No quadrante inferior
direito, denominado segunda periferia, encontramos os termos: paz, força, ajuda, caminho, oração, família,
união, confiança, segurança e estudo.
Esta periferia relaciona-se a dimensão da representação mais relacionada às
práticas e é a mais suscetível a mudanças. Por serem termos menos frequentes,
são também os menos importantes entre os termos evocados [13,16]. O elemento
‘paz’ pode estar relacionado ao valor esperado como promessa/experiência de
bem-estar da religiosidade; e o elemento ‘força’ o valor esperado como
promessa/experiência de vitalidade/manutenção de si mesmo da religiosidade.
A partir dos elementos
do quadro de quatro casas, percebe-se a quantidade de conexões que um dado
elemento mantém com outros elementos da representação através da análise de
similitude. A grande quantidade dessas conexões pode estar relacionada com a
participação do elemento no núcleo central [13]. Na árvore máxima de similitude
representada pela Figura 1 pode-se observar a conexidade dos elementos
evocados.
A árvore máxima de
similitude confirma a interpretação de que o elemento ‘fé’ possui um
comportamento de organização do provável núcleo central da representação
social, se ligando a todos os elementos do núcleo.
Fonte: Elaborado pelos
autores.
Figura 1 - Árvore máxima de similitude das evocações das PVHA. Rio de Janeiro, RJ,
Brasil, 2015.
Na Figura 1 observa-se
que o termo que mais estabeleceu conexões foi fé, apontado como um elemento que possui mais um aspecto que pode
reforçá-lo como central no quadro de quatro casas, ligando-se a Deus, amor, acreditar, paz, compromisso
e força. Em seguida, a palavra amor,
que se encontra na primeira periferia, estabeleceu muitas conexões, ligando-se
aos termos fé, Deus, respeito, ajuda,
união e necessidade. O termo acreditar também faz conexão com os
elementos catolicismo e com evangélico mostrando a ligação da fé com
a religião. É possível que para os participantes a religião seja um caminho
para se encontrar Deus. Observa-se, também, que todos os elementos apresentam
caráter positivo.
No núcleo central das
representações sociais da religiosidade figuram os elementos relacionados à
prática (fé e acreditar), e na zona de contraste estão os elementos que
reforçam essa prática (catolicismo, evangélico e necessidade). Todos estes
elementos relacionam-se ao objeto transcendente da religiosidade, ou seja,
Deus. Na primeira periferia estão presentes os elementos voltados aos valores
da religiosidade (amor e respeito). A religiosidade é considerada como “a
maneira pela qual os indivíduos e os grupos vivem sua relação com entidades
transcendentais” [17].
Um primeiro aspecto a
ser considerado diz respeito ao fato da representação
social apresentar elementos que remetem à sua prática, pois os aspectos
relativos ao exercício dela estão presentes. As pessoas vivendo com HIV/Aids
representam a religiosidade com os conteúdos necessários para o exercício da fé
através de uma entidade transcendente e uma instituição religiosa, além da
crença e de um motivo bem definido, a necessidade, que é o elemento relacionado
à resolução dos problemas da vida cotidiana e da própria experiência de viver
com HIV/Aids.
Assim, é possível
observar que a representação social da religiosidade perpassa uma organização
social da fé no divino, permeada por valores e condutas relacionadas à prática
religiosa. Constata-se também que a espiritualidade possivelmente se expressa
através da religiosidade para o grupo social estudado com o intuito de buscar
Deus, o elemento provavelmente mais importante desta representação. Observa-se
que todos os elementos que compõem o núcleo e a periferia possuem forte relação
com o significado de Deus para as PVHA desse grupo. Resultado semelhante foi
encontrado em um estudo acerca da representação social da espiritualidade [18].
De modo geral, a
representação social da religiosidade para as PVHA, através dos dados
apresentados, pode ser considerada positiva. Estes dados mostram elementos
religiosos organizacionais, como igreja, religião, catolicismo, evangélico, compromisso.
Por outro lado, há muitos elementos referentes à dimensão íntima-pessoal desta
pessoa que tem fé no divino. Ou seja, para o grupo do estudo, a prática da
religião é também importante para buscar esse contato interior com Deus, com o
transcendente, onde busca-se encontrar paz, força, ajuda, o caminho a ser
seguido, segurança, cognições que mostram a importância da religiosidade no
contexto vivido.
Pesquisas mostram que a
religiosidade tem grande impacto no enfrentamento da doença. Identificou-se que
participantes HIV positivos relacionaram a religiosidade como um fator de
fortalecimento no enfrentamento do adoecer acoplado as suas fragilidades com um
importante papel social na vida deles [19].
Em outro estudo
verificou-se que as PVHA buscavam a Deus para suportar as dificuldades impostas
pela condição de conviver com o HIV, desta forma, foi constatado que as
expectativas positivas aliviavam o sofrimento emocional e promoviam a melhoria
da qualidade de vida e de mudanças positivas no comportamento [20]. Há que se
destacar que o envolvimento religioso também se relaciona com a saúde mental,
visto que essa relação costuma ser considerada como fator positivo para a saúde
e o bem-estar das pessoas [21].
A influência positiva
da religiosidade também foi constatada em relação ao enfrentamento do viver com
HIV/Aids num estudo que avaliou o coping religioso-espiritual. Neste, os fatores positivos de
enfrentamento mais utilizados pelos participantes foram a transformação de si
e/ou de sua vida, busca pessoal de crescimento espiritual e posição positiva
frente a Deus. As dimensões organizacional, não organizacional e intrínseca da
religiosidade foram avaliadas e apresentaram escores elevados. Correlações
positivas significativas entre os três domínios avaliados e o coping
religioso-espiritual positivo mostraram que, para a amostra estudada, quanto
maior era a religiosidade mais ela era utilizada para
o enfrentamento da doença [22].
A importância da
religião no cotidiano foi avaliada num estudo sobre estratégias emocionais
utilizadas para lidar com as dificuldades apresentadas no convívio com o HIV,
entre elas destacaram-se buscar um pensamento positivo sobre sua condição de
saúde através do reflexo da religiosidade/espiritualidade, do apoio familiar e
do suporte do serviço de saúde. O fato que impedia a PVHA de desistir de lutar
pela vida, segundo o estudo, era o relacionamento com Deus e a Sua presença em
sua vida, mostrando que a fé, dentre outras coisas, é um importante amparo, que
promove suporte para o enfrentamento da soropositividade, do tratamento e do
enfrentamento da realidade cotidiana, inclusive, no convívio social [23].
A religião, como
expressão da religiosidade, pode ser considerada como importante fator
motivacional, visto que, como a busca da espiritualidade, configura-se como uma
base de apoio para que as pessoas vivam suas vidas e até mudem suas formas de
levar a vida, se assim for melhor. A fé e a espera no divino como forma de
enfrentamento ao fato de não poder modificar sua realidade em relação ao HIV
faz com que as pessoas depositem esperança de mudança da realidade sobre um ser
maior [24].
A diminuição da
morbimortalidade e o consequente aumento da expectativa de vida das PVHA,
ocasionada por novas tecnologias, promove reflexos na maneira de pensar e
representar o viver com o HIV/Aids nesse grupo social. Neste sentido,
percebe-se que a religiosidade faz parte de estratégias de enfrentamento do
conviver com o HIV, percebido na forma de apoio.
Os conteúdos
representacionais da religiosidade mostram uma dimensão relacionada à prática
religiosa, como uma expressão da espiritualidade deste grupo permeada por
símbolos e significados de natureza organizacional e pessoal. O contexto
organizacional compreende o vínculo com a igreja e a religião. A dimensão
íntima ou pessoal se mostra na relação entre fé e transcendente na figura de
Deus, com o propósito de encontrar elementos necessários a esta condição, como
a paz.
Considerando que foi um
estudo com uma população de uma única metrópole, a análise fica restrita a este
grupo, o que caracteriza uma limitação do estudo. Assim, indica-se a realização
de outros estudos que demonstrem semelhanças e diferenças considerando o
contexto social dos indivíduos.
Financiamento provido
pelas agências de fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico/Edital Universal - Processo número 483300/2013-6; Fundação Carlos
Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro/Edital Jovem
Cientista do Nosso Estado – Processo número E_23/2013 - Jovem Cientista do
Nosso Estado; Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do
Rio de Janeiro e Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Edital Prociência.