Enferm Bras 2021;20(2):130-42
ARTIGO
ORIGINAL
Influência
do regionalismo amazônico como fator de risco para desenvolvimento de câncer
gástrico
Luisa
Caricio Martins, D.Sc.*, Fabrício Tavares dos Santos,
M.Sc.**, Anderson Roberto de Sales Corrêa***
*Biomédica,
Diretora do NMT/UFPa e Coordenadora do Laboratório de
Patologia Clínica de Doenças Tropicais, **Enfermeiro do Departamento de
Vigilância à Saúde (SESMA/PMB), ***Enfermeiro do Hospital de Pronto Socorro
Municipal Mário Pinotti (SESMA/PMB)
Recebido
em 9 de junho de 2020; aceito em 11 de março de 2021.
Correspondência: Anderson Roberto de Sales Corrêa,
Avenida Duque de Caxias, 1029 Marco 66093-029 Belém, PA
Luisa Caricio Martins:
caricio@ufpa.br
Fabrício Tavares dos Santos: fabriciutavares@hotmail.com
Anderson Roberto de Sales Corrêa:
anderson.sales13@gmail.com
Resumo
Esta
pesquisa tem como objetivo definir os principais fatores de risco ambientais
presentes nos pacientes internados em um hospital de referência em oncologia de
Belém/PA, relacionando-os com peculiaridades regionais amazônicas e com a
infecção pela H. pylori. Trata-se de uma
pesquisa com abordagem quantitativa de corte transversal, na qual foram
selecionados 32 pacientes em um período de 2 meses. Observou-se como fator de
risco para o adenocarcinoma gástrico: idade maior que 50 anos (46,87 % faixa
etária de 51 a 60 anos e 31,37 % faixa etária 61 a 70 anos; p = 0,0064), baixa escolaridade
e renda salarial (p = 0,0016 e < 0,0001), consumo de sal em alimentos
processados, em especial carne seca salgada, peixe salgado e churrasco (p =
0,0004, 0,0003 e 0,0064) e consumo diário de alimentos de hábitos regionais
como farinha de mandioca (p < 0,0001). Infecção pela H. pylori, tabagismo e etilismo não foram relacionados
como fator de risco.
Palavras-chave: fatores de risco; neoplasias
gástricas; riscos ambientais; Helicobacter pylori.
Abstract
Influence of Amazon regionalism as
a risk factor for gastric cancer development
This study aimed to define the main environmental risk
factors present in patients hospitalized at a referral hospital in oncology in Belém/PA, relating them to Regional Amazonian peculiarities
and to H. pylori infection. This was a cross-sectional quantitative
study, and 32 patients were selected over a 2-month period. A risk factor for
gastric adenocarcinoma was observed: older than 50 years (46.87% 51 to 60 years
old and 31.37% 61 to 70 years old, p = 0,0064), low educational level and wage
income (p = 0,0016 and < 0,0001), salt consumption in processed foods,
especially salted dried meat, salted fish, and barbecue (p = 0,0004, 0,0003 and
0,0064) and daily consumption of foods of regional habits such as cassava flour
(p < 0,0001). H. pylori infection, alcohol consumption and smoking
were not reported as a major risk factor.
Keywords: risk factors; gastric neoplasms;
environmental risks; Helicobacter pylori.
Resumen
Influencia del
regionalismo amazónico como factor de riesgo para el desarrollo de cáncer gástrico
Esta
investigación tiene como
objetivo definir los principales
factores de riesgo
ambiental presentes en los
pacientes ingresados en un hospital de referencia
en oncología en Belém/PA, relacionándolos con las peculiaridades regionales amazónicas y con la infección por H. pylori. Se trata de una investigación
con abordaje cuantitativo transversal, en la que se seleccionaron 32
pacientes en un período de
2 meses. Se observó como factor
de riesgo para adenocarcinoma gástrico: edad mayor de 50 años (46,87% rango de edad de 51
a 60 años y 31,37% rango de edad
de 61 a 70 años; p = 0,0064), baja escolaridad e ingreso salarial (p
= 0,0016 y < 0,0001), consumo de sal en alimentos procesados, especialmente carne seca salada, pescado salado y parrilla (p = 0,0004,
0,0003 y 0,0064) y consumo diario de alimentos de
hábitos regionales como la harina de mandioca (p < 0,0001). La infección
por H. pylori, el
hábito de fumar y la bebida no se incluyeron
como factores de riesgo.
Palabras-clave: factores de riesgo; neoplasias gástricas; riesgos
ambientales; Helicobacter
pylori
O número de casos de câncer tem aumentado de maneira
considerável em todo o mundo, configurando-se, na atualidade, como um dos mais
importantes problemas de saúde pública mundial. Porém, embora sua prevalência
esteja em declínio, o câncer gástrico continua sendo um importante problema de
saúde pública, e a bactéria Helicobacter pylori é conhecida como um fator ambiental ao colonizar
o estômago humano e induzir gastrite atrófica crônica, metaplasia intestinal e
câncer gástrico [1].
Os tumores malignos do estômago se apresentam,
predominantemente, na forma de três tipos histológicos: adenocarcinoma
(responsável por 95% dos tumores), linfoma, diagnosticado em cerca de 3% dos
casos, e leiomiossarcoma, iniciado em tecidos que dão
origem aos músculos e aos ossos. É considerado o câncer mais comum do trato
gastrointestinal superior, e a ocorrência do câncer gástrico vem sendo
associada à exposição de fatores intrínsecos decorrentes da constituição
genética e a fatores extrínsecos, também denominados de fatores ambientais. Em
revisão de literatura, já foram identificados 52 fatores de risco para o câncer
gástrico, incluindo as seções de dieta (19 fatores); estilo de vida (9
fatores), predisposição genética e história familiar (2 fatores), tratamento e
condições médicas (9 fatores), infecções (2 fatores), caraterísticas
demográficas (6 fatores), exposição ocupacional (3 fatores) e radiação
ionizante (1 fator) [2].
A partir das atividades de ensino em serviço do programa de
residência em oncologia e a convivência com os pacientes internados para serem
submetidos a cirurgia, surgiram inquietações que impulsionaram sobre o
questionamento: Quais os fatores de risco ambientais estão relacionados ao
câncer gástrico em um hospital de referência no tratamento do câncer na região
Norte? E o objetivo deste estudo foi investigar a prevalência dos hábitos de
vida no desenvolvimento do adenocarcinoma gástrico
Este estudo é do tipo descritivo, de corte transversal, com
abordagem quantitativa. Tendo como lócus de desenvolvimento do estudo o
Hospital Ophir Loyola, no setor de quimioterapia e
cirurgia oncológica. A amostra foi composta de 32 participantes internados na
clínica cirúrgica oncológica ou presente no setor ambulatorial de
quimioterapia, com diagnóstico confirmado de câncer de estômago. A técnica de
amostragem foi realizada por amostra aleatória simples, com coleta de dados
realizada no período de janeiro a fevereiro de 2018.
Foi adotado como critérios de inclusão pacientes com idade
maior que 18 anos, diagnóstico de câncer gástrico confirmado, sem comorbidades
que prejudicassem o processo de comunicação. A coleta de dados foi realizada
utilizando um formulário com perguntas fechadas composto de itens relacionados
ao perfil sociodemográfico, fatores de risco extrínsecos e hábitos de vida. O
formulário passou por processo de pré-testagem para
garantir a eficácia da coleta de dados.
Para análise dos dados foi utilizado o software Microsoft
Office Excel versão 2010, com tabulação e formação de gráficos. Como método de
análise foi escolhida a estatística descritiva, através de medida de frequência
relativa e absoluta, tendência central (média aritmética) e variância (desvio
padrão). Para análise dos intragrupos foi aplicado o teste Qui-quadrado
de aderência, para estimativa dos fatores de risco foi utilizado o teste de
regressão logística múltipla, com estimativa de Odds ratio. As inferências estatísticas foram calculadas a
partir do software Bioestat 5.4, adotando p valor
significativo ≤ 0,05. Os dados foram coletados após a aprovação do Comitê
de Ética em Pesquisa com seres humanos do Núcleo de Medicina Tropical (NMT) da
Universidade Federal do Pará, sob parecer consubstanciado de número: 2.898.735,
aprovado em 17 de setembro de 2018, e o assentimento dos itens do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, obedecendo todas as normas descritas na
Resolução CNS n°466/2012
Quanto a amostra populacional, identificou-se que
aproximadamente 78% da população apresentou idade superior a 50 anos.
Verificou-se baixa diferença quanto ao gênero dos participantes da pesquisa
acometidos por câncer gástrico, sendo, 56,25% masculino e 43,75% feminino. Em
sua maioria eram pessoas casadas 46,87%, apresentaram menos que 1 salário mínimo de renda e 65,25% entre 1 salário mínimo e 3
salários de renda mensal, e 56,25% da amostra tinham apenas o ensino
fundamental.
Tabela
I - Características
sociodemográficas de pacientes de câncer gástrico. Belém, Pará, 2018.
Fonte: Dados da pesquisa, 2018
Quanto as características clínicas e epidemiológicas dos
pacientes pesquisados é demonstrado na tabela II que a presença da H. pylori está em 53,12% da amostra. O tipo histológico
adenocarcinoma gástrico foi o de maior prevalência para o câncer gástrico,
apresentando-se em 96,87% dos informantes. Apenas um paciente apresentou câncer
gástrico do tipo linfoma representado.
Tabela
II - Características
clínicas de pacientes de câncer gástrico. Belém, Pará, 2018
(continuação)
(continuação)
Fonte: Dados da pesquisa, 2018
53,12% da amostra era tabagista, porém já estavam em
abstinência há algum tempo. 56,25% eram etilistas. Quase que totalidade do
espaço amostral se revelou em conservar seus alimentos na geladeira (90,62%).
Quanto ao consumo de alimentos industrializados observamos respostas bastante
equilibradas em todas as variáveis (Tabela II). Em sua maioria apresentando
maior frequência nas faixas do consumo raro e do consumo menos de 3 vezes por
semana. O consumo raro se mostrou maior em enlatados, conservas,
presunto/mortadela e defumados (43,75%, 40,62%, 43,75%, e 59,75%,
respectivamente). Salsicha era consumida em sua maioria menos de 3 vezes por
semana (43,75%).
O consumo de sal e/ou alimentos processados em sal
principalmente carne seca salgada, peixes salgados e churrasco se mostraram
evidente na faixa de consumo daqueles que consomem mais de 3 vezes na semana e
menos de 3 vezes na semana, representando 21,87%, 21,87% e 37,50%
respectivamente (consumo maior de 3 vezes por semana) e 37,50%, 40,62% e 21,87%
(menor de 3 vez na semana). Em alimentos fritos, as respostas foram
semelhantes, com a maioria respondendo consumo raro com 34,37% (Tabela II).
A Tabela II vem representando o consumo diário de farinha
de mandioca sinalizando mais de 65% e 15,62% de consumo mais que 3 vezes por
semana. Outro alimento como o tucupi, derivado da mandioca, não foi observada
distribuição significativa para efeito estatístico. Com relação ao consumo de
frutas cítricas e verduras, fatores considerados protetores, observamos
distribuições variadas e semelhantes nas faixas de consumo. Para consumo de
frutas temos frequência mais elevada para ingesta menos de 3 vez por semana
(31,25%) com leve desvio para consumo raro e consumo zero. Na ingesta de
verduras prevaleceu o consumo mais de 3 vezes por semana (31,25%).
Após realização dos cálculos de regressão logística
múltipla, foram selecionadas as variáveis relevantes que constituíram fatores
de risco epidemiológico para o desenvolvimento do câncer gástrico e H.Pylori na população da
Amazônia. O valor de odds ratio
indicado no teste indica as chances de uma pessoa desenvolver a infecção quando
tem o fator de risco. No entanto, nenhum p-valor se mostrou significativo,
possivelmente devido ao tamanho da amostra. Em alguns casos nota-se um odds ratio muito grande (consumo
de salsichas e mortadela), isso é devido ao número de pessoas apresentando a
situação de risco ser muito pequena. Foram considerados indivíduos de risco
aqueles que apresentaram o consumo dos alimentos suspeitos diariamente e mais
de 3 vezes por semana.
Tabela
III - Fatores de
risco epidemiológico e de hábitos de vida para desenvolvimento de infecção por Helicobacter pylori em pacientes
de adenocarcinoma gástrico. Belém, Pará, 2018.
Fonte: Questionário de pesquisa, 2018
De acordo com os dados da pesquisa, é possível inferir que
a idade elevada pode ser considerada como um fator de risco para o
adenocarcinoma gástrico. 78 % (46,87% na faixa etária de 51 a 60 anos e 31,37%
faixa etária 61 a 70 anos) dos informantes apresentavam idade maior que 60 anos
de idade (p = 0,0064). Os dados deste estudo são corroborados por estudo
realizado em São Paulo que afirma que nem a idade nem o gênero mostraram
importância prognóstica para a morte ou metástase [3]. Neste estudo não foi
alcançado um valor de significância considerável com relação a variável sexo (p
= 0,7003), não sendo demonstrado como um fator de risco.
Pode-se afirmar que a baixa escolaridade e renda são
fatores de risco importantes para a carcinogênese gástrica (p = 0,0016 e <
0,0001 respectivamente), demonstrando que mais de 56,25% da amostra apresenta
apenas o ensino fundamental, assim como 65,25% entre 1 salário e 3 salários de
renda mensal. A procedência não se revelou como um fator de risco (p = 0,4414),
com similaridade entre pacientes do interior e da capital.
Diversos fatores influenciam no processo carcinogênico do
câncer gástrico, com grande relevância de fatores genéticos, epigenéticos e
ambientais. O comportamento populacional, varia de acordo com a disponibilidade
de recurso financeiro e os aspectos culturais, sendo o baixo nível
socioeconômico, um fator de risco associado ao desenvolvimento de câncer
gástrico, e maiores taxas de mortalidade, todavia em estudo de caso-controle
realizado em São Paulo, não foi evidenciada associação do nível de escolaridade
(item classificado para classificação da condição socioeconômica) com o câncer
gástrico; mostrando ainda um fator controverso na literatura [4]. Para o câncer
de estômago, é provável que seja um efeito mais direto ligado à exposição a e
aquisição de infecção pelo Helicobacter pylori em famílias menos favorecidas economicamente
durante a infância [4,5,6].
A infecção pela H. pylori
se apresenta como um importante fator de risco ambiental para a ocorrência de
câncer gástrico, principalmente relacionado ao adenocarcinoma [5], porém, neste
estudo não podemos observar um valor de significância considerável para tal
realidade.
A presença da H. pylori
está em apenas 53,12% (p = 0,7003) da amostra, estando ausente em 46,87% dos
casos, não favorecendo a um fator de risco nesta amostra da Amazônia ocidental.
Na população em geral, a infecção por H. pylori
atinge 60%, mas em pacientes com câncer de estômago, é mais comum (84%) ou
mesmo inevitável (câncer gástrico não cardíaco). [2,7].
Discordando das principais pesquisas realizadas no mundo,
este estudo não revela o tabagismo e alcoolismo como um fator de risco
importante (p = 0,7003 e 0,4414), já que 46,87% dos usuários nunca fumaram e
53,12% fumaram, e apenas 56,25% eram etilistas. Mais de 90% da população
amostral conservava seus alimentos em geladeira, demonstrando que o tipo de
conservação dos alimentos não é considerado um fator de risco para o
adenocarcinoma gástrico na região amazônica (p < 0,0001).
Neste estudo, descobrimos que o consumo de sal
em alimentos processados, em especial carne seca salgada, peixe salgado e
churrasco, foram associados a um risco aumentado de câncer gástrico, fornecendo
alguma evidência de que alimentos salgados possam contribuir ao alto risco de
câncer gástrico na área de estudo.
Nossos resultados sugerem que o consumo de alimentos de
origem regional, principalmente o consumo diário de farinha de mandioca (p <
0,0001) estão positivamente associados ao câncer gástrico. Um importante item
da dieta regional amazônica, derivado da mandioca é o tucupi. Esse padrão de
dieta pode ser caracterizado como potencialmente favorecedor de certas
condições associadas ao processo de carcinogênese, pois possui um glicosídeo
tóxico, denominado de linamira, que pode decompor-se
em cianeto de hidrogênio, apresentando efeitos citotóxicos em testes in vitro
[8].
Não houve relação positiva de fatores protetores para
adenocarcinoma gástrico, como o consumo de frutas cítricas e de vegetais
variados (p = 0,9154 e 0,7221), não provocando um valor significante para
pesquisa.
Indica-se como limitação do estudo, a questão da coorte de
um serviço de referência em oncologia, podendo divergir da realidade de outras
instituições de saúde na região Norte.
A dieta possui relevância no processo oncogênico gástrico.
Os hábitos saudáveis de alimentação podem estar associados a uma diminuição do
risco de câncer gástrico. Devendo ser um dos temas a serem abordados na
consulta de enfermagem para o usuário nos diversos níveis de atenção à saúde,
em todas as faixas etárias e sexos.
Esta pesquisa permitiu verificar que os pacientes com
câncer gástrico atribuíram o surgimento da doença associado a fatores de risco.
Observou-se que a ingesta de alimentos considerados protetores também se fazia
de maneira satisfatória nos hábitos alimentares desta amostra. Em sua maioria
conservavam os alimentos na geladeira. Eram pessoas de baixa renda e de baixo
nível de escolaridade. O consumo de alimentos processados em sal se mostrou
positivo para a ocorrência do adenocarcinoma.
A identificação destes fatores é importante para que se
possam programar ações preventivas para diminuir a incidência de tumores de
localização gástrica em áreas e países em que ela ainda é alta, como é o caso
do Brasil, principalmente a Região Amazônica na qual a ingestão de sal ainda é
realizada em padrões elevados.
Declaração de conflitos de interesse
Não houve nenhum tipo de conflito de
interesses na elaboração deste estudo