REVISÃO
A importância do uso da
música pela enfermagem em oncologia
Mariana Scheidegger dos Santos*, Gunnar Glauco de Cunto Carelli Taets, D.Sc.**
*Enfermeira Aluna do
Programa de Pós-Graduação Lato Sensu Residência Multiprofissional em Oncologia
do A.C. Camargo Cancer Center, **Pós-Doutor,
Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Campus Macaé
Recebido em 1 de julho
de 2019; aceito em 20 de fevereiro de 2020.
Correspondência: Gunnar Glauco de
Cunto Carelli Taets, Estrada Boiuna 1133 casa 57
Taquara 22723-021 Rio de Janeiro RJ
Gunnar Glauco de Cunto
Carelli Taets: oenfermeiro2007@hotmail.com
Mariana Scheidegger dos Santos: mariegger760@hotmail.com
Resumo
Objetivo: Discutir sobre o uso
da música pela enfermagem em oncologia. Métodos: Trata-se de uma revisão
integrativa. Realizou-se uma busca com os descritores: música, enfermagem e
oncologia, utilizando o conector booleano and. Foram encontrados 58 artigos, e
utilizados como critérios de inclusão os seguintes filtros: texto completo
gratuito, publicações dos últimos 10 anos, pesquisas realizadas com humanos,
idiomas português e inglês. Após o refinamento, encontramos 14 artigos. Resultados:
Os estudos analisados apontam que o uso da música em oncologia é um importante
instrumento na redução de reações emocionais negativas, tais como a ansiedade,
sintomas de depressão, estresse, e também na melhora da qualidade de vida, na
prevenção de toxicidades, na redução da fadiga, na melhor aceitação de novos
diagnósticos, na redução da dor, na promoção do bem-estar, no relaxamento
físico e no conforto espiritual, além de favorecer um ambiente terapêutico,
acolhedor e humano. Conclusão: Foi evidenciado que a utilização da
música pela enfermagem em oncologia é importante para produzir efeitos biopsicossocioespirituais, e como ação de sensibilização
para humanização da assistência em saúde.
Palavras-chave: Enfermagem, música,
oncologia.
Abstract
The importance of the use of music by nursing in oncology
Objective: To discuss the use of music by oncology nurses. Methods: This
is an integrative review. A search was performed with the descriptors: music,
nursing and oncology, using the Boolean connector and 58 articles were found,
and the following filters were used as inclusion criteria: free full text,
publications from the last 10 years, research with humans, Portuguese and
English languages. After refinement, we found 14 articles. Results: The
studies analyzed point out that the use of music in oncology is an important
tool in reducing negative emotional reactions, such as anxiety, symptoms of
depression, stress, and also in improving the quality of life, in preventing
toxicities, in reduction of fatigue, better acceptance of new diagnoses,
reduction of pain, promotion of well-being, physical relaxation and spiritual
comfort, in addition to promoting a therapeutic welcoming and human
environment. Conclusion: The use of music by nursing in oncology is important
to produce biopsychosocio-spiritual effects, and as
an action to raise awareness for the humanization of health care.
Keywords: Nursing,
music, oncology.
Resumen
La importancia
del uso de la música por la enfermería en
oncología
Objetivo: Discutir el uso de la música por la enfermería en
oncología. Métodos: Se trata de una revisión integradora. Se realizó
una búsqueda exhaustiva con los descriptores:
música, enfermería y oncología,
utilizando el conector booleano y. Se encontraron 58 artículos y se utilizaron
los siguientes filtros como
criterios de inclusión:
texto completo gratuito, publicaciones de los últimos 10 años, investigación con humanos,
idiomas portugués e inglés.
Después del refinamiento, encontramos 14 artículos. Resultados:
Los estudios analizados señalan que el uso de la música en oncología
es una herramienta importante para reducir las reacciones
emocionales negativas, como la
ansiedad, los síntomas de depresión, el estrés y también
para mejorar la calidad de vida, para prevenir las
toxicidades, en reducción
de la fatiga, mejor aceptación de nuevos
diagnósticos, reducción del
dolor, promoción del bienestar, relajación física y confort
espiritual, además de promover un
entorno terapéutico, acogedor
y humano. Conclusión: Se evidenció
que el uso de la música por
la enfermería en oncología es importante para producir efectos biopsicosocioespirituales, y como una acción
para crear conciencia sobre
la humanización de la atención médica.
Palabras-clave: enfermería,
música, oncología.
Em resposta ao câncer e
seu tratamento, um número considerável de pacientes desenvolve sofrimento
emocional, sintomas físicos, diminuição da funcionalidade, dor, perda ou
afastamento do trabalho, isolamento social, medo, tristeza, raiva, ansiedade,
depressão e incertezas [1,2]. Pela sua importância e impacto, o sofrimento
emocional que acomete o paciente com câncer tem sido considerado atualmente
como o sexto sinal vital e deve ser reconhecido, monitorado, documentado e
tratado em todas as fases da doença [3,4].
Em pacientes
oncológicos, a dor é um sintoma frequente e temido podendo ter como causa o
tumor primário, suas metástases, ou as terapias anticancerosas como a
radioterapia e quimioterapia, além dos métodos de diagnóstico da doença,
podendo levar os pacientes a outros sintomas, como a fadiga, perda de sono e
depressão. Nos doentes com câncer, a dor pode desencadear frustração, processo
depressivo, isolamento social e familiar, e até medo do agravamento da doença
[5].
Tem-se buscado formas
não farmacológicas e menos invasivas para o manejo de sintomas de pacientes com
câncer durante seu tratamento. Uma possibilidade de intervenção seria com o uso
da música quem tem sido estudado e comprovado seu efeito na redução de dores,
promoção do bem-estar emocional, físico e comportamental, levando os pacientes
até mesmo à melhor aceitação dos tratamentos aos quais são submetidos [5].
Os povos primitivos
acreditavam que a música era capaz de restabelecer pessoas doentes, pois para
estes, a música possuía o poder de mandar embora o espírito mau que leva o
corpo a adoecer, assim como também tinha o poder de restabelecer as relações
humanas conturbadas por interferência desse espírito [6]. Já no período da
Revolução Industrial, no século XVIII, a música passou a ser utilizada como
tratamento no campo psiquiátrico, surgindo as primeiras obras sobre
musicoterapia [7].
O primeiro uso da
música na saúde, como forma de cuidado e humanização, foi relatado em 1859 pela
enfermeira Florence Nightingale, e posteriormente,
por Isa Maud Ilsen e Harryet Seymor, começando a ser
usada efetivamente em hospitais nos primeiros anos do século XX em um contexto
não somente psiquiátrico, mas, sim, para o alívio de dor cirúrgica nos soldados
que vinham feridos das I e II Guerras Mundiais [6].
Na enfermagem, o uso da
música é aplicado como uma forma complementar para o alívio de dores, para o
bem-estar, e ainda, para alívio de outros diagnósticos, como a angústia
espiritual, distúrbios do sono, desesperança, risco para solidão, isolamento
social e estresse. Estudos mostram, também, que o uso da música promove efeitos
fisiológicos, tais como alteração na pressão arterial, frequência cardíaca e
respiratória, redução dos estímulos sensoriais de dor, dentre outros efeitos [8].
De acordo com a
Classificação das Intervenções de Enfermagem – Nursing
Intervention Classification
(NIC) – as atividades incluindo o uso da música que são permitidas aos
profissionais de enfermagem são [9]:
Desta forma, é de
grande relevância para a ciência da enfermagem e da saúde em geral estudar os
efeitos da utilização da música em pacientes com câncer, ampliando as
possibilidades de atendimento a esse tipo de paciente, promovendo uma forma
terapêutica não-invasiva e não-farmacológica, mas, que ainda assim, pode ser
capaz de agir sobre as necessidades físicas e emocionais desses pacientes.
Objetivo do estudo
Identificar a utilização
da música para pacientes com câncer pela enfermagem.
Desenho e período do
estudo
Trata-se de uma revisão
integrativa realizada entre novembro de 2018 e julho de 2019.
Amostra, critérios de
inclusão e exclusão
Foi realizada uma
minuciosa busca pelo objeto de estudo, qual seja, o uso da música pela
enfermagem em oncologia, nas seguintes bases de dados: Pubmed,
Lilacs e BDENF. Utilizamos os descritores do vocabulário
DeCS (Descritores em Ciência da Saúde) do Centro
Latino-americano e do Caribe de Informação em Saúde e MeSH
(Medical Subject Headings)
da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos: música, enfermagem e
oncologia e com o conector booleano and. Foram utilizados os seguintes filtros
como critério de inclusão: texto completo gratuito, publicações dos últimos 10
anos de 2008 a 2018), pesquisas realizadas com humanos, idiomas português e
inglês. Os critérios de exclusão foram os artigos repetidos, e em outros
idiomas que não fossem português e inglês. Encontramos
como resultado 13 artigos.
A análise dos dados foi
realizada segundo às etapas da revisão integrativa da literatura [10]. As
etapas da análise foram: 1) identificação do tema e seleção da hipótese ou
questão de pesquisa para a elaboração da revisão integrativa, 2)
estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/ amostragem ou
busca na literatura, 3) definição das informações a serem extraídas dos estudos
selecionados/categorização dos estudos, 4) avaliação dos estudos incluídos na
revisão integrativa, 5) interpretação dos resultados e 6) apresentação da
revisão/síntese do conhecimento.
A tabela a seguir
apresenta possibilidades de utilização da música para pacientes com câncer pela
enfermagem, identificadas a partir da amostra do estudo.
Tabela I - Caracterização da
amostra, 2019. (ver anexo em PDF)
Um dos maiores relatos
do uso da música na saúde ocorreu no final da II Guerra Mundial, quando vários
músicos profissionais foram convidados a tocar em hospitais dos Estados Unidos,
como forma de acalmar e tratar dos feridos advindos da guerra. A partir deste
fato, as autoridades americanas resolveram profissionalizar pessoas a fim de
utilizar a música como forma de terapia. Foi, então, criado o primeiro curso de
musicoterapia, no ano de 1944, na Universidade Estadual de Michigan, nos
Estados Unidos. Desde então, a música como terapia e intervenção tem sido
fortemente utilizada no país, o que justifica o fato de a maioria dos estudos
encontrados nesta pesquisa (8 artigos) serem de origem internacional [25]. A
discussão dos dados se deu a partir de duas categorias: Efeitos bio-psico-socio-espirituais da
música na enfermagem em oncologia e humanização da assistência em saúde.
Efeitos bio-psico-socio-espirituais da
música na enfermagem em oncologia
Os estudos apontaram o
uso da música em oncologia como um importante instrumento na redução de reações
emocionais negativas, tais como a ansiedade, sintomas de depressão, estresse, e
também na melhora da qualidade de vida, na prevenção de toxicidades, na redução
da fadiga, na melhor aceitação de novos diagnósticos, na redução da dor e na
promoção do bem-estar.
Em pacientes com
câncer, a dor é um sintoma comum e temido, podendo desencadear outros sintomas
como fadiga, depressão e perda de sono [18]. O uso da música é visto então como
uma forma de cuidado, pois promove, através do seu ritmo, tom e intensidade,
efeitos fisiológicos como alterações na pressão arterial, frequência cardíaca e
respiratória, redução dos estímulos sensoriais da dor, dentre outros efeitos,
como a redução da ansiedade e sentimento de controle da situação, ajuda e
também uma significativa melhora no humor, no estresse e na qualidade de vida
[6-9,10,11,18,21]. Desta forma, o uso da música em oncologia visa promover
melhor bem-estar emocional e físico aos pacientes, levando a uma maior
aceitação dos tratamentos aos quais estão sujeitos.
Um estudo de abordagem
quantitativa e qualitativa realizado em uma unidade oncológica de um hospital
geral, privado, no Brasil, aponta em seus resultados que logo após serem
realizadas sessões de musicoterapia, observou-se redução de escores de dor dos
pacientes em 100% dos casos [8].
Os estudos relatados
nesta revisão integrativa de literatura mostram que o uso da música é de
relevância B (o que significa que os efeitos do uso da música são de moderados
a substanciais) para a redução do estresse e da ansiedade, seja durante a
radioterapia e a quimioterapia ou em momentos exclusivos de intervenção musical
[12,14], assim como também auxiliam na interação social e familiar destes
pacientes.
Há evidências também de
que a música estimula a manifestação de diferentes afetos, diminui o sentimento
de solidão e promove o sentimento de estar em um lugar agradável, bem-estar
geral e segurança, trazendo conforto espiritual e a ideia de cura, além de
trazer paz interior, alegria, tranquilidade e relaxamento físico [26].
Para a realização da
terapia musical, muitos pacientes escolhem músicas religiosas para ouvir, e tal
fato pode ser explicado, pois há relatos de que a música religiosa traz
sensação de força e conforto espiritual aos pacientes acometidos por
enfermidades [26]. Desta forma, a terapia com música também é capaz de trazer
efeitos da parte espiritual para os pacientes, aproximando-os de suas crenças,
mesmo quando estão longe de seu ambiente comum, como no caso de internações.
Humanização da
assistência em saúde
O uso da música também
foi apontado como importante para a humanização da assistência de enfermagem, a
qual proporciona conforto, reflexão e compreensão em um processo de
adoecimento-morte.
A proposta de
humanização da assistência à saúde deve-se à busca de proporcionar uma melhor
qualidade de atendimento à saúde dos pacientes, e de melhores condições de
trabalho para os profissionais da área da saúde. O cuidar humanizado significa
compreender e valorizar um sujeito, respeitando sua história e o seu viver social
[27].
Partindo deste
princípio, o uso da música em oncologia pode ser visto como uma intervenção
voltada para a humanização, pois segundo os estudos encontrados nesta revisão,
o mesmo traz um sentimento de acolhimento e até mesmo um esquecimento
momentâneo da doença, depurando assim os pensamentos e trazendo uma sensação de
alívio, promovendo também ao paciente a liberdade de expressar suas emoções e
sentimentos [16].
Não sendo somente um
cuidado para o paciente oncológico, a música enquanto uma intervenção também é
uma forma de cuidado para os familiares dos pacientes oncológicos, sendo como
um sistema de apoio para que estes possam lidar com o quadro clínico e até
mesmo com a terminalidade da vida do familiar com câncer. Desta forma, o uso da
música pode ser empregado como uma estratégia terapêutica, atuando de forma bio-psico-socio-espiritual tanto
para o paciente quanto para familiares e amigos, ajudando no enfrentamento e
aceitação acerca do adoecimento e da morte [17,24].
Ao receber o
diagnóstico de câncer, o paciente tende a associar a sua doença com dores,
procedimentos invasivos e até mesmo com a morte, devido ao estigma que é criado
pela própria sociedade acerca do câncer. Tal fato leva o indivíduo a se
amedrontar com o seu quadro clínico, causando assim uma desordem emocional que
muitas vezes o leva a desenvolver transtornos psicológicos [27]. Desta forma, é
muito importante que o paciente oncológico não seja apenas tratado pelo seu
câncer, mas, sim, que seja visto, cuidado e tratado como um todo.
Este estudo apresentou
arcabouço sobre a importância da utilização da música pela enfermagem em
oncologia e a necessidade de o tema ser abordado durante a prática
profissional, de forma a contribuir com a comunicação entre enfermagem e
paciente tendo como instrumento facilitador a música. Sugere-se que novos
estudos, principalmente clínicos, sejam realizados para aprofundar a temática.
Música pela enfermagem
em oncologia ancora-se na possibilidade de efeitos bio-psico-socio-espirituais, tais como reduzir a dor, diminuir
o sentimento de solidão, trazer relaxamento físico e conforto espiritual, e também como ação de sensibilização para humanização da
assistência em saúde.