ARTIGO ORIGINAL
Avaliação de
trabalhadores rurais do interior de Rondônia quanto ao uso de agrotóxicos
Aline de Souza Coelho*,
Daiany Cristina Gil Glioli Custódio**, Hosana Nolasco
dos Santos Alves, M.Sc.***, Giselle Cristina Andrade
Pereira, M.Sc.****, Valéria Pinheiro de Novais*****, Pâmella Polastry Braga
Amaral******
*Enfermeira, Centro
Universitário São Lucas Educacional, Residente em Saúde da Família e da
Comunidade, **Enfermeira, Centro Universitário São Lucas Educacional, Residente
em Urgência e Emergência, ***Enfermeira, Universidade Luterana do Brasil,
****Enfermeira, Centro Universitário de Caratinga, *****Farmacêutica, Centro
Universitário Luterano de Ji-Paraná, ******Enfermeira, Centro Universitário São
Lucas Educacional
Recebido em 8 de julho
de 2019; aceito em 20 de fevereiro de 2020.
Correspondência: Aline de Souza
Coelho, Rua Afonso Juca de Oliveira, 4689 casa 2
Bairro Jardim Eldorado 76987-092 Vilhena RO
Aline de Souza Coelho:
alinecoelho1994@gmail.com
Daiany Cristina Gil Glioli Custódio: daianycgcustodio@gmail.com
Hosana Nolasco dos
Santos Alves: hosananolascoalves@gmail.com
Giselle Cristina Andrade
Pereira: gisellekristina@yahoo.com.br
Valéria Pinheiro de
Novais: valnovais23@gmail.com
Pâmella Polastry
Braga Amaral: pamellapolastry@gmail.com
Resumo
Os agrotóxicos são
agentes químicos utilizados para maximizar o processo de produção agrícola.
Porém a sua utilização sem controle adequado, treinamento e utilização de
equipamentos de proteção individual colocam em risco a saúde de todos expostos
a estes produtos. Tendo em vista a quantidade de agrotóxicos consumidos na
região do estudo, o objetivo é verificar a exposição a agrotóxicos em
produtores rurais do interior de Rondônia. A pesquisa foi realizada com 94
produtores rurais do município de Ji-Paraná, onde receberam uma avaliação
clínico-laboratorial. Observou-se que a população em sua maioria realiza a
aplicação de agrotóxicos de forma errônea, sem uso de equipamentos de proteção
individual (EPIs), além de terem sido encontradas elevadas concentrações de
diversos produtos químicos altamente tóxicos. Os produtores em sua maioria se
enquadram com sinais de intoxicação em exames laboratoriais alterados e sinais
e sintomas característicos. Estes dados demonstram a importância da
fiscalização da exposição desses produtores aos agrotóxicos, bem como seu
treinamento no manuseio dos produtos químicos, no intuito de redução das
repercussões apresentadas e de possível ocorrência.
Palavras-chave: agroquímicos,
envenenamento, sinais e sintomas.
Abstract
Evaluation of farmers in countryside Rondônia regarding the use of
agrochemicals and their impact on health
Pesticides
are chemical agents used to maximize the agricultural production. However,
their unrestrained use and the lack of proper training and equipment for
individual use, put in risk the health of all exposed. Considering the amount
of pesticides that are consumed in the region, we aimed to assess the exposure
to pesticides in farmers in the interior of Rondônia. The research was
conducted in 94 farmers from Ji-Paraná’s municipality, where they were attended
at a clinical-laboratorial evaluation. We observed that most of the rural
working population handles the agrochemicals application wrongly, unobserving
the use of the Individual Protection Equipment (EPIs – Portuguese acronym).
Furthermore, high concentrations of several greatly dangerous chemical products
have been found. Most farmers present signs of intoxication in laboratory
examinations and distinctive symptoms. These data show to the importance of the
surveillance of the exposition of farmers to pesticides, as well as the instructing
them to handle those agrochemicals, with the intention of minimizing the
repercussions.
Keywords: agrochemicals, poisoning, signs and symptoms.
Resumen
Evaluación de los
trabajadores rurales en el interior de Rondônia con respecto al uso de pesticidas
Los pesticidas son agentes químicos utilizados para maximizar el proceso de producción
agrícola. Sin embargo, su
uso sin el control adecuado, la capacitación y el uso de equipos de protección personal ponen en riesgo para la salud de todas las personas expuestas a estos productos. En vista de la cantidad de pesticidas consumidos en
la región de estudio, el objetivo es verificar
la exposición a pesticidas en productores rurales en el
interior de Rondônia. La investigación se llevó a cabo con 94 productores rurales en el municipio
de Ji-Paraná, donde recibieron una evaluación clínica y de laboratorio.
Se observó que la mayoría de la población
aplica pesticidas incorrectamente, sin el uso de equipo de protección individual (EPIs). Además
de haber encontrado altas concentraciones
de varios químicos altamente tóxicos. La mayoría de los productores se clasifican con signos de intoxicación en pruebas de laboratorio
alteradas y signos y síntomas característicos. Estos datos demuestran
la importancia de inspeccionar a estos productores por su exposición a pesticidas, así como
su capacitación en el manejo de productos químicos, a fin de reducir las repercusiones
presentadas y la posible ocurrencia.
Palabras clave: agroquímicos, envenenamiento, signos y síntomas.
A utilização dos
agrotóxicos de forma indiscriminada e abusiva coloca em risco não apenas a
saúde dos manuseadores do agente tóxico, mas também daqueles que entram em
contato com o ambiente contaminado, solo, água, e/ou consumo de alimentos
comercializados antes do cumprimento do período de carência, que é específico
para cada tipo de produto, tornando a utilização de agrotóxicos um sério problema
a saúde pública [1-4].
No momento da
aplicação, vários são os fatores determinantes que colocam em risco a saúde do
manuseador, principalmente em relação ao seu uso inadequado, pouca atenção
voltada à correta utilização de EPIs, treinamento escasso em relação à mistura
e aplicação dos produtos químicos, que associados ao grau de toxidade do
produto aumentam ainda mais o risco [5].
As intoxicações aos
manuseadores de agrotóxicos é o principal problema advindo da utilização de
tais insumos, e podem ser classificadas como: aguda, se classificando em: leve,
moderada e grave e intoxicação crônica. O grau de intoxicação dependerá da
quantidade de substância absorvida, tempo de exposição, toxidade do agente
químico e suscetibilidade do organismo [6].
As intoxicações agudas
são aquelas decorrentes de uma ou mais exposições ao agente químico, aparecendo
os sinais e sintomas em 24 horas após a exposição e permanecendo por minutos ou
horas, sinais como, irritação cutaneomucosa, náusea, vômito, tontura,
parestesias, dispneia, salivação, sudorese aumentada, entre outros, podendo
evoluir para a morte. Podem ocorrer também casos de intoxicação na forma
subaguda, a qual está ligada a uma exposição moderada e alguns sintomas
inespecíficos como: cefaleia, mal-estar, fraqueza e sonolência [6-8].
A exposição crônica se
torna mais abrangente e se caracteriza pelo aparecimento de sinais e sintomas e
disfunções hemodinâmicas de um ou mais sistemas do corpo, levando a alterações
neurológicas. A exposição ao agente também está associada a outras diversas
disfunções e anormalidades, como: neurocomportamental, hepáticas, renais,
dermatológicas, más formações congênitas, entre outras [6,7,9].
Visualiza-se no Brasil
dificuldade na notificação de casos de intoxicação, uma vez que os
profissionais da área da saúde não são devidamente preparados para relacionar
sinais e sintomas, alterações hemodinâmicas sistêmicas a quadros de intoxicação
por agrotóxicos. Outro fator importante é a pequena procura dos produtores
rurais aos centros de saúde, pois desconhecem os sinais de intoxicação [10,11].
Diante disso, vê-se a
necessidade verificar a exposição a agrotóxicos em produtores rurais do
interior de Rondônia, pois sabe-se que o consumo destes produtos no município
tem sido em grande escala e que as normas para aplicação nem sempre são
compridas.
O estudo constitui-se
em uma pesquisa de caráter descritivo, o qual verificou a exposição a
agrotóxicos em produtores rurais do interior de Rondônia. O instrumento
utilizado foi uma adaptação do Protocolo de Avaliação das Intoxicações Crônicas
desenvolvido pela Secretaria Municipal do Paraná (2013). E para a definição da
situação toxicológica dos trabalhadores se obteve como base os critérios do
protocolo de Guia de Vigilância em Saúde (2017), desenvolvido pelo Ministério
da Saúde.
A população do estudo
foi composta por produtores rurais cadastrados na EMATER (Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural) do município. A seleção das famílias
ocorreu de forma randômica cujos critérios de inclusão foram trabalhadores que
fazem ou fizeram a utilização de agrotóxicos no processo de produção em suas
propriedades, sendo selecionados inicialmente 100 agricultores rurais, porém
apenas 94 concluíram a pesquisa.
O primeiro passo para a
obtenção de dados foi a coleta de amostras sanguíneas para os exames:
acetilcolinesterase plasmática e eritrocitária, TGO e TGP, bilirrubina, ureia,
urina tipo 1 e gama GT. E posteriormente consulta de enfermagem considerando as
seguintes variáveis: tamanho da propriedade, tempo de exposição na atividade,
nível de escolaridade, tipo de produtos em maior uso, sinais e sintomas,
descrição do processo de trabalho, entre outros.
Após estes processos
realizaram-se as consultas médicas. O quadro clínico que sugere intoxicação foi
confirmado após análise do resultado dos exames e das análises clínicas.
Conforme critérios estabelecidos, os expostos a intoxicação foram: Indivíduo
com história pregressa ou atual de exposição a agrotóxicos que apresenta, ou
não, algum sinal ou sintoma clínico ou alterações laboratoriais. Caso suspeito
de intoxicação: aqueles com história pregressa a exposição a agrotóxicos e que
apresentem algum sinal e sintoma específico ou inespecífico e/ou alterações
laboratoriais. Sendo, casos confirmados de intoxicação: Aqueles com história
pregressa a exposição a agrotóxicos e que apresentem algum sinal e sintoma
específico que possua confirmação através de alterações laboratoriais e/ou que
apresente vínculo epidemiológico espacial e/ou temporal.
Os trabalhadores foram
esclarecidos sobre os objetivos do estudo por meio do Termo de Consentimento
Livre Esclarecido (TCLE), sua participação foi voluntária com a garantia do
pesquisador sobre o sigilo total dos dados, respeitando a resolução 466/12 que
dispõe sobre a bioética de pesquisas realizadas em humanos.
Os resultados
demonstram que os produtores rurais em sua maioria são do sexo masculino. A
média de idade foi de 44,58 anos, com ensino fundamental incompleto (43,61%).
Em relação ao tempo de
manipulação de agrotóxicos, a média é de 18,5 anos, a maioria teve ou tem
contato de 11 a 30 anos de suas vidas (53,69%), alguns produtores disseram
ainda trabalhar com o agente químico em seu meio de produção há mais de 41 anos
(3,15%), como disposto na tabela I.
Tabela I - Dados
sociodemográficos: sexo, faixa etária, escolaridade, tamanho da propriedade dos
produtores rurais estudados. Ji-Paraná, 2018.
Fonte: Própria
Em relação às práticas
de trabalho, tabela II, 85,10% dos produtores relatam fazer o preparo do
produto, mas apenas 79,78% realizam a aplicação, essa que é feita com bomba de
aspiração manual por 84,04%. Apenas 23,40% dos produtores receberam treinamento
ou instruções sobre como preparar, diluir e aplicar os insumos agrícolas.
A leitura dos rótulos é
realizada por 51,06% e apenas 46,80% diz seguir o que está prescrito na
embalagem, pois 59,58% não compreendem as informações facilmente, seja por
letras pequenas, linguagem técnica, ou analfabetismo. Outra dificuldade
encontrada é na compreensão da classe toxicológica, já que 82,98% não sabe o
significado das cores representativas de cada classe.
Apenas 9,57% dos
produtores realizam controle de data e hora da aplicação, assim como a
quantidade de produto aplicado. Há relatos de contato do agrotóxico de forma
direta com a pele por 19,14%, porém apenas 17,02% faz uso de EPIs completa,
compreendendo, bota luva, máscara, macacão e óculos.
Tabela II - Práticas de
trabalho, higiene e medidas de segurança. Ji-Paraná, 2018.
Fonte: Própria.
Na tabela III,
observa-se que o principal grupo químico utilizado é o da Glicina (65,21%)
seguido do Bipiridílio (35.86%) e Piretróide
(33,69%), sendo em sua maioria de formulações da classe agronômica dos
herbicidas e inseticidas.
Tabela III - Principais
agrotóxicos utilizados no meio de produção. Ji-Paraná, 2018.
Fonte: Própria.
A tabela IV apresenta
os sinais e sintomas relatados pelos produtores. Percebe-se que 96,80%
apresentam um ou mais sinais e sintomas compatíveis com intoxicação. Quando
observados os distúrbios mais frequentes estão dificuldade da acuidade visual,
visão turva, e câimbras.
Tabela IV - Sinais e sintomas
relatados pelos trabalhadores rurais. Ji-Paraná, 2018
Fonte: Própria.
Na tabela V, a análise
bioquímica nas funções hepática e renal foi identificada considerável alteração
laboratorial da bilirrubina em 46(48,94%) e urina tipo I em 64(68,09%).
A partir de uma
análise, considerando os critérios do protocolo, os trabalhadores rurais foram
divididos em três grupos: Intoxicados, com sinais de intoxicação e expostos.
Nesta ordem 29,78% intoxicados atendendo aos critérios de alterações
laboratoriais, sinais e sintomas específicos, exposição a agrotóxicos e vínculo
epidemiológico espacial e/ou temporal. Sinais de intoxicação 62,76% e os
expostos 7,44% do grupo de produtores rurais deste estudo.
Tabela V - Análise
bioquímico das funções hepáticas e renais e atividade da ChP*.
Ji-Paraná, 2018.
*Colinesterase
plasmática; **Gama Glutamil Transferase;
***Transaminase Glutâmico-Oxalacética; ****Transaminase Glutâmico-Pirúvica.
Fonte: Própria
Dados recentes mostram
que foram comercializados no município pelas casas agropecuárias mais de 291
marcas de produtos tóxicos, dentre estas, destacam-se 50 tipos, totalizando
2.382.429 litros e 217.606 quilos de agrotóxicos, sendo a classe agronômica
predominante dos herbicidas [12].
A situação torna-se
mais alarmante quando se observa que a região é composta em sua maioria por
pequenas propriedades rurais com um percentual de 81,02% e 18,98% médias
propriedades. Segundo a lei que rege, apesar de antiga, a 8.629/1993, é
considerada pequena propriedade o imóvel rural, cuja área tenha entre 1 e 4
módulos fiscais e a propriedade média possua de 5 a 15 módulos fiscais [13].
Nas pequenas
propriedades a mão de obra predominante é a familiar, caracterizando a
agricultura familiar, onde há o contato de toda família nas atividades [14].
Entretanto, a prevalência do homem na produção rural foi encontrada neste
estudo, juntamente com a baixa escolaridade e média de idade relativamente
jovem, muito embora, com um percentual importante com idade adulta avançada.
Estudos em São Paulo [15] e Paraná [16] apresentam resultados similares, o que
sugere a figura masculina ser prevalente nas atividades rurais.
A média de tempo que
esses produtores estão em contato com os agrotóxicos é de 18,9 anos, havendo
casos em que o manuseio ocorre há mais de 41 anos. Devido à característica da
população, os membros da família ingressam nas atividades agrícolas
precocemente, e assim aprendem com seus pais de forma empírica a manusear o
solo e tais insumos, muitas vezes de maneira errônea, confirmando resultados encontrados
em um estudo do Rio Grande do Sul [17].
Uma maneira de se
realizar uma aplicação mais assertiva seria através da leitura das bulas e dos
rótulos, porém apenas metade diz realizá-la, e menos da metade diz seguir as
instruções contidas nas embalagens. Acredita-se que tal fato ocorra pela baixa
escolaridade dos produtores, uma vez que mais da metade relataram ter
dificuldade para compreender as informações contidas nas embalagens por se
tratar de linguagens técnicas, que dificilmente serão compreendidas por leigos,
assim como no estudo realizado em Sumaré/SP [19].
Um conjunto de
atividades errôneas levam a exposição excessiva do produtor aos agrotóxicos. O
período em que foram aplicados os agrotóxicos influencia diretamente, uma vez
que muitos não souberam informar a data da última aplicação, não seguindo os
períodos de carência, reentrada e reaplicação. Segundo o decreto 4074/2002,
tais devem ser seguidos para se evitar uma sobre-exposição aos agrotóxicos
[20].
Neste estudo em relação
ao preparo da bomba para aplicação, nem todos os produtores que a preparam
realizaram a administração do produto, e a minoria acredita fazer uso dos EPIs
de forma completa. Casos de contato do agrotóxico diretamente com a pele
poderiam ter sido evitados com a sua utilização. As elevadas temperaturas são a
principal queixa quando questionados sobre o motivo de não utilizarem os EPIs,
convergindo com estudos realizados no Nordeste [21,22] e Centro-Oeste [23].
A não utilização dos
EPIs conforme as normas são preocupantes, visto que os pesquisados deste estudo
não utilizam ou fazem de maneira errônea. Mais preocupante ainda é ver que os
principais agrotóxicos utilizados são da classe toxicológica II, classificados
como altamente tóxicos. Um fator relevante é que em sua maioria são herbicidas.
A maior utilização desse produto se dá pelo clima equatorial, que propicia o
crescimento de ervas daninhas.
Estudo que avaliou a
utilização de agrotóxicos em Sertanópolis [24] afirma que a utilização sem controle
em conjunto com a não utilização de EPIs favorece em grande proporção o
possível desencadeamento de uma intoxicação crônica, evidenciada por alterações
hemodinâmicas em um ou mais sistemas do corpo humano.
Os sinais e sintomas
iniciais podem ser advindos da via de intoxicação, dividida em via de inalação,
ingestão e dérmica. Estudo da Universidade Federal de Santa Maria [25] diz que
sintomas encontrados como dispneia, cefaleia e visão turva podem estar
associados à intoxicação por via inalatória. Quando ingeridos, podem causar
náuseas/vômitos e câimbras. Por via dérmica, sudorese e outras alterações na
pele, sendo estes sinais encontrados em evidência no estudo.
Além dos sinais e
sintomas estarem relacionados com a via de intoxicação, pode ter incidido das
classes agronômicas, neste estudo foram observados com maior utilização os
herbicidas, dos princípios ativos glifosato e dicloreto
de paraquate e inseticidas, relacionados aos grupos
químicos piretroides e organoclorados.
Segundo estudo
realizado na cidade do Rio de Janeiro [26], o glifosato causa alterações
endócrinas. Já a Procuradoria da República no Estado do Maranhão, no seu
segundo ofício cível ao Ministério Público Federal, relata que o surfactante
presente nesse produto quando ligado ao 1-4 dioxano,
que é um potencial causador de câncer, leva a danos potenciais no fígado e rins
dos seres humanos [27].
Quanto ao dicloreto de paraquate, foi
restrito do mercado através da RDC Nº 190/2017 que afirma que a exposição ao paraquate leva a alterações e mutações genéticas e pode ser
um dos fatores de risco para o desenvolvimento da doença de Parkinson [28].
O Protocolo de
Avaliação das Intoxicações Crônicas traz que sinais e sintomas encontrados
neste estudo, como: dispneia, perda de apetite, náusea, vômitos, fraqueza
muscular, podem estar intimamente ligados à presença dos compostos químicos do
herbicida no corpo. Já os inseticidas piretroides
e
organoclorados estão relacionados à
apresentação de câimbras, irritação
das mucosas,
náusea/vômito e outros [7].
Os sinais e sintomas
também se apresentam como marcadores para possíveis alterações nos sistemas do
organismo. Nos produtores rurais deste estudo observaram-se alterações
laboratoriais significativas no sistema hepático e renal.
Neste estudo não foram
encontradas alterações na acetilcolinesterase eritrocitária e baixa frequência
de alteração da colinesterase plasmática, com apenas três alterações inversas
aos valores referenciais. Isso, pois, para o controle dos insetos os grupos
químicos de primeira escolha são piretroides e
organoclorados, que não atingem diretamente a enzima acetilcolina, que é
modificada apenas pelos organofosforados e carbamatos.
Uma das alterações
importantes muito frequentes entre os trabalhadores rurais foi renal para a
urina tipo 1 e ureia. Um estudo realizado no estado de São Paulo com 370
produtores [15] aponta que 21,8% apresentaram alterações renais. Este ainda
salienta que os exames do sistema renal servem como marcadores para doenças
crônicas, assim como para observar estado de nefrotoxidade
por produtos químicos utilizados em longo prazo [29].
As principais
alterações no sistema hepático se deram através dos exames de bilirrubina, gama
GT, TGO, TGP. Sendo tais alterações novamente sugestivas de intoxicação, bem
como alterações hemodinâmicas no organismo causado por hábitos de vida ou
doenças pregressas.
Exames específicos como
os citados devem ser realizados para descobrir a origem da desordem no órgão.
Através da avaliação clínico-laboratorial se avaliará se o problema é de ordem
primária, evidenciando hepatite infecciosa, necrose hepática, entre outros, ou
de ordem secundária as doenças que interferem no sistema, mas que não são
diretamente ligadas a ele e as intoxicações [30].
No estudo observa-se
que o grupo classificado como expostos a agrotóxicos representou a minoria da
amostra, não apresentando alterações que possam ser diretamente ligadas a
utilização de agentes químicos, bem como sinais de intoxicação ou agravos dos mesmos.
Para o grupo dos
diagnosticados como intoxicados, encontraram-se 28 indivíduos, estes com
alterações ligadas diretamente ao uso de agrotóxicos, e 59 indivíduos com
sinais de intoxicação que possuem alterações relevantes que podem ou não ser
devido à exposição a tais produtos. A partir de tais dados vê-se a importância
de uma avaliação minuciosa para diagnóstico de intoxicação por agrotóxicos. Em
Rondônia no ano de 2017 foram notificados com intoxicação exógena 539 indivíduos,
sendo 46 do município de Ji-Paraná, não se esquecendo das subnotificações [31].
Segundo o Guia de
vigilância em saúde, diversos são os fatores a serem vistos para chegar a um
diagnóstico conclusivo de intoxicação. Os critérios laboratoriais, clínicos e
de nexo epidemiológico devem ser observados com muita cautela. Isto, pois,
mesmo que o produtor esteja exposto, muitas vezes o agrotóxico não é o único
responsável pelas alterações sistêmicas no corpo do indivíduo [6]. Porém, mesmo
com a existência de diagnósticos diferenciais, os agrotóxicos não devem ser
desprezados na avaliação, pois, o uso descontrolado e de forma errônea de tais
produtos leva a graves prejuízos na saúde humana e ambiental, tornando-se um
problema de saúde pública.
O estudo veio a
confirmar outras pesquisas epidemiológicas acerca da saúde do trabalhador rural
que utiliza agrotóxico em seu meio de produção. Expõe que a utilização dos
agrotóxicos não se limita a extensos plantios em latifúndios, pelo contrário, evidencia
que já chegou às pequenas propriedades que trabalham com agricultura familiar.
Os produtores em sua maioria com baixa escolaridade não sabem manusear o
produto, colocando em risco a saúde de todos os envolvidos nas atividades
agrícolas e dos consumidores.
O estudo evidenciou que
a amostra em quase sua totalidade apresenta alterações relevantes que podem ser
ligadas a utilização dos agrotóxicos, uma vez que diversos são os fatores, além
da própria exposição aos agrotóxicos que podem levar a alterações sistêmicas e
hemodinâmicas no organismo, considerando ainda as importantes alterações
encontradas nos exames laboratoriais.
Todos os objetivos
buscados pelo estudo foram concretizados, porém algumas limitações foram
encontradas durante sua realização. O fator de deslocamento foi um deles. Por
se tratar de moradores de área rural, a distância e a locomoção até o local da
pesquisa interferiram de certa forma na coleta dos dados e exames
laboratoriais, bem como o tempo de espera para o atendimento, uma vez que se
instaurou o agendamento diário e sendo este por ordem de chegada, logo, alguns
produtores se mostravam inquietos, podendo isso interferi/instigar algumas
informações imprecisas na hora do preenchimento da ficha.
Considera-se importante
a realização de pesquisas aprofundadas na área da avaliação das intoxicações
por agrotóxicos, principalmente nas regiões Norte e Centro-oeste do país, pois
ainda é grande o número de subnotificações de intoxicação por despreparo das
equipes de saúde em avaliar e identificar tal problema em tais regiões.
Ministério Público do
Trabalho de Rondônia (MPT) e Fundação de Amparo a
Pesquisa em Rondônia (FAPERO).