ARTIGO ORIGINAL

Avaliação de trabalhadores rurais do interior de Rondônia quanto ao uso de agrotóxicos

 

Aline de Souza Coelho*, Daiany Cristina Gil Glioli Custódio**, Hosana Nolasco dos Santos Alves, M.Sc.***, Giselle Cristina Andrade Pereira, M.Sc.****, Valéria Pinheiro de Novais*****, Pâmella Polastry Braga Amaral******

 

*Enfermeira, Centro Universitário São Lucas Educacional, Residente em Saúde da Família e da Comunidade, **Enfermeira, Centro Universitário São Lucas Educacional, Residente em Urgência e Emergência, ***Enfermeira, Universidade Luterana do Brasil, ****Enfermeira, Centro Universitário de Caratinga, *****Farmacêutica, Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná, ******Enfermeira, Centro Universitário São Lucas Educacional

 

Recebido em 8 de julho de 2019; aceito em 20 de fevereiro de 2020.

Correspondência: Aline de Souza Coelho, Rua Afonso Juca de Oliveira, 4689 casa 2 Bairro Jardim Eldorado 76987-092 Vilhena RO

 

Aline de Souza Coelho: alinecoelho1994@gmail.com

Daiany Cristina Gil Glioli Custódio: daianycgcustodio@gmail.com

Hosana Nolasco dos Santos Alves: hosananolascoalves@gmail.com

Giselle Cristina Andrade Pereira: gisellekristina@yahoo.com.br

Valéria Pinheiro de Novais: valnovais23@gmail.com

Pâmella Polastry Braga Amaral: pamellapolastry@gmail.com

 

Resumo

Os agrotóxicos são agentes químicos utilizados para maximizar o processo de produção agrícola. Porém a sua utilização sem controle adequado, treinamento e utilização de equipamentos de proteção individual colocam em risco a saúde de todos expostos a estes produtos. Tendo em vista a quantidade de agrotóxicos consumidos na região do estudo, o objetivo é verificar a exposição a agrotóxicos em produtores rurais do interior de Rondônia. A pesquisa foi realizada com 94 produtores rurais do município de Ji-Paraná, onde receberam uma avaliação clínico-laboratorial. Observou-se que a população em sua maioria realiza a aplicação de agrotóxicos de forma errônea, sem uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), além de terem sido encontradas elevadas concentrações de diversos produtos químicos altamente tóxicos. Os produtores em sua maioria se enquadram com sinais de intoxicação em exames laboratoriais alterados e sinais e sintomas característicos. Estes dados demonstram a importância da fiscalização da exposição desses produtores aos agrotóxicos, bem como seu treinamento no manuseio dos produtos químicos, no intuito de redução das repercussões apresentadas e de possível ocorrência.

Palavras-chave: agroquímicos, envenenamento, sinais e sintomas.

 

Abstract

Evaluation of farmers in countryside Rondônia regarding the use of agrochemicals and their impact on health

Pesticides are chemical agents used to maximize the agricultural production. However, their unrestrained use and the lack of proper training and equipment for individual use, put in risk the health of all exposed. Considering the amount of pesticides that are consumed in the region, we aimed to assess the exposure to pesticides in farmers in the interior of Rondônia. The research was conducted in 94 farmers from Ji-Paraná’s municipality, where they were attended at a clinical-laboratorial evaluation. We observed that most of the rural working population handles the agrochemicals application wrongly, unobserving the use of the Individual Protection Equipment (EPIs – Portuguese acronym). Furthermore, high concentrations of several greatly dangerous chemical products have been found. Most farmers present signs of intoxication in laboratory examinations and distinctive symptoms. These data show to the importance of the surveillance of the exposition of farmers to pesticides, as well as the instructing them to handle those agrochemicals, with the intention of minimizing the repercussions.

Keywords: agrochemicals, poisoning, signs and symptoms.

 

Resumen

Evaluación de los trabajadores rurales en el interior de Rondônia con respecto al uso de pesticidas

Los pesticidas son agentes químicos utilizados para maximizar el proceso de producción agrícola. Sin embargo, su uso sin el control adecuado, la capacitación y el uso de equipos de protección personal ponen en riesgo para la salud de todas las personas expuestas a estos productos. En vista de la cantidad de pesticidas consumidos en la región de estudio, el objetivo es verificar la exposición a pesticidas en productores rurales en el interior de Rondônia. La investigación se llevó a cabo con 94 productores rurales en el municipio de Ji-Paraná, donde recibieron una evaluación clínica y de laboratorio. Se observó que la mayoría de la población aplica pesticidas incorrectamente, sin el uso de equipo de protección individual (EPIs). Además de haber encontrado altas concentraciones de varios químicos altamente tóxicos. La mayoría de los productores se clasifican con signos de intoxicación en pruebas de laboratorio alteradas y signos y síntomas característicos. Estos datos demuestran la importancia de inspeccionar a estos productores por su exposición a pesticidas, así como su capacitación en el manejo de productos químicos, a fin de reducir las repercusiones presentadas y la posible ocurrencia.

Palabras clave: agroquímicos, envenenamiento, signos y síntomas.

 

Introdução

 

A utilização dos agrotóxicos de forma indiscriminada e abusiva coloca em risco não apenas a saúde dos manuseadores do agente tóxico, mas também daqueles que entram em contato com o ambiente contaminado, solo, água, e/ou consumo de alimentos comercializados antes do cumprimento do período de carência, que é específico para cada tipo de produto, tornando a utilização de agrotóxicos um sério problema a saúde pública [1-4].

No momento da aplicação, vários são os fatores determinantes que colocam em risco a saúde do manuseador, principalmente em relação ao seu uso inadequado, pouca atenção voltada à correta utilização de EPIs, treinamento escasso em relação à mistura e aplicação dos produtos químicos, que associados ao grau de toxidade do produto aumentam ainda mais o risco [5].

As intoxicações aos manuseadores de agrotóxicos é o principal problema advindo da utilização de tais insumos, e podem ser classificadas como: aguda, se classificando em: leve, moderada e grave e intoxicação crônica. O grau de intoxicação dependerá da quantidade de substância absorvida, tempo de exposição, toxidade do agente químico e suscetibilidade do organismo [6].

As intoxicações agudas são aquelas decorrentes de uma ou mais exposições ao agente químico, aparecendo os sinais e sintomas em 24 horas após a exposição e permanecendo por minutos ou horas, sinais como, irritação cutaneomucosa, náusea, vômito, tontura, parestesias, dispneia, salivação, sudorese aumentada, entre outros, podendo evoluir para a morte. Podem ocorrer também casos de intoxicação na forma subaguda, a qual está ligada a uma exposição moderada e alguns sintomas inespecíficos como: cefaleia, mal-estar, fraqueza e sonolência [6-8].

A exposição crônica se torna mais abrangente e se caracteriza pelo aparecimento de sinais e sintomas e disfunções hemodinâmicas de um ou mais sistemas do corpo, levando a alterações neurológicas. A exposição ao agente também está associada a outras diversas disfunções e anormalidades, como: neurocomportamental, hepáticas, renais, dermatológicas, más formações congênitas, entre outras [6,7,9].

Visualiza-se no Brasil dificuldade na notificação de casos de intoxicação, uma vez que os profissionais da área da saúde não são devidamente preparados para relacionar sinais e sintomas, alterações hemodinâmicas sistêmicas a quadros de intoxicação por agrotóxicos. Outro fator importante é a pequena procura dos produtores rurais aos centros de saúde, pois desconhecem os sinais de intoxicação [10,11].

Diante disso, vê-se a necessidade verificar a exposição a agrotóxicos em produtores rurais do interior de Rondônia, pois sabe-se que o consumo destes produtos no município tem sido em grande escala e que as normas para aplicação nem sempre são compridas.

 

Material e métodos

 

O estudo constitui-se em uma pesquisa de caráter descritivo, o qual verificou a exposição a agrotóxicos em produtores rurais do interior de Rondônia. O instrumento utilizado foi uma adaptação do Protocolo de Avaliação das Intoxicações Crônicas desenvolvido pela Secretaria Municipal do Paraná (2013). E para a definição da situação toxicológica dos trabalhadores se obteve como base os critérios do protocolo de Guia de Vigilância em Saúde (2017), desenvolvido pelo Ministério da Saúde.

A população do estudo foi composta por produtores rurais cadastrados na EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) do município. A seleção das famílias ocorreu de forma randômica cujos critérios de inclusão foram trabalhadores que fazem ou fizeram a utilização de agrotóxicos no processo de produção em suas propriedades, sendo selecionados inicialmente 100 agricultores rurais, porém apenas 94 concluíram a pesquisa.

O primeiro passo para a obtenção de dados foi a coleta de amostras sanguíneas para os exames: acetilcolinesterase plasmática e eritrocitária, TGO e TGP, bilirrubina, ureia, urina tipo 1 e gama GT. E posteriormente consulta de enfermagem considerando as seguintes variáveis: tamanho da propriedade, tempo de exposição na atividade, nível de escolaridade, tipo de produtos em maior uso, sinais e sintomas, descrição do processo de trabalho, entre outros.

Após estes processos realizaram-se as consultas médicas. O quadro clínico que sugere intoxicação foi confirmado após análise do resultado dos exames e das análises clínicas. Conforme critérios estabelecidos, os expostos a intoxicação foram: Indivíduo com história pregressa ou atual de exposição a agrotóxicos que apresenta, ou não, algum sinal ou sintoma clínico ou alterações laboratoriais. Caso suspeito de intoxicação: aqueles com história pregressa a exposição a agrotóxicos e que apresentem algum sinal e sintoma específico ou inespecífico e/ou alterações laboratoriais. Sendo, casos confirmados de intoxicação: Aqueles com história pregressa a exposição a agrotóxicos e que apresentem algum sinal e sintoma específico que possua confirmação através de alterações laboratoriais e/ou que apresente vínculo epidemiológico espacial e/ou temporal.

Os trabalhadores foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo por meio do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), sua participação foi voluntária com a garantia do pesquisador sobre o sigilo total dos dados, respeitando a resolução 466/12 que dispõe sobre a bioética de pesquisas realizadas em humanos.

 

Resultados

 

Os resultados demonstram que os produtores rurais em sua maioria são do sexo masculino. A média de idade foi de 44,58 anos, com ensino fundamental incompleto (43,61%).

Em relação ao tempo de manipulação de agrotóxicos, a média é de 18,5 anos, a maioria teve ou tem contato de 11 a 30 anos de suas vidas (53,69%), alguns produtores disseram ainda trabalhar com o agente químico em seu meio de produção há mais de 41 anos (3,15%), como disposto na tabela I.

 

Tabela I - Dados sociodemográficos: sexo, faixa etária, escolaridade, tamanho da propriedade dos produtores rurais estudados. Ji-Paraná, 2018.

 

Fonte: Própria

 

Em relação às práticas de trabalho, tabela II, 85,10% dos produtores relatam fazer o preparo do produto, mas apenas 79,78% realizam a aplicação, essa que é feita com bomba de aspiração manual por 84,04%. Apenas 23,40% dos produtores receberam treinamento ou instruções sobre como preparar, diluir e aplicar os insumos agrícolas.

A leitura dos rótulos é realizada por 51,06% e apenas 46,80% diz seguir o que está prescrito na embalagem, pois 59,58% não compreendem as informações facilmente, seja por letras pequenas, linguagem técnica, ou analfabetismo. Outra dificuldade encontrada é na compreensão da classe toxicológica, já que 82,98% não sabe o significado das cores representativas de cada classe.

Apenas 9,57% dos produtores realizam controle de data e hora da aplicação, assim como a quantidade de produto aplicado. Há relatos de contato do agrotóxico de forma direta com a pele por 19,14%, porém apenas 17,02% faz uso de EPIs completa, compreendendo, bota luva, máscara, macacão e óculos.

 

Tabela II - Práticas de trabalho, higiene e medidas de segurança. Ji-Paraná, 2018.

 

Fonte: Própria.

 

Na tabela III, observa-se que o principal grupo químico utilizado é o da Glicina (65,21%) seguido do Bipiridílio (35.86%) e Piretróide (33,69%), sendo em sua maioria de formulações da classe agronômica dos herbicidas e inseticidas.

 

Tabela III - Principais agrotóxicos utilizados no meio de produção. Ji-Paraná, 2018.

 

Fonte: Própria.

 

A tabela IV apresenta os sinais e sintomas relatados pelos produtores. Percebe-se que 96,80% apresentam um ou mais sinais e sintomas compatíveis com intoxicação. Quando observados os distúrbios mais frequentes estão dificuldade da acuidade visual, visão turva, e câimbras.

 

Tabela IV - Sinais e sintomas relatados pelos trabalhadores rurais. Ji-Paraná, 2018

 

Fonte: Própria.

 

Na tabela V, a análise bioquímica nas funções hepática e renal foi identificada considerável alteração laboratorial da bilirrubina em 46(48,94%) e urina tipo I em 64(68,09%).

A partir de uma análise, considerando os critérios do protocolo, os trabalhadores rurais foram divididos em três grupos: Intoxicados, com sinais de intoxicação e expostos. Nesta ordem 29,78% intoxicados atendendo aos critérios de alterações laboratoriais, sinais e sintomas específicos, exposição a agrotóxicos e vínculo epidemiológico espacial e/ou temporal. Sinais de intoxicação 62,76% e os expostos 7,44% do grupo de produtores rurais deste estudo.

 

Tabela V - Análise bioquímico das funções hepáticas e renais e atividade da ChP*. Ji-Paraná, 2018.

 

*Colinesterase plasmática; **Gama Glutamil Transferase; ***Transaminase Glutâmico-Oxalacética; ****Transaminase Glutâmico-Pirúvica. Fonte: Própria

 

Discussão

 

Dados recentes mostram que foram comercializados no município pelas casas agropecuárias mais de 291 marcas de produtos tóxicos, dentre estas, destacam-se 50 tipos, totalizando 2.382.429 litros e 217.606 quilos de agrotóxicos, sendo a classe agronômica predominante dos herbicidas [12].

A situação torna-se mais alarmante quando se observa que a região é composta em sua maioria por pequenas propriedades rurais com um percentual de 81,02% e 18,98% médias propriedades. Segundo a lei que rege, apesar de antiga, a 8.629/1993, é considerada pequena propriedade o imóvel rural, cuja área tenha entre 1 e 4 módulos fiscais e a propriedade média possua de 5 a 15 módulos fiscais [13].

Nas pequenas propriedades a mão de obra predominante é a familiar, caracterizando a agricultura familiar, onde há o contato de toda família nas atividades [14]. Entretanto, a prevalência do homem na produção rural foi encontrada neste estudo, juntamente com a baixa escolaridade e média de idade relativamente jovem, muito embora, com um percentual importante com idade adulta avançada. Estudos em São Paulo [15] e Paraná [16] apresentam resultados similares, o que sugere a figura masculina ser prevalente nas atividades rurais.

A média de tempo que esses produtores estão em contato com os agrotóxicos é de 18,9 anos, havendo casos em que o manuseio ocorre há mais de 41 anos. Devido à característica da população, os membros da família ingressam nas atividades agrícolas precocemente, e assim aprendem com seus pais de forma empírica a manusear o solo e tais insumos, muitas vezes de maneira errônea, confirmando resultados encontrados em um estudo do Rio Grande do Sul [17].

Uma maneira de se realizar uma aplicação mais assertiva seria através da leitura das bulas e dos rótulos, porém apenas metade diz realizá-la, e menos da metade diz seguir as instruções contidas nas embalagens. Acredita-se que tal fato ocorra pela baixa escolaridade dos produtores, uma vez que mais da metade relataram ter dificuldade para compreender as informações contidas nas embalagens por se tratar de linguagens técnicas, que dificilmente serão compreendidas por leigos, assim como no estudo realizado em Sumaré/SP [19].

Um conjunto de atividades errôneas levam a exposição excessiva do produtor aos agrotóxicos. O período em que foram aplicados os agrotóxicos influencia diretamente, uma vez que muitos não souberam informar a data da última aplicação, não seguindo os períodos de carência, reentrada e reaplicação. Segundo o decreto 4074/2002, tais devem ser seguidos para se evitar uma sobre-exposição aos agrotóxicos [20].

Neste estudo em relação ao preparo da bomba para aplicação, nem todos os produtores que a preparam realizaram a administração do produto, e a minoria acredita fazer uso dos EPIs de forma completa. Casos de contato do agrotóxico diretamente com a pele poderiam ter sido evitados com a sua utilização. As elevadas temperaturas são a principal queixa quando questionados sobre o motivo de não utilizarem os EPIs, convergindo com estudos realizados no Nordeste [21,22] e Centro-Oeste [23].

A não utilização dos EPIs conforme as normas são preocupantes, visto que os pesquisados deste estudo não utilizam ou fazem de maneira errônea. Mais preocupante ainda é ver que os principais agrotóxicos utilizados são da classe toxicológica II, classificados como altamente tóxicos. Um fator relevante é que em sua maioria são herbicidas. A maior utilização desse produto se dá pelo clima equatorial, que propicia o crescimento de ervas daninhas.

Estudo que avaliou a utilização de agrotóxicos em Sertanópolis [24] afirma que a utilização sem controle em conjunto com a não utilização de EPIs favorece em grande proporção o possível desencadeamento de uma intoxicação crônica, evidenciada por alterações hemodinâmicas em um ou mais sistemas do corpo humano.

Os sinais e sintomas iniciais podem ser advindos da via de intoxicação, dividida em via de inalação, ingestão e dérmica. Estudo da Universidade Federal de Santa Maria [25] diz que sintomas encontrados como dispneia, cefaleia e visão turva podem estar associados à intoxicação por via inalatória. Quando ingeridos, podem causar náuseas/vômitos e câimbras. Por via dérmica, sudorese e outras alterações na pele, sendo estes sinais encontrados em evidência no estudo.

Além dos sinais e sintomas estarem relacionados com a via de intoxicação, pode ter incidido das classes agronômicas, neste estudo foram observados com maior utilização os herbicidas, dos princípios ativos glifosato e dicloreto de paraquate e inseticidas, relacionados aos grupos químicos piretroides e organoclorados.

Segundo estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro [26], o glifosato causa alterações endócrinas. Já a Procuradoria da República no Estado do Maranhão, no seu segundo ofício cível ao Ministério Público Federal, relata que o surfactante presente nesse produto quando ligado ao 1-4 dioxano, que é um potencial causador de câncer, leva a danos potenciais no fígado e rins dos seres humanos [27].

Quanto ao dicloreto de paraquate, foi restrito do mercado através da RDC Nº 190/2017 que afirma que a exposição ao paraquate leva a alterações e mutações genéticas e pode ser um dos fatores de risco para o desenvolvimento da doença de Parkinson [28].

O Protocolo de Avaliação das Intoxicações Crônicas traz que sinais e sintomas encontrados neste estudo, como: dispneia, perda de apetite, náusea, vômitos, fraqueza muscular, podem estar intimamente ligados à presença dos compostos químicos do herbicida no corpo. Já os inseticidas piretroides e organoclorados estão relacionados à apresentação de câimbras, irritação das mucosas, náusea/vômito e outros [7].

Os sinais e sintomas também se apresentam como marcadores para possíveis alterações nos sistemas do organismo. Nos produtores rurais deste estudo observaram-se alterações laboratoriais significativas no sistema hepático e renal.

Neste estudo não foram encontradas alterações na acetilcolinesterase eritrocitária e baixa frequência de alteração da colinesterase plasmática, com apenas três alterações inversas aos valores referenciais. Isso, pois, para o controle dos insetos os grupos químicos de primeira escolha são piretroides e organoclorados, que não atingem diretamente a enzima acetilcolina, que é modificada apenas pelos organofosforados e carbamatos.

Uma das alterações importantes muito frequentes entre os trabalhadores rurais foi renal para a urina tipo 1 e ureia. Um estudo realizado no estado de São Paulo com 370 produtores [15] aponta que 21,8% apresentaram alterações renais. Este ainda salienta que os exames do sistema renal servem como marcadores para doenças crônicas, assim como para observar estado de nefrotoxidade por produtos químicos utilizados em longo prazo [29].

As principais alterações no sistema hepático se deram através dos exames de bilirrubina, gama GT, TGO, TGP. Sendo tais alterações novamente sugestivas de intoxicação, bem como alterações hemodinâmicas no organismo causado por hábitos de vida ou doenças pregressas.

Exames específicos como os citados devem ser realizados para descobrir a origem da desordem no órgão. Através da avaliação clínico-laboratorial se avaliará se o problema é de ordem primária, evidenciando hepatite infecciosa, necrose hepática, entre outros, ou de ordem secundária as doenças que interferem no sistema, mas que não são diretamente ligadas a ele e as intoxicações [30].

No estudo observa-se que o grupo classificado como expostos a agrotóxicos representou a minoria da amostra, não apresentando alterações que possam ser diretamente ligadas a utilização de agentes químicos, bem como sinais de intoxicação ou agravos dos mesmos.

Para o grupo dos diagnosticados como intoxicados, encontraram-se 28 indivíduos, estes com alterações ligadas diretamente ao uso de agrotóxicos, e 59 indivíduos com sinais de intoxicação que possuem alterações relevantes que podem ou não ser devido à exposição a tais produtos. A partir de tais dados vê-se a importância de uma avaliação minuciosa para diagnóstico de intoxicação por agrotóxicos. Em Rondônia no ano de 2017 foram notificados com intoxicação exógena 539 indivíduos, sendo 46 do município de Ji-Paraná, não se esquecendo das subnotificações [31].

Segundo o Guia de vigilância em saúde, diversos são os fatores a serem vistos para chegar a um diagnóstico conclusivo de intoxicação. Os critérios laboratoriais, clínicos e de nexo epidemiológico devem ser observados com muita cautela. Isto, pois, mesmo que o produtor esteja exposto, muitas vezes o agrotóxico não é o único responsável pelas alterações sistêmicas no corpo do indivíduo [6]. Porém, mesmo com a existência de diagnósticos diferenciais, os agrotóxicos não devem ser desprezados na avaliação, pois, o uso descontrolado e de forma errônea de tais produtos leva a graves prejuízos na saúde humana e ambiental, tornando-se um problema de saúde pública.

 

Conclusão

 

O estudo veio a confirmar outras pesquisas epidemiológicas acerca da saúde do trabalhador rural que utiliza agrotóxico em seu meio de produção. Expõe que a utilização dos agrotóxicos não se limita a extensos plantios em latifúndios, pelo contrário, evidencia que já chegou às pequenas propriedades que trabalham com agricultura familiar. Os produtores em sua maioria com baixa escolaridade não sabem manusear o produto, colocando em risco a saúde de todos os envolvidos nas atividades agrícolas e dos consumidores.

O estudo evidenciou que a amostra em quase sua totalidade apresenta alterações relevantes que podem ser ligadas a utilização dos agrotóxicos, uma vez que diversos são os fatores, além da própria exposição aos agrotóxicos que podem levar a alterações sistêmicas e hemodinâmicas no organismo, considerando ainda as importantes alterações encontradas nos exames laboratoriais.

Todos os objetivos buscados pelo estudo foram concretizados, porém algumas limitações foram encontradas durante sua realização. O fator de deslocamento foi um deles. Por se tratar de moradores de área rural, a distância e a locomoção até o local da pesquisa interferiram de certa forma na coleta dos dados e exames laboratoriais, bem como o tempo de espera para o atendimento, uma vez que se instaurou o agendamento diário e sendo este por ordem de chegada, logo, alguns produtores se mostravam inquietos, podendo isso interferi/instigar algumas informações imprecisas na hora do preenchimento da ficha.

Considera-se importante a realização de pesquisas aprofundadas na área da avaliação das intoxicações por agrotóxicos, principalmente nas regiões Norte e Centro-oeste do país, pois ainda é grande o número de subnotificações de intoxicação por despreparo das equipes de saúde em avaliar e identificar tal problema em tais regiões.

 

Fontes de financiamento

 

Ministério Público do Trabalho de Rondônia (MPT) e Fundação de Amparo a Pesquisa em Rondônia (FAPERO).

 

Referências

 

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  27. Inquérito Civil Público n.º 1.19.000.001194/2007-18 – MPF/PR-MA – Pedido de Antecipação de Tutela insurge-se contra a falta de adequada fiscalização no uso e no controle dos impactos ambientais do herbicida denominado glifosato no Estado do Maranhão.
  28. Resolução de diretoria colegiada - RDC Nº 190, de 30 de novembro de 2017 que dispõe sobre a proibição do ingrediente ativo Paraquate em produtos agrotóxicos no país e sobre as medidas transitórias de mitigação de riscos. Ministério da Saúde.
  29. Governo do estado da Bahia; Secretaria da saúde do estado da Bahia – SESAB. Apostila de Toxicologia Básica. Centro de Informações Antiveneno da Bahia – CIAVE; 2009. 73 p.
  30. Benato F. Alterações em testes hepáticos [Dissertação]. Curitiba: Universidade Tuiutu do Paraná; 2006. 128 p.
  31. Departamento de informática do SUS – DATASUS. Informações de saúde, epidemiológicas e morbidades: banco de dados disponível em: http://datasus.saude.gov.br/