ARTIGO ORIGINAL

Morbimortalidade hospitalar por traumatismo cranioencefálico na Bahia entre 2008 a 2017

 

Douglas de Souza e Silva*, Muriel Trindade Santos Oliveira**, Marília de Souza Maia***, Mariana Santos Lago****, Eny Nardelle dos Santos Pinheiro*****, Patrícia Maia Botelho******, Jéssica Oliveira Lobo*******, Daniela Fagundes de Oliveira, M.Sc.********, Carina Marinho Picanço, M.Sc.*********, Magno Conceição das Merces, M.Sc.**********

 

*Enfermeiro, Especialista em Terapia Intensiva sob o formato de Residência pela Universidade do Estado da Bahia, Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia, **Enfermeiro, Residente em Terapia Intensiva pela Universidade do Estado da Bahia, ***Fisioterapeuta, Especialista em Terapia Intensiva sob o formato de Residência pela Universidade do Estado da Bahia, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia, ****Enfermeira, Especialista em Terapia Intensiva sob o formato de Residência pela Universidade do Estado da Bahia, *****Fonoaudióloga, Especialista em Terapia Intensiva sob o formato de Residência pela Universidade do Estado da Bahia, ******Fisioterapeuta, Especialista em Terapia Intensiva sob o formato de Residência pela Universidade do Estado da Bahia, *******Enfermeira Especialista em Emergência e Unidade de Terapia Intensiva, Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, ********Enfermeira, Coordenadora das UTIs do Hospital Geral do Estado-Bahia, *********Enfermeira, Coordenadora da Comissão de Residência Multidisciplinar em Saúde do Hospital Geral Roberto Santos, **********Biólogo e Enfermeiro, Professor da Universidade do Estado da Bahia

 

Recebido em 27 de abril de 2019; aceito em 29 de agosto de 2019.

Correspondência: Douglas de Souza e Silva, Rua Silveira Martins, 2555 Cabula 41150-000 Salvador BA

 

Douglas de Souza e Silva: douglasss-gbi@hotmail.com

Muriel Trindade Santos Oliveira: oliveira.muriel6@gmail.com

Marília de Souza Maia: mariliasmaia.fisio@gmail.com

Mariana Santos Lago: marilago91@gmail.com

Eny Nardelle dos Santos Pinheiro: enyfono@gmail.com

Patrícia Maia Botelho: patriciam.botelho@outlook.com

Jéssica Oliveira Lobo: jel_lobo@yahoo.com.br

Daniela Fagundes de Oliveira: danielafagundes@hotmail.com

Carina Marinho Picanço: carinampicanco@gmail.com

Magno Conceição das Merces: mmerces@uneb.br

 

Resumo

Introdução: Atualmente, tem-se observado uma mudança no perfil de causas de morte no Brasil, destacando-se o aumento das taxas de mortalidade por causas externas. Dentre elas, destaca-se o Traumatismo Cranioencefálico (TCE). Objetivo: Descrever os casos de internamentos, óbitos e custos hospitalares por TCE no estado da Bahia, no período de 2008 a 2017. Métodos: Estudo epidemiológico, descritivo e transversal, realizado com dados de morbimortalidade hospitalar por TCE. Os dados foram obtidos através do Sistema de Informação Hospitalar (SIH), disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Resultados: Foram registrados 64.134 internamentos por TCE. Ocorreu um total de 5.590 óbitos, com taxa de letalidade de 8,7%. A faixa etária com maior número de internações e óbitos foi de 20 a 39 anos, sendo o sexo masculino com a maior frequência. Os custos com serviços hospitalares foram de aproximadamente 65 milhões de reais nos anos analisados. Conclusão: Pode-se observar que a maior taxa de morbimortalidade em ambiente hospitalar por TCE no estado da Bahia, no período de 2008 a 2017, encontra-se na população de adultos jovens, em idade produtiva, do sexo masculino. Enfatizam-se os altos custos hospitalares pela internação e manutenção desses pacientes.

Palavras-chave: traumatismos craniocerebrais, hospitalização, epidemiologia, causas externas.

 

Abstract

Hospital morbidity and mortality due to traumatic brain injury in Bahia from 2008 to 2017

Introduction: Currently, there has been a change in the profile of causes of death in Brazil, highlighting the increase in mortality rates from external causes. Among them, there is the traumatic brain injury (TBI). Objective: To describe the cases of hospitalizations, deaths and hospital costs due to TBI in the state of Bahia, from 2008 to 2017. Methods: Epidemiological, descriptive and cross-sectional study conducted with data on hospital morbidity and mortality due to TBI. Data were obtained through the Hospital Information System, made available by the Department of Informatics of the Single Health System. Results: There were 64.134 hospitalizations for TBI. A total of 5.590 deaths occurred with a lethality rate of 8.7%. The age group with the highest number of hospitalizations and deaths ranged from 20 to 39 years, with males being the most frequent. The costs with hospital services were approximately 65 million reais in the years analyzed. Conclusion: The highest rate of morbidity and mortality in the hospital environment due to TBI in the state of Bahia, from 2008 to 2017, is found in the population of young male adults in working age. High hospital costs due to hospitalization and maintenance of these patients are emphasized.

Key-words: craniocerebral trauma, hospitalization, epidemiology, external causes.

 

Resumen

Morbilidad y mortalidad hospitalaria debido a lesión cerebral traumática en la Bahía de 2008 a 2017

Introducción: En la actualidad, ha habido un cambio en el perfil de las causas de muerte en Brasil, destacando el aumento de mortalidad por causas externas. Entre ellas, se encuentra la Lesión Cerebral Traumática (TBI). Objetivo: Describir los casos de hospitalizaciones, muertes y costos hospitalarios debidos a TBI en el estado de Bahía, de 2008 a 2017. Métodos: Estudio epidemiológico descriptivo y transversal con datos sobre morbilidad y mortalidad hospitalarias debidas a TBI. Los datos se obtuvieron a través del Sistema de Información Hospitalaria, disponible por el Departamento de Informática del Sistema Único de Salud. Resultados: Hubo 64.134 hospitalizaciones por TBI. Se produjeron un total de 5.590 muertes, con una tasa de letalidad del 8,7%. El grupo de edad con el mayor número de hospitalizaciones y muertes varió de 20 a 39 años, siendo los varones los más frecuentes. Los costos hospitalarios fueron de aproximadamente 65 millones de reales en los años analizados. Conclusión: La tasa más alta de morbilidad y mortalidad en el entorno hospitalario debido a un TBI, se encuentra en la población de adultos jóvenes, en edad laboral, hombres. Se enfatizan los altos costos hospitalarios debido a la hospitalización y el mantenimiento de estos pacientes.

Palabras-clave: traumatismos craneocerebrales, hospitalización, epidemiologia, causas externas.

 

Introdução

 

Uma das mais importantes alterações que vêm ocorrendo no perfil de causas de morte no Brasil é o crescimento da mortalidade por causas externas. Dentre elas, destaca-se o Traumatismo Cranioencefálico (TCE) [1].

Define-se TCE como qualquer acometimento provocado por forças externas, que causem danos anatômicos como fraturas ou lacerações do couro cabeludo ou comprometam a funcionalidade das estruturas do crânio ou encéfalo. Apresenta como consequências mudanças cerebrais, sejam momentâneas ou permanentes de origem cognitiva ou funcional [2,3]. Pode ser causado por acidentes automobilísticos (em torno de 50% dos casos), quedas (30% dos casos), e por agressões (20% dos casos), mas também são observadas causas por acidentes em esportes e recreação. Vale ressaltar que existe grande associação na maioria dos casos com a ingestão de bebidas alcoólicas [4].

O TCE pode ser classificado de acordo a sua gravidade, através de uma escala chamada Escala de Coma de Glasgow (ECG), mundialmente utilizada, de fácil acesso e aplicabilidade, e além da classificação do nível de consciência, também consegue avaliar a evolução ou piora do quadro neurológico de forma uniformizada. De acordo a ECG, existe o TCE leve, quando totaliza o escore entre 15 e 13 pontos; o moderado, com a pontuação entre 12 e 9 pontos e o TCE grave, somando entre 8 e 3 pontos. Neste último, já há a necessidade de realização de Intubação Orotraqueal (IOT) para proteção das vias aéreas e manutenção da ventilação do indivíduo [5]. No ano de 2018 tem-se uma nova versão da escala, denominada Escala de Coma de Glasgow com resposta Pupilar (ECG-P). A principal alteração tem a ver com a pontuação dada à reatividade pupilar, esta é subtraída da pontuação anterior, gerando um resultado final que pode variar de 01 a 15. Ademais, houve mudanças de nomenclaturas [6].

O TCE precisa ser visualizado como uma doença da sociedade atual, visto que acomete todas as faixas etárias, homens e mulheres, oferecendo riscos para a saúde da população, com notória importância na morbidade, além de apresentar elevados números de causa de mortes. Os indivíduos que sobrevivem podem apresentar sequelas significativas, como déficit motor e cognitivo, caracterizando grandes alterações socioeconômicas e também emocionais, tanto para os indivíduos, quanto para os familiares [4,7].

Dessa forma, o presente estudo objetivou descrever os casos de internamentos, óbitos e os custos hospitalares por TCE no estado da Bahia no período de 2008 a 2017. Procurou-se analisar a distribuição das internações hospitalares e dos óbitos por TCE, segundo sexo, faixa etária e raça/cor.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo e descritivo, com dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do Sistema Único de Saúde (SUS), disponibilizados eletronicamente pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, no portal eletrônico do Departamento de Informática do SUS [8].

Os dados são referentes às internações por traumatismos cranioencefálicos no estado da Bahia, ocorridos no período de 2008 a 2017. A busca dos dados se deu no mês de novembro de 2018 e foram incluídos no estudo os internamentos registrados no SIH/SUS, segundo a Classificação Internacional de Doenças, em sua 10ª revisão (CID-10), pertencentes ao capítulo XIX, que trata sobre lesões, envenenamento e algumas consequências de causas externas, com o código S06, referente a traumatismo cranioencefálico.

Utilizaram-se as variáveis disponíveis no SIH, a saber: sexo (masculino e feminino); faixa etária (< 1 ano; 1 a 4 anos; 5 a 9 anos; 10 a 19 anos; 20 a 39 anos; 40 a 59 anos e 60 anos ou mais); raça/cor (branca; preto; pardo; amarelo; indígena; ignorado); óbitos e os gastos com serviços hospitalares para as análises. Os dados populacionais utilizados para o cálculo da taxa de mortalidade (por 100.000 habitantes) foram obtidos pela projeção das unidades da federação de 2000 a 2030 na página eletrônica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [9].

A tabulação foi feita pelo aplicativo de domínio público denominado TABNET e a análise dos dados com auxílio do Microsoft Office Excel, com cálculos das frequências absolutas, relativas, e indicadores de saúde (taxa de mortalidade e letalidade) sendo sumarizados em tabelas e gráficos.

Por se tratar de um estudo com dados secundários e efetuado em uma plataforma de domínio público, dispensou-se a apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos. Entretanto, respeitaram-se as normas nacionais relacionadas à ética na pesquisa com seres humanos. Os dados foram analisados de forma global, não havendo identificação individual de pessoas registradas no sistema de informação.

 

Resultados

 

A tabela I apresenta as distribuições das internações por TCE segundo faixa etária, sexo, raça/cor na Bahia, no período de 2008 a 2017. No período analisado, houve um total 64.134 internamentos por TCE. Analisando particularmente cada variável, percebe-se que a faixa etária com maior número de internações por TCE são os adultos jovens (20 a 39 anos) apresentando maior número de casos nos anos analisados. Evidencia-se ainda que a faixa etária infantil, entre 5 e 9 anos, apresentou maior percentual no ano de 2009, com 7% dos internamentos registrados. No entanto, destaca-se que a faixa etária com menor percentual de internamentos é a menor que 1 ano. Observa-se que as faixas etárias de 40 a 59 anos e ≥ 60 anos têm se comportado de maneira diferente das outras ao longo dos últimos anos, por estarem aumentando seu percentual de internamentos.

O sexo masculino apresenta a maior frequência de internamentos por TCE, atingindo mais de 77% das hospitalizações em cada ano analisado. No tocante a raça/cor, a cor parda apresentou maior número de internamentos hospitalares em todos os anos analisados, sendo sua maior concentração em 2016, com 2055 casos (28,8 %) e em 2017 com o maior percentual dentre as raças analisadas (2.031, representando 35,4%). Os internamentos na raça/cor parda apresentaram aumento ao longo dos anos, enquanto nas outras raças houve diminuição. Esse número passou de 600 internamentos no ano de 2008 para 2.031 internamentos no ano de 2017, o que representa um aumento de 70,4%. Ainda tratando-se desta variável, encontra-se em destaque a expressiva quantidade de pacientes que não tiveram sua raça/cor definida e passaram a ser representados como ignorados. No primeiro ano (2008) houve o maior índice de ignorados, chegando a aproximadamente 78% dos internados. (Tabela I).

A tabela II apresenta a distribuição de óbitos por TCE segundo sexo, idade e raça/cor na Bahia, no período de 2008 a 2017. No período analisado ocorreu um total de 5.590 óbitos, observando-se aumento gradual desse quantitativo, reduzindo-se no ano de 2017. A taxa de letalidade correspondeu a 8,7%, em relação ao número de internamentos registrados no mesmo período. Nota-se o maior quantitativo de óbitos por TCE na faixa etária de 20 a 39 anos. Percebe-se que as faixas etárias de 40 a 59 anos e ≥ 60 anos apresentam valores consideráveis de óbitos relacionados ao TCE anualmente. Em contrapartida, as faixas etárias com menor número de óbitos foram <1 ano, 1 a 4 anos e 5 a 9 anos.

Na variável sexo, o gênero masculino apresentou o maior percentual de óbito por TCE, ultrapassando 80% em todos os anos analisados. No que se refere à raça/cor, os caracterizados como ignorados lideram os registros de óbitos em todos os anos, variando de 68,5% a 90,1%, seguida da cor parda, que aumenta gradualmente a ocorrência a partir do ano de 2009. Os registros de ocorrência na raça/cor amarela só se iniciam no ano de 2014 e não há registros na raça indígena (Tabela II).

O gráfico 1 mostra as taxas de mortalidade relacionado ao TCE (por 100 mil habitantes) na Bahia no período de 2008 a 2017. Pode-se inferir que os anos de 2008 e 2009 apresentaram as menores taxas de mortalidade (3,22 e 3,07, respectivamente). Porém, no ano de 2012 observa-se que houve um aumento significativo desta taxa (4,17). A maior taxa foi no ano de 2016 (4,3), no entanto, no ano 2017, apresentou-se uma queda brusca (3,25).

 

 

Gráfico 1 - Taxa de mortalidade hospitalar por traumatismo cranioencefálico, segundo ano de atendimento na Bahia, no período de 2008 a 2017.

 

O gráfico 2 demonstra os valores em reais dos serviços hospitalares relacionados ao atendimento e tratamento de pessoas com TCE no período de 2008 a 2017 na Bahia. Nota-se que os gastos hospitalares variaram de aproximadamente 3,5 milhões (2008) a 8,1 milhões (2016). No corte temporal analisado, o montante total foi de aproximadamente 65 milhões de reais com serviços hospitalares, enfatizando a grande magnitude do problema e os altos custos.

 

 

Gráfico 2 - Valores dos serviços hospitalares por traumatismo cranioencefálico segundo ano de atendimento na Bahia, no período de 2008 a 2017.

 

Tabela I - Distribuição das internações por traumatismo cranioencefálico segundo faixa etária, sexo, raça/cor, no estado da Bahia no período 2008 a 2017. (ver anexo em PDF)

 

Tabela II - Distribuição dos óbitos por traumatismo cranioencefálico segundo faixa etária, sexo, raça/cor, no estado da Bahia no período 2008-2017. (ver anexo em PDF)

 

 

Discussão

 

O trauma afeta, em sua maioria dos casos, pessoas na faixa etária produtiva, tornando-se um sério problema de saúde pública e tem se destacado no aumento da morbimortalidade no Brasil, estando o TCE grave, associado ao aumento da mortalidade em 30 a 70%. Os cuidados de saúde prestados às vítimas de TCE grave são marcados por uma recuperação lenta, internação prolongada, complicações, e sequelas significativas que afetam a qualidade de vida dos envolvidos [10,11].

Diante das análises dos dados do presente estudo, percebe-se que o sexo masculino e as faixas etárias de 20 anos ou mais foram os mais acometidos por TCE e pelo óbito secundário ao traumatismo. Estudos corroboram esses achados, como mostrado no levantamento bibliográfico de estudos brasileiros sobre a epidemiologia do TCE, realizado por Gaudêncio e Leão [12]. Os autores pontuam a predominância de acometimento de TCE no sexo masculino, com a faixa etária mais atingida entre 21 e 60 anos. Outro estudo também aponta o sexo masculino e a idade até 40 anos como fatores de risco para o TCE [13].

Estudo sobre TCE realizado no Hospital Geral do Estado, referência para atendimento às vítimas de trauma na capital baiana, analisou no ano de 2001, 555 prontuários de vítimas de TCE, mostrando que 82,9% das vítimas foram do sexo masculino, na faixa etária entre 21 e 30 anos. A taxa de morbidade foi de 24,9% e letalidade de 22,9% [14].

Fatores como os valores sociais, culturais e comportamentais podem estar relacionados à maior vulnerabilidade dos homens e jovens ao TCE. Enfatiza-se o maior consumo de álcool e drogas nessa população, que se relaciona a menor atenção e percepção de perigo e a maior exposição a situações que podem levar ao TCE, tais como agressões físicas, acidentes automobilísticos e quedas [14].

Estudo sobre a temática aponta que os indivíduos com menos de 40 anos, e do sexo masculino foram os mais acometidos, sendo as quedas e os acidentes de trânsito, com destaque os motociclísticos, as principais causas de TCE [3]. Destaca-se que os acidentes envolvendo motociclistas são frequentes na atualidade devido ao grande crescimento da frota no país. Estudo aponta os acidentes com motocicletas como causa mais comum de TCE grave [15]. Neste contexto, Silva et al. em seu estudo que avaliou o perfil dos internamentos por acidentes de transportes em um hospital geral especializado em trauma, verificou-se que 64,6% dos internamentos acometeram motociclistas, sendo 51,8% dos casos com o desfecho em óbitos [16].

Sabe-se que muitos casos de TCE estão relacionados aos acidentes de trânsito. No Brasil, a partir do final de 1997 foi instituído o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que define atribuições aos órgãos ligados ao trânsito e estabelece normas de conduta, infrações e penalidades para os usuários. Outra medida de enfrentamento e controle desses acidentes foi a lei 11.705/2008, a chamada “Lei Seca”, que alterou parte do CTB e instituiu taxa sérica de alcoolemia zero para todos os condutores de veículo automotor, estabelecendo penalidades como multa, suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo [17].

Em um estudo que objetivou apresentar dados sobre a conduta de beber e dirigir na cidade de Belo Horizonte, Brasil apontou um impacto expressivo, com redução de cerca de 50% na prevalência de condutores dirigindo com algum nível de álcool no sangue, em 2008, quando comparado ao ano anterior, o que coincide com a mudança na legislação. O estudo permitiu determinar o grande impacto decorrente da Lei Seca [18]. Abreu et al. analisaram o impacto do CTB e da Lei Seca na mortalidade por acidentes de trânsito no estado do Paraná, Brasil, no período de 1980 a 2014, mostrando impacto nas taxas de mortalidade após a implantação das mesmas, porém com posterior aumento destas, enfatizando a continua e efetiva fiscalização das leis e avanços nas políticas públicas para controle das taxas de mortalidade [19].

Em relação ao custo com serviços hospitalares com TCE, observa-se no presente estudo que os gastos foram de aproximadamente 65 milhões de reais no estado da Bahia, em todo o período analisado. Enfatizam-se os altos gastos do SUS com as hospitalizações para pacientes vítimas de TCE. Assim, nos anos de 2001 a 2005, estes gastos somaram aproximadamente 58 milhões de reais no Sudeste, 22 milhões no nordeste brasileiro, 10 milhões na região centro-oeste, 2 milhões na região norte e 12 milhões no Sul, ultrapassando o valor de 100 milhões de reais nos 5 anos analisados. Tem-se assim uma dimensão do impacto econômico do TCE na vida do cidadão e aos cofres públicos [12].

Neste contexto, estudo aponta que no ano de 2012 o valor total gasto pelo SUS para atendimento de causas externas foi maior que 1 bilhão de reais, com aproximadamente 1 milhão de internações. A média de permanência foi de 5,3 dias em hospital e a taxa de mortalidade de 2,48%. Estes dados são exclusivos das internações, não sendo considerados custos ambulatoriais e de clínicas de reabilitação. Somam-se a estes, os gastos com medicamentos, materiais necessários aos cuidados domiciliares, cuidador, transporte e aqueles indiretos referentes aos dias não trabalhados pelos pacientes e familiares [20]. Autores enfatizam que os custos com saúde no âmbito do SUS em vítimas de TCE apresentam maiores valores relacionados ao processo de internação em unidades de cuidados intensivos, reabilitação e aquisição de materiais ortopédicos [16].

Diante da magnitude do TCE, os dados dessa pesquisa podem refletir sobre a relevância do problema de saúde pública que se tornou o TCE. É perceptível que maior rigidez nas leis de trânsito, pode reverberar em redução das taxas de internamentos, óbitos e custos hospitalares, assim como medidas educativas de sensibilização da população, visto a grande ocorrência de casos relacionados aos acidentes de trânsito.

 

Conclusão

 

Pode-se observar que a maior taxa de morbimortalidade em ambiente hospitalar por traumatismo cranioencefálico no estado da Bahia, no período de 2008 a 2017, encontra-se na população de adultos jovens, em idade produtiva, do sexo masculino. Enfatizam-se os altos custos hospitalares pela internação, manutenção e reabilitação desses pacientes no âmbito do SUS.

Salienta-se que para a realização deste estudo, foram utilizados dados secundários do Sistema de Informação Hospitalar, onde são registradas as internações de unidades do sistema público ou de unidades credenciadas ao SUS, podendo haver limitações, como o real levantamento da morbimortalidade deste agravo no estado da Bahia, e a qualidade dos dados e incompletude destes.

A partir das análises realizadas, é possível sugerir implementação de políticas públicas mais enérgicas para planejamento e ações preventivas. Novos estudos sobre a epidemiologia do TCE com metodologias mais robustas são necessários.

 

Referências

 

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