ARTIGO ORIGINAL
Sobrecarga do cuidador
familiar da pessoa idosa com Alzheimer
Sara
Melissa Lago Sousa*, Dairla Farias Ferreira**, Lúcia Hisako Takase
Gonçalves, D.Sc.***, Sandra Helena Isse Polaro, D.Sc.****
*Enfermeira, Mestranda, Programa de
Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Pará, Belém/PA, **Enfermeira,
Universidade Federal do Pará, Belém/PA, ***Enfermeira, Profª Visitante Sênior CAPES, Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem, Universidade Federal do Pará, Belém/PA, ****Enfermeira, Programa
de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Pará, Belém/PA, *****Enfermeira, Universidade Federal do Pará, Belém/PA
Recebido em 31 de março
de 2020; aceito em 8 de maio de 2020
Correspondência: Daiane de Souza
Fernandes, Itabira 20 Maguari 67030-390 Ananindeua PA
Sandra Helena Isse Polaro: shpolaro@hotmail.com
Resumo
Objetivo: Avaliar a sobrecarga
do cuidador informal de idosos com Alzheimer e analisar seu perfil
socioeconômico e epidemiológico. Métodos: Estudo descritivo,
transversal, de cunho quantitativo, realizado com 69 cuidadores familiares de
idosos. Foram coletados dados referentes as condições socioeconômicas,
epidemiológicas e nível de sobrecarga do cuidador. Resultados: O perfil
desses cuidadores evidenciou predomínio de mulheres (91,3%), casadas (50,7%),
com idade avançada (31,9%), grau de escolaridade médio (42,0%), que não exercem
atividade remunerada (58,0%) e renda de até 2 salários mínimos (34,8%).
Demonstrou-se que um grande percentual de cuidadores apresenta mais de uma
doença como transtornos psicológicos, doenças crônicas não transmissíveis e
problemas na coluna (37,7%). Constatou-se que a maioria dos cuidadores
apresentavam sobrecarga intensa (59,4%). Conclusão: Evidenciou-se
necessidade de suporte pela equipe de Enfermagem aos cuidadores.
Palavras-chave: doença de Alzheimer,
demência, cuidadores, enfermagem geriátrica, cuidados de enfermagem.
Abstract
Overload of older person's family caregiver with Alzheimer
Objective: To assess the burden of informal caregivers for elderly people with
Alzheimer's and analyze their socioeconomic and epidemiological profile. Methods:
Descriptive, cross-sectional, quantitative study, carried out with 69 family
caregivers of the elderly. Data were collected regarding socioeconomic
conditions, epidemiology and level of caregiver burden. Results: The
profile of these caregivers showed a predominance of women (91.3%), married
(50.7%), elderly (31.9%), average schooling (42.0%), without paid activity
(58.0%) and income of up to 2 minimum wages (34.8%). It has been demonstrated
that a large percentage of caregivers present more than one disease, such as
psychological disorders, chronic non-communicable diseases and spinal problems
(37.7%). It was found that most of caregivers
presented intense overload (59.4%). Conclusion: It was evidenced the
need of support by the Nursing team to caregivers.
Keywords: Alzheimer disease, dementia, caregivers, geriatric nursing, nursing
care.
Resumen
Sobrecarga del cuidador familiar de persona mayor
con Alzheimer
Objetivo: Evaluar
la carga de los cuidadores informales para personas mayores con Alzheimer y analizar su perfil socioeconómico y epidemiológico. Métodos: Estudio descriptivo, transversal
de cuño cuantitativo,
realizado con 69 cuidadores familiares de ancianos. Se recogieron datos referentes a las
condiciones socioeconómicas, epidemiológicas y nivel
de sobrecarga del cuidador. Resultados: El
perfil de estos cuidadores evidenció
un predominio de mujeres (91,3%), casadas (50,7%), con
edad avanzada (31,9%),
grado de escolaridad promedio
(42,0%), que no ejercen actividad
remunerada (58,0%) y renta de hasta 2 salarios
mínimos (34,8%). Se demostró que un
gran porcentaje de
cuidadores presenta más de una enfermedad como trastornos psicológicos, enfermedades
crónicas no transmisibles y problemas en la columna
(37,7%). Se constató que la
mayoría de los cuidadores presentaban una sobrecarga intensa (59,4%). Conclusión: Se evidenció necesidad de apoyo por el equipo de enfermería a los cuidadores.
Palabras-clave: enfermedad
de Alzheimer, demencia, cuidadores, enfermaría geriátrica, atención
de enfermería.
A perspectiva de
crescimento da população acima de 60 anos colocará o Brasil, dentro de 25 anos,
como a 6ª maior população de idosos no mundo em números absolutos. Atualmente,
há o número de 16 milhões de indivíduos com 60 anos ou mais, que passará a ser
32 milhões em 2025, representando 15% da população total [1].
Com o aumento da
expectativa de vida, cresce também as doenças neurodegenerativas, como o
Alzheimer. A Doença de Alzheimer (DA) é essencialmente uma síndrome cerebral
degenerativa, de etiologia desconhecida, com componentes neuropatológicos e
neuroquímicos distintos, que vão além da biologia do envelhecimento e que se
desdobram em mudanças sociais [2].
A DA causa forte
impacto na estrutura familiar e na sociedade, tendo uma alta prevalência entre
todas as demências [3]. No Brasil há uma prevalência média, segundo projeções,
mais alta que a mundial na população com 65 anos e mais, passando de 7,6% para
7,9% entre 2010 e 2020, 55.000 novos casos por ano [4].
Mediante as dificuldades
cognitivas exibidas pela perda da capacidade de manutenção das atividades
diárias desenvolvidas pelo idoso com DA, torna-se fundamental a presença de um
cuidador. Neste caso, os cuidados realizados a esses idosos podem ser
realizados por cuidadores leigos, informais ou não profissionais, que em nossa
cultura, na maioria das vezes, a própria família é responsável por esse cuidado
[3].
Existe despreparo entre
as pessoas para lidar com a responsabilidade e sobrecarga que é cuidar de um
idoso afetado por doenças demenciais, como o Alzheimer, pois, em geral, existe
um desconhecimento sobre a doença, sobre o como agir, como entender a pessoa
afetada e seus próprios sentimentos, produzindo desgastes emocionais, físicos e
psicológicos para o cuidador e a família por causa da longa duração do
tratamento e da perda gradual das funções cognitivas do idoso, evoluindo para
quadros de total dependência e exigindo cada vez mais a dedicação daqueles que
com ele convivem [5].
Este estudo objetivou
avaliar a sobrecarga de cuidadores informais de pessoas idosas com doença de
Alzheimer e analisar seu perfil socioeconômico e epidemiológico.
Estudo descritivo,
transversal, de cunho quantitativo. Realizado no Hospital Universitário João de
Barros Barreto (HUJBB). O local foi escolhido devido a sua grande contribuição
para a qualidade de vida do cuidador familiar e do idoso com Alzheimer em seu
ambulatório. Esta pesquisa trabalha com amostra por conveniência em período
estipulado de três meses, chegando a 69 cuidadores entrevistados.
Os critérios de
inclusão foram maiores de 18 anos, cuidadores familiares dos idosos que
possuíam como diagnóstico a doença de Alzheimer. Como critério de exclusão, os
cuidadores formais. A coleta de dados se deu através do formulário
socioeconômico, enfocando suas variáveis (gênero, faixa etária, escolaridade,
estado civil, atividade remunerada e renda familiar), e condições
epidemiológicas de saúde (hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus,
dor, escoliose/problemas na coluna, estresse, depressão, ansiedade e outros).
Em seguida, foi aplicada a escala que busca mensurar a sobrecarga do cuidador,
escala de Zarit, que avalia o impacto percebido do
cuidar sobre a saúde física e emocional, atividades sociais e condição
financeira.
A Zarit
Burden Interview (ZBI) foi validada no Brasil por
Scazufca et al. [6]. A escala é composta por
22 itens com cinco pontos, cada um destes que correspondem de 0 = nunca a 4 =
sempre, com escore de 0 a 88, pontuação que reflete o nível de sobrecarga do
cuidador, quanto maior o escore, maior é a sobrecarga deste cuidador [7].
Para análise deste
estudo foi construído um banco de dados organizado no aplicativo SPSS Statistics 20.0. E para o tratamento dos dados
socioeconômicos e epidemiológicos foram realizadas análises descritivas com
medidas de posição e dispersão.
Os riscos e benefícios
da pesquisa seguem a resolução 466 de 12 de dezembro 2012, que trata de normas
regulamentadoras sobre pesquisa com seres humanos. Logo, se observa que esta
pesquisa apresentou como risco a quebra de sigilo e, por isso, ressaltamos que
a identidade dos sujeitos foi mantida sob sigilo confidencial, conforme
Resolução Nº 466/12 do CNS/MS. Como futuros benefícios, através do estudo
objetiva-se contribuir para a melhora da qualidade de vida dos cuidadores
informais de idosos com Alzheimer, e trazer a discussão do tema proposto aos
profissionais, especialmente enfermeiros que lidam com estes clientes.
Destaca-se que para a
minimização de qualquer dano eventual imediato ou tardio, comprometendo o
indivíduo ou a coletividade, a coleta de dados foi realizada somente após
aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sistema CEP/CONEP do
Hospital Universitário João de Barros Barreto da Universidade Federal do Pará
(CAAE: 62192416.3.0000.0017).
Segundo os dados
demonstrados na Tabela I, observa-se que a maior proporção dos cuidadores era
do sexo feminino (91,3%), com faixa etária predominante entre 50-59 anos
(31,9%), com ensino médio completo (42,0%), a maioria casada (50,7%), sem
atividade remunerada (58,0%) e renda mensal familiar de dois salários mínimos
(34,8%).
Tabela I – Condições
socioeconômicas dos cuidadores familiares que participaram do estudo.
Fonte: dados da
pesquisa, 2017.
De acordo com os dados
apresentados na tabela II, notou-se que a maioria dos cuidadores apresentaram
várias complicações (15,9%), como transtorno psicológico e doenças crônicas não
transmissíveis.
Tabela II – Condições
epidemiológicas dos cuidadores familiares que participaram do estudo.
Fonte: dados da
pesquisa, 2017.
Na tabela III, ficou
evidente que 59,4% dos cuidadores sofrem uma sobrecarga intensa devido aos
cuidados prestados à pessoa idosa com Alzheimer.
Tabela III – Sobrecarga do
cuidador segundo a escala de Zarit.
Fonte: dados da
pesquisa, 2017.
Neste estudo
evidenciou-se que a maioria dos cuidadores são mulheres, isto se deve ao fato
de que o papel de cuidador está ligado intrinsicamente a forma como a mulher é
vista pela sociedade, como o cuidar ser algo naturalmente atribuído a elas devido
seu histórico papel de cuidadoras [8,9].
Em relação a faixa
etária, notou-se que os cuidadores estão envelhecendo, sendo preocupante ter
idosos cuidando de idosos e as complicações que esses cuidadores possam
adquirir devido à idade podem comprometer o idoso assistido [10-12].
Ao analisar a
escolaridade desses cuidadores, demonstrando que a escolaridade do cuidador é
de fundamental importância para o entendimento do processo de cuidar desse
idoso, da doença de Alzheimer e seu tratamento, quanto maior a escolaridade do
cuidador melhor serão os cuidados prestados ao idoso com demência [13,14].
Estar casados, pode
contribuir para o aumento da sobrecarga do cuidador, devido ao acúmulo de
tarefas que estes irão desempenhar em seu cotidiano, como cuidar de idoso
muitas vezes dependente de realizar suas tarefas domiciliares e externas, mas
também pode ser visto como positivo para esse cuidador que poderá encontrar
apoio no seu cônjuge [2,14,15].
Os dados encontrados
neste trabalho ratificam a posição do cuidador frente a atividades renumeradas,
em que o mesmo acaba por não exercer outra ocupação além do cuidado prestado ao
idoso com DA, pois o tempo gasto com os cuidados aos idosos com essa demência
acaba por ser 12 ou mais horas diárias, impossibilitando o cuidador familiar de
complementar a renda [16].
A baixa renda acarreta
prejuízos financeiros que tendem a sobrecarregar o cuidador, uma vez que prover
cuidados sugere necessidades básicas, desde a alimentação, atividades físicas,
até mesmo necessidades específicas que perpassam por aquisição e compra de
medicamentos [10,17].
Portanto, ao refletir
sobre o tratamento de idosos dependentes, é pensar em alto custo e que na maior
parte dos casos, os cuidadores deixam de trabalhar para se dedicar somente ao
cuidado e às tarefas domésticas, o que resulta em ainda mais dificuldades
financeiras para toda a família, por sua vez, a limitação de recursos
financeiros pode traduzir-se em fator gerador de estresse ao cuidador [10].
Em sua maioria, os
cuidadores tendem a se preocupar mais com o cuidado que prestam ao idoso
desencilhado, do que ao autocuidado. Dedicando, por vezes, exclusivamente seu
tempo a essa atividade. Esse fator pode gerar consequências a sua saúde física
e psicológica, adquirindo doenças crônicas não transmissíveis, transtornos
psicológicos e problemas na coluna, assim influenciando na forma como que o
idoso dependente é cuidado [10].
Cuidar requer
exigências físicas e/ou psíquicas para os cuidadores. É de extrema importância
que o cuidador possa receber apoio de todos os que estão ao seu entorno, visto
que a sobrecarga de execução de tarefas repetitivas e exaustivas, somadas às
dificuldades financeiras, de manejo com o portador da demência, cansaço físico
e mental contribuem para o desencadeamento do estresse e consequente piora da
qualidade de vida do binômio [14].
O estudo identificou a
presença de sobrecarga intensa. Saber que o cuidado tende por sobrecarregar os
cuidadores de pacientes com doenças relacionadas diretamente ao sistema
neurológico, como o Alzheimer, demonstra que o maior nível de sobrecarga nos
cuidadores é proporcional a maior incapacidade do doente [11,18].
Quanto mais tarefas
necessitarem ser executadas ao que está recebendo os cuidados, mais força,
equilíbrio físico e emocional é preciso ao cuidador, para prestar um cuidado
com qualidade ao seu dependente, e para tal êxito o mesmo necessita de saúde
física e psíquica, pois se não houver os cuidados precisos, o declínio de seu próprio
estado de saúde poderá ocorrer. Deste modo, o cuidador pode se apresentar tão
doente quanto o idoso com DA [13].
Os cuidadores se sentem
culpados por perderem o controle emocional tanto pelo processo de cuidar,
quanto pelo estado de cognição em que se encontra seu familiar. Assim, passam a
não saber os limites do cuidar, gerando a sobrecarga, tendo déficit ao
autocuidado ocasionando um efeito cascata de negligências a sua própria saúde,
desde a falta de promoção da mesma, à exposição continua ao estresse,
conduzindo em sua velhice a depender de um cuidador [14,17].
Vale ressaltar que a
qualidade de vida do binômio depende do apoio social, para a preservação da
saúde de ambos ligados diretamente ao processo. A presença de informações pode
ser crucial ao desempenho do cuidado com magnitude e amplitude. A convivência
do cuidador com pessoas ou demais familiares e profissionais promove esta
interação, reproduzindo qualidade de vida e com este vínculo fortalecimento de
elos de uma corrente, que podem se formar para a ajuda do cuidador familiar e
idoso dependente [19].
A enfermagem como
ciência do cuidar, com destaque ao profissional enfermeiro, pode sensibilizar
os profissionais da área e afins, para o fortalecimento de pesquisas que
acarretem diretamente em cuidados específicos que possam evidenciar a melhora
na qualidade de vida do binômio cuidador e idoso dependente. Identificar e
almejar estratégias em relação a esse cuidador, como ações educativas que
fortaleçam e aprimorem seus cuidados, priorizando planejamento,
autoconhecimento, para controle emocional e de estresse diante da situação
[20].
O estudo apresentou
algumas limitações, como em sua amostra, diante da dificuldade do serviço em
não ter o quantitativo exato de pacientes com o possível diagnóstico de doença
de Alzheimer para cálculo amostral de seus respectivos familiares,
estabelecendo-se, amostra por conveniência, não sendo possível a generalização
dos achados. Além de não haver cruzamentos de dados, algo que seria de relevância
ao estudo.
Conclui-se que o
objetivo deste estudo foi alcançado, pois evidenciou que há sobrecarga pelos
cuidadores familiares que lidam com a pessoa idosa com Alzheimer, de modo a
enriquecer esta discussão trazendo suas condições socioeconômicas e
epidemiológicas.
As repercussões na vida
do cuidador familiar sobrecarregado têm proporções negativas, que devem ser
acompanhadas por profissionais habilitados que impulsionem este cuidador a ter
melhor aceitação e percepção sobre a sua condição e de seu familiar.
Ratifica-se que é
importante fomentar estratégias para que estes cuidadores tenham acompanhamento
qualificado, criando vínculo com os profissionais enfermeiros. Assim, esses
profissionais podem incentivar a participação social destes cuidadores, potencializando
a concepção de sentimentos que são conflituosos, gerando estreitamento de laços
afetivos com outros cuidadores familiares, que vivenciem condições equânimes,
contribuindo para o fortalecimento de uma rede de apoio aos cuidadores.
Portanto, a atuação da
enfermagem pode ser de grande valia para a qualidade de vida do binômio
envolvido no processo, trazendo a reflexão de percepções antes não percebidas
por estes cuidadores e que, a partir de então, podem ser trabalhadas com o
objetivo do bem-estar biopsicossocial para o cuidador e seu familiar idoso.