ARTIGO ORIGINAL
Os motivos de
não-adesão ao exame preventivo de câncer de colo uterino e ações educativas em
uma região marajoara
Elisângela da Silva
Ferreira, M.Sc.*, Sheila Barbosa Paranhos, M.Sc.*, Edficher Margotti, D.Sc.*, Sandra Moura da
Silva**, Simone de Carvalho Barboza***
*Enfermeiras, Docentes
do Curso de Enfermagem da Universidade Federal do Pará, **Enfermeira,
Prefeitura Municipal de Portel, Pará, ***Enfermeira, Prefeitura Municipal de
Salvaterra, Pará
Recebido em 30 de julho
de 2019; aceito em 6 de abril de 2020.
Correspondência: Elisângela da Silva
Ferreira, Rua Caripunas 1220/408 edifício Debora, Jurunas, 66033230 Belém PA
Elisângela da Silva
Ferreira: licalipe8@yahoo.com.br
Sheila Barbosa Paranhos:
paranhos@ufpa.br
Edficher Margotti:
edficher@ufpa.br
Sandra Moura da Silva:
sandraamoura@yahoo.com.br
Simone de Carvalho
Barboza: simone_barbosa@yahoo.com.br
Resumo
No Brasil, o câncer de
colo do útero é o terceiro tumor mais frequente na população feminina, sendo o
primeiro mais incidente na Região Norte. Estudos nos revelam que a baixa adesão
ao exame Preventivo do Câncer de Colo de Útero (PCCU) se acentua entre as
mulheres das regiões mais pobres do país. Este estudo tem como objetivo
descrever os fatores da não-adesão ao PCCU, incentivando-as por meio de ações
educativas à prevenção do câncer do colo uterino. Estudo do tipo descritivo,
prospectivo, com abordagem quantitativa, desenvolvido no município de Portel,
localizado na mesorregião do Marajó, no estado do Pará, com 250 mulheres,
residentes na área de cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) da
Castanheira e do Centro de Referência da Zona Rural que atende a população
ribeirinha residente às margens dos três rios que banham o município, após
busca ativa realizada pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), em suas áreas
de abrangência. Posteriormente ao preenchimento do instrumento de coleta de
dados, as mulheres eram convidadas a participar da ação educativa. Os dados
coletados foram analisados através de estatística descritiva. A maioria das participantes
já havia realizado o exame, entretanto uma parcela já havia feito há mais de 2
anos. Os motivos de não-adesão (que nunca realizaram ou fizeram há mais de dois
anos) se assemelham entre as moradoras da área urbana e rural, dentre eles:
dificuldade de acesso ao local de realização do exame e medo,
vergonha/constrangimento para coletar o material, falta de interesse, não saber
que deveria realizar o exame, falta de material e a proibição do marido. O
planejamento das ações educativas levou em consideração esses motivos e a
necessidade de orientações e esclarecimentos. O estudo possibilitou demonstrar
a importância da educação em saúde, através de ações educativas, desenvolvidas
e pensadas de acordo com a realidade de cada localidade.
Palavras-chave: saúde da mulher,
educação em saúde, teste de Papanicolau, Enfermagem.
Abstract
The reasons for non-adhesion to screening test of cervical cancer and
educational actions in a Marajoara region
In
Brazil, cervical cancer is the third most frequent tumor in the female
population, the first being more incident in the Northern Region. Studies show
that the low adherence to the Prevention Test of Cervical Cancer (PTCC) is
increasing among women in the poorest regions of the country. This study aimed
to describe the factors of non-adherence to the PTCC, encouraging them through
educational actions to prevent cervical cancer. A descriptive, prospective
study with a quantitative approach, developed in the municipality of Portel, located in the Marajó
meso-region, in the state of Pará, with 250 women who lived in the Family
Health Strategy (ESF) area of Castanheira and the
Center of reference of the rural area that serves the resident riverside
population on the banks of the three rivers that bathe the municipality, after
an active search carried out by the Community Health Agents (ACS), in their
areas of coverage. After completing the data collection instrument, the women
were invited to participate in the educational action. The collected data were
analyzed through descriptive statistics. Most of the participants have already
done the test, however a portion had already done for more than 2 years. The
reasons for non-adherence (never have done or have done two years ago) are
similar among urban and rural dwellers, among them: difficulty in accessing the
local of test screening and fear, shame/embarrassment to collect the material,
lack of interest, not knowing that have to do the test, lack of material and
the prohibition of the husband. The planning of educational actions considered
these reasons and the need for orientation and clarification. The study made it
possible to demonstrate the importance of health education, through educational
actions, developed and thought according to the reality of each locality.
Keywords: women's health, health education, Papanicolaou test, Nursing.
Resumen
Las razones
para la no adhesión al examen preventivo del cáncer de cuello uterino y las acciones educativas en una región Marajoara
En Brasil, el cáncer de cuello
uterino es el tercer tumor
más frecuente en la población femenina,
siendo el primer incidente
más frecuente en la Región Norte. Los estudios revelan que la baja adherencia al examen preventivo de cáncer de cuello uterino (PCCU) se acentúa
entre las mujeres en las regiones
más pobres del país. Este estudio
tiene como objetivo describir
los factores de no adherencia a la PCCU, incentivándolas a través de acciones
educativas para prevenir el cáncer
de cuello uterino. Estudio descriptivo prospectivo con
enfoque cuantitativo, desarrollado
en el municipio
de Portel, ubicado en la mesorregión de Marajó, en el estado de Pará, con 250 mujeres, que residen en el
área de cobertura de la Estrategia
de Salud Familiar (FSE) de Castanheira y Centro de Referencia de la Zona Rural que atiende a la población
ribereña que reside en las orillas de los tres ríos
que bañan al municipio, después de una búsqueda activa realizada por los Agentes Comunitarios de Salud (ACS), en su áreas de cobertura. Después de cumplimentar el instrumento de recolección de datos, las mujeres
fueron invitadas a participar de la
acción educativa. Los datos
recopilados se analizaron mediante estadística descriptiva. La mayoría de las participantes ya habían realizado el examen, sin embargo, una parte lo había hecho
hace más de 02 años. Las razones de la no adherencia (que nunca realizaron o hicieron hace más de dos años) son similares entre los
residentes de las áreas urbanas y rurales,
entre ellas: dificultad
para acceder al lugar del examen y miedo, vergüenza/vergüenza para recoger el material, falta de interés, no saber que se debe
realizar el examen, falta
de material y la prohibición
del marido. La planificación
de las acciones
educativas tuvo en cuenta estos motivos y la necesidad de orientación y aclaración. El
estudio permitió demostrar la importancia de la educación para la salud, a través de acciones educativas, desarrolladas
y diseñadas de acuerdo con la realidad
de cada lugar.
Palabras-clave: salud
de la mujer, educación en salud,
prueba de Papanicolaou, Enfermería.
O câncer do colo do
útero caracteriza-se pela replicação exagerada do epitélio de revestimento do
órgão que compromete o tecido subjacente, podendo acometer outras estruturas
próximas ou distantes. O principal fator de risco para o desenvolvimento de
lesões intraepiteliais de alto grau precursoras do
câncer uterino e do câncer do colo do útero, propriamente dito, é a infecção
pelo papilomavírus humano (HPV) [1].
Para o Brasil,
estimam-se 16.370 casos novos de câncer do colo do útero para cada ano do
biênio 2018-2019, com um risco estimado de 15,43 casos a cada 100 mil mulheres,
ocupando a terceira posição, sendo o primeiro mais incidente na Região Norte,
com 25,62/100 mil [2].
A principal estratégia
para reduzir a alta incidência e mortalidade do câncer do colo do útero é o seu
rastreamento através do exame Preventivo do Câncer de Colo de Útero (PCCU), o
Papanicolau, porém a adesão a esse exame ainda está distante da cobertura
preconizada [3]. Estudos revelam que a baixa adesão ao PCCU se acentua entre as
mulheres das regiões mais pobres do país, tornando-as mais vulneráveis a este
tipo de câncer, evidenciando que baixas condições socioeconômicas estão
relacionadas a maiores incidências ao câncer do colo do útero [4].
Casarin e Piccoli [5] afirmam que existe uma associação entre o
câncer de colo uterino e o baixo nível socioeconômico em todas as regiões do
mundo. Para eles, os grupos mais vulneráveis estão onde existem barreiras de
acesso à rede de serviços de saúde, para detecção e tratamento da patologia e
de suas lesões precursoras, advindas das dificuldades econômicas e geográficas,
insuficiência de serviços e por questões culturais, como medo, desconsideração
de sintomas importantes e preconceito. Vale ressaltar que o local de realização
deste estudo apresenta um dos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) mais
baixos do país [6].
Com um levantamento de
dados, realizado na Secretaria de Saúde do município de Portel, identificou-se
que no período de 2010 a 2016 registraram-se 49 casos novos de câncer do colo
do útero (média de 8,1 casos por ano), além disso, percebeu-se que este número
poderia não corresponder à realidade por serem registrados apenas os casos
acompanhados pelo TFD (Tratamento Fora Domicílio), não sendo contabilizados,
nesses registros, os tratamentos realizados sem TFD e os casos não tratados.
Com base nisso, surgiu
o interesse em conhecer a realidade do município de Portel no que concerne a
adesão ao exame preventivo do câncer do colo uterino e os fatores relacionados
à sua não-adesão por um grupo de mulheres, pois o desenvolvimento de estudos
que busquem identificar os fatores associados à realização do exame preventivo
é importante para subsidiar intervenções qualificadas e efetivas, capazes de
impactar na incidência do câncer de colo de útero em subgrupos vulneráveis [7].
Para tanto, este estudo
tem como objetivo descrever os fatores da não-adesão ao exame Papanicolau das
mulheres residentes no Marajó, incentivando-as por meio de ações educativas a
prevenção do câncer do colo uterino.
Estudo do tipo
descritivo, prospectivo, com abordagem quantitativa, desenvolvido no município
de Portel, localizado na Mesorregião do Marajó, no estado do Pará, realizado
com 250 mulheres residentes na área de abrangência da Estratégia Saúde da
Família (ESF) da Castanheira, localizada na zona urbana, e no Centro de
Referência da Zona Rural, que atende a população ribeirinha residente às
margens dos três rios que banham o município.
Antes da coleta dos
dados, os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) (no total de 25 profissionais)
participaram de uma reunião para demonstração da metodologia do estudo. Os
dados foram coletados no período de outubro a novembro de 2017, em uma busca
ativa realizada pelos ACS do município, em suas áreas de abrangência, utilizando
um questionário contendo questões sobre o perfil socioeconômico e demográfico
das participantes e quanto à adesão e regularidade na realização do PCCU.
Após aceite e
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), as
participantes preenchiam o instrumento de coleta dos dados e posteriormente
eram convidadas a participar da ação educativa. As mulheres que buscaram,
espontaneamente, atendimento na ESF Castanheira e Centro de Referência da Zona
Rural, que atenderam aos critérios de inclusão, também foram convidadas a
participar do estudo, seguindo as mesmas etapas das que receberem a visita
domiciliar.
Os dados coletados
foram analisados através de estatística descritiva, com base nos números
absolutos e relativos, de forma evolutiva em gráficos e tabelas.
O projeto deste estudo passou por apreciação
da Secretaria Municipal de Saúde de Portel para autorização e, posteriormente,
por avaliação e análise do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Instituto de
Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Federal do Pará, sendo aprovado através
do CAAE nº 69890017.0.0000.5634. A pesquisa foi realizada com base na resolução
nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, de acordo com as diretrizes e
normas regulamentadoras sobre pesquisa envolvendo seres Humanos.
Em relação ao perfil
socioeconômico, observou-se que a maioria das participantes da zona rural tinha
entre 20 e 29 anos (52/150), possuía ensino fundamental incompleto (54/150),
eram lavradoras (54/150), viviam em união estável (62/150), e tinham renda de
menos de um salário mínimo (139/150). Na ESF da zona urbana, identificamos que
o perfil das participantes se assemelha ao das mulheres residentes na zona
rural, em sua maioria, estavam na faixa etária de 20 a 29 anos (45/100), porém
assim como na zona rural, apresentavam baixa escolaridade, nível fundamental
incompleto (47/100), ocupavam-se das atividades do lar (62/100), viviam em
união estável (52/100) e tinham renda de menos de um salário mínimo (88/100).
Em relação à realização
do PCCU pelas mulheres residentes na zona rural, o presente estudo aponta que,
do total de participantes, a maioria já havia realizado o exame (99/150),
destas, 30/99 afirmaram ter feito o mesmo entre um e dois anos e 23/99 o realizaram
há mais de três anos. Entretanto, 34% das mulheres participantes do estudo
nunca realizaram o exame e das que já haviam feito PCCU, 28% estavam há mais de
02 anos sem fazer. Na zona urbana a grande maioria das participantes da
pesquisa já realizou o exame (90/100), 10% das participantes nunca realizaram
(10/100), entretanto, das que já haviam realizado, 22% o fizeram há mais de 02
anos.
A tabela I demonstra os
motivos para não-adesão ou irregularidade na realização do PCCU pelas mulheres
que nunca realizaram o exame e as que o realizaram há mais de 02 anos,
consideradas irregulares nesta pesquisa, com base nas recomendações do
Ministério da Saúde, residentes na zona rural e urbana de Portel. Observa-se
que os motivos se assemelham entre as moradoras da área urbana e rural. Dentre
as participantes residentes na zona rural, a maioria aponta que o motivo tem
relação com a dificuldade de acesso ao local de realização do exame (22/93),
seguido de vergonha/constrangimento para coletar o material (20/93). A maioria
das participantes da zona urbana descreve que foi por falta de interesse
(12/32) e por não saber que deveria realizá-lo (07/32).
Tabela I – Descrição dos
motivos para não-adesão ou irregularidade na realização do PCCU pelas mulheres
residentes na zona rural e urbana do município de Portel/PA, 2017.
Fonte: Instrumento de
coleta de dados, Portel/PA, 2017.
Os resultados apresentados
serviram como base para a realização de ações educativas, especialmente quanto
aos motivos da não-adesão do PCCU, objetivando sanar as dúvidas apresentadas
pelas mulheres e desmistificar o exame preventivo de câncer de colo uterino.
Elaborou-se uma
dinâmica com imagens e frases representando os motivos citados como barreira
para a realização do exame, sendo os principais: medo, não sabia que tinha que
fazer, vergonha e constrangimento, falta de material, difícil acesso e
proibição pelo marido. Com intuito de demonstrar as possíveis consequências da
não-adesão ao exame, foram construídos dois caminhos que levavam à “doença” ou,
se realizado, aos benefícios e hábitos necessários para prevenir ou
diagnosticar precocemente o câncer do colo do útero, como: higiene intima,
realizar o PCCU regulamente, uso de camisinha, evitar múltiplos parceiros,
expressado ao final deste caminho como “corpo saudável”.
Essas ações tiveram
como tema principal “prevenção do colo do útero e importância do exame PCCU” e
foram distribuídas em etapas, após convite formal às participantes: a) a
primeira consistiu em exposição oral com esclarecimentos quanto ao tema com o
auxílio de aparelho multimídia, utilizando-se linguagem simples e imagens para
melhor compreensão do tema; b) na segunda etapa realizou-se uma dinâmica,
intitulada "ultrapassando obstáculos a caminho de um corpo saudável”.
Nessa dinâmica dividiram-se as participantes em dois grupos, as que se
encontravam sentadas no lado direito do auditório e as que se estavam no
esquerdo. Para cada grupo foi escolhida uma única participante, cada grupo foi
direcionado, propositalmente, para caminhos diferentes: “câncer” e “corpo
saudável”. As duas participantes vendadas foram colocadas distantes dos dois
caminhos, sem a noção da direção dos caminhos, foram orientadas e guiadas
através de ajuda das outras participantes a seguir pelo caminho. Essa etapa
possibilitou uma reflexão sobre o caminho que percorremos e sua consequência,
sendo uma forma de demonstrar que se seguirmos hábitos saudáveis e exames de
prevenção regular da doença termos uma vida mais saudável, no entanto, se não
aderirmos à realização do PCCU, por qualquer motivo, podemos, consequentemente,
evoluir para o câncer; c) a terceira etapa consistiu em uma roda de conversa a
fim de um diálogo aberto e exposição de dúvidas sobre o assunto. Ao final das
ações, houve entrega de brindes e oferecido um lanche às participantes como
forma de incentivo à participação.
Dentre as 250 mulheres
que preencheram o formulário, 165 participaram das ações educativas, sendo
95/100 moradoras da zona urbana e 70/150 residentes na área urbana. Acredita-se
que o ideal seria um número maior de participantes, visto a necessidade
identificada pautada nos resultados deste estudo. No entanto, o não
comparecimento de algumas já era previsto após perceber a dificuldade de acesso
que essas mulheres enfrentam para se deslocarem, especialmente as residentes
nas áreas rurais.
Durante as rodas de
conversa, as participantes relataram a importância da ação educativa e
esclarecimentos quanto a necessidade em realizar o exame, sentindo-se dispostas
e decididas a quebrar as barreiras em busca de um corpo saudável.
Neste estudo foram
incluídas mulheres entre 20 e 25 anos, tendo em vista o início precoce da
atividade sexual e a incidência do HPV nas adolescentes, conforme aponta Hugo
et al. [8] em seu estudo, no qual 33% das mulheres entrevistadas haviam tido
relações sexuais antes dos 15 anos, afirmando também, que essa precocidade com
que está ocorrendo o início da vida sexual, pode ser um agravo à saúde.
Quanto à escolaridade,
Silva et al. [9,10] afirmam que a baixa escolaridade é um fator que
propicia a não realização do exame PCCU e, consequentemente, aumenta a probabilidade
de desenvolver o câncer do colo do útero, seus estudos relatam forte associação
entre alteração celular epitelial e escolaridade inferior ao ensino fundamental
completo.
Segundo
o IBGE [6], em
Portel o salário médio mensal da população
é de 2,1 salários mínimos e a
proporção de pessoas ocupadas em relação
à população total é de 7,1%, bem
abaixo dos outros municípios do estado e outras cidades do
país todo, além de
domicílios com rendimentos mensais de até meio
salário mínimo por pessoa, com
51% da população nessas condições,
revelando o porquê do município de Portel
aparecer nas estatísticas como um dos munícipios com
índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) mais baixo do Pará e do Brasil. O perfil
socioeconômico das
mulheres de Portel as coloca em situação de
vulnerabilidade ao câncer do colo
do útero, pois tanto a baixa escolaridade quanto a baixa renda
são fatores que
propiciam a não realização do exame PCCU e,
consequentemente, aumentam a
probabilidade do desenvolvimento da doença [9,11].
O maior percentual de
mulheres da área urbana adstrita em relação às da zona rural que realizaram o
PCCU pode ter como motivo a dificuldade de acesso das mulheres residentes na
zona rural, uma vez que este exame é realizado nos postos de saúde localizados
na área urbana do município. Para Davim et al.[12],
fatos como esse pode nos remeter a ideia de que, mesmo sendo um
procedimento de baixo custo, a coleta do PCCU não está
incorporada a todos os
serviços de saúde, tendo utilização
reduzida e não disponível a toda população
feminina.
Um fator relevante
neste estudo é que embora a maioria das participantes já tenha realizado o
PCCU, muitas delas não o estão realizando de acordo com o preconizado pelo
Ministério da Saúde, que recomendada a repetição do Papanicolau a cada três
anos, após dois exames normais consecutivos realizados com intervalo de um ano
[13].
Segundo Souza e Alves
[14], os motivos da não realização do PCCU estão associados a fatores como:
desconhecimento do próprio corpo, desconhecimento da importância do exame e de
sua realização, dificuldade de acesso, demanda reprimida, falta de oportunidade
que a usuária tem para falar sobre si e sobre sua sexualidade, como também,
pelo desconhecimento sobre o próprio câncer, acrescido de sentimentos
causadores de incômodo, medo e vergonha, tabus e ideias preconceituosas sobre a
mulher. Em um outro estudo identificou-se que as mulheres mais vulneráveis a
desenvolver o câncer de colo de útero concentravam-se onde as barreiras
geográficas e de acesso ao serviço de saúde eram maiores, corroborando os
resultados deste estudo [15].
Sobre a falta de
interesse em realizar o PCCU, está relacionado ao fato de muitas mulheres
tratarem o câncer de colo do útero como uma doença distante do seu contexto de
vida, favorecendo a falta de atitude e a não realização do exame e que, na
maioria das vezes, esse conhecimento consensual só é mudado quando elas mesmas
ou pessoas próximas são acometidas pela doença [16].
Nota-se que uma grande
parte da população ainda não tem um conhecimento adequado sobre o verdadeiro
objetivo do exame [17], o que pode também influenciar o sentimento de
constrangimento no momento da coleta. A vergonha torna-se uma barreira
essencial para realização do exame e pode causar até descontinuidade da
assistência, pois a exposição do corpo durante o procedimento do exame é algo
intenso para a mulher, as coloca em situação de vulnerabilidade, sendo exposta
ao toque, manipulação e julgamento do seu corpo por outra pessoa, além da
impotência, desproteção e perda do domínio do corpo que a posição ginecológica
proporciona [18,19].
O sentimento do medo,
também mencionado pelas participantes deste estudo, faz com que algumas
mulheres adiem a realização do preventivo, revelando a falta de informações
sobre a importância do diagnóstico precoce, probabilidade de cura mais elevada
e tratamentos mais sutis [20]. Assim sendo, existe a necessidade de se
esclarecer quanto à importância da realização do exame preventivo, pois a
adesão das mulheres à sua realização está intimamente relacionada ao grau de
conhecimento das mesmas [16].
Avaliou-se o resultado
deste estudo como positivo, pela abrangência das ações educativas entre as
mulheres do município de Portel. Acredita-se que a mulher, como principal
beneficiária das ações contra o câncer de colo uterino, deve ser esclarecida
sobre todas as etapas do PCCU e o profissional enfermeiro capacitado pode atuar
junto a equipe multiprofissional e ser um elo entre a população e o serviço de
saúde.
Oliveira et al.[21]
evidenciam a importância do papel da Estratégia
Saúde da Família (ESF) por
representar um modelo de atenção voltada para a
prevenção, promoção, proteção
e
recuperação da saúde com o objetivo de criar
vínculo entre equipe de saúde e
usuário. Dessa forma, há maior facilidade de acesso,
comunicação e troca de
informações com a população tirando
dúvidas, medo e anseios e proporcionando
conhecimento adequado acerca de se fazer a prevenção,
além de facilitar o
rastreamento de mulheres para que façam o exame rotineiro de
PCCU.
Neste estudo, durante
as ações educativas, houve bastante participação das mulheres do estudo,
questionando e partilhando suas experiências pessoas, bem como, sanando as
dúvidas e fazendo comentários a respeito de tudo o que foi exposto e
vivenciado. Essas mulheres relataram que foi importante participar do estudo,
pois puderam conhecer melhor o tema, sendo fundamental para a reflexão pessoal.
Além disso, algumas pontuaram as necessidades em geral e de melhoria, como
incentivo e investimento do governo para se cumprir as ações.
Entende-se a participação
dos ACS neste estudo como de suma importância, pelo quantitativo expressivo de
mulheres participantes, obtidos pela busca ativa realizada. Neste contexto,
esse profissional, dentro da ESF, tem um papel fundamental, pois além de
acompanhar a história de saúde\doença da comunidade, ele traz as inúmeras
demandas enfrentadas por ela nesse processo [22]. Entretanto, há a necessidade
de vínculo entre os profissionais da saúde e a população, sendo o ACS um
possível elo que possibilita a confiança e a relação entre a equipe de saúde e
a comunidade assistida.
Contudo, percebe-se a
importância de todos os profissionais da ESF para que, não só a busca ativa
seja realizada efetivamente, mas que toda a assistência relacionada à prevenção
do câncer de colo uterino, como a coleta de informações e do material para
exame, bem como orientações a toda população, não apenas às mulheres na faixa
etária preconizada pelo Ministério da Saúde, mas homens, adolescentes, para
desmistificar o procedimento e para informar sobre a importância na realização
do PCCU e seu seguimento adequado.
Os motivos relatados
pelas participantes, residentes na zona rural e urbana de Portel, para
não-adesão ao PCCU foram compatíveis com as descritas em outros estudos científicos,
sendo os principais: dificuldade de acesso ao local de realização do exame e
medo, vergonha/constrangimento para coletar o material, falta de interesse, não
saber que deveria realizar o exame, falta de material e a proibição do marido.
O estudo possibilitou
demonstrar a importância na adesão ao PCCU, através de ações educativas,
desenvolvidas e pensadas de acordo com as justificativas apresentadas pelas
mulheres para a não realização do exame.
Compreendemos que o
enfermeiro, como membro da equipe de saúde e coordenador da ESF, tem um papel
fundamental ao perceber a realidade e dificuldade da população de sua área de
abrangência, possibilitando a criação de estratégias que visem minimizar os
problemas e, especificamente, auxiliando na detecção precoce tanto de lesões
precursoras quanto do próprio câncer do colo uterino.
Estudos deste tipo
poderão servir como modelo e prática a serem realizados em outras unidades de
saúde de Portel e para as demais cidades da região, pela similaridade nas
realidades periféricas e rurais, servindo como base epidemiológica para a
atuação do gestor de saúde. Isso pode ser confirmado ao nos depararmos com a
intensificação de ações, realizadas pela Secretaria de Saúde de Portel, após a
realização deste estudo, como ações de busca ativa e campanhas de coleta do
PCCU, culminando em um aumento na demanda e realização do exame pelas mulheres
do município.