ARTIGO ORIGINAL
O enfermeiro frente ao
pré-natal das gestantes usuárias de crack
Edilaine Rucaglia Rizzo*, Cláudia Maria Messias, D.Sc.**, Geilsa Soraia Cavalcanti
Valente, D.Sc.***, Maiara
Dias Basílio****, Márcia Esequiel dos Santos*****,
Susana Reis Ferreira, M.Sc.******
*Enfermeira da
Estratégia Saúde da Família - Secretaria Municipal de Saúde – Rio de Janeiro,
Especialista em Saúde da Família na Universidade Federal Fluminense RJ, **Profª Auxiliar da Universidade Castelo Branco e Enfermeira
Obstétrica do Hospital Municipal Miguel Couto, ***Professora da
Administração da Escola Aurora de Afonso Costa, da Universidade
Federal Fluminense, ****Enfermeira Graduada pela Universidade Castelo
Branco/RJ, Especialista em Urgência e Emergência, *****Enfermeira, Especialista
em Gestão em Saúde da Família na Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
******Enfermeira, Doutoranda em Enfermagem pela FENF/UERJ, Profa. da Faculdade
de Enfermagem da Universidade Estácio de Sá
Recebido em 4 de
setembro de 2019; aceito em 30 de abril de 2020.
Correspondência: Susana Reis Ferreira,
Rua Osório Duque Estrada nº 74/404, bloco 2, 22451-170 Rio de Janeiro RJ
Cláudia Maria Messias:
cmmessias@hotmail.com
Geilsa Soraia Cavalcanti
Valente: geilsavalente@yahoo.com.br
Susana Reis Ferreira:
susanareisesilva@yahoo.com.br
Edilaine Rucaglia Rizzo: rukglia_rizzo@hotmail.com
Maiara Dias Basílio:
enfermeiramaiaradias@gmail.com
Márcia Esequiel dos Santos: marciasantosesequiel@gmail.com
Resumo
Introdução: O consumo da droga
crack por mulheres gestantes está tendo um aumento relevante ao passar dos
anos, o que compromete a saúde da díade mãe-feto. Objetivo: Identificar
quais estratégias utilizadas pelos enfermeiros para a participação das
gestantes usuárias de crack durante o pré-natal. Métodos: Pesquisa de
campo qualitativa, realizada em 2 áreas programáticas do município do Rio de
Janeiro que têm a inserção do Consultório de Rua nas Unidades de Saúde
primárias. A coleta de dados foi através de entrevista semiestruturada com 2
enfermeiros que participam do Consultório de Rua, na assistência extramuros; e
13 enfermeiros das unidades básicas das áreas programáticas que recebem as
gestantes usuárias de crack e realizam a continuidade da assistência. Resultados:
Após leitura e análise das entrevistas, foram obtidas 2 unidades temáticas:
Capacitação do enfermeiro para o pré-natal e Significando a Estratégia da
Consulta a gestante usuária de Crack. Conclusão: As estratégias são
fundamentais para a participação das gestantes nas consultas de pré-natal, uma
abordagem sem paradigmas sociais e a reorganização dos serviços faz com que a
gestante seja acolhida e respeitada, favorecendo a participação da usuária de
crack para o pré-natal.
Palavras-chave: cocaína crack,
gravidez, cuidado pré-natal, Enfermagem.
Abstract
The nurse in front of prenatal of a pregnant crack user
Introduction: Crack drug use by pregnant women is having a relevant increase over
the years, which compromises the health of the mother-fetus binomial. Objective:
To identify the strategies used by nurses for the participation of pregnant
crack users to prenatal care. Methods: Qualitative field research,
carried out in the two program areas of Rio de Janeiro that have the insertion
of the Street office in the Primary Health Units. The data collection was
through a semi-structured interview with 2 nurses who participate in the street
office, in the assistance outside the walls; and 13 nurses from the basic units
of the programmatic areas that receive the pregnant users of crack and carry
out the continuity of the assistance. Results: After reading and
analyzing the interviews, two thematic units were obtained: Nursing
qualification for prenatal care and Meaning of the Consultation Strategy for
pregnant women using Crack. Conclusion: Strategies are fundamental for
the participation of pregnant women in prenatal consultations, an approach
without social paradigms and the reorganization of services causes the pregnant
woman to be welcomed and respected, favoring the participation of the crack
user for prenatal care.
Keywords: crack cocaine, pregnancy, prenatal care, Nursing.
Resumen
El enfermero
frente al prenatal de gestantes usuarias
de crack
Introducción: El consumo de droga
crack por mujeres embarazadas
está teniendo un aumento
relevante al pasar de los años, lo que compromete la salud de la
deuda madre-feto. Objetivo: Identificar qué estrategias utilizan los enfermeros
para la participación de las gestantes usuarias de crack
durante el prenatal. Métodos:
Investigación de campo cualitativa,
realizada en 2 áreas programáticas del municipio de Río de Janeiro que tienen la inserción
del Consultorio de Calle en las
Unidades de Salud primarias. La recolección
de datos fue a través de
entrevista semiestructurada con
2 enfermeros que participan
en el Consultorio
de Calle, en la asistencia extramuros; y 13 enfermeros de las unidades
básicas de las áreas programáticas que reciben las gestantes usuarias de crack y realizan la continuidad de la asistencia. Resultados:
Después de la lectura y análisis de las entrevistas, se obtuvieron 2
unidades temáticas: Capacitación del
enfermero para el prenatal y Significando la Estrategia de la Consulta a
gestante usuaria de Crack. Conclusión:
Las estrategias son fundamentales para la participación de las gestantes en las consultas de prenatal, un abordaje sin
paradigmas sociales y la reorganización de los servicios hace que la gestante sea acogida y respetada, favoreciendo la participación de la usuaria de crack para el prenatal.
Palabras-clave: crack cocaína, embarazo, cuidado prenatal, Enfermería.
A gestação
caracteriza-se como um evento complexo repleto de sentimentos intensos, pois é
um momento em que ocorrem alterações físicas e psicológicas na mulher, as quais
podem gerar variadas reações emocionais [1]. A associação entre a gravidez e o
uso de drogas coloca em risco a maternidade, e a preocupação com essa situação
vem se elevando à medida que aumenta a prevalência do uso de substâncias
psicoativas pelas mulheres grávidas, fato que vem ocorrendo durante as últimas
décadas [2].
O uso de drogas,
lícitas e ilícitas, é altamente prevalente em todo o mundo, estando entre os 20
maiores fatores de risco para problemas de saúde identificados pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) [3]. No último levantamento realizado pela Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2012 revela que cerca de 370 mil brasileiros consomem
regularmente a droga crack. Entre as mulheres usuárias de crack ouvidas, 10% estavam
grávidas naquele momento e mais da metade já havia engravidado pelo menos uma
vez desde o começo do uso [4].
As intercorrências
obstétricas, devido ao uso de drogas, são complexas, pois, além da gestante,
envolvem o feto, o que se torna um grande problema de saúde pública e social
[5]. Gestantes dependentes químicas geralmente têm baixa adesão ao pré-natal e
não participam de grupos de gestantes, o que aumenta os riscos de
intercorrências maternas e fetais [6].
As
gestantes usuárias
de crack demandam assistência integral e humanizada por parte da
equipe
envolvida com o tratamento e reabilitação, assim os
enfermeiros devem despertar
a atenção para esse problema e para a necessidade de
maior divulgação dos
propósitos do programa de pré-natal. O acompanhamento
desde o início da
gestação possibilita a investigação do
estado de saúde da mãe e do feto
evitando complicações [7]. A partir da
atenção no pré-natal de qualidade que o
enfermeiro poderá avaliar a gestação, oferecendo
ações de promoção da saúde
física
e mental para a redução dos agravos [8].
A inserção da gestante
usuária de droga no manual de gestação de risco do Ministério da Saúde não
deixa esclarecido os procedimentos a serem tomados com as
mesmas, apenas traz as consequências da droga como problemas de saúde
física, desnutrição e susceptibilidade a infecções e efeitos diretos das drogas
sobre o feto [9].
O estudo justifica-se
devido às deficiências assistenciais para gestantes usuárias de crack, que
instigam o sistema de saúde a formular estratégias de acolhimento, além de
adotar dispositivos de aproximação, possibilitando a eficiente atuação dos
profissionais de saúde [5], assim como a presença de lacuna encontrada em
revisão de literatura que antecedeu este estudo, no que diz respeito à atuação
do enfermeiro diante das necessidades da gestante usuária de crack e do bebê. É
imperativo que os profissionais de saúde responsáveis pela assistência
pré-natal possuam conhecimentos adequados sobre o tema [10].
Os profissionais da
saúde, em especial de Enfermagem, são importantes contatos com as pessoas que
apresentam alto risco de saúde em consequência do uso de substâncias
psicoativas [7]. Diante deste cenário, o presente trabalho tem por objetivo
identificar as estratégias utilizadas pelos enfermeiros na atenção ao pré-natal
pela usuária de crack.
Pesquisa qualitativa do
tipo pesquisa de campo. O cenário da pesquisa ocorreu em duas áreas
programáticas da cidade do Rio de Janeiro que têm a inserção do consultório de
Rua nas Unidades de Saúde primárias. O Município do Rio de Janeiro é composto
por 10 Áreas Programáticas (AP), porém 6 possuem o
laboratório de Rua ao qual estão localizados nas AP 1.0, 2.2,3.1,3.3,5.1e 5.3.
As Áreas Programáticas é uma proposta da prefeitura do Rio de Janeiro para
subdividir a cidade em regiões e a população ter referências de serviços de
saúde [11]. Ao que se antecedeu a pesquisa ocorreu uma visita para ambientação
com intuito de esclarecer aos profissionais o interesse da pesquisa e sua
importância para os profissionais enfermeiros que lidam com a temática dos
usuários de crack. Por motivos éticos da pesquisa as áreas programáticas não
foram citadas para não expor os enfermeiros dos Consultórios de Rua, visto que
existe apenas um profissional enfermeiro em cada unidade.
Os sujeitos da pesquisa
foram 2 profissionais enfermeiros que participam do consultório de rua ao qual
realizam assistência extramuros, cujo foco é a acessibilidade do morador de rua
e usuários de droga as unidades de saúde e 13 enfermeiros das equipes das
unidades de saúde das áreas programáticas a qual recebem as gestantes usuárias
de crack e realizam a continuidade da assistência.
A pesquisa foi
realizada através de uma entrevista semiestruturada a qual seguiu os preceitos
éticos de acordo com a Resolução Nº 466/2012 ao qual foi aprovada pelo comitê
de ética nº 132/2015. Os dados foram analisados e desdobrados em unidades
temáticas.
As falas dos
enfermeiros (as) foram representadas pelas siglas EC (Enfermeiro do Consultório
de Rua) e EB (Enfermeiro da Unidade Básica).
Após a leitura e
análise dos resultados encontrados através das entrevistas, os
mesmos foram organizados em unidades temáticas de modo a facilitar o
entendimento acerca das respostas obtidas dos enfermeiros participantes da
pesquisa.
Perfil do participante
Caracterizar o
participante pesquisado não se reduz a um rol de dados isolados e neutro, podem
estar possuídos de significados e relações com os dados analisados na pesquisa
[12].
As características dos
participantes foram, 67% (10) dos profissionais enfermeiros que atuam nas
Unidades Básicas tem a idade acima dos 26 anos, sendo 20% (3) do sexo masculino
e 80% (12) do sexo feminino, com tempo de serviço de 80% (12) entre 1 e 5 anos
e 20% (3) acima de 5 anos de atuação como enfermeiro na atenção primária. Em
relação a especialização profissional 80% (12) dos enfermeiros relatam ter
especialização e 20% (3) enfermeiros não tem especialização em nenhuma área da
enfermagem.
A competitividade do
mercado de trabalho atualmente demonstra que é imprescindível que o
profissional enfermeiro esteja constantemente em busca do saber científico. A
qualificação e a especialização profissional tem sido o foco na área de saúde,
o que proporciona uma assistência de qualidade e satisfação profissional [13].
Em relação as
atividades que exerce na atenção primária de saúde, 2 dos participantes são
enfermeiros do consultório de rua e 13 são enfermeiros da Unidade Básica de
Saúde. A diferença entre esses dois profissionais enfermeiros está na atuação
de cada um dentro da atenção primária. O enfermeiro do consultório de rua é o
profissional que constitui a modalidade extramuros. Esses profissionais têm
como objetivo proporcionar a acessibilidade dos serviços de saúde aos moradores
de rua com enfoque intersetorial [14].
Esta acessibilidade
está instituída pelo Ministério da Saúde na Portaria nº 122 de 25 de Janeiro de 2011 a qual transfere o atendimento do morador de
rua e usuários de drogas para a Atenção Básica de Saúde a partir das equipes do
consultório de rua [15]. Dentro das diretrizes do consultório de rua estão:
Constituir-se
como
dispositivos públicos componentes da rede de
atenção integral em saúde mental,
oferecendo às pessoas com problemas decorrentes do uso de
álcool e outras
drogas ações de promoção,
prevenção e cuidados primários nos espaços
da rua.
Promover ações que enfrentem as diversas formas de
vulnerabilidade e risco,
especialmente em crianças, adolescentes e jovens. Ter como eixos
o respeito às
diferenças, a promoção de direitos humanos e da
inclusão social, o
enfrentamento do estigma. Assegurar o cuidado no território, na
perspectiva da
integralidade, do trabalho em redes, garantindo uma
atenção diversificada aos
usuários de álcool e outras drogas [16].
A Portaria institui
ainda a organização e o funcionamento das equipes do Consultório de Rua, onde
requer uma equipe volante com profissionais da saúde mental, atenção básica,
assistência social, médico, redutores de danos, técnicos de enfermagem e
oficineiros sendo este de escolha da comunidade. Esta organização deixa claro a
importância da equipe multidisciplinar neste setor da assistência [17].
O enfermeiro da Atenção
Básica é o profissional que dará continuidade ao atendimento a saúde desses usuários de droga e moradores de rua que
foram acolhidos pelos enfermeiros do consultório de rua [14].
Capacitação do
enfermeiro para o pré-natal
Esta Unidade temática
tratará da qualificação e capacitação recebida pelos enfermeiros acerca de
condutas durante a assistência pré-natal.
O acompanhamento
prestado a mulher em seu ciclo gravídico está fundamentado na Política Nacional
de Atenção Integral a Saúde da Mulher (PAISM), e é de fundamental importância
que todos os profissionais que realizam o pré-natal estejam capacitados [18]. Sem
a capacitação, os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) dentro do processo
de cuidado quanto a Integralidade, Equidade e Universalidades passam a ser
transferidos e as gestantes ficam sem a devida assistência, tendo assim um
comprometimento no objetivo do pré-natal [19].
Os enfermeiros ao serem
indagados, durante a entrevista, sobre se houve capacitação para a realização
do pré-natal da gestante usuária de crack, constatou-se um percentual de 100%
das respostas dos entrevistados a mesma negativa e algumas explicações
diferenciadas as quais estão descritas abaixo:
“NÃO,
passei no concurso e já assumi não recebi capacitação nem para as gestantes que
não utilizam drogas, imagina para as que usam (EB1)”.
“NÃO,
ao assumir o cargo já fui atuar na área, nossa capacitação foi mais sobre como
seria a abordagem dos moradores de rua (EC1)”.
“NÃO,
passei e fui aprendendo (EB13)”.
“NÃO,
realizei trabalho voluntário com adolescentes usuárias de álcool e outras
drogas e vítimas de exploração sexual, mas foi por minha conta, nada que alguém
me propôs para fazer (EB7)”.
“NÃO,
com o tempo você aprende, quando elas chegam aqui converso com elas falo sobre
a importância do pré-natal, realizo medida uterina e provável data do parto
(EB8)”.
O cuidado de gestantes
usuárias de drogas é complexo, difícil e exige um preparo dos enfermeiros e
outros profissionais de saúde, os quais devem estar conscientes dos aspectos
psicológicos e sociais, assim como das ramificações éticas e legais [7]. Apesar
de existirem políticas para abordagem e condução do tema, o enfermeiro, por
estar diretamente envolvido no cuidar de seus pacientes, necessita ser mais bem
capacitado para o desenvolvimento de um trabalho direcionado, planejado e
acompanhado, para que se obtenham os resultados eficazes, recuperando a saúde
da mãe e preservando a vida que está por vir [8].
Sem a capacitação, os
enfermeiros relatam seguir os protocolos do pré-natal, como segue nas falas:
“NÃO,
até porque quando detectamos alguma usuária de crack que esteja gestante na rua
acionamos a equipe da área onde ela está e passamos para o enfermeiro da
unidade (EC2)”.
“NÃO,
[...] as gestantes vêm e eu faço o que a cartilha do pré-natal pede, agora
nunca me mandaram fazer capacitação [...] (EB6)”.
“NÃO,
faço o que o protocolo pede [...] medida uterina e peso. (EB4)”.
“NÃO,
faço o que pede o protocolo: peso, faço data provável do parto e vejo altura
uterina (EB12)”.
“NÃO,
o protocolo já fala o que tem que fazer, acho eu, que por isso não recebemos
capacitação (EB9)”.
As atividades baseadas
nas normas de atenção ao Pré-natal têm o propósito de oferecer aos enfermeiros
os tipos de cuidados que devem ser oferecidos a cada nível de assistência, uma
normatização de procedimento e condutas com as gestantes, o que implica na qualidade
da assistência prestada [20]. Desempenhar
estas atividades é uma questão complexa, os enfermeiros que não realizam
capacitação para a realização do pré-natal não estão familiarizados com os
protocolos e isto pode propiciar um pré-natal de baixa qualidade [21].
Significando a
estratégia da consulta a gestante usuária de crack
Nesta categoria
apresentaremos o significado da palavra estratégia no cotidiano de trabalho do
enfermeiro, os enfermeiros que realizaram a consulta de pré-natal para a usuária
de crack e as estratégias realizadas para a participação das usuárias no
pré-natal pelo enfermeiro.
A vista disso, a
assistência do pré-natal é um direito garantido por lei, sendo este período o
que antecede o nascimento da criança ao qual devem ser aplicadas ações de saúde
coletivas e individuais as gestantes compreendendo educação em saúde,
realização de exames clínico laboratoriais, medicações se necessário, vacinas,
orientações e esclarecimento de dúvidas, sendo de fundamental importância o
estímulo à participação de todas gestantes nas consultas de pré-natal [20].
A realização do
pré-natal com usuárias de crack exige do profissional um preparo especial, pois
consiste em uma situação complexa na qual ela deve ser tratada com suas
particularidades sem julgamento e discriminação, obedecendo os princípios
éticos e legais do trabalho de enfermagem [22]. Em relação à categoria
apresentada, os enfermeiros relatam:
Estratégia no cotidiano
de trabalho (EC1).
“É
tudo aquilo que eu posso fazer para trazer saúde ao paciente, conforme suas
necessidades e possibilidades”.
Consulta de Pré-natal
“Durante
as atividades extramuros foram encontradas 8 gestantes usuárias de crack, foram
acionadas as unidades básicas que elas pertenciam e as enfermeiras foram
comunicadas sobre elas. Eu sempre que as encontrava, porque algumas já até
pariram [...], mas quando eu encontrava fazia o básico né medida da altura,
perguntava se estava bem e a orientava para não deixar de fazer o pré-natal”.
Estratégia utilizada
“Primeiro
é aproximação, se ela não se sentir segura com você não adianta o
distanciamento, é fato, muitas nem querem conversar tem vergonha, porque elas
acham que sempre vamos brigar com elas. Mas quando conseguimos conquistá-las ai a coisa flui naturalmente, elas relatam a quantidade de
pedra que usam se ta indo ou não no pré-natal, quando
elas não querem ir eu levo elas [....] Porque eu não posso falar pra ela parar
de usar o crack ela precisa dele e infelizmente a criança também[...], o que
faço é conversar com ela fala sobre o bebe para ela criar esse vínculo, elas
sabem que faz mal, mas não consegue parar de usar, algumas até diminuem a
quantidade mais parar de vez é difícil”.
Estratégia no cotidiano
de trabalho (EC2)
“Estratégia
significa promover ações de saúde,
prevenção, recuperação,
reabilitação das
doenças, e agravos de saúde mais frequentes. É um
olhar voltado para a
prevenção e não para o modelo curativo”.
Consulta de pré-natal
“[...]
9 gestantes foram encaminhadas para a Estratégia de Saúde da Família, nós não
temos muitos recursos na rua, pedimos geralmente para que a equipe acompanhe
elas, mas é difícil, sempre encontramos elas na rua ai
orientamos sobre a importância do pré-natal”.
Estratégia utilizada
“Converso
muito com elas, tento passar que estou ali para ajudar e não para apontá-la.
Faço ações educativas, brinco, falo da importância dela
ir nas consultas de pré-natal. O que eu mais trabalho é isso a aproximação daí
consigo convencê-la a ir no pré-natal, mas para isso
acontecer os colegas que estão lá (unidade básica), precisam ter essa
aproximação também se não ela vai e não volta, o vínculo é muito importante
para elas”.
No campo da saúde a
estratégia não é pautada apenas na aquisição e incorporação de conhecimentos e
habilidades, mas na construção efetiva de reconhecimentos das situações de
risco de cada comunidade, para planejar e prestar assistência efetiva perante
os possíveis problemas de saúde [23].
Ao se tratar de
gestantes com necessidades decorrentes do uso de crack, o enfermeiro deve dar
ênfase não só à inclusão de ações educativas que se fazem sob o modo de
orientações dialógicas, oficinas, atividades lúdicas entre outros, como também
destacar a importância, nesse contexto, do processo de desintoxicação química
[24].
É necessário que os
profissionais que realizam o pré-natal estejam aptos para a detecção do uso
dessas substâncias e saibam assistir adequadamente essas gestantes, apoiando-as
na busca de suporte para cessar o vício e não apenas julgando ou orientando
sobre as implicações do uso de drogas para a mulher e o feto [7].
Percebem-se as
considerações dos enfermeiros nesta fala:
Estratégia no cotidiano
de trabalho (EB6)
“Organização
para dar atenção individualizada para o paciente”.
Consulta de pré-natal
“Realizei
o pré-natal com 3 gestantes usuárias de crack”.
Estratégia utilizada
“Crio
o vínculo primeiro, depois vou conversando com ela sobre ela usar o crack
diariamente, sei que é difícil ela parar mais tenho que falar, mas você sabe
que elas sabem de tudo, algumas ficam quietas se sentem envergonhadas mais
procuro sempre conversar. Eu até consegui que uma delas usasse menos a pedra
durante a gestação, ela voltou para casa até ganhar o neném mais
eu não largava ela sempre estava presente tanto eu como o (a) colega do
consultório de rua”.
É na Atenção primária
que é feito o primeiro contato do profissional de enfermagem com seu paciente
possibilitando a elaboração das estratégias para o acolhimento, prevenção,
promoção e melhorias à saúde [17].
Verifica-se a
confirmação dos participantes na fala do depoente.
Estratégia no cotidiano
de trabalho (EB7)
“Permeia
todo o processo de trabalho e tem suma importância para o alcance das metas
esperadas”.
Consulta de pré-natal
“Atendi
3 gestantes usuárias de crack”.
Estratégia utilizada
“Oriento
ela a participar do pré-natal, tento fazer o vínculo as vezes é difícil, mas
elas acabam tento muita confiança e isso é bom”.
Estratégia no cotidiano
de trabalho (EB8)
“Processo
de atividades que possam trazer ao paciente uma atenção a sua saúde”.
Consulta de pré-natal
“Fiz
a consulta com 1 gestante usuária de crack”.
Estratégia utilizada
“Sempre
passo antes de tudo confiança a ela que não estou ali para julgá-la, sei das
dificuldades dela com a droga. O vínculo é a chave de tudo com esse tipo de
paciente, se não houver ela não volta”.
O estabelecimento de
vínculos geralmente é obtido depois de vários contatos, quando a usuária
percebe que a política assistencial está preocupada com a redução de danos,
excluindo quaisquer atitudes de julgamento de valor [5]. Acolhimento e vínculo são
ferramentas imprescindíveis para garantir a qualidade do atendimento,
implicando ao enfermeiro estar capacitado para utilizar esses instrumentos
durante a consulta de pré-natal [8].
A confiança
estabelecida entre o profissional e a gestante facilita a adesão às condutas
assistenciais propostas para melhores condições da saúde da mãe e do feto [5].
Como o exposto nas
falas dos depoentes:
Estratégia no cotidiano
de trabalho (EB9)
“Forma
de organização e abordagem do usuário da Unidade”.
Consulta de pré-natal
“Não
realizei nenhum”.
Estratégia utilizada
“Atendo
porque quando ela vem aqui, faço a medida da altura uterina, mas não gosto de
fazer não, elas mudam de comportamento muito rápido [...], as vezes passo para
outra colega assumir”.
Estratégia no cotidiano
de trabalho (EB10)
“Organização
das ações que podem melhorar a saúde do paciente”.
Consulta de pré-natal
“Não
realizo pré-natal para esse grupo, não gosto”.
Estratégia utilizada
“As vezes vou ser verdadeira com você tenho medo
porque elas mudam de comportamento muito rápido. Mas faço algumas orientações”!
O preconceito aos
usuários de crack já é grande perante a sociedade, quando esta é mulher e
gestante o preconceito se multiplica e isto acaba influenciando diretamente na
assistência e no cuidado prestado [25]. As gestantes usuárias de drogas são
discriminadas, o que predispõe à negação do vício e não procura pela
assistência pré-natal ou ao acesso tardio à assistência. Eles têm déficit de
cuidados pré-natais e essa falta ou número escasso de consultas se relaciona
também ao isolamento social, imposto a essas mulheres com discriminação e
preconceito [26].
A instabilidade de
humor da gestante usuária de crack interfere na abordagem, tornando-a eficaz ou
não, razão pela qual compreensão e persistência do enfermeiro são necessárias
[5].
Dos enfermeiros
entrevistados, 20% (3) realizaram a consulta de pré-natal com as gestantes
usuárias de crack, sendo utilizadas estratégias individuais ou o protocolo de
Pré-natal do Ministério da Saúde. Os outros 67% (10) não realizaram o pré-natal
da usuária de crack gestante, mas relatam realizar estratégias seguindo os
protocolos para o pré-natal como seguem as falas:
“Realizo
captação precoce para o início das consultas, interconsulta
com profissionais do NASF (psicólogo, assistente social, nutricionista),
visitas, criação de grupos de gestante e atividades educativas
”. (EB1)
“Faço
busca ativa da gestante, aproximação, acolhimento, responsabilização com a
gestação por parte da gestante”. (EB2)
“Ocorre
busca ativa no território da minha área, realizo tendas interativas para poder
realizar o pré-natal no próprio local”. (EB3)
“Vejo
ela de uma forma holística, sempre realizo ação educativa para elas, é difícil,
mas não tem muita coisa a se fazer, se ela não consegue largar o vício fica
difícil ajudar”. (EB 13)
As estratégias que os
enfermeiros relatam utilizar com as usuárias de crack gestante tem um papel
importante para assegurar a saúde da mulher e da criança. A teoria e a prática
revelam o quanto é complicado a atenção do pré-natal para este grupo, uma vez
que os profissionais ainda necessitam de capacitação [27].
As estratégias
realizadas pelos enfermeiros nas Unidades básicas de Saúde são fundamentais
para o planejamento, execução e avaliação da saúde contribuindo para as ações
de vigilância em saúde, as orientações à saúde contribuem para a melhora da
qualidade de vida, prevenção de doenças e agravos, ações psicossociais e
recuperação da saúde [15].
A integralidade do
cuidado não deve ser seguida apenas como uma diretriz do SUS, mas ações de
qualidade de assistência individualizada ao indivíduo que o favoreça para as
práticas de qualidade em saúde, o enfermeiro que contém uma visão holística do
paciente possui evidências para tomada de decisões seguras a respeito da saúde
do paciente, e, através destas decisões, o enfermeiro atenderá o paciente de
forma integral e respeitando sua singularidade [28].
Finalizando as
discussões, destacamos que as estratégias utilizadas pelos enfermeiros
realizadas no pré-natal das usuárias de crack foram: vínculo, aconselhamento,
aproximação, conquista e colhimento. Os demais se baseiam nos protocolos do
pré-natal.
Neste sentido tornou-se
evidente que a participação das usuárias de crack no pré-natal ainda é um
desafio para a equipe multiprofissional em especial o enfermeiro, pautadas na
falta de capacitação e nas representações constituídas socialmente propiciando
uma lacuna na adesão ao pré-natal, o que mostra a relevância da pesquisa
apresentada.
Ao término do trabalho
evidenciamos lacunas na assistência ao pré-natal das usuárias de crack gestante
nas Unidades Básicas de Saúde. Alguns enfermeiros se mostram engessados nos
protocolos do pré-natal, mas quando citam sua aplicação não o realiza com
eficácia, como expõem em suas falas, nas quais podemos destacar a realização da
medição da altura uterina e mais algum procedimento. Deve-se lembrar que o
protocolo é uma série de procedimentos a serem realizados para que possa ter
uma assistência de qualidade nesta fase da vida.
Uma vez não acolhida
estas gestantes não têm a criação de vínculo com a equipe da Unidade Básica de
Saúde, ficando a mesma solta no sistema, contribuindo para busca ativa
incessante por parte dos enfermeiros dos consultórios de rua, dificultando o
acesso para o acompanhamento do pré-natal. Neste sentido, faz-se necessário que
profissionais enfermeiros estejam preparados para os cuidados de saúde que
devem ser realizados para com as gestantes usuárias de crack. É preciso ter
estratégias de abordagem sem paradigmas sociais, reorganização dos serviços
fazendo com que ela seja acolhida e respeitada por suas escolhas, para assim
favorecer a participação da usuária de crack no pré-natal.
Esta pesquisa provocou
novas inquietações – onde estariam as gestantes que foram citadas pelos
enfermeiros dos consultórios de rua? Estas gestantes poderiam ser referenciadas
pelos enfermeiros para a internação compulsória, uma vez que ela não é responsável
apenas pela sua saúde, mas também a do feto? A capacitação dos enfermeiros
acerca do pré-natal poderia ajudá-los nas estratégias para o pré-natal das
usuárias de crack? É de suma importância que novas pesquisas sejam realizadas.
Espera-se com estas
discussões, que políticas de saúde e programas voltados para estas mulheres
possam ser criadas, já que as gestantes usuárias de crack ainda não estão
inseridas em ambos.