ARTIGO ORIGINAL
Crenças de Rokeach segundo idosos: análise hierárquica a luz das
teorias do envelhecimento humano
Laércio Deleon de Melo,
M.Sc.*, Cristina Arreguy-Sena,
D.Sc.**, Antônio Marcos Tosoli
Gomes, D.Sc.***, Paulo Ferreira Pinto, D.Sc.****, Girlene Alves da
Silva, D.Sc.*****, Pedro Miguel Dinis Parreira, D.Sc.******
*Enfermeiro,
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora/MG, Brasil,
**Enfermeira, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Professora
Aposentada, Juiz de Fora/MG, Brasil, ***Enfermeiro, Professor Adjunto, Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro/RJ, Brasil, ****Educador
Físico, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Professor Associado, Juiz
de Fora/MG, *****Enfermeira, Professora Adjunta, Universidade Federal de Juiz
de Fora (UFJF), Juiz de Fora/MG,, ******Professor Adjunto, Escola Superior de
Enfermagem de Coimbra,, Lisboa, Portugal
Recebido em 27 de
setembro de 2019; aceito em 13 de março de 2020.
Correspondência: Laércio Deleon de
Melo, Rua Doutor Dirceu de Andrade, 201/305 Dom Bosco 36025-330 Juiz de Fora MG
Laércio Deleon de Melo:
laerciodl28@hotmail.com
Cristina Arreguy-Sena: cristina.arreguy@gmail.com
Antônio Marcos Tosoli Gomes: mtosoli@gmail.com
Paulo Ferreira Pinto:
paulo.ferpinto@gmail.com
Girlene Alves da Silva:
girlenealves.silva@ufjf.edu.br.
Pedro Miguel Dinis
Parreira: pedromiguel.parreira@gmail.com
Resumo
Introdução: As compreensões sobre
o envelhecimento estão subordinadas a variáveis individuais e coletivas, nos
contextos: biopsicossocial, espiritual, político e cultural; fato capaz de
justificar os diferentes modos de se estabelecer crenças e formas explicativas
peculiares a um grupo sobre o envelhecer. Objetivo: Analisar as crenças
de idosos sobre o processo de envelhecimento segundo o sistema hierárquico no
eixo de centralidade/perifericidade e sua aproximação
com as teorias do envelhecimento humano. Métodos: Pesquisa exploratória
com abordagem qualitativa realizada com 93 pessoas idosas adstritas à Atenção
Primária à Saúde (APS) cujas crenças foram categorizadas segundo Rokeach e teorias do envelhecimento humano. Realizadas
entrevistas individuais em domicílio, com gravação de áudio, desencadeadas por
questões norteadoras. Tratamento de dados em softwares NVivo
Pro11 e SPSS versão 24 com análise de conteúdo. Atendidos todos os requisitos
éticos/legais. Resultados: Obtidas 696 crenças dos tipos A e B, 163 tipo
C e 1.006 dos tipos D e E. O sistema de crenças
tendeu à perifericidade, explicitando os núcleos
temáticos de argumentações utilizadas pelos participantes. Conclusão:
Identificadas crenças modificáveis de caráter negativo sobre o envelhecimento,
que possuíam explicações delineadas nas teorias do envelhecimento. Ressalta-se
a necessidade de empreender esforços para revertê-las e realinhá-las ao
equilíbrio do eixo de centralidade/perifericidade.
Palavras-chave: Enfermagem
geriátrica, envelhecimento, saúde do idoso, psicologia social.
Abstract
Rokeach beliefs
according to elderly: hierarchical analysis in the light of human aging
theories
Introduction: Understanding about aging is subordinated to individual and collective
variables, in the following contexts: biopsychosocial, spiritual, political and
cultural; fact capable of justifying the different ways of establishing beliefs
and explanatory forms peculiar to a group about aging. Objective: To analyse the beliefs of the elderly about the aging process
according to the hierarchical system in the centrality/periphery axis and its
approximation with the theories of human aging. Methods: Exploratory
research with qualitative approach conducted with 93 elderly people enrolled in
Primary Health Care whose beliefs were categorized according to Rokeach and theories of human aging. Individual interviews
were conducted at home, with audio recording, triggered by guiding questions.
Data processing in NVivo Pro11 and SPSS version 24 software with content
analysis. Met all ethical/legal requirements. Results: 696 types A and B
beliefs, 163 type C and 1,006 types D and E beliefs were obtained. The belief
system tended to be peripheral, explaining the thematic core of arguments used
by the participants. Conclusion: Modifiable negative beliefs about aging
were identified, which had explanations outlined in aging theories. We
emphasize the need to make efforts to reverse them and realign them to the
balance of the axis of centrality/periphery.
Keywords: Geriatric nursing, aging, health of elderly, psychology, social.
Resumen
Creencias de Rokeach
según el anciano: análisis jerárquico a la luz de las teorías del
envejecimiento humano
Introducción: La comprensión sobre el envejecimiento está subordinada a variables
individuales y colectivas, en los siguientes
contextos: biopsicosocial, espiritual, político y
cultural; hecho capaz de justificar las diferentes formas de establecer
creencias y formas explicativas propias
de un grupo sobre el envejecimiento. Objetivo: Analizar
las creencias de las personas mayores sobre el proceso de envejecimiento
según el sistema jerárquico en el
eje centralidad/periferia y
su aproximación a las teorías del
envejecimiento humano. Métodos: Investigación exploratoria con enfoque cualitativo realizada
con 93 personas mayores
inscritas en Atención
Primaria de Salud cuyas creencias se clasificaron de acuerdo con Rokeach
y las teorías del envejecimiento humano. Las entrevistas individuales se realizaron en casa, con grabación de audio, desencadenada por
preguntas orientadoras. Procesamiento de datos en el
software NVivo Pro11 y SPSS versión
24 con análisis de contenido. Cumplió con todos los requisitos éticos/legales. Resultados: Se obtuvieron
696 creencias tipo A y B, 163 creencias
tipo C y 1.006 tipos D y E. El sistema de creencias tendió a ser periférico, explicando el
núcleo temático de los argumentos utilizados por los participantes. Conclusión:
Se identificaron creencias
negativas modificables sobre el
envejecimiento, que tenían explicaciones esbozadas en las teorías
del envejecimiento. Hacemos hincapié en la necesidad
de hacer esfuerzos para revertirlos y realinearlos al equilibrio del eje de centralidad/periferia.
Palabras-clave: Enfermería
geriátrica, envejecimiento, salud
del anciano, psicología social.
O processo de
envelhecimento é reconhecido mundialmente como um evento complexo e
multifatorial [1,2], que possui como variáveis transversais o gênero e a
cultura [3]. O mesmo cursa com manifestações clínicas
diversas, capazes de repercutir sobre a autonomia e independência do idoso, de
forma linear e progressiva, caracterizando as síndromes geriátricas, cujas
características são comuns ao grupo que envelhece [4,5].
As projeções
estatísticas, no contexto global, indicam um crescimento de 56% para pessoas
com idade ≥ 60 anos, podendo atingir 1,4 bilhão em 2030 e 2,1 bilhões em
2050. Destes, as oldest-old, pessoas com idade ≥
80 anos, podem representar 434 milhões [1-2]. No Brasil, as pessoas ≥ 65
anos serão aproximadamente 58,4 milhões (26,7% da população) em 2060 [5].
As compreensões sobre o
envelhecimento estão subordinadas a variáveis individuais e coletivas, nos
contextos: biopsicossocial, espiritual, político e cultural; fato capaz de
justificar os diferentes modos de se estabelecer crenças e formas explicativas
peculiares a um grupo sobre o envelhecer, podendo adotar diferentes paradigmas
[2,6,7].
Para captar as crenças
do grupo investigado, optou-se pelo sistema explicativo proposto por Rokeach. Para ele, crença é uma inferência feita pelo
observador sobre estados e expectativas básicas que possibilita acessar ideias,
conceitos, convicções e atitudes adotadas pelas pessoas mediante um fato,
correlacionando-os a fatores que influenciam o cotidiano, a autoimagem e o
processo de saúde-doença [8,9].
Aliar a estrutura de
crenças com as correntes teórico-explicativas para o processo de envelhecimento
humano nas abordagens: biológica, psicológica, sociológica e epidemiológica;
proporciona respaldo e compreensão aprofundada a respeito da origem das
crenças, conforme cada perspectiva teórica identificada nos discursos advindos
do grupo [8].
No ponto de vista da
atuação do enfermeiro, esta investigação se justifica pela necessidade de
explicitar quais são as possíveis respostas que emergem deste grupo sobre o
processo de envelhecimento, as repercussões sobre o seu cotidiano, hábitos e
concepções (autoimagem, autopercepção, pontos facilitadores/dificultadores e
crenças compartilhadas). Estas respostas favorecem a compreensão de como os
idosos enfrentam essa etapa da vida e possibilitam a identificação de demandas
por cuidados de Enfermagem, o que pode contribuir para seu redimensionamento e
planejamento.
A lacuna científica
existente baseia-se na necessidade de se correlacionar as crenças de Rokeach com as teorias explicativas do processo de
envelhecimento humano segundo a ótica de idosos. Diante do exposto, objetivou-
analisar as crenças de idosos sobre o processo de envelhecimento segundo o
sistema hierárquico no eixo de centralidade/perifericidade
e sua aproximação com as teorias do envelhecimento humano.
Pesquisa qualitativa
exploratória, estruturada a partir do sistema de crenças de Rokeach
e formas explicativas do processo de envelhecimento. Foi realizada em área
adstrita a uma Unidade Básica de Saúde (UBS) em Minas Gerais, Brasil, e os
participantes foram abordados em domicílio, após recrutamento realizado por
convite individual.
Foram elegíveis pessoas
com idade ≥ 65 anos que apresentavam nível de consciência compatível com
a abordagem qualitativa de produção de discurso gravado. Foram excluídas,
durante a coleta: 16 por desistência e uma por mudança de endereço. A amostra
por inquérito se compôs de 93 idosos advindos de uma investigação matriz
(N=110).
A determinação da idade
de 60 ou 65 anos para que uma pessoa seja considerada idosa pode não
corresponder à realidade quando se avaliam culturas distintas, o que implica
considerá-la complexa e multifatorial, uma vez que envolve condições de vida,
trabalho, lazer, expectativa de vida e investimentos em hábitos saudáveis ao
longo da vida, para o envelhecimento bem-sucedido [1,8]. Nesta perspectiva,
optou-se pelo delineamento de pessoas com idade ≥ 65 anos para serem
inclusas nesta investigação.
O instrumento de coleta
de dados foi estruturado em: caracterização sociodemográfica e entrevista
individual em profundidade gravada a partir das questões norteadoras: a)
conte-me um caso a respeito do cotidiano de pessoas idosas; b) diga-me como
soube do mesmo e o quanto o considera característico de uma pessoa que está
envelhecendo.
Processo de coleta de
dados compreendido entre janeiro e março 2015, em abordagem única, por um único
pesquisador, visando reduzir viés de abordagem e compatibilizar o tempo com a
disponibilidade dos participantes. Coleta de dados com duração ≥ 60
minutos.
Os dados
sociodemográficos foram consolidados em software Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS) versão 24 e os da entrevista gravada
no NVivo Pro11®.
Realizada análise de
conteúdo segundo etapas: pré-análise; exploração do
material (codificação) e tratamento dos resultados obtidos (interpretação) [10]
dos quais os conteúdos foram alocados em nós (critério de similaridade).
Adensamento teórico confirmado (coeficiente de Jaccard
≥ 0,70) [8].
Os discursos foram
categorizados segundo os tipos de crenças de Rokeach,
cujos tipos de crenças alocaram-se imaginariamente num eixo de centralidade/perifericidade (Figura 1) [9,11,12].
Fonte: Barcelos 2007
p.118 [12]; adaptado pelos autores.
Figura 1 - Esquema
representativo do eixo de centralidade/perifericidade
das crenças de Rokeach, usando analogia à estrutura
de um átomo.
A análise foi realizada
de forma comparativa à estrutura de um átomo, no qual os prótons correspondem
às crenças centrais (A e B), no eixo imaginário, devido à sua estabilidade, e
os elétrons compostos pelas demais crenças (C, D e E),
que são potencialmente influenciáveis e modificáveis conforme for ampliado o
sistema crenças, o vivenciar e as diferentes formas de compreensão do grupo,
correspondendo ao eixo periférico. As crenças do tipo A (consenso unânime) são
compartilhadas por todos e raramente são alvo de discussão ou caem em
controvérsia; as crenças de consenso zero (tipo B) são mantidas em sigilo e por
isso são resistentes ao processo de mudança. O sistema periférico é composto
pelas crenças do tipo C que normalmente são submetidas a uma autoridade
conferida ou atribuídas a alguém; derivadas (tipo D), oriundas de meios de
influências; e as do tipo E (inconsequentes) são referentes a situações de
preferência ou gosto, apresentando diferentes arbitrariedades [9,11].
A compreensão/análise
dos alicerces das percepções de idosos baseou-se nas correntes
teórico-explicativas do envelhecimento (Figura 2) [7,8]. As explicações
biológicas referem-se aos fatores genéticos como determinantes do envelhecimento
contidos nas perspectivas genéticas e à perda de funcionalidade causada pelo
acúmulo aleatório de lesões por ações ambientais, como justificativa ao
declínio fisiológico progressivo, fundamentado nas abordagens estocásticas
[7,13]. As dimensões psicológicas buscam estabelecer explicações sobre as
influências do envelhecimento nos pensamentos e comportamentos humanos [7,14].
Fonte: os autores.
Figura 2 - Esquema das
concepções teórico-explicativas do envelhecimento humano.
As perspectivas
sociológicas descrevem o engajamento social de idosos e as relações
estabelecidas socialmente [7,15]. As reflexões sobre o aumento da expectativa de
vida e o quantitativo de idosos no mundo estão ancoradas na teoria
epidemiológica [8].
Os conteúdos
categóricos sobre como as pessoas idosas perceberam o processo de
envelhecimento foi aproximado das formas teóricas reificadas que explicam como
o envelhecimento humano é retratado na perspectiva do conhecimento do grupo.
Esse conteúdo foi aproximado das formas explicativas existentes no sistema de
crenças de Rokeach, sendo utilizada a técnica
analítica dedutiva-indutiva que permitiu identificar o quanto o sistema de
crenças emergente era estável (central) ou instável (periférica) [9,16,17].
Foram atendidos todos
os requisitos ético-legais de pesquisa em humanos, conforme legislação (inter)nacional, sendo a investigação matriz aprovada
(Parecer consubstanciado n. 341.116 aprovado em 11/07/2013). Cabe mencionar o
respeito ao anonimato dos participantes e a aquiescência de sua participação
mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
pós-informado.
A maioria dos 93 idosos
eram mulheres (58 - 62,4%); com idade média de 72 anos (variabilidade: 65 a
96); cor de pele autodeclarada parda (48 - 51,6%); com companheiro (50 -
53,76%); média de quatro filhos (variabilidade: 1 a 21) e tinham até oito anos
de escolaridade (82 - 88,15%). Atuaram em serviços domésticos 38 (40,87%) e na
construção civil 20 (21,50%). Possuíam renda média ≤ 2 salários mínimos
87 (94,5%), dos quais 86 (92,46%) eram aposentados/pensionistas com tempo médio
de benefício de 9,5 anos (variância: 0 a 37).
O sistema de crenças
foi composto por 1.865 emissões que contemplaram o processo de envelhecimento,
cuja estrutura hierárquica possibilitou identificar que 859 crenças tenderam à nuclearidade e 1.006 à perifericidade
(Figura 3).
Fonte: programa Nvivo Pro 11®.
Figura 3 - Sistema de
Crenças de Rokeack segundo o tpo
de crenças e exemplificação segundo fragmentos de discursos.
A saturação dos dados
apresentada para os tipos de crenças e teorias explicativas foi corroborada por
dendograma e gráfico de círculo (Figura 4). Foi
possível alocar hierarquicamente os tipos de crenças, compreender seus
conteúdos emergentes e identificar sua conectividade com as teorias
explicativas do processo de envelhecimento humano e o continuum
saúde/doença.
Como conteúdo das
crenças do Tipo A (consenso unânime), emergiram: 1) caracterização do processo
de agrisalhamento; 2) sentimento de ser útil; 3)
inserção em atividades; 4) hábitos de vida e; 5) limitações.
O discurso do P09
descreveu sinais do processo de agrisalhamento
identificados na aparência como caracterização desta etapa da vida. Sua crença
está fundamentada na teoria do envelhecimento celular ao descrever a
caracterização física e visual do processo de envelhecimento, cujas
manifestações envolvem: rugas, cabelos brancos, alterações sobre a postura
física e na marcha [7,13].
O sentimento de ser
útil foi vinculado às percepções quanto a pouca valorização do idoso pelas
pessoas que convive, pelo menos não correspondente à intensidade de que eles se
julgam merecedores. No convívio social, eles se interessam por provarem que
ainda possuem utilidade e aptidão na realização de algumas atividades. Esta
concepção pode ser explicada pela Teoria da Atividade, que defende que, apesar
das perdas físicas, psicológicas e sociais, os vínculos sociais e a autonomia
persistem visando a manutenção da participação social, a satisfação pessoal e
autoconceito de aspectos positivos sobre o envelhecimento [7,15].
De modo corroborativo a
existência de crenças que demonstraram uma potencialidade do idoso em se
inserir em atividades laborais ou voluntárias de modo a se manterem ativos,
autônomos e independentes. A aproximação teórica descrita envolve a Teoria da
Perspectiva do Curso de Vida, ao retratar o interesse pela integração ao meio
social no compartilhamento de conhecimentos e experiências de vida com o grupo
[8,15].
As categorias definidas
a priori (segundo referenciais teóricos), justifica a ausência de alguns
conteúdos ou presença insuficiente para gerar correlação no gráfico de círculo.
Fonte: programa Nvivo Pro 11®.
Figura 4 - Critérios de
saturação dos dados, segundo forças de correlações entre categorias expressas
pelo gráfico de círculo.
As crenças a respeito
dos hábitos de vida contemplaram: alimentação, prática de atividade física e
qualidade do sono/repouso, como determinantes do envelhecimento saudável, ativo
e bem-sucedido, conforme discurso do P26. A possível aproximação teórica
envolve a Teoria de Seleção, Otimização e Compensação de Baltes,
a partir de reflexões do idoso sobre o manejo efetivo do seu processo de
envelhecimento, o que justifica sua inserção em hábitos de vida saudáveis em
busca pelo envelhecimento bem-sucedido [7,14].
As crenças de que o
idoso é aquele que “não pode fazer as coisas”, justificados pela idade,
fraqueza e indisposição. As explicativas teóricas perpassam as dimensões
biológicas (resistência e força), psicológicas (motivação e dedicação) e
sociais (desengajamento) de modo a descreverem possíveis limitações
progressivas/características da senilidade [12-15].
O conteúdo das crenças
do tipo B (Consenso Zero) não depende do respaldo das demais pessoas ou do
grupo para a sua reafirmação e/ou manutenção, não possuem referência externa ou
própria em que possa ser influenciada [9-11]. Foram categorizadas em: 1)
valores; 2) aprendizado de vida; 3) continuum
saúde/doença; 4) avaliação de ser idoso e 5) finitude.
Os valores foram
vinculados à capacidade do idoso em manter-se produtivo, trabalhar, ter saúde,
algo contrário à inutilidade. O aprendizado estruturado a partir das
experiências vividas foi considerado outra virtude a ponto de compartilhar
experiências com o grupo baseados em valores ético-morais e distinções pessoais
entre o certo e o errado (Figura 3). A explicativa teórica envolve o Constructo
de Qualidade de Vida na Velhice de Lawton, que descreve percepções do idoso a
respeito de suas relações no contexto social e remete à avaliação
multidimensional vinculada a critérios intrapessoais e sócio-normativos
[8,14].
As crenças associadas
ao continuum saúde/doença descreveram
problemas de saúde que o idoso vivencia somadas as complicações/limitações
possíveis como: redução de força física, presença de dor e dificuldades na
locomoção, conforme discurso do P01. Cabe mencionar que envelhecimento, quando
acompanhado pelo aumento das cargas de doenças e medicalização, requer que o
idoso seja capaz de enfrentar/conviver com as modificações de forma a manter-se
ativo, participativo e inserido socialmente, apesar das limitações [1,3], a
exemplo da polifarmácia (critério classificatório de
vulnerabilidade) [4,5].
A avaliação de ser
idoso quanto a elementos negativos do envelhecer apresentou crenças
relacionadas à: morte, ausência de saúde e/ou deficiência física, limitações na
comunicação ou inserção em atividades conforme expresso pelo P41. A Teoria do
Uso e do Desgaste pode oferecer respaldo às percepções apresentadas ao
abordá-las como resultante do acúmulo de agressões ambientais cotidianas que
diminuem a capacidade do organismo em recuperar-se de forma efetiva. Dessa
forma, ferimentos, infecções e inflamações somam-se ao longo dos anos,
ocasionando alterações celulares, teciduais e orgânicos na intensificação do
processo de envelhecimento [7,13].
A finitude foi
vinculada à concepção do envelhecimento como uma etapa final da vida. Ela
remete à dicotomia entre lutar pela vida ou entregar-se as limitações de modo a
aceitar/aguardar a morte. Visto a aproximação da morte, esta pode assumir um
protagonismo mediante a desistência do idoso em viver. A aproximação teórica
envolvida é a da Seletividade Socioemocional ao possibilitar a compreensão do
idoso como capaz de reconhecer sua finitude e alterar seus comportamentos e
significação de suas relações com o meio social e familiar, baseado em suas
emoções [8,14].
As crenças do tipo C
(Autoridade) possuem flexibilidade indispensável para se reordenarem, podendo
amortecer e acomodar o sistema e por vezes serem consideradas centrais ou
periféricas [9-10]. Elas foram relacionadas à: 1) Deus; 2) religiosidade/espiritualidade;
3) prática religiosa; 4) posicionamento religioso e busca pelos serviços de
saúde.
A crença em Deus foi à
autoridade máxima sobre a vida do idoso, capaz de influenciá-lo e direcionar
suas decisões, remetendo a sensação de bem-estar, proteção pessoal, renovação
de energias e motivações pessoais, conforme fala do P78. De forma relacionada à
religiosidade/espiritualidade exprimiu a dimensão do segmento religioso em que
o idoso está inserido. É utilizada para justificar sua prática religiosa,
atribuindo motivos/importância no contexto vivido; sendo ainda uma forma de
obtenção de conforto psicológico/espiritual (P89).
A aproximação teórica
envolve a Seleção, Otimização e Compensação de Baltes,
que explica a forma como o idoso pode manejar e se adaptar às diferentes
mudanças [7,14]. Desse modo, com o decorrer dos anos, as pessoas idosas tendem
a valorizar as oportunidades de práticas religiosas a ponto de ressignificar
sua existência conforme relatado pelo P74. Na perspectiva da teoria da
Atividade, o idoso tende a engajar-se em atividades psicossociais, evitando a
instalação da inatividade, sendo a religiosidade/espiritualidade um subsídio à
preservação de vínculos sociais [8,15].
Houve ainda conteúdos
referentes às influências do posicionamento religioso como componente capaz de
justificar a busca pelos serviços de saúde, uma vez que a concepção de Deus
identificada foi a de uma fonte primária de apoio, de conforto espiritual e
para quem eles direcionam suas súplicas nos problemas pessoais e de saúde, fato
corroborado por outras investigações [18-19]. O médico foi a autoridade a qual
os idosos recorrem quando a doença persiste, gera dor ou limitação conforme
expresso pelo P25.
As
formas de
comunicação/interação social são
capazes de exercer diferentes níveis de influências
sobre os comportamentos de idosos os quais compõem as
crenças do tipo D
(Derivadas) [9-11]. Elas versaram sobre influência de: 1) meios
de comunicação;
2) família; 3) meio social (extra)familiar; 4) serviços
sociais/saúde.
Os conteúdos assumiram,
na percepção dos participantes, características dicotômicas com valores
positivos e negativos. O P12 descreveu a influência dos meios de comunicação
sobre suas concepções e comportamentos, ao mencionar o uso da televisão para
manter-se atualizado e obter informações aplicáveis ao seu cotidiano. A Teoria
da Seletividade Socioemocional, ao abordar o declínio das interações sociais,
justifica a busca por opções alternativas de distração para preencherem seu cotidiano
[8,13].
Os vínculos familiares
foram considerados pelos idosos como influências positivas que qualificam sua
convivência e lhes possibilitam o recebimento de apoio e cuidados, conforme
discurso do P14. A Teoria de Lawton no Constructo de Qualidade de Vida na
Velhice descreve as possíveis influências familiares nesta fase da vida e das
relações no contexto social [7,14].
Influências positivas
advindas da convivência dos participantes com pessoas que não são familiares
justificam a presença de vínculos de amizade, consideração e respeito,
construídos ao longo dos tempos. Entre as crenças que versaram sobre a
influência dos serviços sociais/de saúde foram identificadas aquelas que
expressaram o recebimento de cuidados especializados providos pelos
profissionais de saúde (P10). A assertiva anterior, ao ser analisada segundo a
Teoria da Economia Política, explica como serviços sociais/de saúde agem no que
tange ao acolhimento, ao tratamento e à forma de a pessoa idosa perceber seu
atendimento [8,15].
As crenças do tipo E
(inconsequentes) possuem baixa ligação com as demais presentes no sistema, uma
vez que não possuem uma justificativa plausível para a sua existência, retratam
apenas uma condição de gosto ou preferência [7,8]. Elas apresentaram conteúdos:
1) atividades laborais e; 2) serviços sociais/saúde.
O P19 retratou sua
preferência por trabalhar, por manter-se ativo e ocupado. Fato explicado pela
teoria da Atividade ao contemplar tarefas diárias idealizadas como necessidades
de manutenção do engajamento em atividades psicossociais, de modo a prevenir a
inatividade [8,15].
Os serviços sociais/de
saúde apresentaram crenças dicotômicas: na concepção positiva, foram associados
a atendimentos anteriores, nos quais o idoso se sentiu acolhido, valorizado
como o foco da atenção profissional; na dimensão negativa, o atendimento
prestado pelos profissionais de saúde não esteve em consonância com a
expectativa prévia dos participantes conforme relatos (P33 e P43).
O eixo imaginário de
centralidade/perifericidade do sistema de crenças de Rokeach para o processo de envelhecimento tendeu à perifericidade com 696 crenças centrais (A e B) com os
seguintes conteúdos: 1) caracterização do processo de agrisalhamento;
2) sentimento de ser útil; 3) inserção em atividades; 4) hábitos de vida; 5)
limitações; 6) valores; 7) aprendizado de vida; 8) continuum
saúde/doença; 9) avaliação de ser idoso; 10) finitude. Foram identificadas
1.169 crenças periféricas (C, D e E) cujos conteúdos
foram: 1) Deus; 2) religiosidade/espiritualidade; 3) prática religiosa; 4)
posicionamento religioso e busca pelos serviços de saúde; 5) meios de
comunicação; 6) família; 7) meio social (extra)familiar; 8) serviços sociais/de
saúde; 9) atividades laborais; 11) serviços sociais/de saúde, passíveis de
serem acessadas/modificações.
Em
síntese, estes
resultados servem de alicerce para o raciocínio sobre a
prática clínica de
enfermeiros que atuam no contexto da APS a partir da compreensão
do sistema de
crenças e suas explicativas teóricas a respeito do
processo de envelhecimento.
O planejamento de ações/intervenções de
enfermagem deve estar voltado para a
modificação das crenças periféricas de
caráter negativo, uma vez que estas
superaram o número de crenças positivas. A premissa para
a modificação das
crenças periféricas negativas baseia-se em seu menor
respaldo/consenso no grupo
sendo, portanto, possíveis de serem influenciadas por abordagens
interativas de
socialização e/ou atividades de educação em
saúde (prevenção, promoção e
orientações sobre os cuidados em saúde numa
concepção ampliada e
multifatorial).
A análise do sistema de
crenças de pessoas com idade ≥ 65 anos sobre o processo de
envelhecimento, utilizando o referencial de crenças de Rokeach,
permitiu identificar comportamentos, opiniões, informações, preferências,
valores e concepções dos participantes a respeito das implicações sociais,
econômicas, espirituais, das políticas públicas e de saúde sobre o envelhecer
que, por vezes, foram negativas e de desvalorização dessa fase da vida.
Embora a extrapolação
dos resultados seja uma limitação da investigação, é possível inferir sobre as
concepções a respeito do processo do envelhecimento extraídas de fragmentos de
discursos, as quais explicitam conteúdos que estão em consonância com as
explicações teóricas sobre o envelhecimento humano podendo ser aproximado com
resultados encontrados em futuras investigações em outros grupos sociais.
O fato de o eixo
imaginário de centralidade/perifericidade do sistema
de crenças ter tendido para a perifericidade aponta a
possibilidade de a enfermagem utilizar os conteúdos periféricos emergentes
advindos dos discursos dos participantes para estruturação de intervenções
terapêuticas, que valorizem as pessoas em processo de envelhecimento, o que
pode reverter concepções negativas sobre essa fase da vida.