ARTIGO
ORIGINAL
Punção de
veias periféricas em adultos hospitalizados: método misto sequencial aninhado
Cristina Arreguy-Sena, D.Sc.*, Laércio
Deleon de Melo, M.Sc.**, Luciene Muniz Braga, D.Sc.***, Paula Krempser, D.Sc.****, Romanda da Costa
Pereira Barboza Lemos, M.Sc.*****, Daniela de Paula
Lopes, M.Sc.*****
*Enfermeira,
Professora Titular, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de
Fora/MG, **Enfermeiro, Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
***Enfermeira, Professora Adjunta, Universidade Federal de Viçosa (UFV),
Viçosa/MG, ****Enfermeira, Professora Adjunta, Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF), *****Enfermeira, Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz
de Fora/MG
Recebido em 27 de
setembro de 2019; aceito em 23 de dezembro de 2019.
Correspondência: Laércio Deleon de
Melo, Rua Doutor Dirceu de Andrade, 201/305, 36025-330 Juiz de Fora MG
Laércio Deleon de Melo:
laerciodl28@hotmail.com
Cristina Arreguy-Sena: cristina.arreguy@gmail.com
Luciene Muniz Braga:
luciene.muniz@ufv.br
Paula Krempser: paula@krempser.com.br
Romanda da Costa Pereira
Barboza Lemos: romanda.barboza@gmail.com
Daniela de Paula Lopes:
danilops737@gmail.com
Resumo
Introdução: A punção de vasos
periféricos é um procedimento invasivo realizado por profissionais da saúde com
interpretações e significados distintos entre as pessoas. Objetivo: Identificar os conteúdos, a estrutura e a origem das
representações sociais sobre punção venosa periférica por pessoas internadas e
analisar seus sentimentos e comportamentos autorrelatados
durante as etapas desse procedimento. Métodos:
Estudo misto tipo sequencial aninhado (Teoria das Representações Sociais e
seccional) realizado em hospital de ensino filantrópico que presta 100% dos
serviços contratualizados ao Sistema Único de Saúde.
Participaram 150 pessoas internadas com veias periféricas puncionadas.
Realizou-se entrevista individual usando técnica de evocação livre de palavras
e coleta de sentimentos e comportamentos durante o processo de punção venosa a
partir de questionário próprio. Foram feitas análises: prototípica e
estatística descritiva. Atenderam-se os aspectos ético-legais. Resultados: No possível núcleo central
constam conteúdos comportamentais (dor-sofrimento, medo e nervosismo) e
objetivais (soro-medicamento) em oposição à área de contraste
(quieto-controle). Houve predominância de sentimentos e comportamentos de
caráter negativo. Conclusão: Os
conteúdos representacionais versaram sobre respostas humanas valorativas de
caráter negativo, retratando dificuldades dos participantes em lidar com a
punção de vasos, o que remete à necessidade de a equipe de enfermagem identificar
e monitorizar terapeuticamente tais respostas.
Palavras-chave: cuidados de
enfermagem, punções, cateterismo periférico, hospitalização, psicologia social.
Abstract
Peripheral
vein puncture in hospitalized adults: nested sequential mixed method
Introduction:
Peripheral vessel puncture is an invasive procedure performed by health
professionals with different interpretations and meanings among people. Objective: To identify the contents,
structure and origin of social representations about peripheral venipuncture by
hospitalized people and to analyze their self-reported feelings and behaviors
during the stages of this procedure. Methods:
Sequential mixed study (Theory of Social Representations and cross-sectional)
conducted in a philanthropic teaching hospital that provides 100% of the
services contracted to the Unified Health System. Hundred fifty people admitted
with punctured peripheral veins. Individual interviews were performed using
free word evocation technique and collection of feelings and behaviors during
the venipuncture process through a proper questionnaire. Analyzes were
performed: prototypic and descriptive statistics. The ethical-legal aspects
were considered. Results: The
possible central nucleus contains behavioral (pain-suffering, fear and
nervousness) and objective (serum-drug) contents as opposed to the contrast
area (quiet control). There was a predominance of negative feelings and
behaviors. Conclusion: The
representational contents dealt with negative evaluative human responses,
portraying participants' difficulties in dealing with vessel puncture, which
refers to the need for the nursing team to identify and therapeutically monitor
such responses.
Key-words: nursing care,
punctures, catheterization, peripheral, hospitalization, social psychology.
Resumen
Punción de vena
periférica en adultos hospitalizados: método mixto secuencial anidado
Introducción: La punción de los vasos periféricos es un procedimiento invasivo realizado por profesionales
de la salud con diferentes interpretaciones y
significados entre las personas. Objetivo: Identificar los contenidos, la estructura y el origen de las representaciones
sociales sobre la venopunción periférica por parte de personas hospitalizadas
y analizar sus sentimientos
y comportamientos autoinformados
durante las etapas de este procedimiento.
Métodos: Estudio
mixto secuencial anidado (Teoría de las representaciones sociales y seccional) realizado en
un hospital de enseñanza
filantrópico que proporciona el 100% de los servicios contratados al
Sistema Único de Salud. Los participantes fueron 150 pacientes hospitalizados con
venas periféricas perforadas.
Las entrevistas individuales
se realizaron utilizando la
técnica de evocación de palabras
libres y la recopilación de
sentimientos y comportamientos
durante el proceso de venopunción a través de un cuestionario adecuado. Se realizaron análisis: estadísticas
prototípicas y descriptivas. Se consideraron
los aspectos ético-legales.
Resultados: El posible
núcleo central contiene contenido
conductual (sufrimiento, dolor y nerviosismo) y objetivo (suero de drogas) en comparación con el área de contraste (control
silencioso). Hubo un predominio de sentimientos y comportamientos negativos. Conclusión: El contenido representacional se ocupó
de las respuestas humanas
negativas evaluativas, retratando las
dificultades de los
participantes para lidiar con
la punción de los vasos, lo que se refiere a la necesidad
de que el equipo de enfermería
identifique y monitoree terapéuticamente
dichas respuestas.
Palabras-clave: atención
de enfermería, punciones, cateterismo periférico, hospitalización, psicología
social.
A Punção de Vasos
Periféricos (PVP) é um procedimento invasivo, realizado por profissionais da
saúde, com interpretações e significados distintos entre as pessoas [1,2]. Esta
atividade é realizada para fins farmacológicos, hemoterápicos
ou diagnósticos, o que, para uma pessoa leiga, pode propiciar o acesso de
memórias recentes ou remotas e ocasionar manifestações de conteúdos coletivos
que se exprimem através de sentimentos, comportamentos, atitudes, valores,
crenças, informações, imagens e objetos [2-4].
Nesta investigação, a
PVP está sendo concebida como um procedimento técnico, realizado por uma equipe
de enfermagem treinada, cuja técnica consiste em introduzir, posicionar, manter
e monitorar um Cateter Intravascular (CIV) no interior de uma veia conforme
indicação clínica de seu uso, assegurando sua terapêutica e qualificando a
assistência prestada [1,2].
As finalidades do CIV
incluem: possibilitar reposição volêmica, assegurar níveis plasmáticos de
princípios farmacológicos, favorecer procedimentos de prova funcional e
diagnóstica, viabilizar tratamento hemoterápico e
assegurar uma via rápida para intervenção farmacológica em caso de
instabilidade hemodinâmica [1].
Para a instalação de um
CIV, o enfermeiro necessita de habilidades como a tomada de decisão alicerçada
em posicionamentos técnicos, gerenciais, terapêuticos e operacionais para a
escolha do material e do local da instalação do cateter, para sua remoção e nos
cuidados pós-remoção no período compreendido entre sua instalação até a
retirada e posterior reconstituição da ponte epitelial no sítio de inserção do
cateter, a ponto de garantir a segurança daqueles que têm suas veias
puncionadas para fins diagnósticos ou terapêuticos [5].
A partir desta
compreensão, optou-se pelo uso da abordagem estrutural da Teoria da
Representação Social (TRS), visando à captação de conteúdo, estrutura e origens
das construções simbólicas da PVP como um objeto socialmente compartilhado [3].
Considerou-se o contexto em que é realizada a PVP durante a hospitalização das
pessoas, somado às experiências prévias durante o acompanhamento de familiares,
pelo conhecimento socialmente compartilhado no contato com terceiros, pessoas
leigas que passaram pelo procedimento ou profissionais [3,4].
Ao considerar a
diversidade de possíveis vivências por parte das pessoas que têm suas veias
puncionadas, surgiram as seguintes indagações: Quais as Representações Sociais
(RS) que pessoas internadas possuem a respeito da PVP? Será que essas RS
significam formas de enfrentamento diante do procedimento? Elas podem se
traduzir em respostas humanas a ponto de nortear o planejamento do cuidado de
enfermagem? Como os sentimentos e comportamentos das pessoas que vivenciam a
PVP podem influenciar o seu tratamento e a realização dos cuidados de
enfermagem?
Diante do exposto, a
presente investigação se justifica por ser a PVP uma prática corriqueira entre
as atividades laborais do enfermeiro e de sua equipe e possuir importância para
a terapia venosa e o pronto-atendimento em casos de instabilidade clínica das
pessoas internadas. A PVP gera sentimentos, percepções e comportamentos
diversificados nos grupos sociais.
Para responder a tais
indagações, buscou-se identificar no contexto de prática clínica da enfermagem
as percepções dos usuários sobre a PVP no intuito de captar como eles se
sentem, comportam e representam esse procedimento. Sendo assim, objetivou-se
identificar os conteúdos, a estrutura e a origem das representações sociais
sobre PVP por pessoas internadas e analisar seus sentimentos e comportamentos autorrelatados durante as etapas desse procedimento.
Utilizou-se método
misto de investigação, tipo sequencial aninhado com etapas, a saber:
qualitativa – abordagem estrutural da TRS [6,7] e quantitativa – pesquisa
seccional do tipo exploratório e descritivo.
Foram cenários desta
pesquisa os setores de internação cirúrgica (geral, plástica e ortopedia),
clínica médica e maternidade de um Hospital de Ensino Filantrópico que
disponibiliza 100% de seus leitos de forma contratualizada
ao Sistema Único de Saúde (SUS) numa cidade de Minas Gerais, Brasil.
Foram critérios de
inclusão: 1) Pessoas internadas em setores clínicos, cirúrgicos e maternidade;
2) Idade ≥ 18 anos; 3) Pessoas cujas veias foram puncionadas na
instituição; 4) Pessoas com nível de cognição compatível com a abordagem
investigativa realizada. Foram excluídas: 1) Pessoas por perda de seguimento
decorrente do desejo expresso em interromper a participação e 2) Pessoas em
Pós-operatório Imediato (POI), com dispneia ou instabilidade hemodinâmica.
Amostra de seleção
completa sequencial (tamanho amostral determinado por recorte temporal de três
meses). Cabe mencionar que o critério de redução de vieses associado ao tamanho
amostral diminui à medida que se intensificam as chances de se obter resultados
condizentes com a realidade a partir de cem observações [8].
O recrutamento se deu
por convite individual à beira do leito, tendo sido abordadas 191 pessoas,
houve 41 exclusões – POI: 28; dispneia e confusão mental: 10; desejo de
interromper a participação: 3, perfazendo 150 participantes inclusos após
esclarecimento dos objetivos da pesquisa pelos pesquisadores e coleta de
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O instrumento de coleta
de dados foi estruturado em cinco etapas, a saber: 1) Caracterização
sociodemográfica; 2) Caracterização do PVP (localização, finalidade da punção,
local puncionado, ocasião, número de tentativas/repunções
e experiências prévias); 3) Técnica de evocação a partir do termo indutor
“pegar veia”; 4) Sentimentos e comportamentos autorrelatados
em cada etapa (antes da instalação do CIV e durante, bem como na manutenção,
remoção e pós-remoção do CIV).
Os dados foram
coletados em janeiro e fevereiro de 2015 por dois dos pesquisadores previamente
treinados para as abordagens e enfoques pretendidos na investigação. Os dados
de caracterização dos participantes e do estudo seccional foram consolidados e
tratados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)
versão 24, por análise descritiva, utilizando dados de tendência central e de
dispersão.
Com a técnica de
evocação livre de palavras, foram registradas as cinco primeiras palavras ou
expressões que viessem à mente dos participantes para o termo indutor “pegar
veia”. A análise das evocações atendeu aos critérios lexicais e semânticos [9].
Foi construído o dicionário mediante avaliação do corpus original com auxílio do
software Ensemble de Programmes
Permettant L'analyse des Evocations (EVOC) versão
2003 e elaboração do quadro de quatro casas. Adotou-se a análise prototípica
(frequência mínima de 18 e a intermediária ≥ 26 e a Ordem Média de
Evocações OME ≥ 2,5) a partir de um corpus de 612 evocações emitidas,
sendo destas 31 palavras distintas.
Foram atendidos todos
os requisitos éticos e legais de pesquisa envolvendo seres humanos, houve
aprovação em Comitê de Ética em Pesquisa (parecer consubstanciado no 522.853 em
06/02/2014).
Participaram 150
pessoas, sendo predominantemente: mulheres (75,7%); com ensino fundamental
completo (53,4%); cor da pele autodeclarada parda (39,2%); com companheiro
(48,7%) e com filhos (80,4%), sendo de um a três filhos (54%). A maioria
exercia as seguintes atividades profissionais: técnicas (31,9%), no comércio
(10,1%), domésticas (10,1%), serviços gerais (9,5%) e do lar (8,8%).
O perfil de internação
foi: 74,3% tinham vivenciado internações anteriores, dessas 58,8% já haviam
sido internadas uma ou duas vezes. Quanto ao motivo da internação atual, 39,9%
das pessoas o fizeram para realização de parto e 68,7% por motivos clínicos
(cardiológicos, neurológicos, pneumológicos ou por
distúrbios gastrointestinais).
As veias foram
puncionadas para fins de coleta de sangue (55,3%), para viabilizar algum
tratamento durante a internação hospitalar (44,7%), tendo sido essas punções
realizadas no: braço (51,1%); antebraço (24,1%) ou dorso da mão (24,8%). Vivenciaram
a experiência de apenas uma tentativa de punção (73,6%) e duas ou mais
tentativas (26,4%). Houve necessidade de repunção em
uma a duas ocasiões (18,9%) ou três ou mais vezes (25%) para assegurar que o
tratamento fosse concluído. Entre os participantes, 85,1% já haviam presenciado
a realização de uma PVP, sendo 70,6% em pessoas desconhecidas.
Os tipos de
manifestações de traumas vasculares autopercebidos
pelos participantes em PVPs anteriores foram:
sangramento (51,4%), dor (41,9%), hematoma (37,8%), edema (20,9%),
endurecimento de trajeto (19,6%), hiperemia (15,5%), endurecimento no sítio de
inserção do CIV (13,5%) e presença de secreção purulenta (2%).
Foram identificados os
sentimentos e os comportamentos autorreferidos pelos
participantes sobre cada etapa do processo de PVP (Gráfico 1).
Fonte: Software
Microsoft Excel 2019.
Gráfico 1 - Sentimentos e comportamentos autorreferidos
pelas pessoas internadas (n=150).
Os tipos de sentimentos
e comportamentos predominantes nas etapas de punção foram: antes (ansiedade
53%, medo 52% e desconforto 44%); durante (desconforto 72%, dor 71% e medo e
ardência ambos com 50%); na manutenção (desconforto 63%, indiferença 35% e dor
26,5%); na remoção (alívio 67%, dor 39% e desconforto 33%) e na etapa
pós-remoção (alívio 90%, indiferença 39% e dor em 15%) conforme apresentado no
Gráfico 1.
A seguir, consta o
quadro de quatro casas com a alocação do cognemas
evocados por 150 participantes para o termo indutor “pegar veia” (Figura 1).
Fonte: Conteúdo extraído
do SPSS versão 24.
Figura 1 - Quadro de quatro casas, análise estrutural das representações de
pessoas internadas para o termo indutor “pegar veia” (n=150).
As RS referentes a
“pegar veia” apresentaram o possível núcleo central ancorado em sentimentos
negativos, que expressaram dor, sofrimento, medo e nervosismo, sendo objetivado
pelo termo “soro-medicamento”, que representa a finalidade do procedimento. Na
área de contraste, emergiu a dimensão comportamental de submissão através da
expressão “quieto-controle” e, nas periferias, elementos que reforçam o
possível núcleo central.
A análise comparativa
dos dados censitários com os estimados para o ano de 2018 para o município em
que os dados foram coletados apontou um crescimento de 8,5% da população, com
predomínio do sexo feminino (272.223) quando comparado aos homens (244.024)
[10]. O perfil dos participantes foi corroborado segundo gênero, idade e cor de
pele declarada, sendo que houve mais hospitalização entre as mulheres com idade
de 18 e 37 anos, o que se justifica pelo fato de o cenário de investigação
possuir maternidade e ser referência para as gestantes da região.
Relataram que
presenciaram a PVP em um desconhecido 70,6% dos participantes e isso pode ser
explicado tendo em vista que a instituição possui enfermarias conjuntas com até
seis leitos, de modo que se pode presenciar a realização PVP em pessoas
internadas no ambiente terapêutico compartilhado.
Ao analisar o quadro de
quatro casas, puderam-se identificar no possível núcleo central três situações:
“dor-sofrimento”, “medo-ansiedade” e “nervosismo”. Tais cognemas
retratam a dificuldade dos participantes em vivenciar a PVP objetivada pela
expressão “soro-medicamento”, sendo que essas três primeiras evocações retratam
formas negativas e conflituosas associadas à percepção da PVP, enquanto que a
expressão “soro-medicamento” se traduz, em linguagem popular, nas soluções e
nos fármacos que são infundidos durante o período de internação hospitalar,
como parte integrante da conduta terapêutica.
Outra sensação que a
pessoa puncionada enfrenta é a dor. Esta poderá ser aguda ou crônica e
constitui-se em experiências sensoriais e emocionais desagradáveis associadas à
lesão tissular real ou em potencial [11,12]. Outros estudos apontam o trauma
mais incidente decorrente da PVP, mas passível de prevenção /diminuição de sua
ocorrência com boas práticas de enfermagem [13].
No caso da PVP, esse
procedimento paradoxalmente poderá ser instituído para reduzir dores crônicas
(tempo >3meses) ou agudas. Embora o próprio procedimento, por romper a
barreira da pele e tecidos, até a estabilização do CIV no interior do vaso,
possa gerar algum tipo de experiência dolorosa controlável ou insuportável, a
percepção é individual, apesar da padronização da realização da PVP [13-15].
Resultados do estudo
secional corroboraram a existência da dor por meio da identificação de dois
picos de incidência (ao ser introduzido ou removido o CIV) deduzidos dos
relatos dos participantes, estando ausente antes da aplicação do CIV e
decrescente nos momentos posteriores à introdução (antes: ausente; durante: 4%;
manutenção: 17,6%; remoção do cateter: 26,4% e pós-remoção: 10,1%).
A abordagem terapêutica
da dor decorrente do processo de PVP envolve: 1) encorajamento para que a
pessoa expresse sua experiência, descrevendo-a e identificando suas causas,
duração e sensações; 2) compreensão de que a dor decorrente da instalação do
CIV é transitória, o que pode auxiliar em seu enfrentamento; 3) necessidade de
avaliação profissional para descartar lesões de nervos ou manifestações de
trauma vascular em fase inicial; 4) explicação da finalidade da PVP, o que
favorece sua aceitação e a adesão ao tratamento de modo a envolver a pessoa de
forma colaborativa na conduta terapêutica e 5) distinção no processo de instalação
do cateter entre ações profissionais que geram desconforto (garroteamento)
e dor (introdução do CIV), o que operacionaliza o procedimento [15,16].
Outra possibilidade de
minimização da dor é o uso de anestésicos locais, como a lidocaína via intradérmica,
sendo recomendado o uso desses anestésicos antes das punções quando o CIV
possuir calibre ≥ 17G [16].
A expressão
“medo-ansiedade” refere-se a uma resposta humana desencadeada mediante
situações reais, potenciais ou imaginárias, consideradas ou percebidas como
perigosas ou geradoras de ameaça física, emocional, psicológica ou social que
se manifesta pela exacerbação simpática. As manifestações clínicas podem
incluir: taquicardia, taquipneia, irritabilidade, inquietação, tensão emocional
e sensação de perigo. Tais manifestações ocasionam comportamentos que
demonstram desconforto, sendo facilmente reconhecidos por quem está próximo
[14].
A ansiedade envolve um
sentimento vago e incômodo de desconforto ou temor, acompanhado por uma resposta
autônoma com sensação de apreensão, causada pela antecipação de perigo. O medo,
por outro lado, é desencadeado por uma ameaça real ou potencial autopercebida por uma pessoa ou alguém [14].
Tais manifestações são
mais evidentes e explícitas entre as crianças, visto que adultos preferem
mostrar que têm o controle da situação de modo a utilizarem-se de “persona” que
é projetada como estratégia de enfrentamento e ocultação de situações
consideradas ameaçadoras [14,15].
Nos resultados do
estudo secional, a existência de medo e ansiedade foi confirmada a partir da
incidência de medo (antes: 35,1%; durante: 33,8%; manutenção: 12,8%; remoção:
13,5%; pós-remoção: 4,1%) e ansiedade (antes: 35,8%; durante: 21,6%;
manutenção: 6,8%; remoção: 7%; pós-remoção: 0,7%). O nervosismo relatado
durante o procedimento esteve presente no quadro de quatro casas e foi
corroborado pelo estudo seccional (antes: 25%; durante: 25,7%; manutenção:
12,2%; remoção: 11,5%; pós-remoção: 2,7%).
No
cômputo geral, houve
maior incidência de medo, ansiedade e nervosismo no
período que antecede a
operacionalização da introdução do CIV e
durante, mantendo-se presente na
manutenção e remoção do CIV, com
redução significativa somente após a
remoção
do CIV. Seu enfrentamento requer o estabelecimento de uma
relação terapêutica
baseada na confiança e no respeito, a
disponibilização de informações
apropriadas e o auxílio à pessoa na
identificação de formas de lidar com a
situação e criar estratégias para reduzir o
desconforto apresentado em cada
etapa do processo de PVP [15].
As respostas humanas de
valor negativo identificadas, do ponto de vista terapêutico, retratam a
necessidade de o enfermeiro captar, compreender e encorajar as pessoas
internadas a externarem suas representações, sentimentos e comportamentos de
modo a caracterizar estratégias de enfrentamento para elas ao vivenciarem o
processo de PVP segundo as perspectivas e singularidades do grupo social
[5,15].
Nesse
sentido, a
identificação das RS, sentimentos e comportamentos diante
do processo de PVP
deve ser o foco de atuação profissional, cabendo ao
enfermeiro: explicar o
procedimento numa linguagem de fácil compreensão e passo
a passo à pessoa que
terá uma veia puncionada; utilizar estratégias de empatia
e interação
interpessoal; auxiliar as pessoas a exprimirem suas
emoções, sensações e ideias
preconcebidas; estar atento à comunicação verbal e
não verbal; inserir
indagações quanto às possíveis
sensações; estabelecer um vínculo de
confiança
com o usuário do serviço para que tenha suas incertezas
reduzidas diante das
atividades terapêuticas que vivenciará [5,15].
A presença da expressão
“quieto-controle” na área de contraste traduz um comportamento contrário aos
conteúdos que integram o possível núcleo central, retratando um comportamento
de submissão do grupo diante da PVP. Uma investigação australiana descreveu
comportamentos e o engajamento de pessoas internadas influenciados por: 1)
vínculos de poder tradicionais inerentes a relações e contextos de cuidado; 2)
julgamento que os profissionais fazem de sua habilidade e autonomia das pessoas
internadas para decidir em seu benefício e 3) normas e rotinas institucionais
que circunscrevem as pessoas internadas a ponto de reduzirem seu envolvimento e
opinião sobre as ações terapêuticas, gerando limitações de caráter pessoal,
relacional e organizacional [17].
Os cognemas
“ruim” e “inseguro”, componentes da primeira periferia, representam sentimentos
negativos e de insegurança do grupo social diante do procedimento de PVP. Na
segunda periferia, foram retratadas quatro situações distintas que traduzem
condições de dissenso para o grupo social, embora sejam formas individualizadas
de perceber o processo de PVP, a saber: 1) “apoio-melhorar” e
“necessário-preciso” demonstram um reconhecimento da necessidade do
procedimento para a reabilitação de sua saúde; 2) “puncionar–fincar” remete à
instalação do CIV - as recomendações para que o número de tentativas de punções
não seja superior a duas, evitando trauma e estabelecendo parâmetros para
tomada de decisões clínicas para outra forma de acessibilidade vascular [5]; 3)
“atrapalha-limita” refere-se às limitações de movimentos e/ou atividades
mediante a venóclise ou simplesmente pela presença do
CIV salinizado, que ocasiona desconforto; 4) “veia” objetiva o processo de PVP
por referir-se ao local em que se instalam os CIVs;
as veias podem ser classificadas de acordo com o trajeto, mobilidade,
visibilidade, palpação, calibre,
localização, elasticidade e quanto à
presença/ausência de solução de
infusão contínua, e as indicadas à
punção são
retilíneas, fixas, facilmente palpáveis e visíveis
[5] e 5) “indiferença” e
“tranquilidade” retratam a presença de uma
possível zona muda.
A zona muda é concebida
como espaços de compartilhamento de ideias de um determinado grupo que não são
acessadas com facilidade por formas diretas como questionários e entrevistas,
por se tratar de conteúdos que desvelam hábitos, estereótipos, formas de pensar
e agir que podem ser alvo de preconceitos e/ou avaliação negativa por parte de
quem ouve [8].
Evidenciou-se assim a
necessidade de o enfermeiro fazer uma releitura sobre a implementação de
estratégias terapêuticas capazes de contribuir para a segurança e o bem-estar
das pessoas internadas, quando se pensa em um cuidado de qualidade capaz de
abarcar um procedimento técnico realizado como prática diária da equipe de
enfermagem.
Foi possível
compreender o processo de PVP na perspectiva de pessoas internadas, o qual
apresentou conteúdos representacionais corroborados pelos sentimentos e
comportamentos autorreferidos, que se expressaram
predominantemente por dimensões valorativas e de caráter negativo, oriundos das
experiências próprias e da convivência com outros pacientes internados.
Cabe destacar que a
objetivação pelos cognemas “soro-medicamento” traduz
uma das finalidades terapêuticas que justificam a realização do procedimento.
Assim como os cognemas “medo, dor/desconforto e
nervosismo” se referem a sentimentos e comportamentos expressos pelo grupo e
que necessitam ser monitorados terapeuticamente.
A expressão evocada
“quieto-controle” retrata o comportamento de um subgrupo de participantes que
se posicionam de forma submissa diante da realização da PVP e demonstra falta
de empoderamento da pessoa cuidada, sendo corroborada pela oscilação de
sentimentos e comportamentos autorreferidos segundo a
etapa do procedimento.
A presença de respostas
humanas conflituosas diante do processo de PVP justifica a urgência de que
enfermeiros realizem uma releitura sobre a prática desse procedimento e
repensem estratégias a serem implementadas na prática laboral. Estas devem ser
capazes de assegurar um cuidado humanizado e sensível a esse grupo social,
levando em consideração suas representações e sentimentos a fim de reduzir as
respostas de enfrentamento mal adaptadas diante do procedimento.