EDITORIAL
Enfermagem: Da necessidade do estar junto ao retorno
injusto e imediato da culpa
Prof.
Dr. Wiliam César Alves Machado
Enfermeiro, Professor Adjunto Departamento de
Enfermagem Fundamental, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP), UNIRIO,
Professor na Faculdade Univértix de Três Rios
(UNIVÉRTIX)
Correspondência: wily.machado@gmail.com
Uma
das maiores forças de trabalho no Brasil, concentrando mais de 2 milhões de
trabalhadores, 75% da mão de obra em saúde, atuando nos mais diversos cenários
da sociedade brasileira, a Enfermagem, embora prevaleça consenso da população
sobre o papel fundamental dos seus profissionais quando as pessoas dela mais
necessitam, pelo contrário, é a primeira categoria atuante no setor saúde a ser
responsabilizada quando as coisas não funcionam.
Ainda
assim, nos momentos em que todos nós vemos diante do espelho e sem máscaras, frente
às próprias fragilidades, sem opção de escolhas para o suprimento das
necessidades humanas mais básicas, aquelas que nos mantém com aspecto geral
sociável, é na enfermagem que creditamos confiança, porque sabemos que ela não
nos faltará.
É
valor cultural da humanidade, embora muitos se esqueçam quando sadios do quanto
nos empenhamos para que logo restabeleçam alinhamento entre pensamentos,
palavras e atitudes, favorecendo a recuperação e restabelecimento das suas
funções vitais. Ao invés disso, frequentemente agem de forma cruel, quando um
ou outro evento os incomode na conjuntura dos serviços de saúde, porque
dominados por surto de amnésia, preferem culpar a Enfermagem por tudo que não
tenha saído como desejado.
A
sociedade precisa se mostrar mais interessada sobre os trâmites dos processos
de compras dos serviços de saúde, de modo a constatar que esses procedimentos
são da competência do setor de compras e administração institucionais e,
raramente, os enfermeiros deles participam e o que se compra pode não atender à
demanda do necessário aos procedimentos de cuidados junto aos pacientes. Nesse
sentido, o erro começa muito antes, mas termina na beira do leito dos clientes,
onde estão os enfermeiros e equipe, improvisando com o que se tem para
trabalhar, sendo pressionados pelos administradores para dar conta do trabalho.
Não
é fácil e a sociedade desconhece o fato de termos de conectar uma ponta redonda
em abertura quadrada, para que os pacientes não fiquem sem receber medicações,
dietas, etc. Frequentemente, temos de transferir diversas vezes pacientes que
pesam mais de 120 kg da cama para macas de alturas que nunca se correspondem,
quando prescritos exames de diagnóstico e tratamento. Temos de dar conta das
rotinas de administração de medicamentos, banhos, curativos, alimentação, ouvir
reclamações dos familiares, sem nos descompensar com a dura realidade dos
cenários onde atuamos.
Mesmo
sobrecarregados de tarefas, trabalhando sem segurança e com equipes mínimas, a
mídia não investiga as razões dos acidentes ocorridos nos hospitais e demais
serviços de saúde, prefere divulgar as ocorrências acusando a equipe de
Enfermagem, quando deveria analisar o que não se mostra além do aparente, o que
habita os labirintos da administração hospitalar de país que não prioriza vida
das pessoas.
Por
mais absurdo que possa parecer, a influência de políticos de má índole e a
crescente constatação da infiltração de milicianos e/ou facções criminosas na
administração dos hospitais públicos das grandes regiões metropolitanas do
Brasil tornam os processos de compras e licitações de materiais e equipamentos
ainda menos confiáveis e mais prejudiciais à saúde e a vida da população.
Mesmo
cientes do poder que detemos pela representação quantitativa da Enfermagem nos
serviços de saúde, a consciência ética nos fala mais alto quando somos
sacudidos e injustiçados pela atribuição de culpa por algum material ou
equipamento não funcionar como deveria; ou quando deixamos de atender, ajudar e
prestar cuidados compatíveis com o planejado; porque não nos aproveitamos da
massa de trabalhadores para reivindicar melhores condições de trabalho e
salários mais dignos. Não por nos julgarmos menores ou menos importantes que os
demais profissionais da área de saúde, mas por compromisso moral firmado em
cerimonial de juramento público no ato de diplomação, além de profundo respeito
pelo ser humano – Imagem e semelhança de Deus.
Nossa
formação profissional é fulcrada no entendimento
primordial de que todas as pessoas que nos são confiadas para o cuidado e
assistência de Enfermagem trazem dentro de si a mesma dimensão sagrada que
todos custodiamos, o resto, de menor relevância e atribuído aos devaneios da
persona, relegamos ao de menor valia. Como todos os mortais, contudo, somos
constantemente testados para controle das nossas facetas menos nobres, mas o
exercício profissional da Enfermagem como mais bela das artes, jamais deve ser
maculado pelo que, uma vez manifestado, torna-se de difícil controle.
Sociedades
em que a Enfermagem é desvalorizada, desrespeitada, explorada com carga horária
e jornadas de trabalho exaustivas, baixos salários, quem paga a conta é a
sociedade. Porque todos, inevitavelmente, haveremos dela precisar nos momentos
de enfrentamento das nossas próprias vulnerabilidades, medos, fragilidades.
Todos, vez ou outra, adoecemos ou somos surpreendidos por intercorrências
acidentais que comprometem nossa capacidade de cuidar do próprio corpo e
funções corporais, mentais, emocionais. Momentos em que ficamos apenas nós,
Deus e a Enfermagem, nas longas noites e madrugadas silenciosas das unidades
hospitalares. Entregues ao reconhecimento da nossa pequenez, ameaçados pela
perda do poder que imaginávamos deter em relação às demais pessoas, somos fraternalmente
acolhidos pelos profissionais de Enfermagem que lá estão para nos atender,
cuidar, ouvir, estimular. Os mesmos que se tornam invisíveis, à medida que
recuperamos condições satisfatórias de saúde e bem-estar.
Bem
fazem os ingleses, norte-americanos, canadenses, alemães, australianos,
portugueses, em cujas sociedades a Enfermagem é valorizada e seus profissionais
respeitados, bem pagos, porque a população desenvolveu consciência de que o
investimento será proporcional à qualidade e segurança dos serviços de saúde
prestados aos seus cidadãos. Porque sabem que não podemos errar, pois
trabalhamos com limiares da vida humana.
Quarenta
anos exercendo função docente para estudantes de graduação em enfermagem,
medicina, fisioterapia, nutrição, farmácia, entre outras orientações de
pesquisas de mestrado e doutorado, além de ampla experiência assistencial
hospitalar de pequena, média e grande complexidade, creio sejam credenciais
suficientes para as considerações aqui apresentadas.