REVISÃO
Parir e
nascer no Brasil no século XXI – a participação médica retratada na literatura
científica
Paulo Fasanelli*, Zaida Aurora Sperli
Geraldes Soler, D.Sc.**
*Médico
Obstetra, mestrando do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Enfermagem –
Mestrado Acadêmico da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/ SP
(FAMERP), **Obstetriz, enfermeira, livre-docente em
enfermagem obstétrica, docente e orientadora de graduação e pós-graduação de
enfermagem da FAMERP, Orientadora
Recebido em 18 de junho
de 2019; aceito em 7 de agosto de 2019.
Correspondência: Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, Rua Alagoas, 29, 15140-000 Bálsamo SP.Este artigo é parte do Exame de
Qualificação de Mestrado do autor da pesquisa, realizado em 18 de setembro de
2018, referente ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem – Mestrado Acadêmico
– da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP)
Paulo Fasanelli: paulofasanelli@hotmail.com
Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler: zaidaaurora@gmail.com
Resumo
Introdução: Este estudo investiga
a literatura científica acerca da medicalização do parto no século XXI e suas
consequências. Objetivo: Analisar
fontes bibliográficas publicadas ou divulgadas a respeito da prática obstétrica
no Brasil durante o ciclo gravídico-puerperal, no decorrer dos anos 2000 a
2018, identificando o papel do médico neste contexto. Métodos: Estudo de base bibliográfica junto à Biblioteca Virtual de
Saúde (BVS) da rede Bireme. Resultados: Foram analisadas 137 publicações científicas sobre o
tema da pesquisa, correspondendo a 104 (75,91%) artigos em periódicos nacionais
e internacionais, 12 (8,75%) editoriais publicados em periódicos brasileiros e
21 (15,32%) dissertações e teses com enfoque na prática obstétrica no parto. Conclusão: A medicalização do parto e
suas consequências evidenciam distorções na prática obstétrica no Brasil. São
necessários esforços em conjunto de pesquisadores, profissionais da equipe
obstétrica, com ênfase no médico e gestores de saúde e sociedade para melhorar
a assistência obstétrica no Brasil.
Palavras-chave: medicalização,
cesárea, violência obstétrica, humanização do nascimento.
Abstract
Giving
birth and being born in 21st-century Brazil - medical participation as depicted
in the scientific literature
Introduction:
This study investigates the scientific literature on the medicalization of
childbirth in 21st-century Brazil and its consequences. Objective: To review the literature published between 2000 and 2018
on the topics of obstetrical practice and medicalization of childbirth in
Brazil. Methods: This review is based
on the Bireme Virtual Health Library (BVS) database. Results: The search retrieved 137 publications on the research topic:
104 (75.91%) articles published in national and international journals; 12
(8.75%) editorials published in Brazilian journals; and 21 (15.32%) theses and
dissertations focusing on obstetrical intervention practice during childbirth. Conclusion: The medicalization of
childbirth and its consequences evidence distortions in the practice of
obstetrics in Brazil. A joint effort of government and facility managers,
physicians, researchers, other professionals and society as a
whole is needed to improve obstetric care in Brazil.
Key-words:
medicalization, C-section, obstetric violence, humanization of childbirth.
Resumen
Parir y nacer
en Brasil en el siglo XXI – la participación médica retratada en la literatura científica
Introducción: Se investigó la literatura
científica acerca de la medicalización del parto en Brasil en
el siglo XXI y sus consecuencias.
Objetivo: Investigar la
literatura científica publicada entre 2000 y 2018 acerca de la
práctica obstétrica en
Brasil y la medicalización del parto. Métodos:
Se realizó una búsqueda
bibliográfica en fuentes de
información disponibles en la Biblioteca Virtual de Salud (BVS) de la red Bireme. Resultados: Se analizaron 137 publicaciones científicas acerca del
tema de la investigación:
104 (75,91%) artículos publicados en revistas
científicas nacionales e internacionales;
12 (8,75%) editoriales publicados en
revistas brasileñas; y 21 (15,32%) disertaciones y tesis con enfoque hacia la práctica obstétrica durante el momento del parto. Conclusión: La medicalización del parto y sus consecuencias evidencian distorsiones en la práctica obstétrica en Brasil. Se necesita el esfuerzo conjunto de médicos,
investigadores, gestores gubernamentales e institucionales, otros profesionales y de la sociedad toda para lograr mejorar
la asistencia obstétrica en Brasil.
Palabras-clave: medicalización,
cesárea, violencia obstétrica, humanización
del nacimiento.
De início apresenta-se
o significado ou diferenças convencionadas entre parir e nascer. Parir
significa expelir do útero o feto, a placenta e os anexos embrionários; a
resolução do parto pela vagina; a ação da mulher para fazer sair de dentro de
si o produto da concepção – dar à luz de forma natural. Já nascer, nascimento,
passou a significar em nosso meio a resolução do parto por cesariana, com a
participação ativa do médico. Assim, é comum o uso de descritores como parto
obstétrico ou apenas parto para designar ocorrência de parto vaginal.
A partir dos anos 70,
do século XX, tem sido divulgado, no meio científico, que assistência
obstétrica no Brasil revela que médicos e hospitais tornaram-se focos centrais
na assistência ao nascimento, com excessiva intervenção sobre o corpo das
mulheres, investimentos em procedimentos e equipamentos de alta complexidade, o
que resultou no aumento abusivo de cesáreas e deficiências na prática
obstétrica. Tal situação tem sido motivo de debates no meio acadêmico e social,
destacando-se variáveis que refletem a violência obstétrica e a
responsabilização do médico obstetra particularmente, pela lógica da
assistência à saúde no Brasil, a formação intervencionista e grande expansão da
medicina suplementar no Brasil [1,2].
Como médico que iniciou
a formação em medicina nos anos 2000 e sempre com interesse no foco da
obstetrícia e ginecologia, fazendo a residência nessa área, aprendi as
patologias obstétricas e a intervir muito na condução do trabalho de parto e
parto. Ao atuar profissionalmente, continuei por alguns anos na prática
obstétrica aprendida, o que estava me desencantando neste mister, pois percebia
o estresse, o desrespeito com os sentimentos das mulheres e o sofrimento
causado para resolver-se o parto por via vaginal. Para ser assim, era melhor a
cesárea... para a mulher e para mim.
O trabalho em um
hospital escola, a leitura de publicações científicas a respeito do nascimento
e de narrativas de mulheres sobre a violência que percebiam no parto, o contato
com enfermeiras obstetras e o interesse em fazer o mestrado permitiu-me trilhar
o caminho do trabalho integrado para o nascimento humanizado. Desde os últimos
cinco anos, pelo menos é o que tenho feito.
Sem dúvida, por ser
médico e obstetra, incomoda-me e inquieta-me ouvir e ler sobre os (des)caminhos relacionados à atuação médica acerca da
prática obstétrica no Brasil, particularmente na região de São José do Rio
Preto, onde atuo.
Tenho participado de
reuniões científicas, discussões e debates, além de proferir palestras e
oficinas junto a gestantes e puérperas sobre a saúde da mulher, quando são
colocados em pauta vários aspectos inter-relacionados a respeito da gestação,
parto, puerpério e cuidados com o recém-nascido. Nessas ocasiões tem sido dado
destaque especial aos índices abusivos de cesáreas, a desumanização do
atendimento profissional nas fases gestacional, no parto e puerpério imediato,
a prática abusiva e desrespeitosa no atendimento ao parto hospitalar, o poder
médico, o uso de técnicas e procedimentos prejudiciais, enfim, a violência
obstétrica.
Na avaliação da
qualidade da assistência obstétrica, um indicador internacionalmente
reconhecido é a taxa de cesariana, com debates sobre qual seria a porcentagem
esperada, justificada ou recomendável [2]. Segundo dados de 1985 da Organização
Mundial da Saúde, não há como justificar índices superiores a 10-15%, em país,
estado, região, município ou instituição de saúde [3].
No entanto, no Brasil,
os índices de cesariana foram aumentando a partir dos anos 70 do século XX,
chegando a quase 100% entre mulheres atendidas no sistema privado de saúde, na
primeira década do século XXI [1,4].
Para definir a taxa de
cesarianas no Brasil foi aprovada em 28 de março de 2016 as Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação
cesariana, revelando que no Brasil os índices a considerar são maiores,
pelas características da nossa população, que tem um elevado número de
operações cesarianas anteriores. Assim, a taxa de referência ajustada para a
população brasileira estaria entre 25 e 30% [4].
A partir dos anos 2000
foram intensificados os estudos e pesquisas relacionados aos índices abusivos
de cesáreas no Brasil, fato que tem preocupado e indignado gestores, entidades
de classe profissionais, organizações de defesa da mulher e a sociedade em
geral. São apontadas várias razões para o aumento crescente das taxas de
cesarianas no Brasil, além dos fatores culturais, socioeconômicos, obstétricos,
como a escolha das mulheres, a forma de pagamento do parto e especialmente a
influência do médico obstetra [5-8].
A problemática da
prática obstétrica no Brasil, em especial sobre a assistência prestada no
trabalho de parto e parto e via de resolução do parto, tem sido alvo de
interesse de pesquisadores de campos de conhecimentos diversos, como medicina
social, saúde coletiva, enfermagem, ciências sociais, psicologia, gestão, entre
outros, mas são ainda pequenas as abordagens deste assunto em periódicos de
ginecologia e obstetrícia no Brasil.
As
temáticas que se
destacam no conjunto das publicações sobre parir e nascer
no Brasil são:
“problema de saúde pública”; a questão
da “preferência da mulher”; a “livre
escolha” vs. “empoderamento feminino”; desigualdades
na provisão em saúde, a
“mercantilização” da assistência ao
parto; o contexto sociocultural: status,
ideário de segurança e planejamento, via de regra sendo
destacado o “fator
médico” na prática da cesárea [1,2].
Em todo o mundo,
a partir do século XIX, o parto ingressou no âmbito da medicina e, aos
poucos, foi se transformando em um evento medicalizado.
Com isso, houve importantes vantagens, principalmente as relacionadas à
diminuição dos índices de mortalidade materna e neonatal. No entanto, com a
intensificação da medicalização do nascimento, desenvolveu-se excessiva tecnologização e abuso de intervenções, com consequências
clínicas, físicas, financeiras e emocionais, causando grande insatisfação entre
mulheres e famílias e aos defensores da assistência humanizada [2,9-12].
O processo de
medicalização do parto e suas consequências têm sido um desafio para a
sociedade brasileira e vem mobilizando diferentes campos do mundo político,
técnico e acadêmico. Em diferentes instâncias sociais, científicas e
acadêmicas, nacionais e internacionais, o Brasil é mencionado como “campeão” de
cesáreas, sendo feitos também questionamentos a respeito da violência
obstétrica e (des)humanização do nascimento. Tais
fatos têm se constituído como um grande desafio para entidades de defesa da mulher,
gestores e profissionais de saúde [1,13,14].
De um lado são
apresentados problemas quanto ao desrespeito com as mulheres no atendimento
durante o ciclo gravídico puerperal, não permitindo que ela e sua família
experimentem uma maternidade de forma segura e prazerosa. De outro, coloca-se
em pauta as características de atuação e de inadequação na formação
profissional neste contexto, em especial nas áreas de medicina. As comunicações
científicas a respeito da prática obstétrica no Brasil tomam a cesárea como o
padrão ouro da assistência tecnocrática, seja em forma de publicações de
artigos, livros, manuais, dissertação e teses ou em eventos. Também, trazem
revelações importantes sobre o modelo tecnocrático que se tornou a prática
obstétrica: hospitalar, medicalizada, com excesso de
intervenções desnecessárias, aumento dos custos e abuso e desrespeito com as
mulheres [1,15,16].
Analisando
a evolução
histórica da assistência obstétrica no Brasil,
verifica-se o seguimento de um
alto grau de medicalização, hospitalização
e de abuso de práticas invasivas e
de alta tecnologia, nem sempre necessárias, nem sempre
igualitárias, o que
resultou em taxas excessivas de cesáreas, atos de
violência obstétrica por
parte dos profissionais e da instituição e em
opressão da participação efetiva
da mulher. Com isso o Brasil alcançou o título de
campeão mundial de cesáreas,
particularmente nos serviços privados de saúde. Os
benefícios dos avanços
tecnológicos e terapêuticos em Obstetrícia, na
diminuição dos índices de morbimortalidade
materna e perinatal são indiscutíveis, mas o
comportamento profissional na
assistência foi se deteriorando, negando-se maior
participação e respeito com a
parturiente, principalmente [1].
A assistência proposta
deve respeitar a dignidade das mulheres, sua autonomia e seu controle sobre a
situação, visando o bem-estar físico e emocional de mãe e filho. Também, dar
condições efetivas para que outros profissionais capacitados possam realizar
partos normais, cabendo ao médico obstetra resolver os partos com distócia, com necessidade de intervenção, em especial a
cirúrgica [1,2].
Analisando-se
comunicações científicas ou manifestações de mulheres via Internet, a respeito
de nascimento e parto, constata-se que muitas manifestam o desejo de ter
autonomia no seu parto, fugir das cesáreas, desejam ter a chance real de
vivenciar uma maternidade humanizada. Mesmo entre mulheres que possuem plano
particular de saúde, muitas questionam a megaestrutura oferecida pelos
hospitais privados, acreditando que o nascimento é um ato fisiológico e não
médico e também desejando suporte não farmacológico e não tecnológico durante o
trabalho de parto que pode ter resolução vaginal.
As deficiências no
processo de ensino aprendizagem médico na graduação e também na residência em
Obstetrícia, no enfoque da arte de partejar, ou seja, de conduzir o trabalho de
parto para que seja possível a resolução vaginal, têm sido destacadas como um
fator relevante para os índices abusivos e vergonhosos de cesarianas no Brasil
[14,15].
Também
é aventada a
necessidade do médico ser mais bem preparado no âmbito da
investigação
científica, não só como leitor de artigos e
pesquisas relacionadas à
ginecologia e obstetrícia, sua área de
formação na residência e de atuação
profissional,
em programas de pós-graduação stricto
sensu. Assim, ele será mais bem preparado para compreender as evidências
científicas e a pesquisar os elementos relacionados à sua prática [14-16].
Ante tais
considerações, este estudo tem como objetivo analisar publicações científicas
sobre o nascimento no Brasil, no período de 2000 a 2018, destacando a atuação
médica neste contexto.
A presente pesquisa é
uma revisão narrativa de literatura científica nacional, com análise de pesquisas
com abordagem do nascimento no Brasil. O roteiro metodológico para a execução
do estudo consistiu na identificação da questão da pesquisa, busca na
literatura, categorização e avaliação dos estudos obtidos, interpretação dos
resultados e síntese do conhecimento.
Para nortear a busca
bibliográfica, partiu-se do questionamento sobre pesquisas realizadas no
território nacional com abordagem do nascimento, buscando destacar tipo de
publicações, aspectos éticos, legais, humanísticos, os ambientes de parto, A
busca bibliográfica foi realizada na base de dados Lilacs
(Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), considerado o
mais importante e abrangente índice da literatura científica e técnica da
América Latina e Caribe e Medline (Medical Literature
Analysis and Retrieval Sistem on-line),
banco desenvolvido e mantido pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados
Unidos.
Para realizar a busca,
foram considerados os seguintes descritores: nascimento no Brasil, prática
obstétrica no Brasil, violência obstétrica no Brasil, humanização do parto; de
acordo com Descritores em Ciências da Saúde (DECS).
Após realizar a busca,
procedeu-se inicialmente a exclusão das duplicidades e a aplicação dos
critérios de inclusão. Posteriormente, realizou-se a seleção dos artigos a
partir da leitura do título e resumo e, na sequência, aqueles que responderam a pergunta norteadora do estudo
foram minuciosamente avaliados na íntegra para uma completa apreciação do
material selecionado.
Para a extração das
informações, utilizou-se instrumento de coleta de dados que denominamos de
resenha, contendo variáveis relacionadas à identificação do estudo, introdução
e objetivo, características metodológicas, resultados e conclusões. Foram
analisadas publicações do tipo artigos, editoriais, dissertações e teses,
selecionando-se aqueles que abordavam de forma mais direta a participação do
médico no contexto da prática obstétrica no Brasil. Os resultados estão
apresentados de forma descritiva, destacando-se na discussão os pontos
relevantes de cada publicação.
A busca na base de
dados Lilacs e Medline,
sobre publicações relacionadas à prática obstétrica no Brasil, utilizando os
descritores como “Descritores de assunto” resultou em milhares de publicações.
Após leitura e elaboração de resenhas de material bibliográfico selecionado,
obteve-se como resultado o que está mostrado nas Tabelas I e II.
Ao final de minucioso
processo de coleta, análise das inconsistências em relação à codificação e
digitação das variáveis estudadas, alcançou-se um banco de dados sobre a
temática da prática obstétrica no parto no Brasil, entre janeiro de 2000 a
agosto de 2018 composto de:
* 104 artigos em
periódicos nacionais e internacionais
* 12 Editoriais
* 21 Dissertações e
teses
Na Tabela I são
mostradas as publicações científicas selecionadas para análise, sobre a prática
obstétrica no parto, no Brasil, no período de janeiro de 2010 a agosto de 2018.
Foram obtidas 91 publicações, correspondendo a 70 (76,92%) artigos, 8 (8,79%)
Editoriais, 8 (8,79%) dissertações e 5 (5,49%) teses de doutorado.
Tabela I - Tipo de publicações sobre prática obstétrica no Brasil, com ênfase na
medicalização – janeiro de 2010 a agosto de 2018.
O que se vê na Tabela
II é que no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2009 foram selecionadas
para este estudo 44 publicações científicas, correspondendo a 34 (77,27%)
artigos, 2 (4,54%) editoriais e 8 (18,18%) dissertações e teses, sendo 5
dissertações e 3 teses (duas de doutorado e uma de livre-docência).
Tabela II - Tipo de publicações sobre prática obstétrica no Brasil, com ênfase na
medicalização – 2009 - 2000.
Estão na Tabela III as
informações sobre a área dos periódicos que mais publicaram artigos sobre a
prática obstétrica no Brasil, com enfoque na medicalização do parto, entre os
anos 2000 a 2018. Nota-se que dos 104 artigos selecionados, a maior parte foi
publicada em periódicos da área de saúde pública (43-41,34%), seguido daqueles
publicados em periódicos da área de Enfermagem (34-32, 69%), da área de medicina
(23-22,11%) e os outros em revistas que abordam a parte histórica da
assistência médica ao parto (4-3,84%).
Vale destacar que só
foram selecionados artigos que abordavam mais diretamente a questão da
medicalização do parto e do modelo instalado que revela corporativismo,
autocracia, poder, tecnocracia e as dificuldades em trabalho em equipe e
integrado/ compartilhado com a equipe obstétrica.
Mesmo na área da
Medicina, os médicos que mais publicam são da área da medicina social e da
saúde pública. Aqueles da área obstétrica geralmente buscam defender a prática
com base em pressupostos de direito de escolha da mulher e de autonomia. Muitos
médicos nem conhecem mais os sentimentos e necessidades da clientela do SUS,
questionam sem qualquer conhecimento de causa ou de legalidade do exercício da obstetriz e do enfermeiro obstetra e confundem parto
domiciliar ou com práticas integrativas como humanização do nascimento
[1,2,16].
Vale a leitura de
algumas publicações acerca da prática obstétrica no Brasil, no foco de análise
da prática médica da obstetrícia no Brasil, responsável pelo “desenho” do
modelo de assistência hospitalocêntrico e
tecnocrático implementado no Brasil há pelo menos 40 anos [17-19].
Tabela
III - Caracterização dos artigos publicados entre
janeiro de 2000 a agosto de 2018, que abordam medicalização do parto, segundo
área dos periódicos.
Está abordado na
literatura científica e é objeto de pesquisa da orientadora deste estudo
pesquisas vinculadas a um projeto mãe intitulado “Estudos sobre a humanização
no preparo e assistência para o nascimento: ênfase na atuação do enfermeiro
obstetra”, a importância da retomada da profissão do enfermeiro obstetra no
Brasil, como acontece em todo o mundo, na assistência a parturientes no
trabalho de parto e parto. É imprescindível o trabalho da obstetriz/enfermeiro
obstetra no preparo e assistência ao nascimento humanizado e na arte de
partejar, colocando a mulher como protagonista, “dona do seu parto”
[1,2,20-24].
Também é possível
identificar narrativas médicas quanto a necessidades de pesquisas mais
abrangentes a respeito da prática obstétrica com a participação de poder
médico. Consideram que há condições de desenvolvimentos de pesquisas em centros
de excelência no Brasil, que possibilitem estudos mais amplos sobre a prática
obstétrica em nosso meio [25].
Apresenta-se a seguir
editoriais publicados entre janeiro de 2000 a agosto de 2018, que abordavam
direta ou indiretamente a prática medicalizada no
parto e nascimento no Brasil e suas consequências.
Os 12 editoriais
selecionados para análise nesta pesquisa estão descritos a seguir, segundo ano
de publicação, assim como a descrição/resenha do que foi abordado, destacando
as deficiências da prática obstétrica vigente, com claras evidências do poder e
corporativismo médico. Na análise da temática, a maioria ressalta que o principal
problema se refere ao aumento progressivo das cesarianas a pedido ou por
decisão médica, além da medicalização da assistência, que envolve uso exagerado
de intervenções e de tecnologias.
Leal MC.
Parto e Nascimento no Brasil: um cenário em processo de mudança [editorial]. Cad Saude Pública
2018;34(5):e0063818.
Neste editorial, a
autora Maria do Carmo Leal, médica com mestrado e doutorado em Saúde Pública,
principal pesquisadora do trabalho realizado em território nacional denominado
Nascer no Brasil (2014), faz uma explanação clara e objetiva sobre os
resultados desta pesquisa. Destaca que é mais que hora da comunidade acadêmica,
profissionais e gestores de saúde, principalmente, agirem para reverter a
prática obstétrica no Brasil, com redução de partos operatórios, humanização do
nascimento e prevenção de desfechos adversos para a mãe e o produto da
concepção [17].
Fasanelli P, Soler
ZASG. A arte médica de “partejar” em região paulista: esquecida, negligenciada
ou nunca tida? [editorial]. Enferm Bras 2017;16(1):1-3.
Este editorial, feito
pelo autor da presente pesquisa de dissertação de mestrado (médico obstetra,
com atuação no parto normal humanizado) e de sua orientadora (obstetriz, enfermeira, mestre, doutora e livre-docente na
área de Enfermagem Obstétrica, docente e orientadora da graduação e
pós-graduação lato sensu e stricto sensu) discutem com base nas recomendações
atuais da humanização do nascimento, com vistas a alcançar maiores índices de
partos normais no Brasil. Consideram que na compreensão do parto humanizado e
alcance de maiores índices de partos normais, é necessário, além de desenvolver
competências profissionais específicas, também respeitar a mulher e família, os
profissionais da equipe obstétrica, realizar o trabalho em equipe, multi e interprofissional, em especial compartilhado com a obstetriz/enfermeira(o) obstetra e entender que partejar é
fazer a mulher empoderada.
Paes LBO,
Soler ZASG. A cesariana em microrregião do interior paulista: uma realidade
assustadora [editorial]. Enferm Bras
2016;15(6):285-6.
Este editorial
inclui-se entre os trabalhos decorrentes da dissertação de mestrado da autora
(enfermeira obstetra) e de sua orientadora (obstetriz,
enfermeira, mestre, doutora e livre-docente em Enfermagem Obstétrica). Destacam
os índices alarmantes de cesáreas no decorrer de 2000 a 2016, em município do
interior paulista, em especial entre mulheres atendidas na saúde suplementar ou
particular.
Almeida
JS, Silva DA, Soler ZASG. A taxa de disponibilidade para o parto: outra violência
obstétrica? [editorial]. Enferm Bras
2015;14(1):34.
Este editorial é o TCC
de graduanda de enfermagem em 2015, de advogada e da orientadora (obstetriz, enfermeira, mestre, doutoura
e livre-docente em Enfermagem Obstétrica). Relatam queixas de mulheres quanto
ao pagamento de taxa extra para atendimento de seu obstetra no parto. Destacam
que a única situação que não existe impedimento jurídico para cobrança de
honorários para a disponibilidade do obstetra é quando o atendimento é
particular.
Marcolin AC. Até
quando o Brasil será conhecido como o país da cesárea [editorial]. Rev Bras Ginecol
Obstet 2014;36(7):283-9.
Este editorial é de
autoria de médica obstetra da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP). A
autora destaca que a obstetrícia deve ser a especialidade médica que mais se
desenvolveu a partir do século XIX, já que a incorporação de grandes avanços
científicos e de tecnologia permitiram intervenções que reduziram a
morbimortalidade materna e fetal. No entanto, com o passar dos anos houve a
banalização das cesarianas e urge investigar e implementar estratégias para
coibir o abuso de partos resolvidos por cesarianas.
Soler
ZASG. O nascimento no Brasil: não dá mais para aceitar o que acontece
[editorial]. Enferm Bras
2014;12(3).
A autora deste
editorial é obstetriz, enfermeira, mestre, doutora e
livre-docente, orientadora e pesquisadora na área da saúde da mulher e da
Enfermagem Obstétrica. Destaca que o Brasil tem estado no bojo das críticas
sobre os índices alarmantes de cesarianas e do modelo de atenção obstétrica
tecnocrático, medicalizado, desrespeitoso e
desumanizado vigente. Ressalta a necessidade de participação efetiva do
enfermeiro obstetra, atuando de forma compartilhada com a equipe obstétrica e
possibilitando que a mulher seja a protagonista no processo da parturição.
Leal MC.
Estar grávida no Brasil [editorial]. Cad Saúde
Pública 2012;28(8):1420-21.
A autora deste
editorial é médica da área da Saúde Pública, pesquisadora da Fiocruz, além de
ser a principal pesquisadora da pesquisa “Nascer no Brasil”. Destaca a situação
do país entre os campeões de cesárea no mundo e os esforços que devem ser
empreendidos para mudar o panorama da prática obstétrica no Brasil. Também, que
devem ser aplicadas as práticas apropriadas ao nascimento, de forma a atender
humanisticamente ao parto e nascimento das mães e crianças brasileiras.
Rudge
MVC, Calderon IMP, Maranhão TMO, Azevedo GD. Perfil
da pós-graduação em ginecologia e obstetrícia no Brasil. Rev
Bras Ginecol Obstet 2008;30(8):375-8.
Neste editorial são
feitas ponderações a respeito da pós-graduação da área de obstetrícia e
ginecologia no Brasil, de forma a qualificar médicos no desenvolvimento de
competências como pesquisador, investigador, e também fortalecer os programas
de pós-graduação na área.
Amaral E,
Azevedo GD, Abbade J. O ensino e o aprendizado de
ginecologia e obstetrícia na graduação: desafios e tendências [editorial]. Rev Bras Ginecol
Obstet 2007;29(11):551-4.
Neste editorial ficam
destacadas as lacunas no processo de ensino e aprendizado do médico, no enfoque
particular da prática obstétrica e condução do parto normal. Enfatizam a
necessidade de uso de estratégias para reverter o quadro da prática obstétrica
na condução do trabalho de parto e parto.
Sass N. Impacto dos grandes
estudos multicêntricos sobre a prática obstétrica [editorial]. Rev Bras Ginecol
Obstet 2006;28(12):691-2.
O autor destaca a
importância dos estudos multicêntricos sobre a prática obstétrica, reconhecendo
as dificuldades em realizar tais estudos e também em analisar as inúmeras
pesquisas sobre o assunto. Considera que existem centros de excelência no
Brasil para realizar projetos mais amplos e que o trabalho corporativo
multicêntrico pode gerar conhecimentos que melhorem a qualidade da prática
obstétrica e de nossas pesquisas.
Martins-Costa
S, Ramos JGL. A questão das cesarianas [editorial]. Rev
Bras Ginecol Obstet 2005; 27(10):571-4.
Neste editorial os
autores põem em destaque as discussões sobre a realização das cesáreas a pedido
e o fato das cesáreas estarem aumentando em todo o
mundo. A respeito do Brasil fazem as seguintes ponderações: motivos
relacionados ao aumento das cesáreas; a segurança das cesarianas em relação à
mulher; a morbidez materna; a segurança da cesariana em relação ao
recém-nascido; a segurança da cesariana em relação ao médico. Concluem que urge
realizar pesquisas com maiores evidências científicas sobre tal assunto.
No Quadro I estão
apresentados informes sobre as dissertações selecionadas nesta pesquisa,
correspondendo a 13, entre os anos de 2000 a 2018, sendo apenas uma nos anos de
2018, 2017, 2016,2015, 2013, 2011, 2007, 2006 e 2004, enquanto que nos anos de
2012 e 2008 ocorreram duas defesas de mestrado relacionadas ao tema desta
pesquisa.
No Quadro II estão
descritas as teses de doutorado e livre-docência que incluem informes sobre a
medicalização do parto no Brasil. Verifica-se que foram selecionadas oito
teses, sendo apenas uma de livre-docência.
Sugerimos a leitura de
algumas dissertações e teses mais recentes, que põem em pauta um modelo de
atenção ao parto refutado por muitos profissionais de saúde, inclusive médicos
e principalmente pelas mulheres, que sofrem ou sofreram com a assistência
recebida [1,2,12-19].
Quadro 1 - Descrição das dissertações com abordagem da prática obstétrica no
parto, destacando a medicalização 2000- 2018.
Apresenta-se no Quadro
II a relação das teses de doutorado e livre-docência selecionadas nesta
pesquisa por conterem informes relacionados à medicalização do parto.
Quadro 2 - Descrição das Teses de Doutorado e Livre-Docência com abordagem da
prática obstétrica no parto, destacando a medicalização 2000- 2018.
Foi possível verificar
nesta revisão sobre a prática obstétrica do parto, com ênfase na participação
do médico, que são poucos os estudos e pesquisas realizados por médicos nesse
assunto, majoritariamente são realizados por enfermeiros e de profissionais
atuantes na área de saúde coletiva.
Em todos os artigos
selecionados para esta pesquisa ficaram ressaltadas as deficiências na atenção
obstétrica ao parto no Brasil pelo modelo de assistência proposto, sempre com o
domínio da equipe médica, em especial do obstetra. Por outro lado, também é
possível verificar artigos feitos por médicos, em consonância com enfermeiros
obstetras e outros profissionais que destacam a importância de um redesenho da
prática para o alcance de mais partos vaginais.