REVISÃO

Regulação da saúde no Brasil: conceitos, governança e acesso

 

Luzia Beatriz Rodrigues Bastos, D.Sc.*, Maria Alves Barbosa, D.Sc.**, Diniz Antonio de Sena Bastos, D.Sc.***

 

*Professora de Enfermagem na Universidade da Amazônia/UNAMA, Belém/PA, **Professora de Enfermagem na Universidade Federal de Goiás, Goiânia/GO, ***Gestão e Professor de Psicologia na Universidade Estadual do Pará, Belém/PA

 

Recebido em 6 de dezembro de 2019; aceito em 30 de agosto de 2020.

Correspondência: Luzia Beatriz Rodrigues Bastos, Conjunto Médici II Travessa Portel, 105 Marambaia 66620-160 Belém PA

 

Luzia Beatriz Rodrigues Bastos: beatrizbastos_02@yahoo.com.br

Maria Alves Barbosa: maria.malves@gmail.com

Diniz Antonio de Sena Bastos: diniz_sena27@yahoo.com.br

 

Resumo

O estudo visa compreender os conceitos de regulação em saúde, governança e regulação do acesso, à luz das produções científicas nacionais de 2006 a 2018. Pautou-se em revisão sistemática realizada a partir dos termos regulação, saúde, governança e acesso, nos Descritores em Ciências da Saúde, que resultaram na identificação de 73 artigos, sendo 20 selecionados para o estudo. Após análise criteriosa, foram elaboradas 3 categorias: conceitos de regulação em saúde, com 4 artigos (20%); governança na regulação, 5 artigos (25%), e regulação do acesso ou assistencial, 11 artigos (55%). A regulação está assentada principalmente na quantidade adequada de ações e serviços de saúde disponíveis à população e na qualidade dos padrões dos serviços ofertados. Há necessidade de regulação, em razão dos tetos financeiros disponibilizados à saúde e às contradições, em relação aos marcos regulatórios instituídos por municípios e estados. Novos estudos precisam ser elaborados na ótica da regulação do acesso e nas novas formas de governança do Estado regulador que grande parte das vezes, transfere responsabilidades para a prestação dos serviços de saúde a entidades prestadoras, imprimindo formas mais brandas de regulação.

Palavras-chave: regulação e fiscalização em saúde, governança, acesso aos serviços de saúde, Sistema Único de Saúde.

 

Abstract

Health regulation in Brazil: concepts, governance and access

The study aims to understand the concepts of regulation in health, governance and regulation of access, in the light of national scientific productions from 2006 to 2018. It was based on a systematic review based on the terms health, governance and access, in the Descriptors in Health Sciences, which resulted in the identification of 73 articles, of which 20 were selected for the study. After a careful analysis, three categories were elaborated: concepts of health regulation, with 4 articles (20%); 5 articles (25%), and regulation of access or assistance, 11 articles (55%). The regulation is based mainly on the adequate quantity of actions and health services available to the population and on the quality of the standards of the services offered. There is a need for regulation, due to the financial ceilings made available to health and contradictions, in relation to the regulatory frameworks established by municipalities and states. New studies need to be elaborated in terms of access regulation and in the new forms of governance of the regulatory state, which often transfers responsibility for the delivery of health services to service providers, by imposing smoother forms of regulation.

Keywords: health care coordination and monitoring, governance, health services accessibility, Unified Health System.

 

Resumen

Regulación en salud en Brasil: conceptos, gobernanza y acceso

El estudio tiene como objetivo comprender los conceptos de regulación de salud, gobernanza y regulación de acceso, a la luz de las producciones científicas nacionales de 2006 a 2018. Se basó en una revisión sistemática basada en los términos regulación, salud, gobernanza y acceso, en los Descriptores en Ciencias de la Salud, lo que resultó en la identificación de 73 artículos, 20 de los cuales fueron seleccionados para el estudio. Luego de un cuidadoso análisis, se elaboraron 3 categorías: conceptos de regulación sanitaria, con 4 artículos (20%); gobernanza en regulación, 5 artículos (25%), y regulación de acceso o asistencia, 11 artículos (55%). La regulación se basa principalmente en la cantidad adecuada de acciones y servicios de salud disponibles para la población y la calidad de los estándares de los servicios ofrecidos. Existe una necesidad de regulación, debido a los límites financieros disponibles para la salud y las contradicciones, en relación con los marcos regulatorios establecidos por los municipios y los estados. Es necesario elaborar nuevos estudios desde la perspectiva de la regulación del acceso y las nuevas formas de gobernanza del estado regulador que a menudo transfieren las responsabilidades de la prestación de servicios de salud a los proveedores de servicios de salud, proporcionando formas de regulación más indulgentes.

Palabras-clave: regulación y fiscalización en salud, gobernanza, accesibilidad a los servicios de salud, Sistema Único de Salud.

 

Introdução

 

A regulação é apresentada como uma atividade do Estado ligada a uma variedade de funções: normativa, administrativa, econômica, política e de governança, utilizadas nas diferentes formas de intervenção do Estado [1]. Infere-se Estado a poder governamental que impõe medidas nas esferas de decisão que representa.

Logo, a regulação pode ser vista como a influência deliberada e propriamente dita do Estado em qualquer área ou setor que influencie a sociedade. Ao utilizar-se da regulação, define regras e critérios de organização e prestação dos serviços, para a atuação dos mercados.

A regulação tem sido empregada nos sistemas de saúde em dois sentidos principais: no controle de acesso dos usuários aos serviços de saúde como o ato de criar e implementar regras; e em relação ao subsistema privado, é concebida como a correção de falhas nas relações do mercado da saúde [2].

Está assentada principalmente na quantidade adequada de ações e serviços de saúde disponíveis à população e à qualidade dos padrões dos serviços ofertados. Pauta-se em tetos financeiros disponibilizados à saúde e às contradições, em relação aos marcos regulatórios instituídos por municípios e estados.

Na área da saúde, o Estado é o principal sujeito da regulação, compreendendo três níveis de atuação: a) regulação de sistemas de saúde, que executa ações de monitoramento, controle, avaliação, auditoria e vigilância no sistema; b) regulação da atenção à saúde: produz ações à saúde, estando dirigida aos prestadores públicos e privados; e c) regulação do acesso à assistência (regulação assistencial), objetiva a organização, o controle, o gerenciamento e a priorização do acesso e dos fluxos assistenciais no âmbito do SUS [3].

Diante da dificuldade em relação à literatura publicada sobre regulação em saúde e o interesse em compreender a razão pela qual uma política de ordenamento de serviços que permite ao acesso ao usuário possa ser tão pouco estudada, motivou-nos a compreender os conceitos de regulação em saúde, governança e regulação do acesso, à luz das produções científicas nacionais, de 2006 a 2018.

 

Material e métodos

 

A revisão iniciou com busca a artigos relacionados ao tema regulação da saúde, em publicações científicas nacionais, classificadas e analisadas, considerando o período dos últimos treze anos, em fontes de busca da Biblioteca Virtual em Saúde (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde – Lilacs) e Literatura Internacional em Ciências da Saúde (Medline e Scielo), no período de setembro a novembro de 2018. Como critérios de inclusão foram considerados artigos vinculados ao tema, do período de 2006 a 2018, sendo excluídas dissertações e teses.

A pesquisa foi realizada a partir dos termos regulação, saúde, governança e acesso, nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), que resultaram na identificação de 73 artigos. A partir da leitura dos resumos, foram selecionados 20 que tinham relação direta com o tema. Na operacionalização da revisão utilizou-se como etapas: delimitação do tema e dos critérios de inclusão e exclusão, definição do objetivo do estudo, levantamento nas bases de dados, classificação dos artigos pelas temáticas, análise e sinopse do estudo (Figura 1).

 

 

Fonte: Próprios autores, ano 2018.

Figura 1Desenho do percurso de levantamento dos artigos em banco de dados, ano 2018.

 

Resultados e discussão

 

Para refinamento do estudo, foi elaborado a Tabela I, contendo temáticas elegidas, periódicos de publicação e ano, com o intuito de elucidar o conteúdo para análise; itens considerados imprescindíveis na organização da revisão sistemática. Foram elaboradas três categorias de análise que permitiram aprofundar a investigação: conceitos de regulação em saúde, governança na regulação e regulação do acesso ou assistencial.

 

Tabela IArtigos sobre regulação da saúde por temáticas, periódicos, ano de publicação, período de 2006 a 2018.

 

Fonte: Próprios autores, ano 2018.

 

Os periódicos com maior número de publicações na área de regulação foram: Saúde em Debate (3); Cadernos de Saúde Pública (2), Revista do Serviço Público (2), Saúde e Sociedade (2), e Revista Brasileira de Ciência da Saúde (2).

Elaborou-se a Tabela II com a finalidade de compreender os objetivos dos artigos selecionados por temáticas, no sentido de possibilitar a sustentação teórica necessária à revisão sistemática do estudo.

 

Tabela IIArtigos sobre regulação da saúde por temáticas e objetivos dos estudos elegidos, período de 2006 a 2018.

 

Fonte: Próprios autores, ano 2018.

 

Conceitos de regulação em saúde

 

Esta temática representa 20% (n = 4) dos artigos elegidos para o estudo, publicados nos anos de 2006 (1), 2009 (1) e 2012 (2), nos periódicos: Interface: Comunicação, Saúde, Educação; Rev Saúde Pública; Saúde em Debate e Cogitare Enfermagem.

Discute-se o termo regulação em duas vertentes: primeiro por ser um conceito polissêmico, pela diversidade dos sistemas de saúde e abrangência da função do Estado na saúde; e segundo por harmonizar interesses de naturezas diversas e até contraditórias (interesses econômicos, sociais, público ou privado) [1].

Sob a ótica da teoria econômica clássica, a regulação pode ser caracterizada como a intervenção estatal para corrigir falhas de mercado, utilizando-se de incentivos financeiros, de comando e controle [4]. Tais falhas ocorrem quando as perfeitas condições de competição do mercado capitalista, voltadas para a lei da oferta e da procura, não estão plenamente satisfeitas.

Nesse sentido, a regulação pode ser vista como a influência deliberada e propriamente dita do Estado em qualquer área ou setor que influencie a sociedade, sendo definida através de regras e critérios de organização e prestação dos serviços para a atuação dos mercados.

No âmbito da saúde, o sentido de regulação vem associada à função desempenhada pelos sistemas de saúde em geral, mesmo nos majoritariamente públicos. É apresentada como uma atividade do Estado ligada às funções, normativa, administrativa, econômica, política e de governança [4].

Enquanto instrumento de gestão na saúde, os conceitos de regulação, implicam no ordenamento da relação do usuário com os prestadores que ofertam os serviços de saúde, mediados pelo Estado, associados principalmente às ideias de controle e direção [5].

As ideias de controle e direção estariam vinculadas às dimensões de planejamento e formulação das políticas públicas, sob o comando do poder público. Nesse sentido, faz-se destaque à função de governança do Estado, em prol do interesse público e não como mero racionalizador de despesas [6].

Nesse caso, a regulação controla não só o cumprimento das leis para a proteção dos indivíduos e das comunidades carentes, mas também a qualidade dos serviços, impedindo fraudes e garantindo padrões mínimos de qualidade dos serviços de saúde [6].

 

Governança na regulação

 

A temática que trata sobre governança na regulação corresponde a 25%, (n = 5), publicada nos anos de 2007 (1), 2010 (1), 2011(1), 2014 (1) e 2016 (1) nos periódicos: Cadernos de Saúde Pública (2); Revista do Serviço Público e Ciência & Saúde Coletiva.

O termo governança pressupõe a capacidade de construir mecanismos capazes de implementar as tomadas de decisão, levando em conta aspectos financeiros, estratégicos e administrativos. A governança somente pode se dar no âmbito da formulação e implementação da política de saúde e da regulação do sistema de saúde [7].

A regulação do sistema de saúde é consequência da tensão que existe entre o mercado, a tecnocrática, a profissional e a política, em que cada um corresponde a outros grupos de atores: população, governo, profissionais, organizações e o Estado, cujas intenções delimitam e estruturam o sistema de saúde [8].

Em razão do mercado imperfeito, os cuidados de saúde estariam restritos aos consumidores com capacidade para pagar e não a todos que dele necessitam. Por isso, a função reguladora do Estado é fundamental para harmonizar e articular oferta e procura, implicando em responsabilidade crescente para a construção de uma agenda de direitos que visem à inclusão social e à redução de desigualdades [9].

No SUS, o sentido de governança implica em compreender os fatores que organizam a interação de atores, a dinâmica dos processos e as regras do jogo, envolvidas na tomada das decisões [7].

Convém destacar que o país aponta para um nível diferente de governança, na prática, uma combinação de desregulação e nova regulação, em que a desregulação se constitui em vertente, podendo significar regulação menos rígida ou restritiva, com métodos menos pesados, em razão da pressão de potentes forças tecnológicas, econômicas e ideológicas. A isso denomina-se de face interna do Estado regulador que inclui a descentralização e a regionalização administrativas; a divisão de entidades em unidades com orçamentos próprios; a delegação de responsabilidade pela prestação de serviços a organizações privadas, lucrativas ou sem fins lucrativos, dentre outros [10].

A regulação está assentada em dois grandes pilares: quantidade adequada de ações e serviços acessíveis e resolutivos aos cidadãos e a boa qualidade dos padrões dos serviços ofertados. O SUS necessita de ação regulatória apropriada. Questões como o descontrole do acesso espontâneo pelos usuários e a liberdade na definição da oferta de serviço pelos provedores e profissionais de saúde podem levar à superprodução desnecessária [9].

A definição de responsabilidades entre os gestores configura um processo de organização de um sistema de governança no âmbito do SUS, voltado para a efetiva regulação do sistema, em especial para a organização da oferta e da demanda. Os processos regulatórios propiciam à gestão pública o estabelecimento de um melhor controle do acesso aos serviços ofertados e da aplicação dos recursos, os quais favorecem a organização do sistema de saúde e qualificam a atenção de forma a proporcionar o alcance em maior dimensão dos objetivos sanitários coletivos propostos na política de saúde [11].

Nota-se que o país vem adotando um novo projeto de regulação, ligado às mudanças do modo de governança, uma tendência cada vez mais frequente de delegação de funções ou responsabilidades do Estado ao setor privado. Isso inclui a terceirização e novos arranjos contratuais nos sistemas de saúde [1].

 

Regulação do acesso ou assistencial

 

A temática que estuda Regulação do Acesso ou Assistencial corresponde a 55%, (n=11), ou seja, maior demanda dos pesquisadores concentra-se nesta área temática. Foram publicados artigos nos anos de 2008 (1), 2010 (1), 2011 (1), 2012 (2), 2013 (1), 2015 (1), 2016 (1), 2017 (1) e 2018 (2), nos periódicos: Cad Saúde Pública, Interface Comunicação Saúde Educação, Physis Revista de Saúde Coletiva, Saúde Soc São Paulo, Rev Enfermagem UERJ, Rev Bras Med Fam Comunidade, Revista Brasileira de Ciências da Saúde, Saúde e Sociedade, e Saúde em Debate. A Política Nacional de Regulação [3] define como dimensão do processo regulatório, as estruturas reguladoras, dentre elas as centrais de regulação que promovem a ligação entre as demandas existentes e o recurso disponível, a fim de oferecer a melhor resposta possível. Estão organizadas por áreas assistenciais, como exemplo, centrais de internação, de consultas e exames especializados, de procedimentos eletivos, dentre outras [12].

A referida política, prevê a operacionalização da regulação do acesso definida como uma dimensão do processo regulatório em saúde que, por meio de complexos e centrais reguladores, visa conformar uma rede de cuidados integrais e equitativos [13]. Em seu artigo 5º, a regulação do acesso (assistencial) constitui-se como a assistência efetiva aos serviços de saúde, de acordo com a necessidade do cidadão.

No entanto, deve-se admitir que uma das grandes barreiras do acesso é a escassez de recursos e isso implica em maior demanda reprimida enfrentada pelas centrais de regulação, que não garantem a equidade na distribuição e no acesso aos leitos disponíveis. Apontam fracassos dos fluxos existentes em relação à média e alta complexidade, configurando em longas filas de espera para o atendimento pretendido [14].

A regulação assistencial, como arranjo de gestão para produção de cuidado equânime e integral, desenrola-se num cenário de conflitos decorrentes de interesses público-privados que permeiam o sistema. Além disso, verificam-se disputas intergovernamentais (municípios e estados) na organização de sistema de saúde [15].

O cenário de competições, repercute na constituição de estruturas de regulação, que implicam em articulações na esfera técnico-política e no âmbito do cuidado, indo além da utilização de protocolos, cotas assistenciais, normas, uso de computadores e softwares ou controle financeiro [15].

Outro ponto de destaque diz respeito à falta de oferta para consultas, exames e procedimentos especializados em tempo oportuno, considerados grandes empecilhos para o desenvolvimento de um cuidado integral e efetivo no SUS, pois não se pode lidar com escolhas aleatórias, clinicamente não sustentáveis que venham comprometer a equidade do acesso [2].

Nesse sentido o papel dos gestores é crucial na programação suficiente para atender a demanda da população. Há municípios com muito e outros com poucos e isso é reflexo da falta de recursos humanos e de uma estrutura adequada para o funcionamento das centrais reguladoras [16].

Deve haver um estudo das necessidades reais da população, pois as práticas existentes não têm sido eficazes na qualificação da atenção. É necessário que a regulação assistencial cumpra o papel de otimizar a utilização dos serviços, nos critérios das necessidades de saúde da população [17].

Em relação às percepções dos usuários sobre a oferta e a resolutividade da regulação do acesso, a central de regulação ampliou o acesso dos pacientes às consultas e aos procedimentos ambulatoriais especializados da rede SUS, no entanto há incertezas acerca da proposta conceitual e operativa do sistema de regulação em saúde [18].

A informatização da regulação constitui-se uma necessidade, em municípios de pequeno porte, cuja troca de informações ocorre, na maioria das vezes, por meio de contato telefônico ou registro manual [18].

Ressalta-se a importância da competência informacional para o exercício das ações regulatórias, por meio da educação permanente, que se apresenta como uma interessante estratégia a ser desenvolvida nos componentes assistenciais e gerenciais dos serviços de saúde. Na regulação há dificuldades à capacitação profissional e a descontinuidade deste processo influenciada pela troca da gestão municipal, impossibilita manter uma equipe capacitada e preparada para a função [19].

A fragmentação na formação das redes de serviços e o isolamento dos municípios, no processo de municipalização de serviços, prejudicam o ordenamento de fluxos de acesso e disponibilidades de ofertas compatíveis com as necessidades de uma determinada região, configurando distintas regulações (municipal, estadual, SAMU) com possível sobreposição de serviços [20].

Os desafios indiretos (nível mais político do que técnico) podem ser enfrentados se a regulação apresentar consideráveis avanços nos desafios diretos (nível mais técnico do que político). Isso vai exigir do setor habilidades no planejamento e execução de um plano estratégico para subsidiar o nível político com maior precisão [21].

Grande parte dos médicos considera que a regulação contribui para a coordenação do cuidado, contudo, na mesma classe, há um expressivo número de profissionais que consideram a regulação como entrave no sistema de saúde, interferindo negativamente na assistência. Isso pode significar dificuldades na compreensão dos princípios da Política Nacional de Regulação e de seu papel enquanto colaboradora no processo de coordenação do cuidado, ou, ainda, que a regulação não vem cumprindo seu objetivo quanto ao acesso do usuário à atenção especializada [21].

Há destaque de práticas de regulação pouco efetivas e dependentes de mecanismos não formais de ação, centrado principalmente em dois principais aspectos: na falta de vagas, reconhecida como a grande barreira ao acesso; e na falta de recursos de especialidades mais complexas [14]. Reforça-se que o tempo de espera, associado à elevada dificuldade para as consultas especializadas, reduzida oferta de vagas, baixa resolutividade da atenção primária à saúde, aumento das filas de espera, entre outros, são considerados fatores limitantes para a regulação do acesso [6].

 

Conclusão

 

A regulação define regras e critérios de organização e prestação dos serviços de saúde, através do Estado, seu principal agente regulador, que necessita harmonizar e articular oferta e procura, criando mecanismos para seu controle, implicando em boa governança.

É necessário que a regulação do acesso seja de fato voltada à produção do cuidado equânime e integral da população que necessita do SUS, de modo que as novas formas de governança, propostas na atualidade sejam questionadas, pois imprimem formas mais amenas de regulação à rede prestadora contratada.

Ressalta-se que a regulação no setor saúde, tem o Estado como um dos seus sujeitos e um dos grandes desafios é posicionar-se diante da multiplicidade de cenários, sujeitos, ações e interesses, e de implementar estratégias baseadas em marco regulatório centrado no usuário.

 

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