ARTIGO ORIGINAL
Autocuidado do homem
pós-alta hospitalar: perspectivas para o cuidado de enfermagem numa abordagem
domiciliar
Denicy de Nazaré Pereira
Chagas*, Natália Ana de Carvalho**, Cristina Arreguy-Sena,
D.Sc.***, Laércio Deleon de Melo, M.Sc.****,
Girlene Alves da Silva, D.Sc.*****,
Thelma Spindola, D.Sc.******
*Enfermeira, Doutoranda
pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora/MG,
**Enfermeira, Doutoranda, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo
Horizonte/MG, ***Enfermeira, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
Professora Aposentada, Juiz de Fora/MG, ****Enfermeiro, Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora/MG, *****Enfermeira, Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora/MG, Professora Adjunta, ******Enfermeira,
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro/RJ
Recebido em 17 de
dezembro de 2019; aceito em 28 de setembro de 2020.
Correspondência: Denicy
de Nazaré Pereira Chagas, Rua doutor Kalil Abrahão Hallack,
14 Santa Cruz 36088-332 Juiz de Fora MG
Denicy de Nazaré Pereira
Chagas: dchagas.enf@gmail.com
Natália Ana de Carvalho:
natalia-ana@hotmail.com
Cristina Arreguy-Sena: cristina.arreguy@gmail.com
Laércio Deleon de Melo:
laerciodl28@hotmail.com
Girlene Alves da Silva:
girlenealves.silva@ufjf.edu.br
Thelma Spindola:
tspindola.uerj@gmail.com
Resumo
Introdução: O adoecimento e a
hospitalização vivenciados por homens requerem a ampliação de sua autopercepção
sobre o processo saúde-doença, e o período pós-alta hospitalar demanda
adaptações e reabilitação, gerando necessidades individuais de autocuidado. Objetivo:
Discutir a demanda de autocuidado domiciliar de homens no período pós-alta
hospitalar à luz da Teoria de Orem. Métodos: Pesquisa exploratória,
qualitativa, realizada com oito homens no período pós-alta hospitalar de um
hospital público de Minas Gerais. Coletaram-se dados de caracterização e
entrevistas individuais em profundidade. Realizou-se análise de conteúdo
(adensamento teórico - Pearson ≥ 70) com apoio dos Softwares SPSS versão 24 e NVivo Pro11®. Foram atendidos os requisitos ético-legais. Resultados:
Foram categorias: 1) Trajetória do autocuidado masculino e reflexões sobre
estilo de vida prévio e 2) Redimensionamento de condutas diante das exigências
terapêuticas vivenciadas e reflexões sobre as perspectivas de autocuidado. Elas
foram discutidas à luz de atividades, requisitos e exigências terapêuticas de
autocuidado na perspectiva de Orem. Conclusão:
O autocuidado de homens no domicílio após alta hospitalar foi retratado por
experiências que agregaram conhecimentos/informações sobre o processo
saúde-doença, cujas práticas envolvem a autovalorização da saúde, com promessas
de adesão ao tratamento e a hábitos de vida saudáveis.
Palavras-chave: autocuidado, saúde do
homem, alta do paciente, enfermagem domiciliar, teoria de enfermagem.
Abstract
Self-care of men after hospital discharge: perspectives for nursing care
in a home approach
Introduction: The illness/hospitalization experienced by men require the expansion
of their self-perception about the health-disease process, and the
post-discharge period demands adaptation and rehabilitation, generating
individual needs for self-care. Objective: To discuss the demand for
home self-care of men in the post-discharge period considering Orem's theory. Methods:
Exploratory, qualitative research carried out with eight men in the
post-discharge period from a public hospital in Minas Gerais. Characterization
data and individual in-depth interviews were collected. Content analysis
(theoretical density - Pearson ≥ 70) was performed with the support of
SPSS version 24 and NVivo Pro11® software. Ethical and legal requirements have
been met. Results: The categories were: 1) Trajectory of male self-care
and reflections on previous lifestyle and; 2) Resizing of conducts in face of
the experienced therapeutic requirements and reflections on the perspectives of
self-care. They were discussed considering the activities, needs and
therapeutic self-care requirements from Orem's perspective. Conclusion:
Self-care of men at home after hospital discharge was portrayed by experiences
that added knowledge/information about the health-disease process, whose
practices involve self-worth of health, with promises of adherence to treatment
and healthy lifestyle habits.
Keywords: self care, men's health, patient discharge,
home health nursing, nursing theory.
Resumen
El autocuidado del hombre después
del alta hospitalaria:
perspectivas para el cuidado de enfermería
con un enfoque domiciliario
Introducción: La enfermedad y la hospitalización que experimentan los hombres requieren
la expansión de su autopercepción sobre el proceso salud-enfermedad,
y el período después del alta hospitalaria demanda adaptaciones y rehabilitación, generando necesidades individuales de autocuidado. Objetivo: Discutir la demanda de autocuidado domiciliario
de los hombres en el período posterior al alta a
la luz de la Teoría de Orem. Métodos: Investigación
exploratoria, cualitativa,
realizada con ocho hombres en el
período posterior al alta de un hospital público de
Minas Gerais. Se recopilaron datos
de caracterización y entrevistas individuales
en profundidad. El análisis de contenido (densidad teórica - Pearson ≥ 70) se realizó con el
apoyo del software SPSS versión 24 y NVivo Pro11®. Se han cumplido requisitos éticos y legales. Resultados: Las categorías fueron: 1) Trayectoria del autocuidado
masculino y reflexiones sobre estilos de vida previos
y 2) Redimensionamiento de conductas
ante los requerimientos terapéuticos vividos y reflexiones sobre las perspectivas del autocuidado.
Se discutieron a la luz de las actividades, requisitos y exigencias de autocuidado terapéutico
desde la perspectiva de Orem.
Conclusión: El autocuidado de los hombres en
el domicilio tras el alta hospitalaria
fue retratado por experiencias que agregaron conocimiento/información sobre el proceso salud-enfermedad, cuyas prácticas involucran la autovaloración
de la salud, con promesas de adherencia al tratamiento y
estilos de vida saludables.
Palabras-chave: autocuidado, salud del hombre,
alta del paciente, cuidados de enfermería
en el hogar,
teoría de enfermería.
No cenário (inter)nacional, a saúde do homem permanece em destaque, com
diferentes aspectos a serem contemplados por investigações que considerem os
índices de morbimortalidade, a incidência de enfermidades crônicas nesse
segmento populacional, a baixa adesão aos serviços públicos de saúde e as
preconcepções (preconceitos, mitos e tabus) envolvendo as especificidades do
cuidado a pessoas do gênero masculino [1-2].
Atualmente, são
prevalentes em homens: 1) Doenças Cardiovasculares (DCVs)
e Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS); 2) Diabetes Mellitus (DM); 3) Doenças
circulatórias; 4) Doenças Renais Crônicas (DRCs); 5)
Doenças respiratórias; 6) Infecções causadas pelo Vírus da Imunodeficiência
Humana (HIV) e 7) Doenças psiquiátricas [3-5]; sendo o ranking de
morbimortalidade oncológica: próstata, pulmão, cólon e reto [3,6].
Acrescenta-se ainda a
problemática das causas externas que aumentam a mortalidade precoce masculina,
uma vez que homens possuem comportamentos de risco frequentes e baixa adesão
aos serviços de saúde [2,6]. Diante desse panorama, em 2008, foi lançada a
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), propondo um
cuidado integral, com diretrizes para favorecer o acesso dos mesmos aos
serviços de saúde [6-7]. Cabe destacar o vislumbre por melhorias na
reorganização de práticas de cuidado capazes de agregar sentido acerca do que é
ser homem, nas relações de equidade de gênero e suas implicações sobre o
processo saúde-doença-adoecimento [7-9].
Adoecimento e
hospitalização vivenciados por homens requerem a ampliação de sua autopercepção
sobre o processo saúde-doença, e o período pós-alta hospitalar exige adaptações
e reabilitação, gerando demandas individuais de autocuidado. O autocuidado
nesta investigação está sendo concebido como o conjunto de ações que o ser
humano desenvolve de forma intencional em seu benefício, no sentido de promover
e manter a vida, o bem-estar e a saúde [10].
O referencial teórico
utilizado foi a Teoria Geral de Enfermagem de Orem, que inclui três
componentes: 1) autocuidado - compreende conceitos, ações, fatores
condicionantes básicos e demandas terapêuticas; 2) déficit de autocuidado -
determina quando há necessidade de intervenções de enfermagem por impossibilidade,
incapacidade ou não valorização do autocuidado e 3) sistemas de enfermagem -
determinam os sistemas de compensação parcial, total ou de apoio para as
atividades de autocuidado [10].
Esta
investigação se
justifica devido ao fato de as possíveis dificuldades de
readaptação do homem
ao cotidiano no período após alta hospitalar apresentarem
singularidades para o
gênero, o processo de adoecimento, as formas de
tratamento/reabilitação, o que
gera readequação às
restrições/limitações segundo
critérios culturais. Para
vivenciar essa fase, faz-se necessária a
estruturação de uma rede de apoio
profissional que favoreça seu enfrentamento do período de
convalescência. No
atendimento domiciliar, o enfermeiro pode atuar como elo entre os
níveis de
atenção à saúde, na medida em que conhece
as demandas dos homens de cuidados e
remodela ações terapêuticas interdisciplinares com
enfoque no engajamento ao
autocuidado.
Diante do exposto,
objetivou-se discutir a demanda de autocuidado domiciliar de homens no período
pós-alta hospitalar à luz da Teoria de Orem.
Pesquisa qualitativa
exploratório-descritiva com análise de conteúdo realizada com aporte da Teoria
Geral do Autocuidado de Orem [10]. Amostra do tipo intencional, composta por
homens no período após alta hospitalar de um hospital de ensino integrado à
rede pública de serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) de uma cidade
de Minas Gerais (MG), Brasil.
Foram
critérios de
elegibilidade: homens com idade ≥ 18 anos, que estavam em cuidado
domiciliar, residentes na cidade onde os dados foram coletados
após receberem
alta hospitalar depois de tratamento cirúrgico, em janeiro/2015;
egressos da
instituição cenário da investigação
que se encontravam no período de pós-operatório
mediato/tardio e apresentavam nível de cognição
compatível com a abordagem de
entrevista em profundidade. Foram critérios de exclusão:
aqueles que desistiram
de participar do estudo durante o processo de coleta, não foram
encontrados ou
adiaram a entrevista por mais de três tentativas. Não
houve perdas.
O instrumento de coleta
de dados foi assim estruturado: 1) caracterização sociodemográfica; 2)
entrevista individual em profundidade gravada e 3) registros do diário de
campo. Foram questões norteadoras: O que o homem faz para se autocuidar a ponto de não adoecer? O que precisa ter para
se autocuidar? Como o Sr. faz para se cuidar? Conte
um caso de um homem que se cuida.
O recrutamento ocorreu
individualmente, em domicílio, após contato prévio via telefone, no período
pós-alta hospitalar, por uma das pesquisadoras, que agendou horário de acordo
com a disponibilidade do binômio participante-pesquisadora. Foram explicados os
objetivos, potenciais riscos e benefícios da participação na investigação,
tendo sido a aquiescência assegurada mediante a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A coleta dos dados de
caracterização e do conteúdo discursivo utilizando a entrevista individual em
profundidade ocorreu no mês de fevereiro/2015, com oito participantes, com
duração aproximada de uma hora. O número de entrevistados foi definido pelo
adensamento teórico (coeficiente de Pearson ≥ 0,7, corroborado por dendograma e gráfico de círculo) [11], identificado pela
repetição e frequência com que emergiram os conteúdos categóricos e ausência de
novas informações complementares a respeito do objeto investigado. Verificou-se
que a amostra qualitativa foi ideal pela capacidade de refletir, em quantidade
e intensidade, as múltiplas dimensões de determinado fenômeno, garantindo a
qualidade e a integração dos dados [12].
Para a codificação e o
gerenciamento das informações, utilizou-se o software ATLAS. ti 8 trial version. Os dados
sociodemográficos foram consolidados em Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS) versão 24 e os conteúdos discursivos
gravados, tratados segundo as etapas de análise de conteúdo: 1) pré-análise; 2) exploração do material com tratamento dos
resultados e 3) inferência ou interpretação[13] com o apoio do NVivo Pro11®.
As categorias de
pesquisa foram construídas a partir das dimensões do referencial teórico de
Orem: atividades de autocuidado, requisitos de autocuidado e exigências de
autocuidado [10], visando retratar a prática de enfermagem com possibilidades
de interpretação do autocuidado no período do pós-alta hospitalar entre os
participantes. O projeto de pesquisa foi aprovado em Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) (Parecer consubstanciado n° 745.970, de 11/08/2014).
A caracterização
sociodemográfica dos oito homens residentes foi de: idade média de 57,12 anos
(variabilidade de 39 a 69 anos); 62,5% tinham cor de pele autodeclarada parda e
25% negra; 62,5% eram casados, 25% solteiros e 12,5% divorciados; 75% tinham
filhos em número ≤ 4 e 50% tinham escolaridade ≤ 8 anos de estudo.
Foram categorias da
análise de conteúdo: 1) trajetória do autocuidado masculino e reflexões sobre
estilo de vida prévio e 2) redimensionamento de condutas diante das exigências
terapêuticas vivenciadas e reflexões sobre as perspectivas de autocuidado. Foi
possível identificar e exemplificar em cada categoria as atividades de
autocuidado, os requisitos para o autocuidado e as exigências terapêuticas do
autocuidado segundo Orem (Quadro 1).
Quadro 1 - Esquema
representativo da análise de conteúdo e categorias conforme Teoria do
Autocuidado. Juiz de Fora/MG, Brasil, 2019. (ver PDF em anexo).
As categorias foram
corroboradas pelo dendograma e gráfico de círculo,
cujos conteúdos envolveram concepções advindas de experiências durante a
internação de origens próprias, com familiares, colegas ou profissionais, sendo
capazes de influenciar o autocuidado (Figura 1).
Figura 1 - Esquema
representativo do dendograma e gráfico de círculo.
Juiz de Fora/MG, Brasil, 2019. Nota: Conteúdo extraído do software Nvivo Pro11®.
Os registros do diário
de campo reafirmaram o contexto em que as entrevistas ocorreram, tendo sido o
ambiente familiar dos participantes mencionado como favorecedor de conforto e
privacidade necessários ao aprofundamento dos conteúdos discursivos, eliminando
situações constrangedoras decorrentes da presença de profissionais ou pessoas
internadas ou acompanhantes que compartilhavam o ambiente terapêutico.
O acesso à educação é
um indicador que norteia a compreensão do processo saúde-doença. Observa-se que
as ações individuais que perpassam o contexto da vulnerabilidade estão ligadas
aos comportamentos particulares em relação ao atendimento das demandas de
autocuidado. Elas são influenciadas pelo nível de escolaridade, uma vez que
pessoas com baixa escolaridade [6,11] constituem a maioria dos participantes do
estudo, o que pode implicar ações características do provimento do autocuidado,
tais como: adaptar-se às condições impostas pela terapêutica, reunir recursos
necessários e engajar-se no autocuidado [10].
Orem categoriza as
ações de enfermagem do autocuidado em três grupos: totalmente compensatórias (o
enfermeiro desenvolve as atividades de autocuidado pela pessoa), parcialmente
compensatórias (quando o enfermeiro, juntamente com a pessoa, determina quais
atividades podem ser desenvolvidas e para quais será necessário auxílio) e
educação/suporte (quando a pessoa possui habilidade para manter suas
atividades, sendo oferecido somente suporte educativo para melhorar o
desempenho e a compreensão a respeito das tais ações) [10].
A categoria “Trajetória
do autocuidado masculino e reflexões sobre estilo de vida” apresentou conteúdos
ligados a percepções próprias ou da convivência com familiares, colegas ou
profissionais de saúde, havendo exemplificação baseada em
comportamentos/atitudes ligados aos hábitos de vida saudáveis, medidas de
prevenção de doenças e promoção da saúde (Figura 1).
Os participantes, ao
apresentarem a ideia de atividades de autocuidado, corroboram o pensamento de
Orem [10], que remete à capacidade de suprir as próprias necessidades básicas
de vida, por meio da prática de atividades físicas ou de uma alimentação
saudável, destacando a necessidade de aumento da ingesta hídrica para agregar
qualidade à vida (Figura 1). No entanto, culturalmente, o autocuidado não
faz parte das atividades diárias dos homens e estes necessitam de estímulos
externos para o alcance de práticas de cuidado [14].
Ao relacionar os
requisitos universais para o autocuidado, diante dos discursos, evidenciou-se
uma concepção da importância da manutenção da saúde emocional, da influência da
fé e da presença da família como essenciais ao autocuidado. Essa concepção foi
corroborada por outras investigações [1,4-5]. Ainda nesse contexto, destaca-se
a fala do participante P07, ao citar o sentimento de felicidade e bem-estar,
fazendo alusão ao conceito ampliado de saúde que é reforçado pela PNAISH [6-7].
Os requisitos
universais de autocuidado estão associados aos processos de vida, manutenção da
integridade da estrutura e funcionamento humano. Esses são conhecidos como
atividades do cotidiano, comuns a todos os seres humanos e parte integrante do
ciclo da vida. Para Orem, os requisitos de autocuidado incluem: manutenção da
ingestão suficiente de ar, água e alimento; provisão de cuidados, associados
aos processos de eliminação e excreção; manutenção de um equilíbrio entre
atividade e descanso, entre solidão e interação social e prevenção de riscos à
vida, ao funcionamento e ao bem-estar humano [10].
Em relação aos
requisitos desenvolvimentais de autocuidado, identificou-se
no discurso de participantes (P03 e P07) uma postura de corresponsabilização
própria por sua adesão e busca por inserção em diferentes ações do autocuidado.
Tal percepção deve ser reforçada pelos profissionais de saúde em suas
atividades de orientação e educação em saúde [15].
Os desvios de saúde,
enquanto requisitos para o autocuidado, foram retratados no grupo
investigado como uma dificuldade em se reconhecer a necessidade de autocuidado,
porém os participantes ressaltam que ele só esteve presente quando houve
manifestação de vontade de se cuidar e o engajamento em hábitos de vida
saudáveis (Quadro 1). Tal fato comprometeu as ações de prevenção de doenças e
promoção da saúde, requerendo seu gerenciamento com o apoio do enfermeiro [16].
A
busca por compreensão
das exigências terapêuticas do autocuidado, mencionada nos
discursos (Figura
1), sinaliza que há demandas de ações educativas
em saúde que necessitam ser
estruturadas nas medidas de prevenção de doenças e
promoção da saúde. Reforça-se
o papel da enfermagem no autocuidado masculino, por meio de
ações educativas e
de promoção da saúde [17].
Ao analisar o
descuido/cuidado dos homens, na perspectiva da construção social da
masculinidade, emergiram múltiplos significados nos diferentes contextos que
foram aproximados das situações de vulnerabilidade e do processo saúde-doença,
justificando o baixo acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, o
surgimento de doenças e agravos à saúde [1,5,9].
A categoria
“Redimensionamento de condutas diante das exigências terapêuticas vivenciadas e
reflexões sobre as perspectivas de autocuidado” retratou conteúdos ligados à
experiência após adoecimento/internação hospitalar. Essa experiência trouxe
para os participantes conhecimentos e informações a respeito de se engajar no
autocuidado caso desejem evitar novos episódios de adoecimento. A prática
envolveu a valorização da saúde por meio de ações e comportamentos de
autocuidado, de hábitos de vida saudáveis e de adesão ao tratamento (Figura 1).
Quando um homem é
hospitalizado para realização de algum tratamento clínico/cirúrgico e está em
vistas de receber alta hospitalar, pressupõe-se que ele esteja apto para
assumir seu autocuidado, dar continuidade ao tratamento, adaptar-se para lidar
com limitações temporárias ou definitivas. Como esse aprendizado é processual e
nem sempre foi concluído, ele poderá recorrer a apoio/auxílio/educação para se
engajar a ponto de favorecer o alcance das metas terapêuticas e de saúde. Isso
equivale a dizer que, ao retomar ao seu ambiente domiciliar, ele deverá dispor
de habilidades, competências e conhecimentos que possibilitem o provimento do
seu autocuidado, desenvolvidos durante a internação [9].
Nesse âmbito, estudo
descritivo [1], desenvolvido com 33 profissionais de enfermagem, concluiu que
as práticas cotidianas de cuidado estão voltadas para as pessoas em fase de
adoecimento, em situação clínica/cirúrgica, com destaque para os procedimentos
administrativos, intervencionistas, orientações nos processos de admissão,
internação e alta hospitalar.
As atividades de
autocuidado mencionadas pelos participantes referiam-se a mudanças no estilo de
vida com enfoque na redução do tabagismo, do esforço físico e do estresse e na
realização de melhorias na prática de atividade física, alimentação, sono e
repouso, conforme consta das falas dos participantes (Quadro 1). A análise
compreensiva da pesquisa [4] realizada com profissionais de saúde e grupos
focais de homens concluiu que as ações dialógicas contribuíram para a promoção
da saúde ao favorecerem o reconhecimento dos determinantes de suas condições de
vida e saúde, sendo, portanto, motivacionais para a adesão terapêutica de
homens a um estilo de vida saudável [9].
Os requisitos universais
para o autocuidado foram retratados numa autoconscientização sobre a
necessidade de adesão às práticas de autocuidado e o empenho em melhorar e se
cuidar após o surgimento de comorbidades, o que incluiu a remodelação de
comportamentos em direção à busca pelos serviços de saúde e pelos profissionais
médicos (Quadro 1). O processo saúde-doença envolve uma complexa teia na qual
os saberes e as ações intersetoriais e interdisciplinares de saúde são
fundamentais para práticas promotoras de saúde nos diferentes níveis de atenção
cujo enfoque deve ser a quebra de paradigmas sobre o modelo biomédico [15].
A dimensão desenvolvimental reforçou a necessidade do autocuidado na
concepção biopsicossocioespiritual, com destaque para
a dimensão biológica, acrescida da necessidade de um envelhecimento saudável (Quadro
1). Essa concepção foi corroborada por uma pesquisa descritiva realizada com 57
homens atendidos na Atenção Primária à Saúde (APS) em São Paulo, que concluiu
que a maioria dos participantes não compreendia em sua totalidade o sentido de
saúde, doença e prevenção e se fundamentou no dimensionamento biológico [18].
Em relação à busca pelo
envelhecimento saudável, um estudo transversal que objetivou analisar o perfil
sociodemográfico, de morbidade e frequência da busca por um serviço de saúde de
homens adultos cadastrados em um setor do Programa Médico de Família em um
município do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, verificou que, dos 323 homens
cadastrados, 56% buscaram atendimento, sendo o principal motivo que demandou
esse primeiro atendimento a consulta de rotina. Evidências científicas apontam
que os homens mais velhos, com seguro social, relataram alguma morbidade e
procuram mais vezes os serviços de saúde em busca de um envelhecimento ativo e
bem-sucedido [11,19].
Os desvios de saúde são
considerados possibilidades de falhas entre os requisitos do autocuidado, uma
vez que estes refletem possíveis negligências no processo de cuidado e foram
captados nos discursos dos participantes de forma camuflada. Isso porque, ao
admitirem que sentem que precisam se cuidar melhor, fica implícita a necessidade
de dedicar tempo para si e para esse investimento (Figura 1). Em contrapartida,
cabe destaque para o posicionamento do participante P6, que alegou manter o mesmo estilo de vida de antes do período de
internação, por exemplo, a ingesta de alimentos gordurosos que consumia
ocasionalmente.
Uma revisão
bibliográfica [14] que incluiu estudos entre 2009-2014 evidenciou que o horário
de funcionamento das unidades de saúde, a vergonha em procurar pelo serviço, o
medo, a ideia de que a unidade de saúde é um espaço para mulheres e a limitação
de tempo para procura de atendimento foram atitudes que levaram os homens a
adiarem ou não procurarem apoio nas instituições de saúde. Sendo assim, como
justificativas da baixa procura de homens pelos serviços de saúde, estão: a
limitação de tempo; o descuido consigo; o preconceito por achar que não é
necessário ir às instituições de saúde, aderir às ações de autocuidado,
dedicar-se à promoção da saúde e à prevenção de doenças e agravos [1,6].
Uma investigação
qualitativa exploratória realizada com 29 homens, com o objetivo de identificar
os motivos pelos quais eles procuravam os serviços de saúde, evidenciou uma
ideia de que homens procuram o serviço de saúde apenas em eventos agudos,
especialmente em casos de dor. Os pesquisadores concluíram que existe uma
resistência masculina ao autocuidado, ou seja, a não busca pelo serviço de
saúde de forma preventiva e rotineira [20].
As exigências
terapêuticas do autocuidado foram percebidas pelos participantes como o
envolvimento e a dedicação pessoal em querer se cuidar, devendo ser eles mesmos
os protagonistas de seu processo de cuidar (P2). Tais dados foram corroborados
pelos resultados de uma investigação de amostragem aleatória envolvendo 1.894
homens e 1.991 mulheres com idade compreendida entre 20 e 59 anos, usuários do
SUS, residentes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, submetidos à
entrevista por telefonia móvel, que constatou que a maioria da população
avaliada se considera sem problema de saúde, principalmente os homens. As
principais causas do não tratamento relatado foram a falta de acesso ao
atendimento nos serviços de saúde e o fato de os homens considerarem que cuidam
bem de sua saúde, embora seus cônjuges discordem disso [8].
Cabe
mencionar ainda os
discursos dos participantes P3, P4 e P5, que retrataram um
descontentamento com
a atuação profissional e políticas públicas
de saúde em relação à atenção
à
saúde recebida, as quais consideraram que foram deficientes no
que tange a informações/orientações
sobre sua saúde e sobre o processo de
saúde-doença. Nessa perspectiva, uma
pesquisa documental baseada na análise de dez diretrizes
nacionais estruturadas
em reflexões bioéticas apontou como problemas que
dificultam o acesso aos
serviços de saúde nas diferentes políticas de
saúde que incluem idosos, homens,
entre outros, as características individuais e
socioeconômicas dos grupos
populacionais; as fragilidades na oferta e na organização
da estrutura dos
serviços e influências das diferenças regionais.
Estas são demarcadas pelas
desigualdades geográficas, que geram iniquidades na saúde
por reforçar a
exclusão de determinados grupos [13].
Outro estudo
exploratório descritivo [21] realizado com oito homens, por meio de grupo
focal, que objetivou investigar os aspectos que influenciam o acesso do homem
ao serviço de saúde da APS, constatou, no discurso de sujeito coletivo, que os
participantes expressaram pouco investimento na organização do serviço segundo
o gênero, reforçando o senso comum de que os homens não utilizam a APS e
possuíam ideologia subsidiada no patriarcado.
Numa investigação
qualitativa [22] realizada com 18 profissionais de enfermagem, a respeito das
estratégias de atenção à saúde dos homens, foram mencionadas três abordagens:
1) atendimento aos homens no menor tempo, reduzindo a espera e oferecendo
materiais de autocuidado, em troca do estabelecimento de vínculos
serviço-profissionais-pacientes; 2) deslocamento dos profissionais de saúde
para o atendimento aos homens em seus espaços de trabalho, adaptando as
linguagens e materiais necessários e 3) atendimento a demandas específicas por
contracepção apresentadas pelas especificidades masculinas.
Faz-se necessário um
pensamento crítico-reflexivo por parte dos gestores das políticas e unidades de
saúde, profissionais de saúde para que estratégias de atenção à saúde do homem
sejam realizadas, a fim de transpor as barreiras que impedem ou dificultam a
adesão masculina aos serviços de saúde [16-18,23]. Por fim, ressalta-se a
necessidade de se instituir propostas educativas e de cuidado voltadas à saúde
e à educação de homens adultos que abarquem as diferentes formas de viver a
masculinidade, que discutam a política de saúde numa visão utilitária e não
desloquem da centralidade os processos curativos, nem culpabilizem os homens
por seu distanciamento dos serviços de saúde [7].
Cabe à enfermagem a
realização de novas reflexões sobre o seu papel de gestora do cuidado, com
enfoque educativo-orientador no exercício de suas atividades na APS numa
perspectiva do alcance do conceito ampliado de saúde. Sem que o enfermeiro se
esqueça, é claro, da necessidade de registro de todas as ações em evolução
clínica em prontuário do paciente [24].
Reconhece-se como
limitações deste estudo o reduzido número de participantes, apesar da inclusão
de todos os potenciais participantes elegíveis (homens pós-alta cirúrgica no
período de janeiro/2015), não havendo perdas na amostra. Ressalta-se que esta
limitação foi suprida pela adoção dos critérios de saturação dos dados.
As contribuições desta
investigação em enfermagem e saúde configuram-se na identificação das
necessidades de autocuidado de homens pós-alta hospitalar e estimulam reflexões
sobre a atuação do enfermeiro pós-alta hospitalar com enfoque no fornecimento
de orientações que visem a apoio/educação, reforçando-se a autonomia/o
engajamento do homem como protagonista na gestão do seu cuidado em saúde.
O autocuidado de homens
no pós-alta hospitalar foi retratado por experiências capazes de agregar
conhecimentos/informações a respeito do processo saúde-doença, cuja prática
envolve a valorização da saúde, viabilizada mediante a adesão ao tratamento e a
adoção de hábitos de vida saudáveis.
O uso do referencial de Orem permitiu identificar atividades, requisitos e
exigências para o autocuidado. Sua conexão com a teoria do déficit do
autocuidado sinalizou para que o período de alta de homens seja antecedido pelo
reconhecimento de quais são suas necessidades (reais, fictícias e imaginárias)
para que sejam trabalhadas por meio da teoria dos sistemas de enfermagem na
modalidade de apoio/educação. Isso reforça a autonomia e o engajamento do homem
como protagonista na busca pela saúde em concepção ampliada.