ARTIGO ORIGINAL
Capacidade de autocuidado de
pessoas idosas hospitalizadas
José Vitor da Silva, D.Sc.*,
Rogério Donizeti Reis, M.Sc.**
*Enfermeiro, Docente na Faculdade de
Medicina de Itajubá (FMIT), **Fisioterapeuta e Enfermeiro, Docente na Faculdade
de Medicina de Itajubá (FMIT)
Recebido em 11 de março de 2020; aceito em
20 de outubro de 2020.
Correspondência:
Rogério Donizeti Reis, Rua Ana Campos Gonçalves, 69,
Santa Luzia, 37503-172 Itajubá/MG
José Vitor da Silva:
enfjvitorsilva2019@gmail.com
Rogério Donizeti
Reis: rogerioreisfisio@yahoo.com.br
Resumo
Introdução:
Capacidade de autocuidado no envelhecimento também pressupõe conhecimento,
habilidade e experiência para prevenção, promoção de saúde, recuperação e
reabilitação. Objetivos: Identificar as características
sociodemográficas e de saúde de pessoas idosas hospitalizadas e avaliar as capacidades
de autocuidado. Métodos: Abordagem quantitativa, tipo descritivo e
transversal. A amostra foi de 200 pessoas idosas hospitalizadas com 70 anos ou
mais de ambos os sexos. A amostragem foi não probabilística por conveniência.
Utilizaram-se dois instrumentos: 1) Caracterização de fatores condicionantes
básicos e de saúde de pessoas idosas e 2) Escala para avaliação das capacidades
de autocuidado. Resultados: Encontrou-se que 56% eram do sexo feminino;
a média de idade foi 78,8 anos (DP = 6,2); 47,5% tinham ensino fundamental
incompleto; 37,5% eram casados; 72% eram católicos; 72,5% residiam com a
família; 80% tinham filhos; 78% eram aposentados; 61,5% recebiam menos de um
salário mínimo; 45,5% avaliaram sua saúde como boa; 48% portavam doença cardiovascular;
72,5% não apresentaram incapacidade física e 70,5% não realizavam atividades
físicas. As capacidades de autocuidado apresentaram média de 103,1 (DP = 10,05)
e mediana = 105. Conclusão: Apesar da hospitalização, as capacidades de
autocuidado das pessoas idosas foram classificadas “muito boas”.
Palavras-chave:
idoso, hospitalização, autocuidado.
Abstract
Self-care
capacity of hospitalized elderly people
Introduction: Self-care capacity along aging also implies
knowledge, skill and experience for prevention, health raise, recovery and
rehabilitation. Aims: To identify the sociodemographic and health
features of hospitalized elderly people and to assess self-care skills. Methods:
Quantitative, descriptive and transversal approaches. The trial consisted of
200 hospitalized elderly people at the age of 70 or more for both sexes. The
trial was non-probabilistic for convenience. Two means were used: 1)
Characterization of basic conditioning factors and health of elderly people and
2) Range for assessing self-care skills. Results: It was found that 56%
were female; the average age was 78.8 years old (SD = 6.2); 47.5% had
incomplete elementary education; 37.5% were married; 72% were Catholic; 72.5%
lived with their families; 80% had children; 78% were retired; 61.5% received
less than a minimum wage; 45.5% rated their health as good; 48% had
cardiovascular disease; 72.5% did not have physical disability and 70.5% did
not perform physical activities. Self-care abilities had an average of 103.1
(SD = 10.05) and median of 105. Conclusion: Despite hospitalization, the
self-care abilities of elderly people were rated as “very good”.
Keywords: elderly, hospitalization, self-care.
Resumen
Capacidad de
autocuidado de personas mayores hospitalizadas
Introducción: Capacidad de autocuidado en el envejecimiento también supone conocimiento, habilidad y
experiencia para la prevención,
promoción de la salud, recuperación y habilitación. Objetivo: Identificar las características sociodemográficas y de salud de los adultos mayores hospitalizados y evaluar las capacidades de autocuidado. Métodos: Abordaje cuantitativo, tipo descriptivo y transversal. La muestra
fue de 200 adultos mayores con 70 años o
más de ambos los sexos. El muestreo
fue no probabilístico por conveniencia.
Se utilizaron dos instrumentos: 1) Caracterización de los factores condicionantes básicos y de salud
de adultos mayores y 2) Escala para evaluar las capacidades de
autocuidado. Resultados: Se encontró que el 56% eran mujeres;
la media de la edad correspondió
a 78,8 años (DS = 6,2); el
47,5% tenía enseñanza
fundamental incompleta; el 37,5% eran
casados; el 72% eran
católicos; el 72,5% residían
con la familia,
el 80% tenía hijos; el 78% eran
jubilados; el 61,5% recibían
bajo un salario mínimo; el 47,5% evaluaran su salud como “buena”; el 48% eran portadores enfermedades
cardiovasculares; el 72,5% no presentaran
incapacidades físicas y el 70,5% no realizaban actividades físicas. Las capacidades de autocuidado presentaron
media =103,1 (DS=10,05) y mediana =105. Conclusión: Los adultos mayores,
a pesar de la hospitalización, sus capacidades de autocuidado fueron consideradas muy “buenas”.
Palabras-clave:
adulto mayor, hospitalización,
autocuidado.
O
autocuidado é um conceito abrangente, relacionado com as ações que as pessoas
realizam individualmente, com o objetivo de preservar a saúde e/ ou prevenir a
doença. O autocuidado é a chave dos cuidados de saúde e é visto como uma
orientação subjacente à atividade do enfermeiro e que a distingue de outras
disciplinas. Pode-se afirmar que, por meio das ações de autocuidado, são
implementadas intervenções de promoção da saúde orientadas para a prática de
cuidados de enfermagem [1].
O
autocuidado tornou-se um elemento essencial da ciência de enfermagem porque
torna a pessoa agente do seu cuidado, responsabilizando-a e tornando-a
comprometida com a vida e a saúde [2].
A
Teoria de Enfermagem do Déficit de Autocuidado (TEDA) de Orem
está constituída por outras três teorias que são as seguintes: 1) Teoria do
Autocuidado; Teoria do Déficit de Autocuidado e 3) Teoria do Sistema de
Enfermagem. Cada uma dessas teorias têm os seus conceitos próprios, porém, o
agrupamento desses conceitos constituiu outra perspectiva que deu origem à
TEDA. Mediante isso, essa Teoria é mais abrangente, porque envolve os
propósitos das outras três teorias, mencionadas anteriormente [3].
Antes
de se descrever sobre a TEDA, é imprescindível o entendimento sobre o conceito
de autocuidado, que é a essência da mencionada teoria, assim como das outras
que a constituem. O autocuidado é um processo aprendido, é uma prática da
pessoa para si mesma e desenvolvida por ela mesma [3]. Nesta prática, o indivíduo
deve ser livre para aceitar, aprender, utilizar ou rejeitar o que lhe é
oferecido, pedir ajuda, obter informações sobre si mesmo e, se desejar, para
deixar o hospital/instituição de saúde. Então, a essência do objetivo do
autocuidado é o autocontrole, a liberdade, a responsabilidade do indivíduo e a
busca pela melhoria de sua qualidade de vida. O autocuidado é a prática de
atividades executadas pelos indivíduos, em próprio benefício, para manutenção
da vida, saúde e bem-estar.
É o
cuidado que indivíduos requerem a cada dia para regularizar seu próprio
funcionamento e desenvolvimento. A prática desse cuidado pelo paciente é
possibilitada pelo enfermeiro, por intermédio da educação em saúde, que o
conduz à aderência às condutas preventivas e terapêuticas, tornando-o agente de
autocuidado [3].
No
presente trabalho, será adotado o conceito de capacidade de autocuidado. O
termo capacidades significa, no contexto da TEDA, aquilo que a pessoa é capaz
de realizar por si e para si própria. Do ponto de vista do conceito, refere-se
ao conhecimento, habilidade e experiência que as pessoas precisam obter para a
realização do autocuidado. O termo agente (agência) de autocuidado implica o
poder da pessoa em comprometer-se com o autocuidado; é utilizado como empoderamento,
competência ou capacidade da pessoa para exercer o autocuidado, agenciá-lo. É
uma ação deliberada, na qual o cliente precisa tomar uma decisão, fazer uma
livre escolha entre cuidar-se ou permanecer como está [3].
As
capacidades de autocuidado podem ser investigadas em relação ao seu
desenvolvimento, operabilidade e adequação. O desenvolvimento é definido em
relação aos tipos de ações de autocuidado que os indivíduos podem realizar. A
operabilidade é descrita em relação aos tipos de ações de autocuidado que os
indivíduos realizam, de forma consciente e efetiva. A adequação é determinada,
quando se compara o tipo de ações de autocuidado que as pessoas podem realizar
e o tipo de autocuidado requerido, para satisfazer a demanda existente ou projetada
de autocuidado terapêutico. Com o passar dos anos de vida, as pessoas vão
adquirindo conhecimento sobre o que devem e como podem realizar o seu
autocuidado, por exemplo, conhecimento a respeito da ingestão de água e
alimentação.
Por
outro lado, a operabilidade é aquilo que as pessoas, realmente, realizam de
forma deliberada em prol do seu autocuidado. Ex.: quantidade e tipo (potável ou
não) de água que ingerem durante o dia; tipo de alimentação e ingestão de
alimentos, de acordo com os princípios nutritivos. A adequação é a comparação
entre as necessidades de ingestão de água e de alimentação que a pessoa requer
com as suas capacidades ou condições de atender a essas necessidades, ou seja,
ela é capaz de realizá-las? [3].
O
desenvolvimento e a operabilidade das capacidades de autocuidado podem ser
afetados, entre outros fatores, pela cultura, experiência de vida, estado de
saúde, padrões de vida, doenças, sistema familiar, idade, gênero e
escolaridade. Uma pessoa com o potencial de satisfazer às necessidades de saúde
é conhecida como agente de autocuidado. Cada agente de autocuidado tem
requerimentos para satisfazer as necessidades de saúde de natureza universal,
etapa de desenvolvimento e de desvio de saúde. A capacidade do indivíduo para se
engajar em ações de autocuidado foi denominada de self-care
agency. É o poder de tornar-se agente do seu
autocuidado e desenvolver-se no processo de viver, o dia a dia, por meio de um
processo espontâneo de aprendizagem [3].
Orem
[3] assinala um conceito periférico, que são os fatores condicionantes básicos,
que está formado por 10 fatores, que se dividem em internos ou intrínsecos: 1)
Idade; 2) Sexo; 3) Estado de desenvolvimento e 4) Estado de saúde. E externos
ou extrínsecos: 1) orientação sociocultural; 2) fatores do sistema de saúde; 3)
fatores do sistema família; 4) padrão de vida; 5) fatores ambientais e 6)
disponibilidade e adequação de recursos. Todos os conceitos centrais,
secundários e periféricos, estão inter-relacionados com a finalidade de
promover a vida, saúde e bem-estar (qualidade de vida).
Para
este estudo, foram selecionados os seguintes fatores condicionantes básicos: 1)
intrínsecos: sexo, idade, escolaridade, estado conjugal, religião, estado de
saúde, incapacidade física, atividade física, doenças crônicas e hábitos de
vida; 2) extrínsecos: fonte de renda, salário, uso de medicamento e uso de
recursos físicos.
O ser
humano, no contexto de sua vida, passa por diversos ciclos, sendo um deles o
envelhecimento que, devido à sua natureza, deve ser alicerçado e ancorado pelo
autocuidado. Entretanto, torna-se essencial entender o processo de
envelhecimento nos seus aspectos e dimensões, para que seja subsidiado pelo
autocuidado.
O
idoso tem particularidades bem conhecidas: doenças crônicas e fragilidades,
mais custos, menos recursos sociais e financeiros. Envelhecer, ainda que sem
doenças crônicas, envolve alguma perda funcional. Com tantas situações
adversas, o cuidado do idoso deve ser estruturado [4].
O
crescente aumento do número de idosos no país nos desperta para a capacidade do
autocuidado do idoso, o que gera impacto no enfrentamento e no desenvolvimento
das atividades. Uma vez que o processo de envelhecimento é um fenômeno
inevitável e que o número de idosos no Brasil tem aumentado dia após dia, a
manutenção da capacidade do autocuidado torna-se um dos desafios atuais no
campo de estudo de saúde do idoso.
O
processo de envelhecimento pode ser dividido em duas fases: a primária e a
secundária. A fase primária é definida como um processo pessoal, natural,
gradual que se caracteriza por uma diminuição das “aptidões e capacidades,
tanto físicas como mentais”, o qual se encontra relacionado com o código
genético de cada um. Na secundária, o envelhecimento/processo “patológico”
ocorre de forma imprevisível e as causas são diversas (determinadas por doenças
ou lesões, fortemente relacionadas com alterações ambientais) e suas
manifestações vivenciadas de forma distinta pelo ser humano [5]. Há uma
terceira fase do processo de envelhecimento, denominada de terciário, também
chamada de terminal, que é caracterizada pelo acúmulo de patologias próprias da
idade. É, portanto, o período de declínio acentuado das funções físicas e
cognitivas [6].
O
envelhecer deve aproximar-se da funcionalidade
global, essa, por sua vez, é definida como a capacidade que o indivíduo possui
de gerenciar sua vida, ou de cuidar de si próprio [7]. A capacidade funcional
deve encaminhar o cuidado ao idoso, o qual visa a sua autonomia e independência.
A autonomia pode ser definida como a capacidade do indivíduo em tomar decisões,
enquanto a independência, a capacidade de realizar algo pelos próprios meios.
Atualmente,
o número de idosos no Brasil ultrapassa 30 milhões, e os idosos acima de 60
anos formam o grupo que mais cresceu na última década, representando 12,1% da
população brasileira, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua – Características dos Moradores e Domicílios [8].
A
tendência de envelhecimento populacional fica ainda mais clara ao se observar
que o grupo de idosos de 60 anos ou mais de idade será maior que o grupo de
crianças com até 14 anos de idade após 2030 e, em 2055, a participação de
idosos na população total será maior que a de crianças e jovens com até 29 anos
de idade [9].
Nesse
contexto os objetivos deste estudo foram: identificar as características
sociodemográficas e de saúde de pessoas idosas hospitalizadas e avaliar a
capacidade de autocuidado de pessoas idosas hospitalizadas.
O
presente estudo foi de abordagem quantitativa do tipo descritivo e transversal.
Os participantes do estudo foram pessoas idosas a partir de 70 anos tanto do
sexo masculino quanto do feminino, que se encontravam hospitalizadas no
Hospital das Clínicas Samuel Libânio, Pouso Alegre, Minas Gerais. A coleta foi
realizada em diversas unidades de internação tais como: clínica médica,
cirúrgica, cardiologia, neurologia e nefrologia, no período de março a julho de
2018 pelo primeiro autor do estudo. A amostragem foi não probabilística por
conveniência. A amostra constituiu-se de 200 pessoas idosas, que se encontrava
em regime de hospitalização pelos mais diversos motivos.
Os
critérios de inclusão para a participação do estudo foram: possuir capacidade
cognitiva e de comunicação verbal preservada, tendo sido identificada por meio
da aplicação do instrumento de Avaliação Mental que se encontra na parte de
descrição dos instrumentos e estar hospitalizado, no mínimo, há 72 horas.
Justifica-se esse critério para encontrar pacientes mais adaptados à realidade
hospitalar e supostamente mais tranquilo.
Já os
critérios de não inclusão foram: pessoas idosas com impossibilidade clínicas de
responder aos instrumentos; estar em situação de fragilidade ou debilidade e
sem condições físicas ou mentais para responder o estudo.
Os
critérios de exclusão foram: instrumentos preenchidos incorretamente e
instrumentos com questões não preenchidas.
1)
Questionário de avaliação mental: adaptado para a cultura brasileira e validado
por Venturi e Bortino [10]. Consiste em 10 perguntas
que analisam basicamente a orientação têmporo-espacial
e a memória para os fatos tardios, possibilitando avaliar se a pessoa idosa
sofre ou não de uma síndrome mental orgânica. O respondente deve acertar no
mínimo sete do total das 10 perguntas. É de domínio público.
2)
Instrumento de caracterização dos fatores condicionantes básicos de pessoas
idosas: baseando-se no conceito dos fatores condicionantes básicos e de saúde
de pessoas idosas formada por questões relacionadas com sexo, idade,
escolaridade, estado civil, saúde e outras, elaborada por Silva [11].
3)
Escala para Avaliar as Capacidades de Autocuidado (EACAC) adaptado à cultura
brasileira e validado por Silva e Domingues [2]. Esta constituída por 24 itens
e sem dimensão alguma, tendo como opção de resposta os seguintes reativos:
discordo totalmente (1 ponto); discordo (2 pontos); nem concordo nem discordo
(3 pontos); concordo (4 pontos) e concordo totalmente (5 pontos). A pontuação
mínima é de 24 e a máxima de 120 pontos. Quanto mais próximo de 120 pontos,
melhores as capacidades de autocuidado e, quanto mais próximo de 24, piores
estarão as capacidades de autocuidado (ponto de corte: 81,6 a 100,8).
Utilizou-se
a estatística descritiva para as variáveis categóricas (frequência absoluta e
relativa) e para as variáveis continuas ou numéricas
(média, mediana, desvio padrão, valor mínimo, máximo e amplitude). Da
estatística inferencial utilizou-se para avaliar a consistência interna da
EACAC o teste de alfa de Cronbach.
Elaborou-se
um banco de dados no programa computacional SPSS no qual foram inseridas todas
as variáveis do estudo. Utilizou-se a estatística descritiva para tratamento
das variáveis categóricas (frequência e percentagem) e das variáveis contínuas
ou numéricas (média, mediana, desvio padrão, valor mínimo e máximo, assim como
a amplitude).
Da
estatística inferencial utilizou-se o teste de alfa de Cronbach
para avaliação da consistência interna da EACAC, sendo seu ponto de corte igual
a 0,7. Escalas com valores inferiores a esse não são confiáveis porque não
medem o fenômeno a que se propõe [12].
Esta
pesquisa seguiu os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução 466/12, de
dezembro de 2012 e foi aprovado de acordo com o Parecer Consubstanciado número
2.734.851 do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Vale do Sapucaí
(UNIVÁS), Pouso Alegre/MG.
Os
resultados são apresentados em duas etapas distintas: primeiramente abordam-se
as características sociodemográficas, de saúde e atividades e incapacidades
físicas dos participantes do estudo, e posteriormente os dados relativos sobre
a capacidade de autocuidado (tabelas I e VI) são apresentados.
Características
sociodemográficas, de saúde e atividades e incapacidades físicas dos
integrantes da pesquisa
Identificou-se
que 56% eram do sexo feminino, a média de idade foi de 78,88 anos (DP = 6,208);
47,5% tinham ensino fundamental incompleto; 37,5% eram casados; 72,5%
professavam a fé católica; 72,5% moravam com a família; 80% tinham filhos, 78%
eram aposentados e 61,5% recebiam menos que um salário mínimo. No tocante à
autoavaliação de saúde; 43,5% avaliaram sua saúde como “boa”; 77,5% informaram
possuir doença crônica não transmissível e 48% referiram doença cardiovascular,
72,5% não apresentaram incapacidades físicas e 70,5% não realizavam atividades
físicas.
Dados referentes à capacidade
de autocuidado
Os resultados avaliativos das capacidades
de autocuidado encontram-se na tabela I.
Tabela I - Capacidade
de autocuidado das pessoas idosas hospitalizadas. Pouso Alegre/MG, 2018
(n=200).
Fonte: EACAC.
Apresentam-se
a seguir todos os itens da EACAC total com cada uma e de forma separada as
opções de resposta (discordo totalmente, discordo, nem concordo e nem discordo,
concordo e concordo totalmente) tabelas II e VI.
Tabela II - Itens
da Escala para Avaliar as Capacidades de Autocuidado respondidos mediante a
opção: “Discordo Totalmente”.
Fonte: EACAC
Os
itens “9 - Alimento-me para manter o peso certo” e “11- sempre que posso faço
ginástica durante o dia” obtiveram, respectivamente, 11,42% e 11,33%,
consistindo em aqueles que mais comprometeram as capacidades de autocuidado.
Tabela III - Itens
da Escala para Avaliar as Capacidades de Autocuidado respondidos mediante a
opção: “Discordo”.
Fonte: EACAC
Os
itens “9- Alimento-me para manter o peso certo” e “11- sempre que posso, faço
ginástica e descanso no meu dia a dia” alcançaram os valores 9,67% e 14,58%,
caracterizando aqueles que mais comprometeram as capacidades de autocuidado das
pessoas idosas hospitalizadas.
Tabela IV - Itens
da Escala para Avaliar as Capacidades de Autocuidado respondidos mediante a
opção: “Nem concordo nem discordo”.
Fonte: EACAC
Os
itens “9- Alimento-me para manter o peso certo” e “24- Mesmo tendo dificuldades
para movimentar alguma parte do meu corpo, geralmente consigo me cuidar como eu
gostaria”, mostraram, respectivamente, valores iguais a 11,75% e 12,08%, sendo
duvidosos em relação às capacidades de autocuidado para os participantes do
estudo.
Tabela V - Itens
da Escala para Avaliar as Capacidades de Autocuidado respondidos mediante
opção: “Concordo”.
Fonte: EACAC
Observou-se
que os itens “1- Quando acontece qualquer tipo de alteração na minha vida,
procuro fazer as mudanças necessárias para manter-me saudável e “2- Com o
passar dos anos, fiz amigos com quem posso contar”, assumiram de forma
respectiva as seguintes percentagens: 37,92% e 22,08%”, sendo esses o que mais
contribuíram com as capacidades de autocuidado na opção “concordo”.
Tabela VI - Itens
da Escala para Avaliar as Capacidades de Autocuidado respondidos mediante a
opção: “Concordo Totalmente”.
Fonte: EACAC
Os
itens “8- Tomo banho, sempre que necessário, para manter a minha higiene” e
“11- Sempre que posso, faço ginástica e descanso no meu dia a dia”, foram
identificados com os valores 75,17% e 40,88% respectivamente, evidenciado
aqueles que mais contribuíram com as capacidades de autocuidado em toda a
EACAC.
Finalmente
verificou-se a consistência interna da EACAC, por meio do alfa de Cronbach, pois, segundo Pasquale [12], é recomendável a
realização desse procedimento em todos os estudos que se utilizam escalas de
medida, independentemente da sua validação, pois esse procedimento tem duas
finalidades: 1) apresentar a confiabilidade da Escala referente ao estudo
realizado imediatamente e 2) mostrar a evolução de consistência interna da
mesma ao longo das pesquisas realizadas. Esse dado é muito significativo para o
autor que a validou, que sempre procura esse resultado nos estudos que utilizam
seu instrumento. No presente estudo, a EACAC obteve alfa de Cronbach
= 0,816, sendo seu ponto de corte correspondente a 0,70.
Pode-se
afirmar que em geral as características sociodemográficas, familiares e de
saúde da amostra estudada, assemelham-se ao perfil da população de estudo de
pessoas idosas hospitalizadas de estudos anteriores realizados no Brasil [13] e
em outros países [14]. Predominaram mulheres, na faixa etária de 78 anos de
idade, na sua maioria casada, baixa escolaridade (primeiro grau incompleto),
católicas, aposentadas, ganhando menos de um salário mínimo, vivendo em
companhia dos familiares, sedentárias e sem incapacidades físicas. A seguir se
discutirá cada uma dessas características para sua melhor compreensão.
No
último censo da população brasileira, foi apresentado o predomínio do sexo
feminino em relação ao masculino. Esta situação é uma realidade bastante antiga
[15]. Em alguns países da América latina essa diferença ainda é maior. No
México, por exemplo, a expectativa de vida de um homem ao nascer é de 74 anos,
enquanto as mulheres podem viver 79,2 anos. No Brasil essa diferença se repete.
Os motivos dessas diferenças ainda carecem de muitos estudos, que são de
natureza muito complexa [16]. A Organização Mundial de Saúde (OMS) [17]
menciona que além dos fatores intrínsecos, as mulheres buscam mais cuidar-se de
si mesmas do que os homens. O fato de, até então, ser a cuidadora da família,
participando das práticas de saúde com os filhos e até mesmo como cuidadora
familiar, ela se capacita melhor para o autocuidado da saúde e esse poderá ser
um fator importante.
Por
outro lado, o IBGE [15] informa que estimativas revelam o aumento de anos de
vida do brasileiro. A partir dos 60 anos de idade, o homem poderá viver mais
20,2 anos, em média, enquanto as mulheres em virtude de sua maior sobrevivência
e devido a outros fatores internos e externos poderão viver 23,8 anos.
Diante
do que foi exposto deduz-se que não só os números de mulheres são superiores ao
dos homens, mas também a longevidade delas é maior. Para melhor compreensão e
fundamentação, dessa realidade, são necessários estudos de diversas naturezas,
pois só, assim, se poderá discutir esse fato de maior propriedade. Nesta
pesquisa, a média de idade foi superior a 78 anos e quando comparado com outros
estudos mostrou-se superior [18,19].
No
último censo da população brasileira, a taxa de analfabetismo de pessoas idosas
alcançou o valor de 26,2% [15]. Os resultados encontrados [18-22] vieram de
encontro com este estudo quando categoricamente 47,5% dos entrevistados
possuíam ensino fundamental incompleto. Essa taxa quando comparada com outros
estudos brasileiros foi coincidente. Essa baixa escolaridade, entre outros
fatores, pode estar relacionada com as desigualdades sociais do início do
século XX, época em que essas pessoas idosas deveriam estar frequentando
escolas, mas que era difícil para elas pela necessidade de trabalhar para
ajudar na renda familiar e por serem mulheres [19].
O
estado civil “viúvo”, entre as pessoas idosas, está progressivamente cedendo
espaço aos “casados”. Isto pode estar relacionado ao aumento da longevidade
oportunizando ao casal mais anos de manter-se casados [19]. Outro fator que
pode estar associado à extensão desse estado conjugal, é o aumento do número de
casamentos entre pessoas idosas e viúvas. Levantamento realizado pelo IBGE
mostrou-se que se casaram mais de 38.700 homens viúvos com mais de 60 anos em
2014. No ano de 2015, foram celebrados 611 casamentos entre pessoas idosas
viúvas. Está confirmando também que os homens idosos viúvos se casam mais
quando comparados com as mulheres [15].
Os
dados referentes à percepção do estado de saúde apresentaram-se a definição
“boa”, também as pessoas idosas informaram que não realizavam atividades
físicas, mantendo o sedentarismo, assim como eram portadores de doenças
cardiovasculares. Esses dados coincidiram com alguns trabalhos, tais como:
Borges et al. [23] que realizou um trabalho intitulado “A autopercepção
de saúde em idosos residentes em um munícipio do interior do Rio Grande do Sul,
no qual 47.820 dos respondentes idosos perceberam sua saúde como “boa”, 51,40%
não realizavam atividades físicas e 73,35% portavam doenças cardiovasculares,
sendo a hipertensão arterial sistêmica a mais prevalente (56,22%). Dias et
al. [24] comentam que, muitas vezes, as pessoas idosas, na sua grande
maioria portadores de doenças crônicas não transmissíveis, não se percebem
doentes porque realizam suas atividades de vida diária, quer seja básica,
instrumentais ou avançadas. Para esse segmento social, se ele cumpre com as
atividades do dia a dia, sempre considera sua saúde como “boa” e até muita
boa”. A capacidade funcional é um indicador de saúde para essa população.
Embora
as pessoas idosas deste estudo estivessem em regime de hospitalização quando
entrevistados e fossem predominantemente portadoras das mais diversas doenças
cardiovasculares, perceberam sua saúde como “boa” e não referiram algum tipo de
incapacidade física. Os prováveis motivos desses resultados podem-se inferir
que sejam devido ao fato de ainda realizar suas atividades diárias sendo as
básicas e as instrumentais. Ainda que não realizassem atividades físicas, o que
se pode justificar pela prevalência do tipo de doença crônica que requer certa
limitação física, pode-se afirmar que elas estavam se autocuidando.
Não se sentiam dependentes dos outros. Eram capazes de se autocuidar.
Esta percepção é um indicador de estado percebido de boa saúde [24].
No que
se refere à religião, a predominância dos entrevistados foi para a Religião
Católica Apostólica e Romana. Essa religião sempre contou com a maioria de
adeptos na realidade brasileira. Isto está presente desde o período
pré-colonial, quando foi introduzida por missionários, que acompanhavam os
colonizadores portugueses. Então, na dimensão religiosa, essa religião passou a
integrar a vida dos brasileiros. É importante afirmar que a Igreja Católica
exerce grande influência nos aspectos sociais, políticos e culturais dos
brasileiros. As famílias, na sua grande maioria, desde o nascimento dos filhos,
os educam nessa religião.
Ao
analisar as capacidades de autocuidado, notou-se que se encontravam “muito
boa”. Autocuidado de saúde representa muito mais do que a capacidade do
indivíduo de “fazer coisas” por si e para sim mesmo. Esse conceito se refere ao
conjunto de ações que o ser humano desenvolve consciente e deliberadamente em
seu benefício no sentido de promover e manter a vida, saúde e bem-estar [25]. A
partir dessa concepção, Orem elaborou a Teoria de
Enfermagem do Déficit de autocuidado, que é o substancial da Teoria de Orem,
pois nela que se mostra quando a enfermagem e necessária. Um dos conceitos mais
importantes dessa teoria é a capacidade de autocuidado, pois diversos estudos
têm demonstrado que é um importante construto no desenvolvimento e manutenção
da saúde, assim como no controle das doenças. Capacidade de autocuidado é
aquilo que a pessoa, neste caso, o ser idoso é capaz de realizar baseada no seu
conhecimento, habilidades e experiências vivenciadas. Portanto, percebe-se que
o autocuidado é um conceito abrangente, que se refere à competência da pessoa
idosa no desempenho das suas atividades diárias referente à promoção e
manutenção da saúde, tanto nas situações agudas quanto crônicas [26].
Na
população de pessoas idosas estudadas, os motivos da hospitalização foram as
seguintes: 1) cirurgia (colecistemias,
histerectomias, colectomias, revascularização do
miocárdio, osteossínteses de fêmur, artroplastias e herniorrafias; 2)
clínico (insuficiência cardíaca congestiva, diabetes melittus
tipo 2 descompensada, obstrução venosa profunda de membros inferiores, infarto
agudo do miocárdio e arritmia cardíaca. Do ponto de vista de autocuidado,
pode-se afirmar que a prática da hospitalização para a resolutividade do
problema de saúde e o equilíbrio (compensação) do problema crônico não
transmissível pode ser entendida como ação e capacidade de autocuidado. Por
outro lado, essas pessoas idosas encontravam-se capacitadas para a realização
do autocuidado. Nesse contexto, Silva et al. [26] comentaram que o autocuidado
é entendido como uma prática qualquer, no que tange a capacidade e a busca pela
prevenção, promoção, recuperação e controle da saúde, assim como a
reabilitação, frente a qualquer situação de comprometimento da saúde.
Para
análise da EACAC total foram identificados os itens das opções: “discordo
totalmente”; “concordo totalmente” com maiores frequências. Na opção “discordo
totalmente”, itens que comprometeram as capacidades de autocuidado foram: 9-
Alimentar-se para manter o peso e “11- Sempre que posso faço ginástica,
descanso durante o dia”. Da opção “nem concordo nem discordo” sobressaíram os
itens “9- alimentar-se para manter o peso” e “24- dificuldades para manter o
corpo para cuidar como gostaria” e finalmente no tocante à opção “concordo
totalmente” evidenciaram-se os itens: “8- tomar banho quantas vezes for
necessário para manter a higiene” e “4- manter limpo e saudável o lugar onde se
vive”.
Infere-se
que ter peso e mantê-lo adequadamente, assim como a realização de atividade
física são capacidades de autocuidado muito exigentes que muitas vezes
ultrapassam a disciplina e aspectos culturais. Por outro lado, muitas vezes, as
atividades do dia a dia são confundidas como atividades ou exercício físicos.
Associados a isto as doenças cardiovasculares crônicas podem ser impeditivas ao
exercício ou atividade física. Ingerir dieta para estabelecimento do peso
normal e a sua manutenção é ainda um desafio aos seres idosos [26].
Maciel
[27] comenta que apesar do exercício físico ser um preditor de qualidade de
vida, tem pouca aderência pelas pessoas idosas, inclusive como prática de
autocuidado. De acordo com Campos et al. [19], a prática de dieta
balanceada para controle e manutenção de peso como medida de autocuidado não
tem adesão pelas pessoas idosas, embora saiba da sua necessidade e importância.
As
opções que retratam dúvidas referem-se aos itens 9 que já foi discutido
anteriormente e que se relaciona à manutenção do peso corporal adequado. O
outro item é sobre a movimentação do corpo para cuidar-se como gostaria. Embora
os participantes do estudo não tenham referido algum tipo sequer de
incapacidade física, sabe-se que o processo fisiológico e o normal das funções
dos membros superiores e inferiores se caracterizam por limitações e
dificuldade de movimento como caminhar, subir e descer escadas, agachar-se,
levantar-se da cama, da poltrona ou cadeira, assim como caminhar rapidamente.
Como essas limitações ocorrem gradativamente podem trazer dúvidas quanto à
capacidade de realização pela pessoa idosa [19]. Além disso, Campos et al.
[19] comentam que as dificuldades de mobilidade das pessoas idosas têm relação
com os aspectos clínicos e sociais, além do processo normal do envelhecimento.
Finalmente,
o relativo “totalmente de acordo” foi opção de resposta aos dois itens que
tratam da limpeza (higiene corporal e do ambiente) onde se vive. As mulheres
idosas, quando ativas, são predominantemente “do lar”. Essa atividade se
caracteriza, sobretudo, pela limpeza da casa e do seu entorno. Associado a isto
é cultural a higiene corporal. Então se pode inferir que esses sejam os motivos
que levaram as pessoas idosas a estarem totalmente acordadas com essas
afirmações. Em um estudo de abordagem qualitativa realizado por Frota [28]
sobre o autocuidado no envelhecimento com mulheres idosas obteve-se que o
autocuidado na velhice deve envolver a higiene corporal diária, com um banho de
chuveiro, troca diária de roupas unhas limpas e aparadas e se possível o uso de
perfume discreto. Entretanto, a casa e o quintal também devem ser limpos
diariamente e quando necessário.
Os
integrantes do estudo, apesar de hospitalizados, retrataram a realização do
autocuidado referente aos requisitos universais e de desenvolvimento da vida
que compuseram de acordo com sua elaboração, a EACAC nos seus 24 itens. Não abarcaram
o conteúdo da referida escala o requisito de desvio da saúde que se refere às
patologias e deficiência físicas e mentais ou outras situações de saúde [29].
Limitação do estudo
Como a
adaptação cultural e validação da EACAC ocorreu em dezembro de 2017, ainda não
foram realizados estudos sobre a avaliação das capacidades de autocuidado de
pessoas idosas hospitalizas e com isto não foi possível comparar outros estudos
com os resultados desta pesquisa. A não realização da correlação das variáveis
sociodemográficas, familiares e de saúde com as capacidades de autocuidado
pode, também, ser considerado um aspecto limitante.
As
pessoas idosas hospitalizadas por diversos motivos, tanto para tratamento
clínico quanto cirúrgico para recuperação da saúde e para compensação de
doenças crônicas não transmissíveis descompensadas apresentaram conceito “muito
bom” de capacidades de autocuidado. Isso significa que estas pessoas se
encontravam empoderadas ou capacitadas, apesar da variável interveniente
“hospitalização” para a realização do autocuidado referente aos requisitos
universais e de desenvolvimento da vida.
Nesse
contexto, acredita-se que, por meio do presente trabalho, o autocuidado possa
ser compreendido de forma mais ampla e vertical, eliminando-se a concepção
míope de que a pessoa idosa na condição de hospitalização está destituída de
capacidade para autocuidar-se.
Tal
resultado torna este estudo inédito e proporciona, conforme mencionou-se
anteriormente ao autocuidado outras concepções contribuindo, assim, para
ampliação de conhecimentos desse fenômeno de estudo.
Por
fim, recomenda-se que outros estudos com pessoas idosas sejam realizados para
confirmação dos resultados encontrados e para a possibilidade de comparações.