EDITORIAL
Ideação suicida em
adolescentes escolares: não fechar os olhos para suas dores
Leiny Cristina Flores
Parreira*, Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, D.Sc.**
*Pedagoga, pós-graduada
em Comunicação e Linguagem e Gestão do Currículo pela Universidade de São Paulo
(USP/SP), **Obstetriz, enfermeira, livre-docente em
enfermagem obstétrica, docente e orientadora de graduação e pós-graduação lato
sensu e stricto sensu. Orientadora da dissertação que incluirá conteúdo deste
editorial
Correspondência: Leiny
Cristina Flores Parreira, Rua Maximiliano Lui, 3758,
15505-268 Votuporanga SP
Leiny Cristina Flores
Parreira: leinycf@gmail.com
Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler: zaidaaurora@gmail.com
Todo mundo é
capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente.
William Shakespeare
Como pedagoga, minha
vida profissional sempre foi voltada à busca pela melhor qualidade de vida dos
discentes, considerando tanto as questões pedagógicas quanto as sociais e de
saúde. Atualmente sou pedagoga em um Campus do interior paulista do Instituto
Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo e estou como coordenadora
do setor de Coordenadoria Sociopedagógica, atendendo
tanto demandas sociopedagógicas quanto de saúde
física e mental, para os devidos encaminhamentos.
Nesta instituição tem
me inquietado o sofrimento emocional que percebo entre adolescentes e jovens
dos Cursos Técnicos Integrados, talvez pelas mudanças no estilo de vida pós
ensino fundamental, o que compromete não só seu desempenho escolar, mas também
sua saúde física e mental. Pior, muitas vezes as morbidades referidas ou os
sinais e sintomas no âmbito educacional e de saúde não são valorizados pela
família.
O pedagogo
institucional tem o importante papel de saber reconhecer o limiar presente
entre educação e saúde. No cotidiano de seus atendimentos verifica-se muitas
situações cujo problema instaurado ultrapassou a resolução educacional na busca
do desenvolvimento e aquisição da aprendizagem do aluno. Posto isto, em
especial quando se refere a saúde mental dos indivíduos, torna-se muito
delicado trabalhar o que o aluno não sabe quando se percebe a fragilidade da
saúde mental.
Uma das possibilidades
desta condição de saúde pode ser inclusive a própria dificuldade escolar, ou
mesmo lidar com a insatisfação pessoal e familiar diante de uma situação
escolar mal resolvida e não abordada corretamente. Recentemente questões
pedagógicas têm ficado em segundo plano, pois emergiram questões relativas à
saúde mental e sintomas depressivos dos discentes, percebendo em alguns a
ideação suicida, que tem interferido muito no êxito escolar. Há uma enorme
quantidade de alunos que necessitam ser encaminhados para atendimento na saúde
pública. Muitos entraves acontecem quando há uma rejeição por parte dos
familiares, às vezes do próprio aluno, em aceitar o uso do medicamento e/ou
tratamento terapêutico. As consequências destas ações se refletem no âmbito
escolar e agravam o sofrimento do aluno.
Entendemos a
necessidade de se fazer um trabalho preventivo, interdisciplinar, multiprofissional,
social, familiar e de autocuidado do estudante com sua saúde, especialmente no
aspecto psíquico, de modo a facilitar sua apropriação e reflexão crítica dos
conhecimentos, assim como possibilitar sua formação integral e seu
pertencimento institucional e social com qualidade, favorecendo o bem-estar
individual e coletivo.
Parte-se
do pressuposto
que a condição de saúde dos alunos é
agravada devido a um contexto onde as
relações intersubjetivas não creem que as
condições de saúde do indivíduo
estão
realmente graves e precisando de cuidados médicos e de
atenção em saúde. Temos
identificado vários casos de muito prejuízo da
saúde mental dos discentes, pelo
número de afastamentos médicos devido à
depressão, pânico ou outra condição de
saúde que de alguma forma denota problema emocional. Alguns
destes afastamentos
culminaram à transferência do aluno para outra escola por
decisão familiar e
com o intuito de reestabelecer a melhoria da saúde.
Entendemos a
possibilidade de diferentes fatores contribuírem para o prejuízo da saúde
física e mental e do desempenho escolar dos escolares e jovens na instituição
educacional em foco, como: o não conhecimento real do funcionamento da
instituição antes do ingresso; a busca por uma educação de melhor qualidade o
impeça de visualizar as suas reais condições de saúde; a pressão familiar para
se destacarem, não perderem a oportunidade; não reconhecer as fragilidades
presentes e criar rotinas desgastantes; as várias horas diárias gastas em
deslocamento viário para chegar à instituição; as várias horas necessárias ao
estudo para sanar dificuldades de aprendizagem relacionadas à complexidade dos
conteúdos ou a defasagem de aprendizagem decorrente aos anos escolares
anteriores.
Não se pode deixar de
mencionar que estes alunos estão vivendo uma fase muito importante e complexa:
a adolescência. A adolescência pode ser considerada uma fase crítica para o
desenvolvimento do estresse, especialmente devido à pouca experiência dos
jovens em lidar com situações conflituosas, como as inerentes às relações
interpessoais com parentes, amigos e parceiros amorosos, além das relacionadas
às responsabilidades e aos compromissos estudantis. O estresse é um indicador
de saúde mental complexo, considerado um fator de risco para o surgimento de
problemas depressivos na adolescência que pode, em casos mais graves, levar ao
suicídio, merecendo, portanto, a atenção de profissionais diretamente
envolvidos com os jovens, pesquisadores e órgãos de saúde pública.
Diante de tanta
complexidade este adolescente não percebe que ingressou numa rotina que trouxe
uma companheira constante: a depressão. Para combatê-la é importante fortalecer
as variáveis relacionadas à fatores de proteção, como as amizades, as relações
interpessoais familiares e escolares, consequentemente as habilidades sociais,
autoestima e autoeficácia. No entanto é
imprescindível gerar a conscientização para se buscar atendimento médico e de
saúde.
Desde o início, meu
desassossego foi a ansiedade relatada pelos alunos, muitas vezes com
manifestações de depressão, sinais e sintomas de ideação suicida e o fato de
nem sempre a família atender aos encaminhamentos da Coordenadoria Sociopedagógica, para avaliação médica. Tal situação me
motivou a buscar o mestrado acadêmico junto a um Programa de Pós
Graduação Stricto Sensu em Enfermagem, somando minha vivência
profissional com a atuação em pesquisa no foco de morbidade referida da minha
orientadora.
Na elaboração do
Projeto de Pesquisa e revisão da bibliografia científica, identificamos que
ainda são incipientes os estudos e investigações no Brasil que tratam da
ideação suicida de adolescentes e jovens escolares, menos ainda com uma
abordagem também sociopedagógica. Assim, parece
inquestionável que esta pesquisa é pertinente e será relevante não só para
nossa comunidade acadêmica, mas para outros extratos acadêmicos e sociais, além
de subsidiar outras investigações científicas no contexto de qualidade de vida
de adolescentes escolares. Eles não são apenas crianças virando adultos, ou os
estigmatizados “aborrecentes”, têm muitas dores da “alma” que não podem ser
negligenciadas.
Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa.
Chico Buarque