Enferm Bras 2021;22(3):301-17

doi: 10.33233/eb.v20i3.4008

ARTIGO ORIGINAL

Prática dos profissionais de enfermagem frente a segurança do paciente em uma unidade de emergência

 

Maria Nathália da Silva Souza*, Luciana Andrade de Lima, M.Sc.**, Vanessa Juvino de Sousa, M.Sc.***, Ivelise Fhrideraid Alves Furtado da Costa, D.Sc.****

 

*COREMU-IMIP, **Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ***Universidade Federal de Pernambuco, ****Universidade de Pernambuco, Hospital da Restauração Gov. Paulo Guerra

 

Recebido em 15 de abril de 2020; Aceito em 9 de maio de 2021.

Correspondência: Ivelise Fhrideraid Alves Furtado da Costa, Rua Mariz Vilela, 77, 50720-270 Prado Recife PE

 

Maria Nathália da Silva Souza: marianathaliass@hotmail.com

Luciana Andrade de Lima: lucianaandradelima@gmail.com

Vanessa Juvino de Sousa: vanessajuvino@gmail.com

Ivelise Fhrideraid Alves Furtado da Costa: ivelisefurtado@gmail.com

 

Resumo

O debate sobre a segurança na assistência à saúde tem sido intensificado nas últimas décadas, sendo a segurança do paciente um dos temas mais comentados e discutidos, em âmbito nacional e mundial. Representa um parâmetro da qualidade da assistência hospitalar prestada ao paciente e da segurança de sua estadia no local. O presente estudo buscou analisar o conhecimento e a prática dos profissionais de enfermagem do setor de emergência de um hospital geral do agreste de Pernambuco, nos meses de março a julho de 2019, frente a segurança do paciente. Foi realizado um estudo epidemiológico transversal descritivo com abordagem quantitativa, desenvolvido com 65 membros da equipe de enfermagem da emergência. O instrumento para coleta de dados da pesquisa foi composto por questionário que abordou aspectos sociais e profissionais dos pesquisados, além das variáveis de interesse da pesquisa, as quais foram analisadas por meio do programa EpiInfo 7.0. Verificou-se que a sobrecarga de trabalho, pouco tempo de experiência profissional corroboram para uma subnotificação de eventos adversos por parte da equipe de enfermagem da área de urgência e emergência que podem contribuir para uma assistência à saúde precária.

Palavras-chave: segurança do paciente; conhecimentos; atitudes e prática em saúde; emergências; enfermagem.

 

Abstract

Nursing practice regarding patient safety in an emergency unit

The debate on safety in health care has been intensified in recent decades, with patient safety being one of the most commented and discussed topics at the national and global levels. It represents one parameter of the quality of hospital care provided to patients and their safety during hospitalization. This study aims to analyze the practice of nursing professionals in the emergency department of a general hospital in the dry region of Pernambuco, from March to July 2019, related to patient safety. This is a descriptive cross-sectional epidemiological study with a quantitative approach, developed with 65 members of the emergency nursing team. The instrument used to data collection consisted of a questionnaire that addressed the social and professional aspects of the respondents, as well as the variables of interest of the research. Data were entered as they were collected and analyzed using the EpiInfo 7.0 program. It was found that work overload and short professional experience corroborate the underreporting of adverse events by the nursing staff of the urgency and emergency area that may contribute to poor health care.

Keywords: patient safety; health knowledge; attitudes; practice; emergencies; nursing.

 

Resumen

Práctica de los profesionales de enfermería con respecto a la seguridad del paciente en una unidad de emergencia

El debate sobre la seguridad de la atención médica se ha intensificado en las últimas décadas, siendo la seguridad del paciente uno de los temas más comentados y discutidos hoy en día, a nivel nacional y mundial. Representa un parámetro de la calidad de la atención hospitalaria brindada al paciente y la seguridad durante su hospitalización. Este estudio buscó analizar el conocimiento y la práctica de los profesionales de enfermería de un hospital del agreste de Pernambuco, en los meses de marzo a julio de 2019, relativo a la seguridad del paciente. Se trata de un estudio epidemiológico descriptivo transversal con un enfoque cuantitativo, desarrollado con 65 miembros del equipo de enfermería de emergencia. El instrumento utilizado para colectar los datos de la investigación consistió en un cuestionario que abordaba los aspectos sociales y profesionales de los encuestados, además de las variables de interés en la investigación. Los datos se ingresaron a medida que se recopilaron y analizaron utilizando el programa EpiInfo 7.0. Se encontró que la sobrecarga de trabajo, un corto tiempo de experiencia profesional corrobora el subregistro de eventos adversos por parte del equipo de enfermería en el área de urgencia y emergencia que puede contribuir a la mala calidad de atención en salud.

Palabras-clave: seguridad del paciente; conocimientos; actitudes y práctica en salud; urgencias médicas; enfermería.

 

Introdução

 

A segurança na assistência à saúde é tema recorrente em discussões em âmbito nacional e mundial, em especial, sobre a assistência hospitalar prestada ao paciente e a segurança no local têm desencadeado o aumento das discussões sobre a temática. Apesar do avanço da medicina, a segurança do paciente é um tema que merece ser abordado entre os profissionais de saúde e investigado pelos seus eventos adversos em área hospitalar que ocorre constantemente, o que pode trazer para o usuário dos serviços de saúde consequências até mesmo permanentes [1].

O movimento mundial em torno do tema desencadeou-se a partir da publicação do relatório americano “To err is human: building a safer health system”, publicado pelo Institute of Medicine; o estudo foi realizado após a análise de dados epidemiológicos, concluindo que a alta incidência de eventos adversos em âmbito hospitalar existe, principalmente, por erro do profissional de saúde. Posteriormente a esta publicação, a temática ganhou força e discussões surgiram sobre os modelos assistenciais usados nestes usuários. Com o relatório publicado, nos EUA, as redes hospitalares passaram a incorporar a segurança do paciente como qualidade do cuidado, assim obtendo resultados desejáveis na rede hospitalar [2].

Após a publicação deste relatório, a Organização Mundial de Saúde (OMS) criou, no ano de 2004, o World Alliance for Patient Safety (Aliança Mundial para a Segurança do Paciente), a qual teve como objetivo promover avaliação nas áreas de serviços de saúde, a fim de reduzir a alta incidência de eventos adversos. Em pesquisas feitas pelo OMS, foram identificados distintos erros na saúde, levando à OMS a criar a Classificação Internacional de Segurança do Paciente (International Classification for Patient Safety – ICPS) [3].

Em âmbito nacional, iniciaram-se as discussões sobre a segurança do paciente, em 2002, com a criação da Rede Brasileira de Hospitais Sentinela, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que tem como uma das principais finalidades notificar eventos adversos que acometem os pacientes. O Sistema de Notificação e Investigação em Vigilância Sanitária (Vigipos), portaria de nº 1.660, de 22 de julho de 2009, consiste em um componente do Sistema Único de Saúde (SUS). Um dos princípios da Vigipos é a promoção de notificação e identificação de casos que acometem a segurança do paciente hospitalizado que estão conectados a vigilância sanitária. Em 2013 foi lançado, após a experiência da Rede Brasileira de Hospitais Sentinela, o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) através da Portaria de nº 529/13, do Ministério da Saúde, e pela Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 36/2013, ambos estabelecem atos para a segurança do paciente nos serviços de saúde do país [3].

No Brasil, as determinações legais definidas pelas portarias ministeriais 354/2014, 1377 e 2095 de 2013 definem estrutura a serem direcionadas à segurança no cuidado à saúde no âmbito das urgências e emergências. As diretrizes para promover a segurança e evitar a ocorrência de erros decorrentes da assistência estão descritas nos Protocolos Básicos para a Segurança do Paciente e possui determinantes que devem ser seguidos para um atendimento livre de erros como: a identificação do paciente, promoção da higienização das mãos, realização de cirurgia segura, prevenção de lesão por pressão e de quedas; e segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos [3].

Considera-se que o cenário da emergência constitui ambiente crítico e de riscos potenciais aos pacientes, pelas características do atendimento, gravidade dos casos clínicos e aumento de agravos à saúde por causas externas. Deste modo, de acordo com as políticas públicas para a promoção da segurança do paciente, existe a recomendação do emprego de roteiros de fiscalização, como as listas de verificação do cuidado, e a relevância do uso de protocolos para nortear a assistência.

Estudos despertam para a magnitude deste problema, ao constatar que milhões de usuários internados em hospitais sofrem algum tipo de evento adverso. No Brasil, quedas do leito, complicações clínicas e cirúrgicas, erros de medicação e infecções são os incidentes que mais ocorrem. Contudo, pouco se sabe sobre a extensão desse problema em âmbito nacional, pois há carência de evidências científicas disponíveis para mensurar tal realidade em que o país se encontra [4,5].

Diante do exposto, o presente estudo visa analisar o conhecimento e a prática dos profissionais de enfermagem, quanto a Segurança do Paciente, no setor de urgência e emergência de um hospital do agreste pernambucano.

 

Material e métodos

 

Estudo epidemiológico observacional descritivo de corte transversal, com abordagem quantitativa de dados primários, realizado em um hospital do agreste pernambucano. Compreende uma instituição de saúde pública, que oferece várias especialidades médicas de internamentos e assistências de urgência e emergência na cidade e região. A instituição da pesquisa é voltada para o atendimento de emergência, sendo referência em trauma (traumato-ortopedia, cirurgia geral e buco-maxilo-facial) de alta complexidade.

A amostra foi composta por profissionais enfermeiros e técnicos de enfermagem pertencentes ao setor da urgência e emergência, os quais atuavam há mais de seis meses, totalizando 65 participantes. Como critérios de exclusão: profissionais que possuíssem problemas psicológicos.

A coleta de dados foi realizada no próprio local de trabalho dos pesquisados por meio de questionário semiestruturado validado pelo Hospital Survey on Patient Safety Culture: User’s Guide, criado pela Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ), instrumento este utilizado para avaliar a cultura de segurança entre profissionais de saúde, cujo trabalho influencia a terapêutica do paciente [6,7,8]. O período da coleta de dados compreendeu os meses de julho a agosto de 2019. Foram adotadas as seguintes variáveis: sexo, idade, carga horária de trabalho, tempo de formação na área de enfermagem, tempo de trabalho na instituição pesquisada e perguntas sobre conhecimento e quantidade de notificações de eventos adversos.

Os dados obtidos por meio de respostas dos questionários foram inseridos em uma planilha de banco de dados eletrônico (Programa Excel da Microsoft®) e foram tabulados e cruzados em software Epi Info™versão 7.0.

Foi efetuada estatística descritiva por meio das medidas de tendência central para as variáveis numéricas e medidas de frequência absoluta e relativa para as variáveis categóricas. Ademais foi testada a distribuição de normalidade através do teste de Kolmogorov-Smirnov.

Análises de variância, Teste-t, Qui-quadrado e teste exato de Fisher foram realizados para detectar o efeito do perfil do profissional sobre as variáveis: qualidade da segurança do paciente e notificação de eventos adversos. Foi utilizado, em especial, o teste de independência Qui-Quadrado, que é usado para avaliar se existe a associação entre a variável de linha e coluna variável em uma tabela de contingência construído a partir de dados da amostra. A hipótese nula é de que as variáveis não estão associadas, em outras palavras, eles são independentes.

Para as variáveis que não atenderam aos pressupostos de normalidade da distribuição, requeridos pela ANOVA e teste-t, utilizaram-se os correspondentes não-paramétricos Kruskall-Wallis e Wilcoxon-Mann-Whitney.

Este estudo foi encaminhado ao Comitê de Ética em que recebeu o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 12319519.6.0000.5666. Todos os participantes da pesquisa assinaram o TCLE (Termo de consentimento livre e esclarecido) em duas vias, contendo as informações pertinentes da pesquisa e dados dos pesquisadores para quaisquer dúvidas em relação a pesquisa, e os participantes tiveram seu anonimato garantido.

 

Resultados

 

A amostra foi constituída por 65 profissionais de enfermagem, sendo 17 do sexo masculino (26,15%) e 48 do sexo feminino (73,85%), 23 enfermeiros (35,38%) e 42 técnicos de enfermagem (64,62%). A média de idade da amostra total foi de 37,2 anos com desvio padrão de ±7,9. A mediana de idade dos profissionais de enfermagem foi de 37 anos e a moda de 43 anos.

Os enfermeiros e técnicos de enfermagem, da unidade pesquisada, apresentaram um tempo de entre 1 e 5 anos de experiência de profissional (47,69%) e trabalhavam na área de emergência da instituição há mais de um ano (41,54%). Outras informações estão sumariadas na tabela I.

 

Tabela I - Características dos dados sociais e formação profissional dos pesquisados por categoria. Caruaru, PE, Brasil, 2019

 

 

Os participantes foram submetidos a uma entrevista em base de um questionário semiestruturado e validado, que envolvia questões sobre a segurança do paciente e quantidade de notificação de eventos adversos. Tendo em vista a prevalência e notificação, foram reagrupados os dados para viabilizar os testes estatísticos, ficando da seguinte forma: quem realizou notificação e quem não realizou notificação. Houve prevalência dos participantes da pesquisa que não realizaram notificação de eventos adversos (76,92%) e cerca de 23,08% dos participantes realizaram notificação de eventos adversos nos últimos 12 meses na instituição.

Observou-se que o fato de ser profissional enfermeiro ou técnico de enfermagem não está estatisticamente associado ao fato de notificar ou não os eventos adversos, sendo observado, após o reagrupamento dos dados, os baixos indicadores de notificação presentes nos resultados dos cruzamentos obtidos da variável profissão com a variável de número de eventos notificados, resultando em 17,39% de técnicos de enfermagem e 26,19% de enfermeiros que notificaram algum evento adverso respectivamente. Outras informações estão disponíveis na tabela II.

 

Tabela II - Características em percentual de notificação de eventos adversos preenchidos nos últimos 12 meses. Caruaru, PE, Brasil, 2019

 

Sobre a segurança do paciente na unidade pesquisada, apresentou um quantitativo maior de profissionais de enfermagem que avaliaram como regular a segurança do paciente no ambiente hospitalar na área da emergência (50,77%). Foram reagrupados os dados para viabilizar os testes estatísticos de qui-quadrado, porém não houve associação significativa em relação da variável avaliação da segurança do paciente na instituição pesquisada com as variáveis: grau de instrução e cargo profissional exercido no setor de urgência e emergência (p-valor: 0,4713). Outras informações encontram-se disponíveis na tabela III.

 

Tabela III - Características em percentual da avaliação da segurança do paciente no ambiente hospitalar na área de emergência. Caruaru, PE, Brasil, 2019

 

Segundo a tabela IV, apresenta o grau de formação acadêmica nos profissionais de enfermagem, tendo um quantitativo maior para os que têm segundo grau completo e pós-graduação do tipo especialização. Foram reagrupados os dados da seguinte tabela para realização do teste qui-quadrado.

 

Tabela IV - Características em percentual do grau de instrução dos participantes. Caruaru, PE, Brasil, 2019

 

 

Com o reagrupamento dos dados, foram realizados os cruzamentos da variável profissão com a variável de número de eventos notificados e a qualidade da segurança do paciente, avaliados pelos profissionais de enfermagem da instituição, não sendo estatisticamente significante, seguindo os p-valores, respectivamente: teste exato de Fisher 0,3146 e teste qui-quadrado 0,4713. Entre o cruzamento de grau de instrução com o número de eventos adversos, obteve o seguinte resultado do teste exato de Fisher 0,2861.

 

Discussão

 

Ao longo dos anos, os dados sobre a temática segurança do paciente são preocupantes e causam grande repercussão, tanto em âmbito nacional como internacional, repercussão esta que após a publicação do relatório do Institute of Medicine (IOM), To Err is Human: Building a Safer Health Care System, na década de 90, demonstrou, a partir da análise de grandes estudos epidemiológicos, a alta incidência de eventos adversos nas instituições hospitalares, justificando que o tema deva ser considerado como preferência pelas principais organizações de saúde em todo o mundo [5].

Nesse contexto, trabalhando por anos e visando principalmente a segurança do paciente, o Ministério da Saúde estabeleceu o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), pela Portaria MS/GM nº 529, de 1° de abril de 2013, que tem como objetivo geral promover a qualificação do cuidado em saúde nos estabelecimentos do território nacional [3]. Algumas questões como o alto índice de quedas, erros de medicações, baixa efetividade na comunicação entre profissionais de saúde, incentivaram a Organização Mundial de Saúde a selecionar protocolos que são componentes obrigatórios dos planos para a segurança do paciente em unidades de saúde [9].

A vida dos profissionais de Enfermagem é permeada pela vivência e percepção diária de situações de risco, que podem auxiliar no gerenciamento do cuidado em relação à segurança do paciente [10]. O aspecto adulto jovem dos profissionais participantes do referente estudo, em relação ao tempo de experiência profissional e ao tempo de trabalho na unidade de urgência e emergência, pode indicar maior necessidade de aprendizado por não haver ainda uma experiência no campo de trabalho diversificada, justificando-se a porcentagem (76,92%) expressiva de nenhuma notificação de eventos adversos na instituição. Tal fato, é atestado por Castilho et al. [11], em seu estudo, que mensura o clima de segurança nas emergências, onde o perfil profissional exerce influência negativamente.

Ademais, a própria coordenação do núcleo de segurança do paciente teve acesso aos resultados do estudo e ratificou os achados, informando que há notificações de eventos adversos a emergência, porém são majoritárias as notificações efetuadas na unidade de terapia intensiva. Logo, é necessária educação continuada e maior incentivo a essa prática, uma vez que a cultura de segurança na emergência apresenta fragilidade atrelada à infraestrutura, à complexidade e à multifatoriedade das situações ali vivenciadas, à sobrecarga e desvalorização profissional, e à descontinuidade do cuidado [12,13,14].

O déficit de conhecimento da equipe de enfermagem sobre a segurança do paciente também é um alarde perante os profissionais de saúde, o que leva ao acontecimento de eventos adversos. Isto reforça que as atualizações por parte das instituições para estes profissionais devam ser primordiais para obter uma qualidade na assistência à saúde, pois a qualificação profissional impacta positivamente na segurança do paciente [11]. Por isso, é importante salientar que a ausência de protocolos assistenciais atrelada ao receio de punição, pela maioria dos profissionais, em notificar os eventos adversos contribui para uma subnotificação, resultando em uma falsa sensação de segurança, o que promove a continuidade desses erros [15].

O incentivo à cultura de segurança deve se embasar num forte apoio gestor [13] e tendo em vista as peculiaridades de uma unidade de emergência, na qual a alta rotatividade e a peculiaridade dos clientes atendidos tornam carga de trabalho excessiva comparada a outros setores, em que a cultura de segurança se estabelece com maior facilidade [11]. É importante salientar que os processos de trabalho exercem influência sobre o clima de segurança e que o envolvimento dos profissionais é peça chave para o estabelecimento da cultura de segurança [12].

O enfermeiro, além de prestar cuidados aos pacientes do seu setor, tem outras atribuições administrativas, que, muitas vezes, ocupam a maior parte do tempo, dificultando a atenção prestada ao cliente, tudo ocasionado pelo excesso de funções no trabalho e múltiplos vínculos empregatícios, o que acarreta os eventos adversos causando-lhes problemáticas no campo de atuação profissional. Tal sobrecarga é agravada pelo equivocado dimensionamento, que muitas vezes desobedece às normas de segurança técnica, ficando o enfermeiro responsável por um número excessivo de pacientes [12,13].

No presente estudo ao serem analisados os dados obtidos observou-se que a maioria dos profissionais participantes da pesquisa possuem jornadas de trabalho de até 39 horas semanais. Em outra pesquisa foi apresentado que aproximadamente 78% dos incidentes sem lesão e de eventos adversos em pacientes foram relacionados às ações da equipe de enfermagem, essas complicações que foram atribuídas à sobrecarga de trabalho da equipe aumentaram o número de dias de internação dos pacientes estudados [16].

Vale ressaltar, ainda, o maior quantitativo de profissionais de nível médio (n = 30; 43,15%) em relação aos profissionais de nível superior confrontando a lei que normatiza o exercício profissional da enfermagem que preconiza a competência do enfermeiro realizar cuidados diretos a pacientes graves, privativamente, com risco eminente de morte e maior complexidade das atribuições técnicas, portanto, pacientes de emergência (sala vermelha, principalmente) deveriam receber a maioria dos cuidados diretos de enfermeiros, visto a sua complexidade e o seu risco a vida [17].

Contudo, a literatura e estudo presente evidenciou a atuação, em grande maioria, de profissionais de nível médio em ambiente de emergência em proporções incompatíveis com o que a legislação brasileira determina, e isto, associado à falta de recursos humanos adequados e sobrecarga de trabalho, pode resultar em delegações de funções errôneas para os profissionais de nível médio, colocando em risco a segurança do paciente [18].

Em um estudo realizado no Canadá que teve como objetivo observar se a presença de gerencia em nível assistencial está associada a maior incidência de eventos adversos, evidenciou-se que equipes que possuíam em sua composição profissionais com formação em nível superior apresentaram resultados assistenciais melhores, referentes às infecções relacionadas à assistência, erros de medicações e o desenvolvimento de lesão por pressão, se confrontados a modelos funcionais que mostram uma visão antiga da enfermagem como a profissão de multifunções [19].

Compete aos gestores analisar os processos de trabalho, indagar e reforçar as comunicações entre gestor e profissional de ponta, pois apenas desta forma será possível a implantação de estratégias que possam impossibilitar a predisposição a erros específicos ao cuidado de enfermagem e que, infelizmente, tornam o sistema ainda falho, isto porque a implementação da cultura de segurança do paciente na instituição é o primeiro passo para o cuidado ser efetivado com excelência [9].

Grande parte dos eventos adversos resultam da negligência às metas internacionais de segurança do paciente. No presente estudo grande parte dos eventos adversos não são notificados pelos profissionais de enfermagem (76,92%), o que dificulta a atividade dos gestores hospitalares em busca de caminhos para a resolução dos problemas e direcionamento correto dos profissionais para um planejamento assistencial com mais qualidade [20].

Outros autores evidenciaram que os profissionais de Enfermagem conseguem identificar os principais riscos à segurança dos pacientes (físicos, químicos, assistenciais, clínicos e institucionais), os quais devem por finalidade de atenção. Deste modo a identificação por parte dos profissionais de enfermagem sobre os riscos pode ser considerada como a primeira de muitas estratégias para a instituição hospitalar melhorar a cultura de segurança do paciente [21].

Em alguns estudos brasileiros, os autores apontam como fatores para não adesão à notificação dos eventos, a sobrecarga de trabalho, o esquecimento, a forma punitiva de várias gestões e a não valorização dos eventos adversos em saúde nas instituições [22,23,24], questões estas também referenciadas nos resultados deste estudo, corroborando pelos baixos índices de notificação presentes nos resultados dos cruzamentos obtidos da variável profissão com a variável de número de eventos notificados.

O setor de emergência compreende procedimentos complexos com alto índice de infecções, estresse emocional e eventos adversos. Com um alto grau de responsabilidade para tomar decisões, a equipe de enfermagem acaba sendo pressionada durante a rotina de trabalho, o que compõem um grupo de profissões desgastantes e expostas ao estresse. Fatores como a elevada cobrança, sobrecarga de trabalho e poucas horas de descanso podem colaborar com a negligência no cumprimento das metas internacionais de segurança do paciente, prejudicando assim o cliente [25].

 

Conclusão

 

As metas internacionais da segurança do paciente é um tema abrangente, de âmbito mundial e nacional, pelo alto índice de morbidades e mortalidades por eventos adversos, que podem ocasionar consequências até mesmo irreversíveis aos usuários. Os profissionais de enfermagem estão ao lado dos pacientes a maior parte da sua jornada de trabalho, e a maioria dos eventos adversos que os acometem poderiam ser evitados, se os profissionais de enfermagem tomassem a devida precaução em determinadas ocorrências nas emergências e urgências.

O estudo corrobora na identificação das dificuldades que são enfrentadas pelos profissionais como o receio da punição, a fragilidade no conhecimento, a sobrecarga de trabalho e até o descompromisso dos profissionais de saúde, a falta de conhecimento da equipe de enfermagem da área de urgência e emergência acerca do assunto em questão, ocasionando a subnotificação dos eventos adversos em saúde.

É neste sentido que os profissionais de enfermagem que exercem suas funções em setores de urgência e emergência necessitam, além de qualificação adequada, mobilização de competências profissionais específicas que visem principalmente a promoção da saúde e prevenção de agravos, durante a execução do seu trabalho, que lhes permitam desenvolver suas funções de maneira eficaz, aliando conhecimento técnico-científico, domínio da tecnologia, e sobretudo humanização, individualização do cuidado e, consequentemente, melhoria da qualidade na assistência prestada ao paciente.

Diante dos resultados deste estudo, sugere-se a implementação de ações educativas e de encorajamento da equipe, visando a notificação e o aperfeiçoamento da assistência segura, além de que novas pesquisas científicas possam ser aprimoradas e desenvolvidas no Brasil a fim de reconhecer o clima de segurança do paciente nos diversos setores hospitalares, propor novas iniciativas para a discussão da temática e buscar, assim, a melhor qualidade no cuidado em saúde.

 

Referências

 

  1. Pedreira MLG. Práticas de enfermagem baseadas em evidências para promover a segurança do paciente. Acta Paul Enferm [Internet]2009(22):880-1. [cited 2021 jun 25]. Available from: https://www.scielo.br/j/ape/a/FVXR5mBM9t9GfHXrSxTdX3c/?format=pdf&lang=pt
  2. Belela ASC, Peterlini MAS, Pedreira MLG. Revelação da ocorrência de erro de medicação em unidade de cuidados intensivos pediátricos. Rev Bras Ter Intensiva 2010;22(3):257-63. doi: 10.1590/S0103-507X2010000300007 [Crossref]
  3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº. 529, de 1 de abril de 2013. Programa Nacional de Segurança do paciente (PNSP). Diário Oficial da União, Brasília/DF, 1 abr 2013.
  4. Lorenzini E, Santin JAR, Baó ACP. Segurança do paciente: análise dos incidentes notificados em um hospital do sul do Brasil. Rev Gaúcha Enferm 2014;35(2):121-7. doi: 10.1590/1983-1447.2014.02.44370 [Crossref]
  5. Françolin L, Gabriel CS, Bernardes A, Camargo Silva AEB, Brito MFP, Machado JP. Gerenciamento da segurança do paciente sob a ótica dos enfermeiros. Rev Esc Enferm USP 2015;49(2):277-83. doi: 10.1590/S0080-623420150000200013 [Crossref]
  6. Sorra J, Gray L, Yount N, Famolaro T, et al. AHRQ Hospital Survey on Patient Safety Culture: User’s GuideRockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality. January 2016. http://www.ahrq.gov/professionals/qualitypatientsafety/patientsafetyculture/hospital/index.html
  7. Reis CT, Laguardia J, Martins M. Adaptação transcultural da versão brasileira do Hospital Survey on Patient Safety Culture: etapa inicial. Cad Saúde Pública 2012;28(11):2199-2210. doi: 10.1590/S0102-311X2012001100019 [Crossref]
  8. Reis CT, Laguardia J, Vasconcelos AGG, Martins M. Reliability and validity of the Brazilian version of the Hospital Survey on Patient Safety Culture (HSOPSC): a pilot study. Cad Saúde Pública 2016;32(11):e00115614. doi: 10.1590/0102-311X00115614 [Crossref]
  9. World Health Organization (WHO). World Alliance for Patient Safety. The WHO patient safety curriculum guide multi-professional. WHO; 2011.
  10. Mello JF, Barbosa SFF. Cultura de segurança do paciente em terapia intensiva: recomendações da Enfermagem. Texto Contexto Enferm 2013;22(4):1124-33. doi: 10.1590/S0104-07072013000400031   [Crossref]
  11. Castilho DEC, Silva AEBC, Gimenes FRE, Nunes RLS, Pires ACAC, Bernardes CA. Factors related to the patient safety climate in an emergency hospital. Rev Latinoam Enfermagem 2020; 28:e3273. doi: 10.1590/1518-8345.3353.3273 [Crossref]
  12. Schuh LX, Krug SBF, Possuelo L. Cultura de segurança do paciente em unidades de urgência/emergência. Rev Fun Care Online 2020;12:616-21. doi: 0.9789/2175-5361.rpcfo.v12.8983 [Crossref]
  13. Cunha SGS, Clemence GS, Almeida LFS, Siman AG, Brito MJM. Implementação de Núcleo de Segurança do Paciente em Unidade de Pronto Atendimento: perspectivas dos enfermeiros. Rev Baiana Enferm 2020;34:e36216. doi: 10.18471/rbe.v34.36216 [Crossref]
  14. Silva ET, Matsuda LM, Paulino GME, Camillo NRS, Simões AC, Ferreira AMD. Fatores que influenciam a segurança do paciente em serviços de urgência e emergência: revisão integrativa. Rev Baiana de Enferm 2019;33:e33408. doi: 10.18471/rbe.v33.33408 [Crossref]
  15. Silva EKA, Resende TCB, Miranda ODO, Pallarés EC. Eventos Adversos (EA): Conhecimento dos Profissionais de Enfermagem de um município do interior da Amazônia brasileira. Revista Científica FAEMA 2018;9(2):686-91. doi: 10.31072/rcf.v9i2.641 [Crossref]
  16. Novaretti MCZ, Santos EV, Quitério LM, Daud-Gallotti RM. Sobrecarga de trabalho da Enfermagem e incidentes e eventos adversos em pacientes internados em UTI. Rev Bras Enferm 2014;67(5): 692-9. doi: 10.1590/0034-7167.2014670504 [Crossref]
  17. Borges F, Bohrer CD, Bugs TV, Nicola AL, Tonini NS, Oliveira JLC. Dimensionamento de pessoal de enfermagem na uti-adulto de hospital universitário público. Cogitare Enferm 2017;(22)2. doi: 10.5380/ce.v22i2.50063 [Crossref]
  18. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução n.543, de 2017. Atualiza e estabelece parâmetros para o Dimensionamento do quadro de profissionais de Enfermagem de serviços/locais em que são realizadas atividades de enfermagem. Brasília: COFEN; 2017.
  19. Dubois CA, D’amour D, Tchouaket E, Clarke S, Rivard M, Blais R. Associations of patient safety outcomes with models of nursing care organization at unit level in hospitals. Int J Qual Health Care 2013;25(2):110-7. doi: 10.1093/intqhc/mzt019 [Crossref]
  20. Duarte SCM, Stipp MAC, Silva MM, Oliveira FT. Eventos adversos e segurança na assistência de enfermagem. Rev Bras Enferm 2015;68(1):144-54. doi: 10.1590/0034-7167.2015680120p [Crossref]
  21. Oliveira RM, Leitão IMTA, Silva LMS, Figueiredo SV, Sampaio RL, Gondim MM. Estratégias para promover segurança do paciente: da identificação dos riscos às práticas baseadas em evidências. Esc Anna Nery 2014;18(1):122-9. doi: 10.5935/1414-8145.20140018 [Crossref]
  22. Siman AG, Cunha SGS, Brito MJM. A prática de notificação de eventos adversos em um hospital de ensino. Rev Esc Enferm USP 2017;51:e03243. doi: 10.1590/S1980-220X2016045503243 [Crossref] 
  23. Forte ECN, Pires DEP, Padilha MI, Martins MMFPS. Nursing errors: a study of the current literature. Texto Contexto Enferm 2017;26(2). doi: 10.1590/0104-07072017001400016 [Crossref]
  24. Leitão IMTA, Oliveira RM, Leite SS, Sobral MC, Figueiredo SV, Cadete MC. Análise da comunicação de eventos adversos na perspectiva de enfermeiros assistenciais. Rev Rene 2013;14(6):1073-83.
  25. Santos AKN, Soratto MT. Segurança do paciente nas Unidades de Urgência Emergência. Enferm Bras 2018;17(3):279-96. doi: 10.33233/eb.v17i3.517 [Crossref]