ARTIGO ORIGINAL
Assistência de
enfermagem a queimados em hospital do nordeste brasileiro: estudo seccional
Izabelle Bezerra Costa*, Kezauyn Miranda Aiquoc*, Jessica Cristhyanne Peixoto Nascimento**, Rodrigo Rhuan Andrade Rocha***, Rodrigo Assis Neves Dantas, D.Sc.****,
Daniele Vieira Dantas, D.Sc.****
*Enfermeira, mestranda
pelo Programa de de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
da UFRN, **Enfermeira, mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem
da UFRN, ***Graduando do Curso de Graduação em
Enfermagem da UFRN, bolsista de iniciação científica PIBIC/UFRN,
****Enfermeiros, pós-doutores pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da
Universidade Federal de Sergipe (UFS) e professores adjuntos da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Recebido em 12 de junho
de 2020; aceito em 24 de agosto de 2020.
Correspondência: Rodrigo Assis Neves
Dantas, Rua Petra Kelly, 61, Condomínio Geraldo Galvão (casa 48), Nova Parnairim, 59152-330 Parnamirim RN
Izabelle Bezerra Costa:
izabellebcosta@gmail.com
Kezauyn Miranda Aiquoc: kezauyn@gmail.com
Jessica Cristhyanne Peixoto Nascimento: jessicacristhy@gmail.com
Rodrigo Rhuan Andrade Rocha: rodrigo.andrade.rocha@hotmail.com
Rodrigo Assis Neves
Dantas: rodrigoenf@yahoo.com.br
Daniele Vieira Dantas:
daniele00@hotmail.com
Resumo
Objetivo: Caracterizar a
assistência de enfermagem prestada às vítimas de queimaduras atendidas em um
hospital de emergência no nordeste brasileiro. Métodos: Trata-se de um
estudo epidemiológico com desenho seccional, individuado, observacional,
transversal, de caráter descritivo e abordagem quantitativa conduzido mediante
aplicação do checklist Strengthening the Reporting of
Observational Studies in Epidemiology para número amostral correspondente a 144
indivíduos, no período de janeiro a junho de 2016. Resultados: No que
concerne ao atendimento primário, identificou-se intubação, oxigenoterapia
suplementar com técnica invasiva e não-invasiva, punção de acesso venoso
periférico ou central e reposição eletrolítica com soro fisiológico 0,9% ou
Ringer Lactato. Referente ao atendimento secundário, identificou-se intervenção
cirúrgica e realização de curativos com Sulfadiazina
de Prata 1%, e/ou Kollagenase. Encontraram-se 36
diagnósticos de tipos distintos, porém no presente trabalho, em termos de
representatividade, serão apresentados 22. Conclusão: A assistência
pautou-se na intubação orotraqueal hospitalar; oxigenoterapia suplementar por
cateter nasal; acesso venoso periférico para administração de soro fisiológico
0,9%; manejo da dor com Diazepam; desbridamento cirúrgico e Sulfadiazina
de Prata 1% como cobertura das lesões. Dentre os diagnósticos de enfermagem, o
risco de infecção foi o mais prevalente.
Palavras-chave: assistência
hospitalar, epidemiologia, queimaduras.
Abstract
Nursing assistance to burns in a northeast Brazilian hospital: section
study
Objective: To characterize the nursing care provided to burn victims treated at
an emergency hospital in northeastern Brazil. Methods: This is an
epidemiological study with a sectional, individual, observational, transversal
design, of a descriptive character and a quantitative approach conducted by
applying the checklist Strengthening the Reporting of Observational Studies in
Epidemiology for a sample number corresponding to 144 individuals, from January
to June 2016. Results: Regarding primary care, intubation, supplemental
oxygen therapy with invasive and non-invasive technique, puncture was
identified peripheral or central venous access and electrolyte replacement with
0.9% Saline or Ringer Lactate. Regarding secondary care, surgical intervention
and dressing with 1% Silver Sulfadiazine and / or Kollagenase
were identified. There were 36 diagnoses of different types, but in the present
study, in terms of representativeness, 22 will be presented. Conclusion:
Assistance was based on hospital orotracheal intubation; supplemental oxygen
therapy by nasal catheter; peripheral venous access for administration of 0.9%
Saline; pain management with Diazepam; surgical debridement and 1% Silver
Sulfadiazine to cover the lesions. Among nursing diagnoses, the risk of
infection was the most prevalent.
Keywords: hospital care, epidemiology, burns.
Resumen
Asistencia de enfermería
para quemaduras en un hospital brasileño del noreste: estudio
de sección
Objetivo: Caracterizar la atención de enfermería brindada a las víctimas de quemaduras tratadas en un hospital de emergencia en el
noreste de Brasil. Métodos: Este es un estudio epidemiológico con un diseño
transversal, individual, observacional, transversal, de carácter descriptivo y un enfoque cuantitativo realizado mediante la
aplicación del checklist
Strengthening the Reporting of Observational
Studies in Epidemiology
para un número de muestra correspondiente a 144 individuos,
de enero a junio de 2016. Resultados:
Con respecto a la atención primaria, intubación, oxigenoterapia suplementaria con técnica invasiva y no invasiva, se identificó
la punción acceso venoso periférico o central y reemplazo
de electrolitos con suero fisiológico al 0.9% o Ringer Lactato. Referente a la atención
secundaria, se identificaron la
intervención quirúrgica y el apósito con
1% de sulfadiazina de plata
y / o Kollagenase. Hubo 36
tipos diferentes de diagnósticos, pero en el presente estudio, en términos de representatividad,
se presentarán 22. Conclusión:
La asistencia se basó en la intubación
orotraqueal hospitalaria; oxigenoterapia suplementaria
con catéter nasal; acceso venoso periférico para la administración de suero
fisiológico al 0.9%; manejo del dolor
con Diazepam; desbridamiento
quirúrgico y 1% de sulfadiazina
de plata para cubrir las lesiones. Entre los
diagnósticos de enfermería, el
riesgo de infección fue el más frecuente.
Palabras-clave: atención
hospitalaria, epidemiología,
quemaduras.
As lesões resultantes
de queimaduras severas provocam intensa algia e
sofrimento ao indivíduo, deixando sequelas de ordem psicológica, social,
estética e funcional, muitas vezes irreversíveis, podendo levar o paciente ao
óbito [1]. Estudo aponta que a gravidade desse trauma é definida de acordo com
a avaliação da natureza do evento; do estado geral da vítima e das lesões -
quanto ao agente causal, tempo de exposição, extensão, profundidade e
localização [2].
Além disso, a qualidade
do atendimento prestado impacta diretamente no agravamento do quadro do
queimado e, consequentemente, no prognóstico da vítima [3]. Enquanto no
contexto pré-hospitalar observa-se a indispensabilidade da avaliação primária
referente a avaliação do estado geral da vítima conforme o mnemônico ABCDE do
trauma (Airway, Breathing,
Circulation, Disability e Exposure); na etapa secundária, as condutas são
voltadas para o cálculo da Superfície Corporal Queimada (SCQ), realização de
curativos e o transporte imediato para o hospital de referência [2].
Diante disso, o
gerenciamento dos cuidados de enfermagem demanda preparo por parte do
profissional que o desenvolve. Espera-se que o enfermeiro tenha habilidade para
identificar as necessidades do paciente, elaborar o plano de cuidado,
supervisionar sua execução e avaliar a efetividade de suas estratégias - a
exemplo disso, destacam-se procedimentos que englobam desde a avaliação e
execução de condutas iniciais no atendimento ao paciente até o gerenciamento da
dor [4].
Não obstante, a análise
dessas variáveis se faz necessária para elaboração e implementação de um
tratamento eficaz para o cuidado ao paciente queimado - um desafio recorrente,
tanto pela seriedade das lesões, quanto pelas inúmeras desordens sistêmicas
como o choque séptico, complicações gastrintestinais, renais, cardiovasculares,
adrenais, hematológicas e musculoesqueléticas que, usualmente, resultam em
óbito [1]. Logo, o presente estudo se faz relevante no contexto da pesquisa
epidemiológica em queimaduras, pois é necessária a compreensão sobre como a
assistência de enfermagem é prestada à vítima de queimadura.
Nessa perspectiva, o
estudo objetiva caracterizar as vítimas de queimadura quanto ao perfil, a
assistência prestada e os principais diagnósticos de enfermagem no processo de
cuidar em um hospital de emergência no nordeste brasileiro.
Trata-se de um estudo
epidemiológico com desenho seccional, individuado, observacional, de dimensão
temporal transversal, caráter descritivo e abordagem quantitativa, cujo cenário
de realização se deu em um complexo hospitalar da região nordeste, referência
no atendimento às vítimas de queimaduras cuja coleta de dados se deu durante o
período de janeiro a junho de 2016.
No que concerne à
condução da pesquisa, utilizou-se a diretriz Strengthening
the Reporting of Observational studies in Epidemiology
(STROBE) mediante o apontamento e checagem de vinte e dois itens considerados
imprescindíveis para a execução de um estudo observacional de qualidade [5].
Para o desenvolvimento
do estudo, realizou-se a construção do protocolo de pesquisa, e considerando os
objetivos almejados, elaborou-se um instrumento para coleta de dados, que foi
estruturado em quatro tópicos, a saber: caracterização sociodemográfica da
vítima; aspectos clínicos da condição; caracterização do atendimento prestado e
identificação dos diagnósticos de enfermagem presentes nos pacientes,
utilizando a Taxonomia II da North American Nursing
Diagnosis Association
(NANDA) [6].
Sob essa perspectiva, o
processo de amostragem se deu de forma não-probabilística por conveniência em
meio a uma população de 225 internos, cuja amostra foi constituída por 144
pacientes - com erro amostral tolerável de 5% (0,05).
Para coleta de dados,
foram eleitos dez acadêmicos de enfermagem da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, componentes do Grupo de Pesquisa Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Urgência, Emergência e Terapia Intensiva (NEPET), os quais foram previamente
treinados para realizar aplicação dos questionários e garantir a validade
interna do estudo.
Após treinados,
realizou-se a aplicação do estudo piloto com a finalidade de avaliar a
adequação do instrumento para o alcance dos objetivos estabelecidos e ajustar
aspectos deficientes para proceder a coleta definitiva.
No que se refere aos
participantes do estudo, os critérios instituídos para inclusão na pesquisa
foram: idade igual ou superior a 18 anos; estar consciente e consentir em
participar da pesquisa ou ter sua participação autorizada pelo responsável
mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Os dados coletados
foram digitados e organizados em planilha de dados eletrônica no Microsoft
Excel 2016 e, posteriormente, inseridos no software Statistical
Package for Social Science for Windows SPSS 20.0.
Após a codificação e tabulação, os dados foram analisados por meio de
estatística descritiva e os resultados apresentados em forma de tabelas e
quadros.
Essa pesquisa cumpre
todos os aspectos éticos presentes da Resolução n° 466/2012, do Conselho
Nacional de Saúde [7] e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, através do parecer no. 1.380.648.
De acordo com a
caracterização sociodemográfica das 144 vítimas de queimaduras, observou-se que
103 (71,5%) eram do sexo masculino; 63 (43,8%) apresentavam-se na faixa etária
de 36 a 67 anos e 62 (43,1%) abaixo de 35 anos; 62 (43,1%) estavam solteiros;
24 (16,7%) apresentavam 2º grau completo, 23 (16%) 1º grau incompleto e 20
(13,9%) não eram alfabetizados. Quanto à procedência, 91 (63,2%) eram
provenientes do interior do Estado e 35 (24,3%) da capital.
A Tabela I apresenta a
caracterização clínica quanto à natureza do evento. Observa-se que 69 (47,9%)
foram acidentes domésticos e 32 (22,2%) acidentes no trabalho; sendo 55 (38,2%)
por chama direta e 30 (20,8%) por escaldamento. Em
relação a profundidade, 75 (52,1%) tiveram queimaduras de 2° grau; 46 (31,9%)
apresentaram extensão da superfície corporal queimada entre 10% e 20% e 42
(29,2%) extensão maior que 30%.
Tabela I - Caracterização
clínica das vítimas de queimaduras, quanto à natureza do evento, causa,
profundidade e extensão corporal atingida da queimadura. Natal/RN, Brasil,
2016.
*Outros= agressão e
fogos de artifícios; Fonte: elaborada pelos autores.
No que diz respeito às
condutas prestadas no atendimento às vítimas, os resultados foram subdivididos
em atendimento primário e secundário. No atendimento primário, como pode ser
observado na Tabela II, dentre os pacientes que sofreram intubação, quatro
(2,8%) foram no hospital e dois (1,4%) pelo Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência (SAMU); a oxigenoterapia suplementar, quando realizada, ocorreu em 11
(7,6%) por Cateter Nasal, sete (4,9%) por Máscara de Venturi e seis (4,2%) por
Ventilação Mecânica; realizou-se acesso venoso periférico em 79 (54,9%) e
central em 10 (6,9%); quanto às soluções para reposição eletrolítica, optou-se
em 59 (41%) por soro fisiológico 0,9% e 44 (30,4%) por Ringer Lactato.
Os parâmetros anormais
de sinais vitais encontrados na monitorização hemodinâmica não-invasiva foram:
taquicardia 15 (10,42%) e bradicardia em três (2,1%), hipertensão 21 (14,6%) e
hipotensão em cinco (3,5%), hipertermia 44 (30,6%) e hipotermia em dois (1,4%),
taquipneia 13 (9%) e bradipneia em um (0,7%).
Realizou-se a Escala de Coma de Glasgow (ECG) em 62 (43,1%) vítimas, nas quais
51 (35,4%) não apresentaram comprometimento, sete (4,9%) comprometimento
moderado e quatro (2,8%) comprometimento grave; 23 (16%) realizaram sondagem
vesical de demora; 11 (7,6%) sondagem nasoenteral e 5
(3,5%) sondagem nasogástrica; o Diazepam foi o fármaco mais utilizado para
sedação, em 27 (18,8%) das vítimas.
Tabela II - Caracterização
do
atendimento primário quanto a intubação,
oxigenoterapia, cateter venoso,
reposição eletrolítica,
monitorização hemodinâmica não-invasiva,
avaliação
neurológica, sondagens e sedação. Natal/RN,
Brasil, 2016.
*BI-level
Positive Airway Pressure/Pressão
positiva em vias aéreas a dois níveis; Fonte: elaborado por autores.
No que tange o
atendimento secundário (Tabela III), 59 (41%) realizaram intervenção cirúrgica,
sendo 31 (21,5%) desbridamento cirúrgico e 18 (12,5%) enxertia; nos curativos,
99 (68,8%) utilizaram Sulfadiazina de Prata 1%, 25
(17,4%) a combinação de Sulfadiazina de Prata 1% com Kollagenase e 16 (11,1%) apenas Kollagenase.
Constatou-se como principais regiões de desbridamento os membros superiores 31
(21,5%), membros inferiores 29 (20,1%) e tórax 19 (13,2%); e no caso das
enxertias foram os membros inferiores em oito (5,6%) e superiores em seis
(4,2%).
Os sinais de infecção
mais prevalentes diziam respeito a 32(22,2%) hipertermia, 11 (7,6%) dor e 10
(6,9%) leucocitose. A infecção em 23 (16%), o óbito em quatro (2,8%) e os
problemas psiquiátricos em três (2,1%) foram as principais complicações; as
sequelas foram em 23 (16%) vítimas de origens funcionais, 17 (11,8%) estéticas
e seis (4,2%) os dois tipos.
Tabela III - Caracterização do
atendimento secundário quanto à intervenção cirúrgica, curativos, desbridamento,
enxertia, amputação, infecção, complicações e sequelas. Natal/RN, Brasil, 2016.
Fonte: elaborado por autores.
Após a análise dos
diagnósticos de enfermagem, encontraram-se 36 tipos distintos, porém, no
presente trabalho, em termos de representatividade, serão apresentados 22
(Tabela IV). Dentre esses, quinze são reais e sete de risco, conforme a
Taxonomia II da NANDA [6]. Esses dados revelaram a prevalência do risco de
infecção 99 (68,8%), a integridade da pele prejudicada 89 (61,8%) e a dor aguda
85 (59%). Vale salientar que em uma mesma vítima pôde ser identificado mais de
um diagnóstico.
Tabela IV - Diagnósticos de
enfermagem presentes nos pacientes vítimas de queimaduras atendidas no complexo
hospitalar referência para atendimento de queimados. Natal/RN, Brasil, 2016.
Fonte: elaborado por
autores.
Os principais achados
do presente estudo demonstram uma predominância de vítimas do sexo masculino. A
masculinidade, historicamente, está associada ao comportamento agressivo ou
imprudente [8] e é percebida como inerente à natureza masculina e necessária
para manutenção da imagem de poder [9]. Logo, esse comportamento pode explicar
o maior risco de acidentes, sobretudo com queimaduras.
Além disso, a maioria
das vítimas de queimaduras estavam na faixa etária abaixo de 35 anos e entre 36
e 67 anos, atingindo assim parte de uma população economicamente ativa, gerando
problemas de ordem econômica e social [10]. Característica também identificada
em estudo realizado no Malawi, o qual destacou também o predomínio masculino e
o quanto gerou de prejuízo financeiro familiar, sobretudo devido à necessidade
de afastamento da atividade laboral [10,11]. Ademais, ao retornar a rotina de
trabalho, pode surgir sentimentos de culpa, pois as
sequelas das queimaduras prejudicam o seu desempenho, o que pode gerar profunda
tristeza [12]. Nesse aspecto, as consequências da queimadura atingem não só o
corpo, mas também a saúde mental das vítimas.
No que tange ao local
da ocorrência, estudos demonstram que os acidentes domésticos e de trabalho
apresentam elevada incidência [13,14]. Ao analisar esse dado associado ao nível
de escolaridade, evidencia-se a necessidade do ensino de práticas de prevenção
e primeiros socorros em queimaduras, sobretudo, à população com baixa
escolaridade [1,10], além de treinamento contínuo sobre segurança do trabalho a
fim de mitigar esses acidentes [15]. Já no que diz respeito aos agentes
etiológicos, as queimaduras por chama direta e por escaldamento
foram predominantes, corroborando os demais estudos [16,17].
Quanto a profundidade
das lesões, a maioria das vítimas apresentaram queimaduras de 2° grau. Em
estudo realizado em Fortaleza, destacou-se que 80% das vítimas atendidas
durante a pesquisa apresentavam essa mesma característica [18]. Os autores
afirmam que queimaduras nessas dimensões atingem estruturas importantes que
podem acarretar sequelas funcionais importantes, além de estéticas [18].
No que concerne ao
atendimento à vítima de queimadura, a priorização das condutas segue o mesmo
critério de qualquer vítimas de trauma, cujo foco está em manter vias aéreas
pérvias e controle da cervical, permitir ventilação, garantir a circulação,
avaliar as condições neurológicas e controlar o ambiente - tais condutas
objetivam estabilizar o paciente, reduzir as complicações provenientes do
trauma e diminuir seu tempo de internação [2].
Sobre o procedimento de
intubação orotraqueal, observou-se um pequeno número de pacientes submetidos a
ele em ambiente pré-hospitalar. Contudo, autores reforçam a importância de se
reduzir a intubação desnecessária, pois procedimentos invasivos aumentam o
risco de infecção [17]. Outrossim, em ambiente extra-hospitalar, a
implementação das vias aéreas artificiais no paciente traumatizado, quando não
haja a viabilidade de respiração por outros métodos, apresentam vantagens como
a diminuição significativa do risco de aspiração, possibilidade de aspiração
profunda da traqueia, prevenção de insuflação gástrica e viabilidade de
administração de medicamento através do dispositivo [19].
O emprego de oxigenoterapia suplementar
ocorreu principalmente através do cateter nasal. Sob esse aspecto, estudo que
analisou as intervenções de emergência realizadas nas vítimas de trauma
evidenciou que a oxigenoterapia administrada em vítimas de queimadura ou
politraumatizadas se deve ao grande potencial de descompensação hemodinâmica
[19]. Assim, recomenda-se a administração de oxigênio umidificado por esse
dispositivo restringindo a intubação a casos de insuficiência respiratória
aguda e situações que possam evoluir para edema tardio com obstrução das vias
respiratórias, tornando complicado a intubação [20].
A solução de soro
fisiológico a 0,9% foi a mais empregada na reposição eletrolítica inicial,
divergindo dos achados da literatura que recomendam a solução de Ringer Lactato
isotônico, e o hipertônico em casos de choque hipovolêmico e SCQ superior a 40%
[2,3]. Outro estudo aponta a fluidoterapia aquecida
como método empregado para viabilizar a expansão intravascular transitória e
estabilizar o volume vascular associado a perda de fluidos no paciente
traumatizado. Contudo, sua prescrição não deve ser realizada de forma
indiscriminada tendo em vista que pode agravar hemorragias devido ao aumento da
pressão arterial e hemodiluição [19].
A monitorização
hemodinâmica não-invasiva foi realizada em 125 (86,8%) das vítimas; e os
parâmetros prevalentes encontrados: a taquicardia, hipertensão, hipertermia e
taquipneia. Uma falha encontrada no atendimento prestado está relacionada a
qualidade dessa monitorização, constatando lacunas na aferição de alguns
sinais, similar a estudo de mesma metodologia [21].
Destaca-se que essa
conduta deve ser executada com critérios rígidos, tendo em vista que a
monitorização é uma ferramenta fundamental no reconhecimento de situações
potencialmente perigosas, em tempo hábil para se estabelecer uma terapêutica
adequada e imediata [3,21]. Logo, deve-se estimular essa avaliação hemodinâmica
contínua para definição e acompanhamento da evolução do quadro clínico da
vítima de queimadura [21].
Realizou-se também a
aplicação da Escala de Coma de Glasgow (ECG), predominando a classificação de
15 pontos, indicando o estado de consciência e responsividade pela maioria das
vítimas [21]. De acordo com estudo realizado na Alemanha, com vítimas de
trauma, evidenciou-se sobre a importância da aplicação adequada dessa escala e
do teste de reatividade pupilar uma vez que são ferramentas importantes nos
prognósticos e parâmetros de monitoramento da vítima de trauma [22]. Os autores
demonstraram, ainda, que o somatório da pontuação da ECG acima de 8 pontos está
relacionada a baixa probabilidade de mortalidade [22], o que pode explicar
também a baixa taxa de mortalidade, nos achados do presente estudo, uma vez que
o número de vítimas com os resultados da pontuação da ECG abaixo de 8 pontos
coincidiram com o número de óbito.
Em relação à
farmacologia empregada, a droga mais administrada foi o Diazepam, seguido do Midazolam, que apresenta início de ação mais rápido. No que
concerne ao controle da dor e sedação do paciente crítico, a farmacologia
empregada objetiva promover a redução do consumo de oxigênio pelo miocárdio,
além de reduzir do tempo de internamento hospitalar. Contudo, é necessário que
as doses sejam ajustadas corretamente a fim de evitar a ocorrência de agravos
associados a doses inadequadas desses fármacos e seus efeitos ao organismo
paciente [23].
Além disso, a infecção
consistiu na principal complicação apresentada pelas vítimas e a hipertermia
foi o principal sinal indicativo no caso desses pacientes. Isso se relaciona
com a SCQ e a profundidade das queimaduras, podendo evoluir com septicemia,
assim como as repercussões sistêmicas [24,25]. Em estudo de caso, foi
evidenciado que não só a lesão poderia aumentar o risco de infecção, mas também
os inúmeros procedimentos que essa cliente sofre durante o processo de
hospitalização e nas trocas dos curativos [25]. Com isso, para proteção dele é
importante que a equipe de enfermagem sistematize seu cuidado, difunde
conhecimento sobre segurança do paciente e elabore instrumentos que operacionalizam
o cuidado a fim de minimizar esses riscos [25].
As sequelas mais
prevalentes foram as funcionais. Nesse aspecto, a depender do local, a correção
torna-se mais complicada devido à anatomia presente, o que infere na função
desempenhada pela determinada região [1]. Isso pode levar ao afastamento
temporário ou permanente de determinadas atividades, impactando diretamente na
qualidade de vida da vítima [1].
Sob a perspectiva dos
Diagnósticos de Enfermagem, o mais prevalente foi o de Risco de Infecção sendo
acompanhado, em segundo plano, pelo de Integralidade da Pele Prejudicada. Tais
julgamentos se baseiam na ruptura da principal barreira entre agentes
patogênicos e corrente sanguínea: a pele. Destaca-se, ainda, como fator
propiciador à infecções a permanência do paciente em
um ambiente hospitalar permeado por agentes infecciosos exógenos [26].
Outro ponto pertinente,
refere-se à proporcionalidade direta entre tamanho da superfície corporal
queimada e taxas de morbimortalidade do indivíduo acometido [26]. Em
corroboração a esse achado, foi observado que fatores inerentes à clínica dos
pacientes queimados como complexidade das queimaduras, comprometimento
respiratório, instabilidade hemodinâmica, isquemia tecidual e aumento da resposta
inflamatória favorecem a ocorrência de Infecções Relacionadas a Assistência por
Staphylococcus aureus resistente à meticilina [27].
Já no que tange ao
diagnóstico de dor aguda, estudo realizado na China aponta que com a mudança no
trabalho de enfermagem, sendo cada vez mais voltado às necessidades do
paciente, requer desse profissional uma atenção mais assertiva e proativa
quanto a esse acometimento [28,29]. Por ser uma vítima que além de apresentar
dor aguda no início, posteriormente dor intensa e um longo período com esse
agravo e suas complicações, grandes cargas de estresse e ansiedade podem ser
geradas, inclusive na equipe [28]. Logo, o manejo adequado está diretamente
relacionado ao sucesso do tratamento e fortalecimento do vínculo com a equipe,
sendo imprescindível no processo de cicatrização e qualidade de vida [30].
Nesse aspecto, vale
salientar o uso da terapia não-farmacológica como um importante adjuvante à
ação farmacológica para gerenciamento da algia na
vítima de queimadura, visto que o controle inadequado desta interfere
significativamente na condição clínica do indivíduo acometido. Diante disso, a
literatura aponta inúmeras vantagens dos métodos não farmacológicos para o
tratamento da dor aguda no paciente queimado, dentre elas destacam-se: baixo
custo, fácil implementação, boa aceitação por parte dos clientes e resultados
significativos na quebra do ciclo dor-ansiedade [31].
Na queimadura,
infelizmente, há uma centralidade no que concerne aos prejuízos físicos. No
entanto, como aponta a literatura, os traumas psicológicos podem acarretar
danos por toda a vida [32,33]. Sob essa perspectiva, o presente estudo
apresentou como os diagnósticos de enfermagem, dos quais revelam prejuízos à
saúde mental, foram: baixa autoestima, distúrbio da imagem corporal, padrão de
sono prejudicado, ansiedade, risco de violência direcionada a si e
automutilação.
Nesse sentido, o estudo
evidencia a imprescindibilidade de direcionar os cuidados não só para o que
tange a integridade da pele prejudicada, mas também para a saúde mental desses
sobreviventes. Em um ensaio clínico randomizado, realizado no Irã, apostaram no
empoderamento psicossocial das vítimas. Por meio da educação multimídia,
considerada também como a mais eficaz na educação em saúde de vítimas com baixa
escolaridade, a intervenção foi realizada com o objetivo de capacitar a vítima
para lidar com sua nova realidade, além de possibilitar a observar e resolver
seus problemas psicológicos. Com isso, foi observado que as vítimas, comparadas
àquelas que tiveram somente a educação em saúde- sem o empoderamento
psicossocial- tiveram melhoras na sua qualidade de vida, autoestima e autonomia
[33].
Com relação às
limitações do estudo, observou-se a necessidade de padronização na coleta de
dados, quanto aos termos e parâmetros utilizados no preenchimento do
instrumento de coleta. Além disso, foram constatadas lacunas na monitorização
hemodinâmica não-invasiva, relacionadas a aferição ausente ou incompleta.
Diante desses
resultados supracitados, conclui-se que o atendimento primário aos pacientes
queimados caracterizou-se por: intubação orotraqueal
mais prevalente no ambiente hospitalar; oxigenoterapia suplementar através de
cateter nasal; acesso venoso periférico como via de administração prioritária
para a solução de soro fisiológico 0,9 % e Ringer Lactato, respectivamente.
Quanto a monitorização
hemodinâmica não-invasiva, os parâmetros anormais prevalentes foram
taquicardia, hipertensão, hipertermia e taquipneia; a ECG retratou estado de
consciência e responsividade pela maioria das vítimas. No manejo da dor e
ansiedade os fármacos mais empregados foi Diazepam, seguido do Midazolam.
No atendimento
secundário, ressaltam-se as intervenções de desbridamento cirúrgico e a
enxertia, realizados em membros superiores e inferiores; nos curativos a Sulfadiazina de Prata 1% foi mais utilizada. A infecção
preponderou dentre as complicações, apresentando a hipertermia como principal
sinal indicativo. As sequelas de caráter funcional prevaleceram. Dentre os
diagnósticos de enfermagem, o Risco de infecção, a Integridade da pele
prejudicada e a Dor aguda, predominaram.
Por fim, é importante
ressaltar que a enfermagem se posiciona mais próxima do paciente, logo, esse
tipo de estudo gera uma fonte de dados para a constante atualização técnica e
científica desses profissionais, provendo ao paciente uma terapêutica
individualizada e integrada. Além disso, essa caracterização da assistência
prestada reforça a necessidade da implementação de protocolos de atendimento,
tratamento e cuidados aos pacientes queimados que certamente contribuirão para
assegurar a qualidade da assistência para esta população.