Enferm Bras 2021;20(1):4-19

doi: 10.33233/eb.v20i1.4219

ARTIGO ORIGINAL

Lesão por pressão: risco de desenvolvimento em centro cirúrgico em hospital de ensino

 

Daniely Alves Zacharo*, Marli de Carvalho Jericó, D.Sc.**, Priscila Buck de Oliveira Ruiz, M.Sc.***

 

*Enfermeira clínica do centro cirúrgico do Hospital de Base de São José do Rio Preto, aluna especial de mestrado em enfermagem na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), São José do Rio Preto/SP, **Enfermeira, Economista e Consultora em Gestão em Enfermagem, Docente da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), São José do Rio Preto/SP, ***Enfermeira, coordenadora do bloco cirúrgico do Hospital de Base de São José do Rio Preto

 

Recebido em 22 de junho de 2020; aceito em 20 de fevereiro de 2020.

Correspondência: Daniely Alves Zacharo, Av. Benedito Rodrigues Lisboa, 1201/27, bloco 4, 15085-890 São Jose do Rio Preto SP

 

Daniely Alves Zacharo: dany.zacharo@hotmail.com

Marli de Carvalho Jericó:  marli@famerp.com

Priscila Buck de Oliveira Ruiz: centrocirurgico@hospitaldebase.com.br 

 

Resumo

Introdução: O posicionamento do paciente permite exposição do sítio cirúrgico, alinhamento corporal, diminui pressão sobre os tecidos e preserva as funções circulatórias. Objetivo: Identificar cirurgias conforme risco de desenvolvimento de lesão por pressão em centro cirúrgico de um hospital de ensino. Métodos: Trata-se de estudo exploratório, descritivo, cujos resultados foram analisados quantitativamente. A partir de dois instrumentos, um elaborado pela pesquisadora contendo dados demográficos, clínicos e cirúrgicos e classificação de lesão por pressão segundo National Pressure Ulcer Advisory Panel e Escala de Avaliação de Risco para o desenvolvimento de lesões decorrentes do posicionamento cirúrgico do paciente. Esses foram aplicados no pré-operatório aleatoriamente, pós-operatório imediato e os pacientes que permaneceram internados foram avaliados nos dois primeiros pós-operatórios tardios. Resultados: Foram realizadas 930 avaliações em 305 pacientes cirúrgicos de forma aleatória, com idade entre 18 e 60 anos, em cirurgias de pequeno porte a porte especial, e nenhum deles apresentou lesão de pele. Identificou-se que existem especialidades mais propensas ao desenvolvimento de lesão por pressão, como neurocirurgia, cardiologia e cirurgias do trato gastrointestinal. Conclusão: Evidenciou-se nos achados deste estudo que o monitoramento do indicador é imprescindível para diminuir ou até mesmo evitar o desenvolvimento de lesões de pele, contribuindo com a segurança ao paciente.

Palavras-chave: centros cirúrgicos; segurança do paciente; procedimentos cirúrgicos operatórios; lesão por pressão, posicionamento do paciente.

 

Abstract

Pressure injury: risk of development in a surgical center in a teaching hospital

Introduction: The positioning of the patient allows exposure of the surgical site, body alignment, decreases pressure on tissues and preserves circulatory functions. Objective: To identify surgeries according to the risk of developing pressure injuries in the operating room of a teaching hospital. Methods: This is an exploratory, descriptive study, and its results were analyzed quantitatively. Based on two instruments, one developed by the researcher containing demographic, clinical and surgical data and classification of pressure injuries according to the National Pressure Ulcer Advisory Panel and Risk Assessment Scale for the development of injuries resulting from the patient's surgical positioning. These were applied randomly in the preoperative period, immediate postoperative period and the patients who remained hospitalized were evaluated in the first two late postoperative periods. Results: 930 evaluations were carried out on 305 surgical patients at random, aged between 18 and 60 years, in small to special surgeries, and none of them presented skin lesions. It was identified that there are specialties more prone to the development of pressure ulcer, such as neurosurgery, cardiology and gastrointestinal surgery. Conclusion: It became evident in the findings of this study that monitoring the indicator is essential to reduce or even prevent the development of skin lesions, contributing to patient safety.

Keywords: patient safety; surgical procedures, operative; pressure ulcer; patient positioning.

 

Resumen

Lesión por presión: riesgo de desarrollo en el quirófano de un hospital universitario

Introducción: El posicionamiento del paciente permite la exposición del sitio quirúrgico, la alineación del cuerpo, disminuye la presión sobre los tejidos y preserva las funciones circulatorias. Objetivo: Identificar las cirugías según el riesgo de desarrollar lesiones por presión en el quirófano de un hospital universitario. Métodos: Se trata de un estudio exploratorio, descriptivo, cuyos resultados fueron analizados cuantitativamente. Basado en dos instrumentos, uno desarrollado por el investigador que contiene datos demográficos, clínicos y quirúrgicos y clasificación de lesiones por presión según el National Pressure Ulcer Advisory Panel y la Escala de Evaluación de Riesgos para el desarrollo de lesiones resultantes de la posición quirúrgica del paciente. Estos se aplicaron aleatoriamente en el período preoperatorio, postoperatorio inmediato y los pacientes que permanecieron hospitalizados fueron evaluados en los dos primeros postoperatorios tardíos. Resultados: Se realizaron 930 evaluaciones en 305 pacientes quirúrgicos al azar, con edades entre 18 y 60 años, en cirugías pequeñas a especiales, y ninguno de ellos presentó lesiones cutáneas. Se identificó que existen especialidades más propensas al desarrollo de lesiones por presión, como neurocirugía, cardiología y cirugía del tracto gastrointestinal. Conclusión: Se evidenció en los hallazgos de este estudio que la monitorización del indicador es fundamental para reducir o incluso prevenir el desarrollo de lesiones cutáneas, contribuyendo a la seguridad del paciente.

Palabras-clave: centros quirúrgicos; seguridad del paciente; procedimientos quirúrgicos operativos; ulcera por presión; posicionamiento del paciente.

 

Introdução

 

A elevada incidência das lesões por pressão por posicionamento cirúrgico tem sido alvo de interesse de muitos pesquisadores nacionais e internacionais. O posicionamento do paciente é uma das partes mais importantes para uma intervenção cirúrgica, pois permite exposição do sítio cirúrgico, alinhamento corporal, diminui pressão sobre os tecidos e preserva as funções circulatórias. É capaz de garantir segurança e eficiência do procedimento cirúrgico. E o enfermeiro juntamente com a equipe multiprofissional são responsáveis pelo planejamento e implementação [1,2].

Nesse contexto a enfermagem perioperatória está fundamentada em seis princípios: integralidade, individualidade, participação, continuidade, documentação e avaliação [3]. O enfermeiro tem como responsabilidade trabalhar para a segurança do paciente prevenindo complicações no pós-operatório. Ele deve identificar as alterações anatômicas e fisiológicas do paciente associadas ao tipo de anestesia, monitorização e ventilação do tempo cirúrgico e procedimento a que será submetido, garantindo que o paciente retorne as suas condições normais de saúde após a cirurgia [2]. Também podemos considerar fatores extrínsecos e intrínsecos relacionados ao risco de ocorrência de lesões por posicionamento perioperatório, como, por exemplo, idade, comorbidade, estado nutricional, superfície corporal, condição clínica e risco anestésico do paciente segundo classificação da American Society of Anesthesiologists (ASA) [4,5]. E a tecnologia como elemento constituinte do processo de trabalho.

Neste contexto, a tecnologia é considerada tanto no âmbito material quanto não material em sua utilização no serviço de saúde [6,7]. As tecnologias podem ser classificadas como leve, leve-dura e dura. Todas envolvem tecnologia de forma ampla mediante análise do processo de trabalho e produção. As tecnologias leves são as das relações; a leve-dura são as dos saberes estruturados, tais como as teorias, e as duras são as dos recursos materiais [6,8].

Atualmente foi validada a Escala de avaliação de risco para desenvolvimento de lesões decorrentes do posicionamento cirúrgico (ELPO), desenvolvida pela enfermeira brasileira Camila de Mendonça de Moraes Lopes. A ELPO contém 7 itens: tipo de posição cirúrgica, tempo de cirurgia, tipo de anestesia, superfície de suporte, posição dos membros, comorbidade e idade do paciente, e cada um desses tópicos apresentam 5 subitens, com escore de 1 a 5, portanto, os pacientes que obtiverem escore acima de 20 apresentam maior risco de lesão [9,13].

A lesão por pressão (LPP) pode aparecer até 48 horas após o procedimento cirúrgico, podendo ou não ser detectada durante o período de recuperação ou internação, ou seja, o paciente poderá manifestar a lesão no período de recuperação extra-hospitalar [9]. Desta forma, é muito importante que a equipe multiprofissional tenha conhecimento dos riscos para, assim, garantir que o paciente tenha uma excelente qualidade do cuidado prestado [10]. A LPP é um dano localizado na pele e/ou tecidos moles subjacentes, normalmente sobre uma proeminência óssea ou relacionada ao uso de dispositivo médico como, por exemplo, cateter de O2, presilha da placa de bisturi entre outros. A lesão ocorre como resultado da pressão intensa e prolongada em combinação com o cisalhamento, podendo ser afetada também pelo tipo de nutrição do paciente, microclima, perfusão e comorbidades [10,24].

Este estudo teve como objetivo identificar cirurgias conforme risco de desenvolvimento de lesão por pressão em centro cirúrgico de um hospital de ensino.

E como objetivos específicos, caracterizar o perfil demográfico, clínico e cirúrgico do paciente cirúrgico; aplicar o instrumento ELPO nos procedimentos cirúrgicos; avaliar pacientes após procedimento cirúrgico quanto à ocorrência de lesão de pele por pressão segundo a classificação de National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP); e propor estratégia de melhoria para segurança do paciente relacionado a lesões de pele.

 

Métodos

 

Trata-se de estudo exploratório, descritivo e com abordagem quantitativa no ano de 2017, realizado em centro cirúrgico de um hospital de ensino, de abrangência quaternária, de capacidade extra (708 leitos) do sudeste do Brasil. Especificamente, a unidade em estudo é o centro cirúrgico que possui 27 salas operatórias, onde são realizadas cirurgias de pequeno, médio, grande porte e porte especial. O atendimento é destinado a clientes do Sistema Único de Saúde (SUS), convênios e seguradoras de planos de saúde e particulares. Esse hospital é referência nacional em atendimentos de alta complexidade, como transplantes de órgãos e tecidos e cirurgia cardíaca, entre outros.

Os dados foram coletados durante 20 dias entre outubro e dezembro de 2017, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer n° 2.148.324) no ano de 2017 e respeitou os preceitos éticos da resolução do Conselho Nacional de Saúde (466/2012) e foi consentido pelos responsáveis da instituição, a partir da aplicação dois instrumentos:

O primeiro instrumento de coleta de dados foi elaborado pela pesquisadora e contempla coleta de dados como número de prontuário do paciente, idade, gênero, comorbidades, tipo de cirurgia, tipo de anestesia, tempo estimado da cirurgia, instrumento ELPO, pontuação da ELPO, horário de admissão na recuperação pós-anestésica, avaliação de desenvolvimento de lesão por pressão no pós-operatório imediato, 24 e 48 após o procedimento cirúrgico, o qual foi preenchido em quatro momentos:

 

Primeiro momento - Período intraoperatório, preenchido pela pesquisadora

 

Foram coletados dados demográficos (atendimento, nome, idade, gênero); dados clínicos (comorbidades como hipertensão, diabetes, entre outros); dados intraoperatórios (cirurgia, tipo de anestesia, duração da cirurgia, posição cirúrgica). E ainda, no primeiro momento, foi aplicada ELPO durante o posicionamento do paciente na mesa cirúrgica.

A Escala de avaliação de risco para o desenvolvimento de lesões decorrentes do posicionamento cirúrgico do paciente (ELPO) uma escala recentemente desenvolvida e validada para mensurar risco para o desenvolvimento de lesões decorrentes do posicionamento cirúrgico em pacientes adultos [15]. Contempla informações como tipo de posição cirúrgica, tempo de cirurgia, tipo de anestesia, superfície de suporte, posição dos membros, comorbidades e idade do paciente. Os scores da ELPO variam de sete a 35 pontos, e quanto maior o score, maior o risco para o paciente desenvolver lesões decorrentes do posicionamento cirúrgico [15].

 

Segundo momento – Pós-operatório imediato/admissão na sala de recuperação pós-anestésica

 

Uma das pesquisadoras avaliou/examinou todos os pacientes previamente classificados pela ELPO quanto à ocorrência de lesão de pele por pressão (LPP) segundo a classificação de National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP), uma organização norte-americana, sem fins lucrativos, dedicada à prevenção e ao tratamento de lesões por pressão [15,20]. Essas classificações são lesão por pressão estágio 1: pele íntegra com eritema que não embranquece; lesão por pressão estágio 2: perda da pele em sua espessura parcial com exposição da derme; lesão por pressão estágio 3: perda da pele em sua espessura total; lesão por pressão estágio 4: perda da pele em sua espessura total e perda tissular; lesão por pressão não classificável: perda da pele em sua espessura total e perda tissular não visível; lesão por pressão tissular profunda: colorações vermelhas escura, marrons ou púrpuras, persistentes e que não embranquece; e as classificações especiais como lesão por pressão relacionada a dispositivo médico; lesão por pressão em membranas mucosas [15,20].

 

Terceiro momento

 

Os pacientes que permaneceram internados na instituição foram avaliados nos dois primeiros pós-operatórios (24 e 48 horas após sua cirurgia). Para avaliação desses pacientes, uma das pesquisadoras treinou três acadêmicas do terceiro ano de enfermagem para avaliarem o desenvolvimento de LPP segundo a mesma classificação da NPUAP através de aula e apostilas, e preenchimento do instrumento desenvolvido pela pesquisadora. Foram divididas por dias (segunda, terça e quarta), e cada uma ficou responsável por avaliar todos os pacientes que a avaliadora aplicou a ELPO (em média 15 pacientes), no seu respectivo dia, nas 24 e 48 horas. Por exemplo: a acadêmica que ficou responsável pelas cirurgias da segunda-feira teve que avaliar todos os pacientes internados 24h após – na terça feira e 48h após – na quarta-feira. Na sexta-feira de toda semana, as acadêmicas devolviam os instrumentos para a pesquisadora, que era responsável por tabular todos os dados coletados.

Após tabulado, os dados foram analisados conforme os itens da tabela de ELPO, e o objetivo foi encontrar a situação mais propensa para desenvolvimento de lesão de pele, relacionado a condição do paciente ou a que ele foi exposto.

Os critérios de inclusão utilizados pela pesquisadora foram todos os pacientes submetidos a cirurgias de pequeno, médio, grande porte e porte especial (aleatoriamente) do hospital de ensino e pacientes menores de 18 anos foi o critério de exclusão.

 

Resultados

 

No ano de 2017 foram realizadas cerca de 27 mil cirurgias, em média 60 cirurgias por dia de caráter eletivo e urgência, de pequeno porte a porte especial. Dessas foram escolhidas aleatoriamente pacientes cirúrgicos, três vezes na semana durante três meses para ser aplicada a ELPO. O cálculo amostral dessa pesquisa que deveria ser 248, uma média de 12 pacientes/dia (grau de confiança de 99% com uma margem de erro de 8%), foi superado com 305 pacientes avaliados, em média 15 cirurgias por dia.

Verificou-se que 56,7% (173) dos pacientes avaliados eram mulheres e 43,3% (132) homens. Desses 34% (104) tinham de 40 – 59 anos, seguidos de 32,7% (100) de 18 – 39 anos, 20,9% (64) de 60 – 69 anos, 9,5% (29) de 70 – 79 anos e apenas 2,6% (8) com mais de 80 anos.

Analisando a coleta de dados, foi possível verificar que em 305 pacientes 59% (180) não tinham nenhum tipo de comorbidade de base (Hipertensão (HAS); Diabete Mellitus (DM), obesidade, desnutrição e lesão por pressão); do total de pacientes avaliados 25,2 (77) apresentaram HAS; 7,2% (22) apresentaram obesidade; 8,1% (25) apresentaram DM e 1 (0,3%) paciente apresentou lesão de pele. Porém, desses, 5,5% (17) apresentaram HAS/DM e 0,9% (3) HAS/obesidade e 3,9% (12) diagnósticos secundários variados entre neoplasia, hipotireoidismo, depressão, hepatite C, labirintite e tabagismo.

A amostra foi separada por especialidade cirúrgica e a maior população foi de pacientes da urologia com 18% (55), seguidos de 17% (52) da cirurgia geral e 16% (49) da ortopedia (Figura 1).

 

 

Figura 1 - Distribuição da aplicação da ELPO segundo especialidade cirúrgica. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2017

 

A ELPO foi aplicada em 305 pacientes aleatoriamente em pacientes entre 18 e 90 anos e 62,6% (191) desses apresentaram pontuação abaixo de 19, segundo a criadora da ELPO, classifica como pacientes com risco baixo para desenvolvimento de lesão por pressão (LPP) [13]. Enquanto 37,3% (114) obtiveram pontuações entre 19 e 25, quanto maior a pontuação maior o risco de desenvolvimento de LPP (Tabela I).

 

Tabela INúmero de pacientes distribuídos segundo a pontuação da ELPO. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2017

 

 

Verificou-se que 61,6% (186) da população em estudo receberam anestesia geral, enquanto apenas 7,2% receberam anestesia geral + regional que leva a maior pontuação na avaliação da ELPO. Passaram por cirurgias de 2 a 4 horas de duração 63,2% (193) pacientes e apenas 1,3% (4) ficaram mais de 6 horas em procedimento cirúrgico. A posição supina foi a mais escolhida nas cirurgias 82,2% (251) e apenas 8,2% (25) foram colocados na posição litotômica (tabela II).

 

Tabela IIPacientes distribuídos por tipo anestesia administrada, tempo e posicionamento cirúrgico segundo classificação da ELPO. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2017

 

Foram realizadas 930 avaliações em 305 pacientes, desses todos foram avaliados no período pré-operatório e na sala de recuperação pós-anestésica e os que permaneceram internados avaliados após 24 horas e após 48 horas da cirurgia. Nenhum deles apresentou nenhum tipo de lesão de pele. Após analisados alguns fatores que contribuíram para esse resultado positivo, constatou-se que o centro cirúrgico tem um arsenal de equipamentos preparados para prevenção de LPP, como colchões de visco elástico impermeável com a tecnologia “caixa de ovo”, coxins de silicone em vários formatos como o ‘pudim’ e os ‘rocamboles’, entre muitas outras tecnologias envolvendo o treinamento anual da equipe de enfermagem, elaboração e atualização de protocolos e rotinas sobre a prevenção de lesões de pele.

Como proposto, baseado na etapa do processo da aplicação da ELPO e depois da realização deste estudo, identificamos que existem algumas especialidades mais propensas a desenvolverem LPP, como, por exemplo, neurocirurgia, cardiologia e cirurgias do trato gastrointestinal, que são cirurgias longas com mais de 4 horas, urologia e ortopedia que além de serem longas tratam de muitos pacientes idosos como mostrado a seguir na figura 2.

 

 

Figura 2Média do score da ELPO por segundo especialidade cirúrgica. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2017

 

A partir disso foram definidas algumas prioridades das ações, sendo focadas nas especialidades que apresentaram maior risco para desenvolver lesões de pele e cirurgias com mais de duas horas de duração.

Após determinar as prioridades, foram propostas algumas ações de melhoria como treinamento da equipe focado na realização da ELPO antes do início da cirurgia para um melhor planejamento de posicionamento e dispositivos que devem ser utilizados, realização de um mini curso sobre lesões de pele para toda equipe de enfermagem mostrando os pontos mais importantes para prevenção de feridas, elaboração folhetos e cartazes educativos e palestras de conscientização para chamar atenção do profissional quanto à importância do posicionamento ideal e seguro.

Para finalizar, foi feita proposta para a coordenadora do bloco cirúrgico para iniciar a aplicação da ELPO em cirurgias de maior risco, como mostrado na tabela II, depois de seis meses expandir para todas as especialidades.

 

Discussão

 

Este estudo contém informações sobre a adesão a ELPO desenvolvida por uma enfermeira brasileira, assunto até então pouco explorado na literatura científica em geral, principalmente no contexto dos países em desenvolvimento. Proporcionou coleta de informações úteis para identificar possíveis falhas e viabilizar a incorporação dessa tecnologia para contribuir com a melhoria da segurança do paciente cirúrgico, já que no período estudado não houve lesão por pressão relacionada à cirurgia.  No hospital em estudo, a ELPO ainda não é uma rotina, porém esse estudo colaborou para mostrar a importância do monitoramento da prevenção de lesões de pele relacionada ao paciente cirúrgico e proporcionou informações importantes facilitando a adesão da ELPO.

Estudos descritos na literatura mencionam que a incidência de LPP em pacientes cirúrgicos submetidos a cirurgias com duração de mais de duas horas pode variar de 4,7% a 66%, sendo a maioria das LPP classificadas nos Estágios I e II [7,18,21]. No entanto, os resultados do presente estudo são divergentes em relação à incidência de LPP, porque não foi evidenciado desenvolvimento de lesão de pele em nenhum paciente.

Um estudo em um hospital universitário geral, de abrangência regional, onde são realizadas cirurgias de todos os níveis de complexidade, foi evidenciado o desenvolvimento de lesão por pressão de acordo com as especialidades médicas e os pacientes submetidos à neurocirurgia (35,1%) de uma amostra de 148 pacientes; as cirurgias do aparelho digestivo (21,7%) foram as que apresentaram maior ocorrência de lesões, seguidas de urologia e ortopedia [18], as mesmas especialidades que precisam de maior atenção achada neste estudo.

Em outro estudo em um hospital privado, geral, de grande porte, na cidade de São Paulo, onde são realizados todos os tipos de cirurgias, 199 pacientes foram avaliados e observou-se que 41 desenvolveram LPP. Do total, 44 pacientes submetidos a neurocirurgias, 36% deles apresentaram LPP. Quando comparadas às demais especialidades, as neurocirurgias mostraram maior proporção de pacientes com LPP [3,26]. O que comprova que as neurocirurgias merecem maior atenção quanto a prevenção de lesões de pele.

Enquanto em um estudo em bloco cirúrgico de um hospital governamental, de ensino, de grande porte que atende pacientes de alta complexidade de Minas Gerais observou-se que 37 de 50 (74 %) pacientes apresentaram lesões de pele ao término do procedimento cirúrgico, sendo todas classificadas em Estágio I, sendo predominantemente localizadas na região sacral. Em relação à utilização de protetores para o posicionamento cirúrgico, observou-se seu uso em apenas 2% dos casos avaliados [7,11,26], o que difere do atual estudo, no qual são utilizados protetores para o posicionamento em todas as cirurgias realizadas, independente do porte cirúrgico.

No que diz respeito às variáveis como sexo, idade, comorbidades, posicionamento, não se encontrou nenhuma associação estatisticamente significante com a ocorrência de LPP, embora todas essas variáveis sejam citadas na literatura como possíveis fatores de risco [8,12,18]. Esse resultado pode ser explicado pelo critério de divisão das especialidades, que serviu de parâmetro para associar as variáveis mencionadas. Assim, entende-se que a criação e o monitoramento desse indicador são imprescindíveis para contribuir com a segurança ao paciente cirúrgico.

Um dos fatores limitantes deste estudo foi relacionado ao monitoramento pós-operatório tardio por causa da falta de colaboração dos funcionários das alas de internação, o desconhecimento da importância desse instrumento e a dificuldade dos enfermeiros do centro cirúrgico assumirem a responsabilidade do monitoramento dos dois primeiros pós-operatórios de 24 e 48 horas devido a número restrito de funcionários e sobrecarga de trabalho. Contudo, este estudo contribui com um avanço na literatura expondo que a utilização de tecnologias leve, leve-dura e dura contribui para a segurança do paciente cirúrgico, diminuindo a incidência e até mesmo evitando desenvolvimento de lesão por pressão; uma vez que na literatura consultada, há poucos estudos sobre as estratégias de melhorias através da utilização dessas tecnologias.

 

Conclusão

 

Concluiu-se que independente da condição física do paciente e ambiente cirúrgico (porte cirúrgico, posicionamento, entre outros) que é exposto apresentam risco de desenvolvimento de lesão de pele. A maioria das especialidades estudadas no hospital em questão apresentam risco de desenvolvimento de lesão por pressão, porém, especialidades como neurologia, urologia, cardiologia e cirurgias do sistema gastrointestinal tem maior score da ELPO, cada uma com sua particularidade, então merecem maior atenção na questão de prevenção de lesões de pele. O estudo também mostra que a utilização de tecnologias leve, leve-dura e dura contribui para a segurança do paciente cirúrgico, diminuindo e até mesmo evitando o desenvolvimento de lesões.

 

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