OPINIÃO
Danos psíquicos durante
pandemia por COVID-19 no Brasil
Marco Orsini*, Jacqueline Stephanie Fernandes do Nascimento**,
Marco Antonio Alves Azizi**,
Carlos Henrique Melo Reis***, Nicolle dos Santos Moraes Nunes**, Janie Kelly Fernandes do Nascimento**, Julia Fernandes Eigenheer****, Adalgiza Mafra Moreno**, Mauricio de
Sant´Anna Jr *****, Marco Antonio Araújo Leite******,
Victor Hugo Bastos*******, Silmar Teixeira********, Acary Souza Bulle de
Oliveira*********, Cláudia Mendonça Cardoso**********
*Universidade de
Vassouras (USS), Departamento de Medicina, Serviço de Neurologia – Universidade
Federal Fluminense, **Universidade Iguaçu, Escola de Medicina, ***Universidade
Iguaçu, Escola de Medicina, Hospital Geral da Posse, Nova Iguaçu,
****Universidade Federal Fluminense, Departamento de Psiquiatria, *****Instituto
Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Fisioterapia, ******Serviço de
Neurologia, Universidade Federal Fluminense, *******Universidade Federal do
Delta do Parnaíba (UFDPAR), ********Universidade Federal do Delta do Parnaíba
(UFDPAR), *********Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Departamento de
Neurologia, **********Psicóloga, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Recebido em 27 de maio
de 2020; aceito em 17 de junho de 2020.
Correspondência: Jacqueline Stephanie
Fernandes do Nascimento, Departamento de Medicina da Universidade Iguaçu, Nova
Iguaçu, Rio de Janeiro, Brasil.
Marco Orsini: orsinimarco@hotmail.com
Jacqueline Stephanie
Fernandes do Nascimento: jac.fn@hotmail.com
Marco Antonio Alves Azizi:
marcoazizi@gmail.com
Carlos Henrique Melo
Reis: chmeloreis@hotmail.com
Nicolle dos Santos
Moraes Nunes: nicolle.nunes_@hotmail.com.br
Janie Kelly Fernandes do
Nascimento: janiekelly@hotmail.com
Julia Fernandes Eigenheer juliafe24@yahoo.com.br
Adalgiza Mafra Moreno
dalgizamafra@gmail.com
Mauricio
de Sant´Anna Jr: mauricio.junior@ifrj.edu.br
Marco Antonio Araújo Leite maaraujoleite@yahoo.com.br
Victor Hugo Bastos:
victorhugobastos@ufpi.edu.br
Silmar Teixeira:
silmar_teixeira@yahoo.com.br
Acary Souza Bulle de Oliveira: acary.bulle@unifesp.br
Cláudia Mendonça
Cardoso mendonçac@yahoo.com
Resumo
Introdução: Em 11 de março de
2020 a COVID-19 foi caracterizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como
uma pandemia atrelada a diversos transtornos psíquicos, relacionados à
impotência, ao medo, ao pânico e, principalmente, à falta de organização
política e de liderança. Métodos: A proposta do presente artigo foi, com
base na literatura vigente, atualizar e produzir discussões provocativas acerca
do atual contexto de pandemia. Para tal, foi realizada uma busca nas principais
bases de dados Lilacs, Bireme e Pubmed,
nos idiomas português e inglês, de artigos compreendidos no ano vigente. A
escolha ocorreu de forma aleatória, obviamente, seguindo uma linha de reflexão.
As palavras-chave pesquisadas foram: COVID-19, saúde mental, pandemia,
SARS-COVID-19, Brasil. Discussão: Além dos males à integridade física, a
COVID-19 também traz prejuízos desastrosos à saúde mental da população. O
isolamento social é a principal medida estabelecida até o momento para retardar
a propagação da COVID-19. Contudo, esse se relaciona à exacerbação de
distúrbios psiquiátricos pré-existentes e ao desenvolvimento de novos quadros,
sobretudo de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático (todos relacionados
ao aumento do risco de suicídio), além do aumento dos casos de violência
doméstica. Conclusão: O prévio controle e prevenção da COVID-19
comporta-se como fator de proteção ou “alentecimento”
contra problemas psicológicos de graus variados. Estudos evidenciaram que
investir em educação em saúde a fim de se otimizar o conhecimento da população,
no que se refere a COVID-19, auxilia no gerenciamento de comportamentos
“otimistas”.
Palavras-chave: saúde mental,
COVID-19, pandemia, Brasil.
Abstract
Psychological damage during the COVID-19 pandemic in Brazil
Introduction: On March 11, 2020, COVID-19 was characterized by the World Health
Organization (WHO) as a pandemic linked to several psychological disorders,
related to impotence, fear, panic and mainly the lack of political organization
and leadership. Methods: The proposal of this article will be, based on
the current literature, update and produce provocative discussions about the
current pandemic context. To this end, it was carried out a search in the main
databases Lilacs, Bireme and Pubmed in English and
Portuguese from articles of the current year. The choice was made at random,
obviously, following a line of reflection. The keywords searched were:
COVID-19, mental health, pandemic, SARS-COVID-19, Brazil. Discussion:
Besides the harm to physical integrity, COVID-19 also brings disastrous damage
to the mental health of the population. Social isolation is the main measure
used to date to delay the spread of COVID-19. However, this is a problem related
to the exacerbation of pre-existing psychiatric disorders and the development
of new conditions, mainly of depression, anxiety and post-traumatic stress (all
related to the increased risk of suicide), in addition to the increase in cases
of domestic violence. Conclusion: The previous control and prevention of
COVID-19 behaves as a protective factor or “retardation” against psychological
problems of varying degrees. Studies have shown that investing in health
education in order to optimize the knowledge of the population, about COVID-19,
helps in the management of “optimistic” behaviors.
Keywords: mental health, COVID-19, pandemic, Brazil.
Resumen
Daño psicológico durante la pandemia de COVID-19 en Brasil
Introducción: El 11 de marzo de 2020, COVID-19 se caracterizó
por la Organización Mundial
de la Salud (OMS) como una
pandemia vinculada a varios trastornos
psicológicos, relacionados con la
impotencia, el miedo, el pánico
y, principalmente, la falta de organización
política y social de liderazgo. Métodos: La propuesta del presente artículo, basada en la
literatura actual, actualizará
y producirá discusiones
provocativas sobre el contexto actual
de la pandemia. Con este fin, se realizó una búsqueda en las
principales bases de datos Lilacs, Bireme y Pubmed, en portugués e inglés, de artículos incluidos en el año
en curso. La elección se hizo al azar, obviamente, siguiendo
una línea de reflexión. Las
palabras clave buscadas fueron:
COVID-19, salud mental, pandemia, SARS-COVID-19,
Brasil. Discusión: Además
del daño físico, COVID-19 también trae daños
desastrosos a la salud
mental de la población. El aislamiento social es la
principal medida establecida hasta ahora para retrasar la propagación de COVID-19. Sin
embargo, esto está relacionado con
la exacerbación de trastornos psiquiátricos preexistentes y el desarrollo de nuevas afecciones, especialmente depresión, ansiedad y estrés postraumático (todo
relacionado con un mayor riesgo de suicidio), además del aumento de casos de violencia
doméstica. Conclusión: El control
previo y la prevención de COVID-19 se comporta como un
factor protector o
"estímulo" contra problemas psicológicos de diversos grados. Los estudios han demostrado que invertir en educación
sanitaria para optimizar el conocimiento de la población, con
respecto a COVID-19, ayuda en la gestión
de comportamientos "optimistas".
Palabras-clave: salud
mental, COVID-19, pandemia, Brasil.
Ao final de dezembro de
2019, a OMS foi alertada sobre inúmeros pacientes com pneumonia na cidade de
Wuhan, província de Hubei - República Popular da
China. O mundo estava diante de uma nova cepa de coronavírus,
essa ainda não identificada em seres humanos. Sete dias após tal sinalização, o
governo chinês confirmou a presença do vírus (SARS-COV-2). Um total de sete coronavírus humanos (HCoVs) já
foram isolados: HCoV-229E, HCoV-OC43, HCoV-NL63, HCoV-HKU1, SARS-COV (síndrome
respiratória aguda), MERS-COV (síndrome respiratória – Oriente Médio), sendo o
mais recente o SARS-CoV-2(COVID-19) [1].
Historicamente é a
sexta vez que a Saúde Pública sinaliza por Emergência Internacional. Os
episódios anteriores foram nos anos de 2009 (H1N1); 2014 (Poliovírus);
2014 (surto localizado de ebola na África Ocidental); 2016 (Zica vírus no
Brasil) e 2018 (novo surto de ebola no Congo (República Democrática [2]. Vale
frisar a proximidade cronológica desses eventos nos últimos anos.
Embora saibamos que
cerca de 80% dos combalidos se recuperam sem necessidade de internação, a outra
parcela necessita de cuidados hospitalares. Em nosso país, como em outros
locais do globo, a crença que os idosos eram o principal grupo de risco mudou.
Não seguimos o mesmo “modelo” de países Europeus e da China. Indivíduos com
comorbidades (hipertensão, obesidade, cardiopatias e lesões pulmonares
crônicas, diabetes ou câncer) têm maior risco de adoecerem. Torna-se imperioso
ressaltar que o quadro clínico provocado pelo SARS-CoV-2 não é exclusivamente
pulmonar – trata-se de uma doença inflamatória sistêmica [3]. Cabe mencionar
também a atuação de fatores sociais, econômicos, políticos, culturais e
educacionais preexistentes ao desenvolvimento da doença.
A eclosão de problemas
de saúde mental durante uma pandemia é esperada, contudo, até o presente
momento, esse tópico de estudo é escasso em nosso país por parte dos formadores
de opinião pública, governantes e pesquisadores. Sendo assim, torna-se
primordial essa discussão para auxiliarmo-nos no planejamento, desenvolvimento
e assistência à nossa população [4].
Além dos males à
integridade física, a COVID-19 também carreia prejuízos à saúde mental da
população. Após corroborar o modo de transmissibilidade pessoa-pessoa, em 20 de
janeiro, equipes médicas chinesas foram diagnosticadas como infectadas pelo
vírus com extrema facilidade e vulnerabilidade – sem um total conhecimento das
formas de contaminação [5,6].
Pouco ainda se sabe
sobre a COVID-19 (SARS-CoV-2), no entanto, a falta ou demora de assistência
médica pode resultar em altas taxas de óbito. Tal fato torna-se importante,
visto que sentimentos negativos exacerbados podem desencadear a eclosão de
sintomas não-orgânicos [7]. Isso ocorre, pois o perigo e ameaça de adoecimento
impactam diretamente na saúde mental. Pesquisas realizadas com estudantes
chineses evidenciaram manifestações psíquicas quanto à real eficiência das
providências governamentais de prevenção e controle da COVID-19, aos afazeres
diários nos estudos e, especialmente, à real ameaça à própria vida. Esse fato
totalizava 63% dos entrevistados e se tornou fator precipitante para
“somatização” de sintomas e de seus relevantes desdobramentos subjetivos na
mente de cada indivíduo. Diversos foram os problemas apresentados pelos
pacientes, no entanto, alguns similares aos da própria infecção por SARS-CoV-2,
como as manifestações gastrointestinais (diarreia, vômitos, náuseas), sendo
capazes de “simular” uma possível infecção, intensificando os problemas de
saúde mental [7,8].
No Brasil, assim como
em outros países do globo, o isolamento social é a principal medida
estabelecida visando retardar a propagação da COVID-19 (SARS-CoV-2). Em
contrapartida, o distanciamento está relacionado à exacerbação de distúrbios
psiquiátricos preexistentes e desenvolvimento de novos quadros, sobretudo de
depressão, ansiedade e estresse pós-traumático (todos relacionados ao aumento
do risco de suicídio) [9]. O desemprego e o nadir financeiro também são fatores
de risco bem reconhecidos como agravantes. Além disso, ocorreu um aumento da
violência doméstica e do consumo de álcool\drogas por parte da população. Vale
ressaltar que o impacto da pandemia sobre os pacientes com ideações suicidas
pode ser pior em situações de luto e em ambientes com recursos precários, onde
o ônus financeiro tende a ser agravado por medidas econômicas pífias de suporte
[9,10].
A violência familiar, a
qual a população está diariamente exposta, consiste em condutas ameaçadoras ou
atitudes agressivas no ciclo familiar, que podem ser físicas, econômicas,
psicológicas, além de abuso sexual de crianças, mulheres e agressões entre
parceiros [11-13]. Em virtude de as contenções efetuadas a fim de se promover o
isolamento social em todo o mundo, os indivíduos que sobrevivem em condições
voláteis de agressividade familiar estão restringidos às suas residências.
Embora necessário, o isolamento também exacerba a vulnerabilidade pessoal e
coletiva [12,13].
Um estudo realizado por
Campbell (2020) evidenciou que esse padrão ocorre de maneira repetida em
diversos lugares no mundo, como Estados Unidos, China, Austrália e Brasil.
Casos de violência familiar expandiram a partir da determinação de isolamento
social e quarentena [14].
Na ocasião em que a
Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou situação de pandemia, em 11 de
março, o Brasil já contava 52 casos confirmados [15,16]. Desde então, foram
divulgadas na mídia divergências entre os pronunciamentos do Presidente da
República e do Ministro da Saúde, tornando as condutas nacionais relacionadas
ao cenário pandêmico extremamente politizadas e ambivalentes. A instabilidade
governamental atual se tornou dissipadora do medo, da ansiedade, do descuido e
da normatização de ódio; influenciando não unicamente nas respostas emocionais
às condições atuais, mas também precipitando o agravamento das dificuldades
emocionais e das doenças psiquiátricas preexistentes [17,18].
Devido ao avanço
exponencial da doença, profissionais atuantes na linha de frente aumentaram
suas cargas de trabalho, contabilizando até 16 horas/dia, impossibilitando-os
de concluir um período de sono adequado [19].
Pesquisas anteriores
revelaram que, durante a epidemia da Síndrome respiratória aguda grave humana
(SARS), profissionais de saúde e sobreviventes foram combalidos por problemas
de saúde mental, demonstrando disfunções psicológicas como, por exemplo, o
estresse pós-traumático e os transtornos depressivos. Assim, fundamentados nas
experiências vivenciadas na SARS, acredita-se que quadros clínicos psicológicos
semelhantes já eclodem durante a pandemia de COVID-19 [20-22].
Uma pesquisa realizada
no Lancet Psychiatry demonstrou que os níveis
de depressão, ansiedade, insônia e sintomas de estresse, nas equipes médicas
atuantes no combate a epidemias eram 50,7%, 44,7%, 36,1% e 73,4%,
respectivamente. Outro estudo, realizado nas equipes médicas da cidade de
Wuhan, revelou que a intensidade do pânico e da ansiedade estavam associadas ao
estresse em curto prazo. Chama a atenção que os enfermeiros apresentavam mais
problemas de saúde mental quando comparados aos demais profissionais da saúde
[23].
A literatura sinaliza
que os profissionais de saúde, principalmente aqueles que atuam em unidades de
emergência (enfermarias de unidades de terapia intensiva), possuem maior
probabilidade de desenvolverem quadros psiquiátricos desfavoráveis,
especialmente quando associados à precariedade do sistema de saúde e das
condições de trabalho ofertadas. Apesar dos efeitos do SARS-CoV2 na saúde
mental ainda não terem sido estudados com minúcia, é necessário estarmos
“vigilantes” sobre o estado psicológico dos indivíduos no decorrer da pandemia
vigente. O profissional de saúde representa a primeira linha de defesa ao
enfrentamento da pandemia contra a COVID-19 e sua saúde mental não deve ser
negligenciada [24].
Mediações oportunas
como, por exemplo, suporte psicológico e médico específico são extremamente
importantes nesse caótico cenário. O controle da exposição às informações
midiáticas quanto a COVID-19, priorizando informações de cunho científico é
também um ponto nevrálgico. Tentativas de manter rotinas diárias de trabalho
além de horários regulares de sono e exercícios físicos fazem parte do contexto
de saúde mental [25].
O prévio controle e
prevenção da COVID-19 comporta-se como fator de proteção ou “alentecimento” contra problemas psicológicos de graus
variados. Estudos evidenciaram que investir em educação em saúde a fim de se
otimizar o conhecimento da população, no que se refere a COVID-19, auxilia no
gerenciamento de comportamentos “otimistas” [26,27]. Ademais, representantes
políticos devem arquitetar e fornecer políticas públicas de amparo e
assistência aos profissionais de saúde e a sua população como um todo,
resguardando o direito a vida, a fim de estabelecer
um ambiente favorável a construção de resiliência e de cooperação em um cenário
de pandemia [28] e de despertar um sentimento de confiança e segurança nas
instituições científicas e governamentais.