Enferm Bras 2021;20(4):452-64
ARTIGO
ORIGINAL
Conhecimento,
práticas e métodos para o alívio da sede no pós-operatório imediato entre
profissionais de enfermagem
Emanuela
Batista Ferreira e Pereira, D.Sc.*, Karina Nayara
Gomes de Oliveira**, Monick Rayanne
dos Santos***, Brenna Cavalcanti Maciel Modesto****, Claudinalle Farias Queiroz de Souza, D.Sc.*****,
Jael Maria de Aquino, D.Sc.******
*Enfermeira,
Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das
Graças/Universidade de Pernambuco (FENSG/UPE), Recife, PE, **Enfermeira pela
FENSG/UPE, Residente em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Integral
Professor Fernando Figueira (IMIP), Recife, PE, ***Enfermeira pela FENSG/UPE,
Enfermeira assistencial de UTI móvel da Safety Med,
Recife, PE, ****Enfermeira, Mestranda pelo Programa de Enfermagem UPE/UEPB
Recife, PE, *****Enfermeira, FENSG/UPE, Recife, PE, ******Enfermeira, Pós
Doutora, FENSG/UPE, Recife, PE
Recebido
em 10 de julho de 2020; aceito em 12 de junho de 2021.
Correspondência: Emanuela Batista Ferreira e Pereira,
Rua Dr. Otávio Coutinho, Santo Amaro, 52171-011 Recife PE
Emanuela Batista Ferreira e Pereira:
emanuela.pereira@upe.br
Karina Nayara Gomes de Oliveira: karina_nayara@hotmail.com
Monick Rayanne
dos Santos: monick.rayanne@hotmail.com
Brenna Cavalcanti Maciel
Modesto: modestobrenna@gmail.com
Claudinalle Farias Queiroz de
Souza: claudinalle.souza@upe.br
Jael Maria de Aquino: jael.aquino@upe.br
Resumo
Objetivo: Investigar o conhecimento, práticas e
métodos empregados pela equipe de enfermagem para o manejo da sede no
pós-operatório imediato. Métodos: Estudo descritivo, com abordagem
quantitativa, realizado com profissionais de enfermagem da Sala de Recuperação
Pós-Anestésica de dois hospitais da cidade do Recife/PE. Foi aplicado um
questionário composto por duas partes que permitiu coletar dados a respeito do
perfil sociodemográfico e sobre o manejo da sede no pós-operatório imediato. Resultados:
As estratégias para o manejo da sede mais utilizada foram o umedecimento dos
lábios do paciente e a oferta de pequena quantidade de líquido pela seringa.
Quanto ao volume de líquido a ser ofertado, 59,6% afirmaram que não deve ser
ofertado líquido e 67,3% que a diferença na temperatura do líquido ofertado não
interfere na saciedade do paciente. Conclusão: Constatou-se que existem
fragilidades nas práticas e conhecimentos relativos ao manejo da sede dos
pacientes assistidos pela equipe de enfermagem no pós-operatório imediato.
Palavras-chave: enfermagem perioperatória;
profissionais de enfermagem; sala de recuperação; sede.
Abstract
Knowledge of the nursing team about
the thirst management in the immediate postoperative
Objective: To investigate the knowledge,
practices and methods used by the nursing team to manage thirst in the
immediate postoperative period. Methods: A descriptive study, with a
quantitative approach, carried out with nursing professionals from the
Post-Anesthetic Recovery Room of two hospitals in the city of Recife/PE. A
questionnaire composed of two parts was applied that allowed to collect data on
the sociodemographic profile and on thirst management in the immediate
postoperative period. Results: The most used strategies for managing thirst
were moistening the patient's lips and offering a small amount of liquid
through the syringe. As for the volume of liquid to be offered, 59.6% stated
that liquid should not be offered and 67.3% that the difference in the
temperature of the liquid offered does not interfere with the patient's
satiety. Conclusion: It was found that there are weaknesses in the
practices and knowledge related to the management of the thirst of patients
assisted by the nursing team in the immediate postoperative period.
Keywords: perioperative nursing; nurse
practitioners; recovery room; thirst.
Resumen
Conocimiento del equipo de
enfermería acerca de la gestión de la sede en el posoperatorio
inmediato
Objetivo: Investigar el
conocimiento, las prácticas y los métodos utilizados
por el equipo de enfermería
para controlar la sed en el postoperatorio
inmediato. Métodos: Estudio
descriptivo, con enfoque cuantitativo, realizado con profesionales de enfermería de la Sala de Recuperación Post-Anestésica de dos hospitales
de la ciudad de Recife/PE.
Se aplicó un cuestionario compuesto por dos partes que permitió recoger datos sobre el perfil sociodemográfico y sobre el
manejo de la sed en el postoperatorio
inmediato. Resultados: Las
estrategias más utilizadas para controlar la sed fueron
humedecer los labios del paciente y ofrecer una pequeña cantidad de líquido a
través de la jeringa. En cuanto al volumen
de líquido que se ofrecerá, el
59.6% declaró que no se debería ofrecer líquido y el 67.3% que la diferencia en la temperatura del líquido ofrecido no interfiere con la saciedad del
paciente. Conclusión: Se encontró
que existen debilidades en las prácticas y el conocimiento relacionado con el manejo de la sed de pacientes atendidos por
el equipo de enfermería en el postoperatorio
inmediato.
Palabras-clave: enfermería perioperatoria; enfermeras practicantes; sala de recuperación;
sed.
O período pós-operatório imediato (POI) compreende um
momento destinado à recuperação do paciente e a prevenção de possíveis
complicações pós-operatórias. Trata-se de uma etapa crítica, que requer atenção
e vigilância por parte dos profissionais, em virtude das intercorrências
decorrentes das drogas anestésicas sobre o sistema nervoso e até mesmo
complicações associadas ao ato cirúrgico [1]. Uma das particularidades que
demandam cuidado nos pacientes cirúrgicos é a regulação de processos
metabólicos controlados pelo hipotálamo, tais como: controle da temperatura, da
fome, dos ciclos circadianos e especialmente da sede [2].
Independentemente do tempo, a cirurgia tem por complicação
a alteração da homeostase do organismo, do equilíbrio hidroeletrolítico, dos
sinais vitais e da temperatura corpórea [3]. Nessa perspectiva, o paciente
cirúrgico pertence a um grupo com potencial de desenvolver a sede no período
pós-operatório imediato. Tal fato pode ser influenciado por inúmeros fatores
que intensificam a ocorrência da sede [2].
E entre os quais se destacam: o
jejum pré-operatório, medicações do
processo anestésico-cirúrgico, intubação
orotraqueal e perda sanguínea no intraoperatório [4].
A sede é definida como um conjunto de sensações que
aumentam com a ausência de componentes hidroeletrolíticos e diminuem com sua
reposição, que resultam da interação do sistema fisiológico e influências
comportamentais [5]. No perioperatório é um sinal e sintoma de desequilíbrio e
desconforto intenso que deve ser valorizado e atendido pela equipe de
enfermagem. No entanto, suas repercussões para o paciente são pouco
questionadas e refletidas pelos profissionais que compõe a equipe que assiste a
esses pacientes [6].
Estudos sobre as estratégias de manejo da sede ao paciente
no POI evidenciam que a prevalência da sede é alta, interferindo na recuperação
pós-anestésica e que sua intensidade representa distresse
e sentimentos como ansiedade, irritabilidade, desespero e pensamentos de morte.
Ainda que a sede venha sendo objeto de estudo, existem lacunas que possibilitam
sua identificação e mensuração, bem como medidas de alívio na prática clínica
[7,8,9].
É recomendado que a assistência ao paciente em POI seja
realizado na Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA), e exige atenção da
equipe multidisciplinar, pois o paciente pode apresentar alterações
fisiológicas. Assim, o planejamento dos cuidados de enfermagem deve ocorrer até
o retorno da consciência e da homeostase, necessitando monitorização constante
e prevenção de complicações [10].
Para o manejo da sede, é possível observar as condutas
estabelecidas pelas equipes multiprofissionais. Pesquisa sobre a percepção do
anestesiologista a respeito da identificação e manejo da sede no POI
identificou que a sede é vista por aqueles profissionais como um desconforto
secundário, sendo identificado em sua grande maioria pela queixa verbal do
paciente [7].
A continuidade do cuidado ao paciente no POI é
responsabilidade da equipe de enfermagem, que o assiste de maneira integral,
com periodicidade que configura cuidado semi-intensivo, sendo o enfermeiro o
principal responsável pela organização e execução da Sistematização da
Assistência de Enfermagem. E quando há detecção de sinais adversos e
complicações comuns no POI, a equipe de enfermagem é fundamental para a
comunicação assertiva dos problemas potenciais, solicitando aos outros membros
da equipe multiprofissional a avaliação e conduta para o sintoma ou para a
complicação observada [6].
Há relatos de casos em que a equipe de enfermagem
simplesmente ignora a solicitação de água ou informa ao paciente que ele deve
manter o jejum. Tais questões contradizem esforços que enfatizam a importância
da assistência de enfermagem baseada na promoção da saúde e no cuidado
humanizado, na qual deve prevalecer a comunicação entre paciente-equipe com o
propósito de amenizar angústias, medos e inseguranças vivenciados por cada paciente
[6].
As diversas lacunas ainda existentes com relação à
abordagem do manejo da sede pela equipe justificam a necessidade de identificar
as condutas dos profissionais de enfermagem a respeito deste tema. Tendo em
vista essas implicações, o presente estudo teve o objetivo de investigar o
conhecimento da equipe de enfermagem sobre o manejo da sede no pós-operatório
imediato.
Estudo transversal, descritivo, com abordagem quantitativa
desenvolvido nas Salas de Recuperação Pós-anestésica (SRPA) de dois hospitais
públicos localizados na cidade do Recife/PE. As SRPA estão distribuídas em
instituições hospitalares de referência, o primeiro presta atendimento as
neurocirurgias, cirurgias geral, ortopédica e vascular e o segundo atende as cirurgias
bariátrica, oncológica e urológica.
A população do estudo foi de profissionais de enfermagem
atuantes na SRPA e a amostra foi do tipo não probabilística, por adesão.
Participaram do estudo 52 profissionais de enfermagem, atuantes nos turnos
diurnos e noturnos na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) no período de
abril e maio de 2016 e que, consequentemente, receberam informações a respeito
do objeto a ser pesquisado, da influência de sua participação e dos
riscos/benefícios do estudo, bem como concordaram previamente em colaborar com
a pesquisa mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE).
Os critérios utilizados para a inclusão dos participantes
foram: enfermeiros e técnicos de enfermagem em efetivo exercício na SRPA
atuantes no serviço há mais de três meses, o mesmo indicador utilizado pelos
serviços para avaliação de desempenho e adaptação às normas institucionais. Os
critérios de exclusão adotados foram: profissionais que estivessem afastados do
serviço por motivos como licença médica, licença prêmio, e outras licenças
previstas por lei; ou profissionais que por algum motivo não constituíam o
quadro fixo de funcionários da SRPA.
Utilizou-se como instrumento de coleta de dados um
formulário semiestruturado composto de duas sessões, elaborado pelos autores,
baseado em um estudo sobre as estratégias para o gerenciamento da sede na SRPA
[8].
A primeira sessão do formulário propôs-se a
caracterizar o perfil
sociodemográfico da amostra e compreendia 7 questões
objetivas: sexo, idade,
formação, tempo de formação, tempo de
atuação profissional, especialização e o
tempo de atuação em SRPA. A segunda sessão teve a
finalidade de investigar o
conhecimento dos enfermeiros sobre sede e era composta de
questões mistas sobre:
forma de identificação da sede, sinais e sintomas da
sede, critérios de
segurança para manejo da sede e riscos relativos ao manejo da
sede e principais
estratégias de manejo da sede.
Os dados foram tabulados no programa Excel@, e para
obtenção dos cálculos estatísticos foi utilizado o programa Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS) na versão 23. Dessa forma, os dados
foram analisados descritivamente através de distribuições absolutas e
percentuais para as variáveis categóricas e quantitativas.
O estudo foi realizado em acordo com a Resolução 466/12 que
aborda as pesquisas envolvendo seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de
Ética e Pesquisa da Fundação Universidade de Pernambuco, sob parecer 1.525.881.
Cada participante do estudo foi devidamente esclarecido quanto à pesquisa e foi
realizada a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o
qual foi assinado pelo participante e pelo pesquisador após o seu consentimento
em participar da pesquisa.
A amostra, deste estudo, foi composta por 52 profissionais
da equipe de enfermagem, atuantes em Salas de Recuperação Anestésica (SRPA), de
dois hospitais diferentes, situados na cidade do Recife em Pernambuco. Destes
profissionais, 19% (10) eram enfermeiros e 81% (42) técnicos de enfermagem. A
maioria dos participantes era do sexo feminino (86,5%).
No que se refere ao tempo de formação acadêmica,
observou-se um percentual de 42% (22) dos profissionais com mais de 20 anos de
formação. Ainda, foi possível observar que 40% (21) possuíam mais de 20 anos de
atividade profissional. Em relação ao tempo de serviço na SRPA, verificou-se
que 52% (27) encontravam-se com menos de 10 anos de exercício profissional,
seguindo de 48% dos profissionais com mais 10 anos de atuação.
A tabela I demonstra a capacidade de identificação da sede
não verbal e os sinais e sintomas da sede no pós-operatório imediato pelos 52
participantes do estudo. 92,3 % (48) afirmaram que é possível a identificação
da expressão de sede independente da comunicação verbal do paciente. Entre os
sinais e sintomas identificados no paciente com sede, os mais citados foram:
90,4 % (47) lábios secos e 44,2% (23) boca seca.
Tabela
I – Práticas
relativas à identificação da sede e sinais e sintomas da sede no pós-operatório
imediato pela equipe de enfermagem, Pernambuco, Brasil, 2016
(1) Considerando que um mesmo pesquisado poderia citar mais
de uma alternativa a soma das frequências não representa o total (N = 52
pesquisados e 100,0%)
A tabela II apresenta os critérios de segurança avaliados
para a administração de um método de alívio da sede e os riscos provenientes do
manejo da mesma pela equipe de enfermagem. O nível de consciência foi o
critério citado por 84,6% (44) dos profissionais de enfermagem, seguido da
permeabilidade de vias aéreas com 38,5% (20) das respostas, náusea e vômito com
34,6% (18). No que diz respeito aos riscos do manejo da sede com a ingestão de
líquidos, os mais citados foram: broncoaspiração e
náusea ou vômito, ambos com 76,9% (40) das respostas.
Tabela
II – Critérios de
segurança para aplicação de método de alívio da sede e riscos do manejo da sede
no pós-operatório imediato segundo equipe de enfermagem, Pernambuco, Brasil,
2016
(1) Considerando que um mesmo pesquisado
poderia citar mais de uma alternativa a soma das frequências não representam o
total (N = 52 pesquisados e 100,0%). SaO2 = saturação de oxigênio
por oximetria de pulso. SpO2 = saturação parcial de oxigênio por
gasometria arterial
A estratégia para manejo da sede mais utilizada pelos
profissionais da equipe de enfermagem foi: 96,2% (50) umedecer os lábios, 32,7%
(17) ofertar pequeno volume de líquido em seringa. 59,6% (31) afirmaram que não
deve ser oferecido nenhum volume de líquido, 19,2% (10) afirmaram a oferta
entre 10 a 20 ml de líquido. 67,3% afirmaram não
perceber diferença na resposta da saciedade da sede dos pacientes de acordo com
a temperatura do líquido ofertado, conforme mostra a Tabela III.
Tabela
III – Práticas e
estratégias relativas ao manejo da sede no pós-operatório imediato, Pernambuco,
Brasil, 2016
(1) Considerando que um mesmo pesquisado poderia citar mais
de uma alternativa a soma das frequências não representam o total (N = 52
pesquisados e 100,0%)
A Sala de Recuperação pós-anestésica (SRPA) é unidade de
atendimento especializado aos pacientes submetidos aos procedimentos
anestésicos-cirúrgicos. Este período de recuperação compreende uma assistência
de uma equipe multiprofissional atenta às necessidades demandadas pela
vigilância contínua dos sistemas respiratório, circulatório, gastrointestinal,
neurológico e urológico [1,10].
As alterações fisiológicas no pós-operatório imediato
exigem da equipe de saúde, particularmente da equipe de enfermagem, planejar
cuidados específicos e ações voltadas para à prevenção e tratamento de
complicações decorrentes do ato anestésico-cirúrgico. Para tanto, a observação
das funções orgânicas contribui para a construção do conhecimento qualificado e
práticas clínicas baseada em evidências [10,11].
Para reduzir a incidência de complicações associadas à
anestesia ou ao trauma cirúrgico e inclusive a prevenção de eventos adversos, é
importante a atuação de enfermeiros na SRPA com raciocínio clínico reflexivo e
crítico objetivando a segurança, o conforto e a singularidade de cada indivíduo,
assim como a identificação dos riscos aos quais os pacientes estão vulneráveis
[12].
Assim, o conhecimento prévio da enfermagem sobre a
identificação precoce das complicações e a implantação de medidas preventivas
corroboram a importância de intervenções de enfermagem que promovam recuperação
plena e imediata do paciente cirúrgico [10].
Nessa perspectiva, a identificação da sede e dos sinais e
sintomas da sede é uma competência e habilidade que promove segurança e
conforto ao paciente cirúrgico. A Teoria de Manejo de Sintomas define sintoma
como uma experiência subjetiva que reflete alterações no funcionamento
biofísico, nas sensações ou na cognição de um indivíduo. O modelo tem como
premissa principal a percepção do indivíduo que experimenta o sintoma e o seu
autorrelato e destaca aspectos culturais, ambientais e de saúde/doença que
interferem na verbalização do sintoma, ressaltando a necessidade de detectá-lo
precocemente em específicos grupos de risco [6].
Para a Teoria de Manejo de Sintomas, a sede é percebida e
experimentada por meio de repercussões físico emocionais, refletindo em
sentimentos como angústia, medo e impotência diante do sintoma [13]. No
contexto da SRPA, o paciente se encontra em um período crítico que requer
atenção aos sinais e sintomas de maior incidência incluindo o monitoramento de
sua evolução [14].
O alto risco de desenvolvimento do sintoma sede pelo
paciente cirúrgico é corroborado por fatores como jejum pré-operatório
prolongado, perdas sanguíneas, intubação orotraqueal e fármacos administrados
no ato anestésico cirúrgico [4,6]. A vivência da sede é relatada como
experiência subjetiva, o que interfere na sua valorização, identificação e
mensuração [4,15].
Para promover avaliação fidedigna do sintoma sede no
paciente cirúrgico, foi desenvolvida e validada uma escala para avaliação do
desconforto da sede perioperatória. A aplicação da Escala de Desconforto da
Sede Perioperatória (EDESP) busca compreender a magnitude deste desconforto e
avaliar as diferenças individuais de percepção da sede, pois diferencia a
intensidade do desconforto por intermédio de sete atributos: boca seca, lábios
ressecados, língua grossa, saliva grossa, garganta seca, gosto ruim e vontade
de beber água [16].
Sintomas desconfortáveis precisam ser identificados,
avaliados e conduzidos. O conhecimento dos atributos da sede faz diferença para
uma assistência de enfermagem especializada, proporcionando ao paciente
segurança e confiança na equipe que o está assistindo [6].
A escala de Aldrete e Kroulik é um instrumento utilizado na SRPA que, apesar de
não avaliar o sintoma sede, avalia as condições de estabilidade do paciente
submetido ao ato anestésico cirúrgico [2]. Critérios como nível de consciência,
permeabilidade de vias aéreas, saturação de oxigênio e presença de náuseas e
vômitos são os itens que na presença de sede devem compor a avaliação clínica
proposta pelo Protocolo de Segurança de Manejo da Sede (PSMS) e posterior
administração do método de alívio da sede [17].
A aplicação do método de alívio da sede no pós-operatório
imediato é influenciada pela forma como cada profissional realiza sua avaliação
clínica para identificar e perceber a sede, considerando os diversos métodos
para alívio da sede [18]. Estudos destacam as várias estratégias utilizadas
pela equipe de enfermagem para o manejo da sede como umedecer os lábios do
paciente com algodão ou gaze embebido em água, gargarejo com água fria, oferta
de pequenos volumes de líquidos na seringa ou em lascas de gelo ou picolés de
gelo mentolado [15,17,18,19].
Estratégias como a prática de umidificar cavidade oral com
algodão embebido em água sob temperatura ambiente estimulam o paciente a querer
mais água e não é o suficiente para saciar sua sede, além do relato de que o
algodão molhado desperta uma sensação desagradável devido ao contato com sua
textura [9,17].
Entretanto, a quantidade de oferta de líquidos aos
pacientes no pós-operatório imediato é um critério observado pela equipe de
enfermagem. A abordagem é conservadora, pois a manutenção em jejum absoluto é
uma prática ainda constante pelo receio de complicações, como a aspiração
pulmonar [20].
Uma das formas de minimizar o risco da aspiração pulmonar é
promover uma avaliação individual para a administração do método de alívio da
sede do paciente por meio da aplicação do PSMS e dos procedimentos técnicos
previstos pelo protocolo que prevê o julgamento de itens como capacidade de
tossir, uso de músculos abdominais e torácicos, capacidade de deglutição e
elevação de laringe durante a deglutição, presença de náuseas e vômitos [17].
A manutenção do jejum absoluto nas fases pré e pós-operatórias por um período prolongado ainda é uma
prática recorrente. O prolongamento do jejum nos pacientes cirúrgicos acentua
os sintomas da sede e eleva riscos como o da própria broncoaspiração,
devido à elevação da produção de suco gástrico e redução do pH [18].
O conhecimento da equipe de enfermagem sobre o sintoma sede
e a aplicação de estratégias de alívio da sede é uma lacuna. Observa-se que
este desconforto é por vezes ignorado pela equipe de enfermagem, e que esta
apresenta dificuldades para tomada de decisão assertivas para o manejo da sede,
seja por características singulares dos pacientes na vivência da sede
perioperatória seja pela própria subjetividade da sede e os resultados ainda
incipientes das evidências provenientes das intervenções propostas em ensaios
clínicos [15,19].
Entre as intervenções de manejo da sede propostas,
destacam-se a administração de água gelada ou a oferta de pequenos pedaços de
gelo ao paciente, que pode provocar a saciedade da sede antes mesmo da sua
efetiva absorção pelo corpo, pois por estar em baixa temperatura, a água já
produz mudanças que antecedem a osmolaridade e as alterações dos fluídos extracelulares
[17].
Os resultados de um ensaio clínico randomizado apresentam a
eficácia do gelo em comparação com a água em temperatura ambiente no alívio da
sede no POI. Evidenciou que os líquidos frios reduzem a sede com mais eficácia
que os quentes ou mornos, pois a boca e o esôfago possuem osmorreceptores
que respondem a diferentes estímulos de temperatura. Portanto, os receptores
orais ao serem estimulados ao frio saciam a sede, diminuindo a necessidade da
ingesta de grandes volumes de líquidos, evitando assim o desconforto da boca
seca e os riscos de broncoaspiração [19].
Para amenizar a sede do paciente no POI o enfermeiro tem
papel fundamental na gestão do cuidado e na segurança do paciente [13].
Valorizar o sintoma, compreender a fisiologia e identificar as estratégias de
manejo da sede representam ações importantes da equipe de enfermagem e
influenciam na percepção e avaliação desta equipe quanto as culturas
institucionais que transmitem a rotina de manutenção absoluta do jejum e de
forma indiscriminada, sem possibilidade de quebra sob nenhuma hipótese [15].
Assim a utilização de estratégias para manejo da sede é
imprescindível para identificar a expressão de sede do paciente, seja pelo
autorrelato ou pelos atributos do sintoma, o que contribui para selecionar e
enumerar os possíveis métodos para alívio do desconforto.
A escassez de pesquisas sobre o conhecimento de
profissionais de saúde sobre a identificação, avaliação e administração do
método de alívio do sintoma sede constituiu-se como fator limitante da
pesquisa. Atenção especial deve ser dispensada para corpo de conhecimento
insuficiente sobre sua mensuração e utilização de estratégias com eficácia
comprovada para manejo da sede na prática clínica de enfermeiros.
Os resultados deste estudo mostraram a presença de
fragilidades quanto ao conhecimento e práticas relativas ao manejo da sede por
parte dos profissionais de enfermagem do pós-operatório imediato. A
identificação da sede e os sinais e sintomas mais prevalentes do desconforto
são descritos pela equipe de enfermagem, no entanto, práticas empíricas como
umedecer os lábios com algodão embebido em água e o jejum absoluto continuam
sendo utilizadas para o manejo da sede.
As estratégias como lascas de gelos ou oferta de água fria,
evidenciadas por estudos recentes para o manejo efetivo da sede ainda são
subutilizadas pelos profissionais de enfermagem. Portanto, os métodos para
alívio da sede devem estar associados a uma avaliação clínica segura, que direcione
a equipe de enfermagem, para a execução de práticas baseadas em evidências.