Enferm Bras 2021;20(4):452-64

Doi: 10.33233/eb.v20i4.4259

ARTIGO ORIGINAL

Conhecimento, práticas e métodos para o alívio da sede no pós-operatório imediato entre profissionais de enfermagem

 

Emanuela Batista Ferreira e Pereira, D.Sc.*, Karina Nayara Gomes de Oliveira**, Monick Rayanne dos Santos***, Brenna Cavalcanti Maciel Modesto****, Claudinalle Farias Queiroz de Souza, D.Sc.*****, Jael Maria de Aquino, D.Sc.******

 

*Enfermeira, Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças/Universidade de Pernambuco (FENSG/UPE), Recife, PE, **Enfermeira pela FENSG/UPE, Residente em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), Recife, PE, ***Enfermeira pela FENSG/UPE, Enfermeira assistencial de UTI móvel da Safety Med, Recife, PE, ****Enfermeira, Mestranda pelo Programa de Enfermagem UPE/UEPB Recife, PE, *****Enfermeira, FENSG/UPE, Recife, PE, ******Enfermeira, Pós Doutora, FENSG/UPE, Recife, PE

 

Recebido em 10 de julho de 2020; aceito em 12 de junho de 2021.

Correspondência: Emanuela Batista Ferreira e Pereira, Rua Dr. Otávio Coutinho, Santo Amaro, 52171-011 Recife PE

 

Emanuela Batista Ferreira e Pereira: emanuela.pereira@upe.br  

Karina Nayara Gomes de Oliveira: karina_nayara@hotmail.com  

Monick Rayanne dos Santos: monick.rayanne@hotmail.com  

Brenna Cavalcanti Maciel Modesto: modestobrenna@gmail.com  

Claudinalle Farias Queiroz de Souza: claudinalle.souza@upe.br  

Jael Maria de Aquino: jael.aquino@upe.br  

 

Resumo

Objetivo: Investigar o conhecimento, práticas e métodos empregados pela equipe de enfermagem para o manejo da sede no pós-operatório imediato. Métodos: Estudo descritivo, com abordagem quantitativa, realizado com profissionais de enfermagem da Sala de Recuperação Pós-Anestésica de dois hospitais da cidade do Recife/PE. Foi aplicado um questionário composto por duas partes que permitiu coletar dados a respeito do perfil sociodemográfico e sobre o manejo da sede no pós-operatório imediato. Resultados: As estratégias para o manejo da sede mais utilizada foram o umedecimento dos lábios do paciente e a oferta de pequena quantidade de líquido pela seringa. Quanto ao volume de líquido a ser ofertado, 59,6% afirmaram que não deve ser ofertado líquido e 67,3% que a diferença na temperatura do líquido ofertado não interfere na saciedade do paciente. Conclusão: Constatou-se que existem fragilidades nas práticas e conhecimentos relativos ao manejo da sede dos pacientes assistidos pela equipe de enfermagem no pós-operatório imediato.

Palavras-chave: enfermagem perioperatória; profissionais de enfermagem; sala de recuperação; sede.

 

Abstract

Knowledge of the nursing team about the thirst management in the immediate postoperative

Objective: To investigate the knowledge, practices and methods used by the nursing team to manage thirst in the immediate postoperative period. Methods: A descriptive study, with a quantitative approach, carried out with nursing professionals from the Post-Anesthetic Recovery Room of two hospitals in the city of Recife/PE. A questionnaire composed of two parts was applied that allowed to collect data on the sociodemographic profile and on thirst management in the immediate postoperative period. Results: The most used strategies for managing thirst were moistening the patient's lips and offering a small amount of liquid through the syringe. As for the volume of liquid to be offered, 59.6% stated that liquid should not be offered and 67.3% that the difference in the temperature of the liquid offered does not interfere with the patient's satiety. Conclusion: It was found that there are weaknesses in the practices and knowledge related to the management of the thirst of patients assisted by the nursing team in the immediate postoperative period.

Keywords: perioperative nursing; nurse practitioners; recovery room; thirst.

 

Resumen

Conocimiento del equipo de enfermería acerca de la gestión de la sede en el posoperatorio inmediato

Objetivo: Investigar el conocimiento, las prácticas y los métodos utilizados por el equipo de enfermería para controlar la sed en el postoperatorio inmediato. Métodos: Estudio descriptivo, con enfoque cuantitativo, realizado con profesionales de enfermería de la Sala de Recuperación Post-Anestésica de dos hospitales de la ciudad de Recife/PE. Se aplicó un cuestionario compuesto por dos partes que permitió recoger datos sobre el perfil sociodemográfico y sobre el manejo de la sed en el postoperatorio inmediato. Resultados: Las estrategias más utilizadas para controlar la sed fueron humedecer los labios del paciente y ofrecer una pequeña cantidad de líquido a través de la jeringa. En cuanto al volumen de líquido que se ofrecerá, el 59.6% declaró que no se debería ofrecer líquido y el 67.3% que la diferencia en la temperatura del líquido ofrecido no interfiere con la saciedad del paciente. Conclusión: Se encontró que existen debilidades en las prácticas y el conocimiento relacionado con el manejo de la sed de pacientes atendidos por el equipo de enfermería en el postoperatorio inmediato.

Palabras-clave: enfermería perioperatoria; enfermeras practicantes; sala de recuperación; sed.

 

Introdução

 

O período pós-operatório imediato (POI) compreende um momento destinado à recuperação do paciente e a prevenção de possíveis complicações pós-operatórias. Trata-se de uma etapa crítica, que requer atenção e vigilância por parte dos profissionais, em virtude das intercorrências decorrentes das drogas anestésicas sobre o sistema nervoso e até mesmo complicações associadas ao ato cirúrgico [1]. Uma das particularidades que demandam cuidado nos pacientes cirúrgicos é a regulação de processos metabólicos controlados pelo hipotálamo, tais como: controle da temperatura, da fome, dos ciclos circadianos e especialmente da sede [2].

Independentemente do tempo, a cirurgia tem por complicação a alteração da homeostase do organismo, do equilíbrio hidroeletrolítico, dos sinais vitais e da temperatura corpórea [3]. Nessa perspectiva, o paciente cirúrgico pertence a um grupo com potencial de desenvolver a sede no período pós-operatório imediato. Tal fato pode ser influenciado por inúmeros fatores que intensificam a ocorrência da sede [2]. E entre os quais se destacam: o jejum pré-operatório, medicações do processo anestésico-cirúrgico, intubação orotraqueal e perda sanguínea no intraoperatório [4].

A sede é definida como um conjunto de sensações que aumentam com a ausência de componentes hidroeletrolíticos e diminuem com sua reposição, que resultam da interação do sistema fisiológico e influências comportamentais [5]. No perioperatório é um sinal e sintoma de desequilíbrio e desconforto intenso que deve ser valorizado e atendido pela equipe de enfermagem. No entanto, suas repercussões para o paciente são pouco questionadas e refletidas pelos profissionais que compõe a equipe que assiste a esses pacientes [6].

Estudos sobre as estratégias de manejo da sede ao paciente no POI evidenciam que a prevalência da sede é alta, interferindo na recuperação pós-anestésica e que sua intensidade representa distresse e sentimentos como ansiedade, irritabilidade, desespero e pensamentos de morte. Ainda que a sede venha sendo objeto de estudo, existem lacunas que possibilitam sua identificação e mensuração, bem como medidas de alívio na prática clínica [7,8,9].

É recomendado que a assistência ao paciente em POI seja realizado na Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA), e exige atenção da equipe multidisciplinar, pois o paciente pode apresentar alterações fisiológicas. Assim, o planejamento dos cuidados de enfermagem deve ocorrer até o retorno da consciência e da homeostase, necessitando monitorização constante e prevenção de complicações [10].

Para o manejo da sede, é possível observar as condutas estabelecidas pelas equipes multiprofissionais. Pesquisa sobre a percepção do anestesiologista a respeito da identificação e manejo da sede no POI identificou que a sede é vista por aqueles profissionais como um desconforto secundário, sendo identificado em sua grande maioria pela queixa verbal do paciente [7].

A continuidade do cuidado ao paciente no POI é responsabilidade da equipe de enfermagem, que o assiste de maneira integral, com periodicidade que configura cuidado semi-intensivo, sendo o enfermeiro o principal responsável pela organização e execução da Sistematização da Assistência de Enfermagem. E quando há detecção de sinais adversos e complicações comuns no POI, a equipe de enfermagem é fundamental para a comunicação assertiva dos problemas potenciais, solicitando aos outros membros da equipe multiprofissional a avaliação e conduta para o sintoma ou para a complicação observada [6].

Há relatos de casos em que a equipe de enfermagem simplesmente ignora a solicitação de água ou informa ao paciente que ele deve manter o jejum. Tais questões contradizem esforços que enfatizam a importância da assistência de enfermagem baseada na promoção da saúde e no cuidado humanizado, na qual deve prevalecer a comunicação entre paciente-equipe com o propósito de amenizar angústias, medos e inseguranças vivenciados por cada paciente [6].

As diversas lacunas ainda existentes com relação à abordagem do manejo da sede pela equipe justificam a necessidade de identificar as condutas dos profissionais de enfermagem a respeito deste tema. Tendo em vista essas implicações, o presente estudo teve o objetivo de investigar o conhecimento da equipe de enfermagem sobre o manejo da sede no pós-operatório imediato.

 

Material e métodos

 

Estudo transversal, descritivo, com abordagem quantitativa desenvolvido nas Salas de Recuperação Pós-anestésica (SRPA) de dois hospitais públicos localizados na cidade do Recife/PE. As SRPA estão distribuídas em instituições hospitalares de referência, o primeiro presta atendimento as neurocirurgias, cirurgias geral, ortopédica e vascular e o segundo atende as cirurgias bariátrica, oncológica e urológica.

A população do estudo foi de profissionais de enfermagem atuantes na SRPA e a amostra foi do tipo não probabilística, por adesão. Participaram do estudo 52 profissionais de enfermagem, atuantes nos turnos diurnos e noturnos na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) no período de abril e maio de 2016 e que, consequentemente, receberam informações a respeito do objeto a ser pesquisado, da influência de sua participação e dos riscos/benefícios do estudo, bem como concordaram previamente em colaborar com a pesquisa mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os critérios utilizados para a inclusão dos participantes foram: enfermeiros e técnicos de enfermagem em efetivo exercício na SRPA atuantes no serviço há mais de três meses, o mesmo indicador utilizado pelos serviços para avaliação de desempenho e adaptação às normas institucionais. Os critérios de exclusão adotados foram: profissionais que estivessem afastados do serviço por motivos como licença médica, licença prêmio, e outras licenças previstas por lei; ou profissionais que por algum motivo não constituíam o quadro fixo de funcionários da SRPA.

Utilizou-se como instrumento de coleta de dados um formulário semiestruturado composto de duas sessões, elaborado pelos autores, baseado em um estudo sobre as estratégias para o gerenciamento da sede na SRPA [8]. A primeira sessão do formulário propôs-se a caracterizar o perfil sociodemográfico da amostra e compreendia 7 questões objetivas: sexo, idade, formação, tempo de formação, tempo de atuação profissional, especialização e o tempo de atuação em SRPA. A segunda sessão teve a finalidade de investigar o conhecimento dos enfermeiros sobre sede e era composta de questões mistas sobre: forma de identificação da sede, sinais e sintomas da sede, critérios de segurança para manejo da sede e riscos relativos ao manejo da sede e principais estratégias de manejo da sede.

Os dados foram tabulados no programa Excel@, e para obtenção dos cálculos estatísticos foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) na versão 23. Dessa forma, os dados foram analisados descritivamente através de distribuições absolutas e percentuais para as variáveis categóricas e quantitativas.

O estudo foi realizado em acordo com a Resolução 466/12 que aborda as pesquisas envolvendo seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Fundação Universidade de Pernambuco, sob parecer 1.525.881. Cada participante do estudo foi devidamente esclarecido quanto à pesquisa e foi realizada a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual foi assinado pelo participante e pelo pesquisador após o seu consentimento em participar da pesquisa.

 

Resultados

 

A amostra, deste estudo, foi composta por 52 profissionais da equipe de enfermagem, atuantes em Salas de Recuperação Anestésica (SRPA), de dois hospitais diferentes, situados na cidade do Recife em Pernambuco. Destes profissionais, 19% (10) eram enfermeiros e 81% (42) técnicos de enfermagem. A maioria dos participantes era do sexo feminino (86,5%).

No que se refere ao tempo de formação acadêmica, observou-se um percentual de 42% (22) dos profissionais com mais de 20 anos de formação. Ainda, foi possível observar que 40% (21) possuíam mais de 20 anos de atividade profissional. Em relação ao tempo de serviço na SRPA, verificou-se que 52% (27) encontravam-se com menos de 10 anos de exercício profissional, seguindo de 48% dos profissionais com mais 10 anos de atuação.

A tabela I demonstra a capacidade de identificação da sede não verbal e os sinais e sintomas da sede no pós-operatório imediato pelos 52 participantes do estudo. 92,3 % (48) afirmaram que é possível a identificação da expressão de sede independente da comunicação verbal do paciente. Entre os sinais e sintomas identificados no paciente com sede, os mais citados foram: 90,4 % (47) lábios secos e 44,2% (23) boca seca.

 

Tabela IPráticas relativas à identificação da sede e sinais e sintomas da sede no pós-operatório imediato pela equipe de enfermagem, Pernambuco, Brasil, 2016

 

(1) Considerando que um mesmo pesquisado poderia citar mais de uma alternativa a soma das frequências não representa o total (N = 52 pesquisados e 100,0%)

 

A tabela II apresenta os critérios de segurança avaliados para a administração de um método de alívio da sede e os riscos provenientes do manejo da mesma pela equipe de enfermagem. O nível de consciência foi o critério citado por 84,6% (44) dos profissionais de enfermagem, seguido da permeabilidade de vias aéreas com 38,5% (20) das respostas, náusea e vômito com 34,6% (18). No que diz respeito aos riscos do manejo da sede com a ingestão de líquidos, os mais citados foram: broncoaspiração e náusea ou vômito, ambos com 76,9% (40) das respostas.

 

Tabela IICritérios de segurança para aplicação de método de alívio da sede e riscos do manejo da sede no pós-operatório imediato segundo equipe de enfermagem, Pernambuco, Brasil, 2016

 

 (1) Considerando que um mesmo pesquisado poderia citar mais de uma alternativa a soma das frequências não representam o total (N = 52 pesquisados e 100,0%). SaO2 = saturação de oxigênio por oximetria de pulso. SpO2 = saturação parcial de oxigênio por gasometria arterial

 

A estratégia para manejo da sede mais utilizada pelos profissionais da equipe de enfermagem foi: 96,2% (50) umedecer os lábios, 32,7% (17) ofertar pequeno volume de líquido em seringa. 59,6% (31) afirmaram que não deve ser oferecido nenhum volume de líquido, 19,2% (10) afirmaram a oferta entre 10 a 20 ml de líquido. 67,3% afirmaram não perceber diferença na resposta da saciedade da sede dos pacientes de acordo com a temperatura do líquido ofertado, conforme mostra a Tabela III.

 

Tabela IIIPráticas e estratégias relativas ao manejo da sede no pós-operatório imediato, Pernambuco, Brasil, 2016

 

(1) Considerando que um mesmo pesquisado poderia citar mais de uma alternativa a soma das frequências não representam o total (N = 52 pesquisados e 100,0%)

 

Discussão

 

A Sala de Recuperação pós-anestésica (SRPA) é unidade de atendimento especializado aos pacientes submetidos aos procedimentos anestésicos-cirúrgicos. Este período de recuperação compreende uma assistência de uma equipe multiprofissional atenta às necessidades demandadas pela vigilância contínua dos sistemas respiratório, circulatório, gastrointestinal, neurológico e urológico [1,10].

As alterações fisiológicas no pós-operatório imediato exigem da equipe de saúde, particularmente da equipe de enfermagem, planejar cuidados específicos e ações voltadas para à prevenção e tratamento de complicações decorrentes do ato anestésico-cirúrgico. Para tanto, a observação das funções orgânicas contribui para a construção do conhecimento qualificado e práticas clínicas baseada em evidências [10,11].

Para reduzir a incidência de complicações associadas à anestesia ou ao trauma cirúrgico e inclusive a prevenção de eventos adversos, é importante a atuação de enfermeiros na SRPA com raciocínio clínico reflexivo e crítico objetivando a segurança, o conforto e a singularidade de cada indivíduo, assim como a identificação dos riscos aos quais os pacientes estão vulneráveis [12].

Assim, o conhecimento prévio da enfermagem sobre a identificação precoce das complicações e a implantação de medidas preventivas corroboram a importância de intervenções de enfermagem que promovam recuperação plena e imediata do paciente cirúrgico [10].

Nessa perspectiva, a identificação da sede e dos sinais e sintomas da sede é uma competência e habilidade que promove segurança e conforto ao paciente cirúrgico. A Teoria de Manejo de Sintomas define sintoma como uma experiência subjetiva que reflete alterações no funcionamento biofísico, nas sensações ou na cognição de um indivíduo. O modelo tem como premissa principal a percepção do indivíduo que experimenta o sintoma e o seu autorrelato e destaca aspectos culturais, ambientais e de saúde/doença que interferem na verbalização do sintoma, ressaltando a necessidade de detectá-lo precocemente em específicos grupos de risco [6].

Para a Teoria de Manejo de Sintomas, a sede é percebida e experimentada por meio de repercussões físico emocionais, refletindo em sentimentos como angústia, medo e impotência diante do sintoma [13]. No contexto da SRPA, o paciente se encontra em um período crítico que requer atenção aos sinais e sintomas de maior incidência incluindo o monitoramento de sua evolução [14].

O alto risco de desenvolvimento do sintoma sede pelo paciente cirúrgico é corroborado por fatores como jejum pré-operatório prolongado, perdas sanguíneas, intubação orotraqueal e fármacos administrados no ato anestésico cirúrgico [4,6]. A vivência da sede é relatada como experiência subjetiva, o que interfere na sua valorização, identificação e mensuração [4,15].

Para promover avaliação fidedigna do sintoma sede no paciente cirúrgico, foi desenvolvida e validada uma escala para avaliação do desconforto da sede perioperatória. A aplicação da Escala de Desconforto da Sede Perioperatória (EDESP) busca compreender a magnitude deste desconforto e avaliar as diferenças individuais de percepção da sede, pois diferencia a intensidade do desconforto por intermédio de sete atributos: boca seca, lábios ressecados, língua grossa, saliva grossa, garganta seca, gosto ruim e vontade de beber água [16].

Sintomas desconfortáveis precisam ser identificados, avaliados e conduzidos. O conhecimento dos atributos da sede faz diferença para uma assistência de enfermagem especializada, proporcionando ao paciente segurança e confiança na equipe que o está assistindo [6].

A escala de Aldrete e Kroulik é um instrumento utilizado na SRPA que, apesar de não avaliar o sintoma sede, avalia as condições de estabilidade do paciente submetido ao ato anestésico cirúrgico [2]. Critérios como nível de consciência, permeabilidade de vias aéreas, saturação de oxigênio e presença de náuseas e vômitos são os itens que na presença de sede devem compor a avaliação clínica proposta pelo Protocolo de Segurança de Manejo da Sede (PSMS) e posterior administração do método de alívio da sede [17].

A aplicação do método de alívio da sede no pós-operatório imediato é influenciada pela forma como cada profissional realiza sua avaliação clínica para identificar e perceber a sede, considerando os diversos métodos para alívio da sede [18]. Estudos destacam as várias estratégias utilizadas pela equipe de enfermagem para o manejo da sede como umedecer os lábios do paciente com algodão ou gaze embebido em água, gargarejo com água fria, oferta de pequenos volumes de líquidos na seringa ou em lascas de gelo ou picolés de gelo mentolado [15,17,18,19].

Estratégias como a prática de umidificar cavidade oral com algodão embebido em água sob temperatura ambiente estimulam o paciente a querer mais água e não é o suficiente para saciar sua sede, além do relato de que o algodão molhado desperta uma sensação desagradável devido ao contato com sua textura [9,17].

Entretanto, a quantidade de oferta de líquidos aos pacientes no pós-operatório imediato é um critério observado pela equipe de enfermagem. A abordagem é conservadora, pois a manutenção em jejum absoluto é uma prática ainda constante pelo receio de complicações, como a aspiração pulmonar [20].

Uma das formas de minimizar o risco da aspiração pulmonar é promover uma avaliação individual para a administração do método de alívio da sede do paciente por meio da aplicação do PSMS e dos procedimentos técnicos previstos pelo protocolo que prevê o julgamento de itens como capacidade de tossir, uso de músculos abdominais e torácicos, capacidade de deglutição e elevação de laringe durante a deglutição, presença de náuseas e vômitos [17].

A manutenção do jejum absoluto nas fases pré e pós-operatórias por um período prolongado ainda é uma prática recorrente. O prolongamento do jejum nos pacientes cirúrgicos acentua os sintomas da sede e eleva riscos como o da própria broncoaspiração, devido à elevação da produção de suco gástrico e redução do pH [18].

O conhecimento da equipe de enfermagem sobre o sintoma sede e a aplicação de estratégias de alívio da sede é uma lacuna. Observa-se que este desconforto é por vezes ignorado pela equipe de enfermagem, e que esta apresenta dificuldades para tomada de decisão assertivas para o manejo da sede, seja por características singulares dos pacientes na vivência da sede perioperatória seja pela própria subjetividade da sede e os resultados ainda incipientes das evidências provenientes das intervenções propostas em ensaios clínicos [15,19].

Entre as intervenções de manejo da sede propostas, destacam-se a administração de água gelada ou a oferta de pequenos pedaços de gelo ao paciente, que pode provocar a saciedade da sede antes mesmo da sua efetiva absorção pelo corpo, pois por estar em baixa temperatura, a água já produz mudanças que antecedem a osmolaridade e as alterações dos fluídos extracelulares [17].

Os resultados de um ensaio clínico randomizado apresentam a eficácia do gelo em comparação com a água em temperatura ambiente no alívio da sede no POI. Evidenciou que os líquidos frios reduzem a sede com mais eficácia que os quentes ou mornos, pois a boca e o esôfago possuem osmorreceptores que respondem a diferentes estímulos de temperatura. Portanto, os receptores orais ao serem estimulados ao frio saciam a sede, diminuindo a necessidade da ingesta de grandes volumes de líquidos, evitando assim o desconforto da boca seca e os riscos de broncoaspiração [19].

Para amenizar a sede do paciente no POI o enfermeiro tem papel fundamental na gestão do cuidado e na segurança do paciente [13]. Valorizar o sintoma, compreender a fisiologia e identificar as estratégias de manejo da sede representam ações importantes da equipe de enfermagem e influenciam na percepção e avaliação desta equipe quanto as culturas institucionais que transmitem a rotina de manutenção absoluta do jejum e de forma indiscriminada, sem possibilidade de quebra sob nenhuma hipótese [15].

Assim a utilização de estratégias para manejo da sede é imprescindível para identificar a expressão de sede do paciente, seja pelo autorrelato ou pelos atributos do sintoma, o que contribui para selecionar e enumerar os possíveis métodos para alívio do desconforto.

A escassez de pesquisas sobre o conhecimento de profissionais de saúde sobre a identificação, avaliação e administração do método de alívio do sintoma sede constituiu-se como fator limitante da pesquisa. Atenção especial deve ser dispensada para corpo de conhecimento insuficiente sobre sua mensuração e utilização de estratégias com eficácia comprovada para manejo da sede na prática clínica de enfermeiros.

 

Conclusão

 

Os resultados deste estudo mostraram a presença de fragilidades quanto ao conhecimento e práticas relativas ao manejo da sede por parte dos profissionais de enfermagem do pós-operatório imediato. A identificação da sede e os sinais e sintomas mais prevalentes do desconforto são descritos pela equipe de enfermagem, no entanto, práticas empíricas como umedecer os lábios com algodão embebido em água e o jejum absoluto continuam sendo utilizadas para o manejo da sede.

As estratégias como lascas de gelos ou oferta de água fria, evidenciadas por estudos recentes para o manejo efetivo da sede ainda são subutilizadas pelos profissionais de enfermagem. Portanto, os métodos para alívio da sede devem estar associados a uma avaliação clínica segura, que direcione a equipe de enfermagem, para a execução de práticas baseadas em evidências.

 

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