Enferm
Bras 2021;22(3):318-333
ARTIGO
ORIGINAL
Judicialização
do acesso à medicação: perfil dos demandantes e custos
Patrícia
Antônia Pereira do Nascimento*, Renata Prado Bereta
Vilela, M.Sc.**, Milena Prado Bereta***,
Fabricio Renato Teixeira Valença****, Patrícia de Carvalho Jericó*****, Pedro
Paulo de Carvalho Jericó******, Marli de Carvalho Jericó, D.Sc.*******
*Enfermeira,
especialista em auditoria, administração hospitalar e terapia intensiva,
Enfermeira da Santa Casa de Buritama, SP, **Enfermeira, docente do curso de
medicina da FACERES, São José do Rio Preto, SP, ***Advogada, Catanduva, SP,
****Graduando de Enfermagem da FAMERP, São José do Rio Preto, SP, *****Médica,
Residente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, RS, ******Graduando de Medicina, Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, Curitiba, PR, *******Enfermeira, Docente do Departamento de Enfermagem
Especializada da FAMERP, São José do Rio Preto, SP
Recebido
em 10 de julho de 2020; aceito em 15 de junho de 2021.
Correspondência: Renata Prado Bereta
Vilela, Av. Anísio Haddad, 6751 Jardim Francisco Fernandes 15090-305 São José
do Rio Preto SP
Patrícia Antônia Pereira do Nascimento:
patyjmbta@outlook.com
Renata Prado Bereta Vilela:
renata_bereta@hotmail.com
Milena Prado Bereta:
milena.bereta@outlook.com
Fabricio Renato Teixeira Valença:
fabricio.valenca1@gmail.com
Patrícia de Carvalho Jericó: carvalho.patriciap@gmail.com
Pedro Paulo de Carvalho Jericó: pedro_pp_50@hotmail.com
Marli de Carvalho Jericó: marli@famerp.br
Resumo
Introdução: Todo cidadão brasileiro tem direito a
saúde, no entanto, algumas medicações não estão disponíveis pelo Sistema Único
de Saúde e, para acessá-las, o cidadão pode precisar judicializar
o sistema. Objetivo: Descrever o perfil demográfico e clínico de
demandantes e os custos dos medicamentos judicializados
em um município brasileiro. Métodos: Estudo descritivo, transversal com
abordagem quantitativa, realizado a partir de dados de 2017 disponibilizados
pelo Departamento de Saúde de um município de pequeno porte do Sudeste
brasileiro. Resultados: Foram requisitadas 140 medicações por 63
indivíduos a partir de 67 mandados de segurança. Dentre eles, a maioria era
mulheres (52,4%), com idade média de 51 anos; a principal patologia foi
diabetes mellitus (26,9%) e os medicamentos mais solicitados foram
antidiabéticos (21,9%). Os mandados mais custosos foram referentes à purpura trombocitopênica (R$ 78.000,00; US$ 24.451,41) e o menos
custoso foi referente à especialidade vascular (R$ 168,00; US$ 52.66). O custo
total dos medicamentos foi R$ 362.519,70 (US$ 113.642,53). Conclusão:
Considerou-se alto o gasto de R$ 21,32 (US$ 6,68) /habitante, um valor que
sobrecarrega e onera o Sistema Público de Saúde. Assim, as informações geradas
por esta pesquisa suscitam medidas de promoção e prevenção por meio da atenção
básica que podem reduzir esses gastos.
Palavras-chave: judicialização da saúde; custos de
medicamentos; custos e análise de custo; direito à saúde; Sistema Único de
Saúde.
Abstract
Judicialization of access to
medication: profile of plaintiffs and costs
Introduction: Every
Brazilian citizen has the right to health care. However, some medications are
not available by the Unified Health System; and to demand access to these
drugs, citizens may need to judicialize the health system. Objective: To
describe the demographic and clinical profile of plaintiffs and costs of
judicialized medications in a Brazilian municipality. Methods: A descriptive,
cross-sectional study with a quantitative approach, based on data available
from 2017 by the Health Department of a small-sized municipality in
southeastern Brazil. Results: A total of 140 medications were requested
by 63 individuals; from 67 security warrants. Among them, most were women
(52.4%), with a mean age of 51 years; the main disease was diabetes mellitus
(26.9%) and the most requested medications were
antidiabetic drugs (21.9%). The costliest requests were for thrombocytopenic
purpura (R$78,000.00; US$24,451.41) and the least costly was for vascular
specialty (R$ 168.00; US$ 52.66). The total cost of drugs was R$ 362,519.70
(US$ 113,642.53). Conclusion: The cost of R$ 21.32 (US$ 6.68)
/inhabitant was considered high, overloading the Public Health System. Thus,
the information from this research provides measures of promotion and
prevention by means of the primary healthcare to reduce these costs.
Keywords: health judicialization; drug
costs; costs and cost analysis; right to health; Unified Health System.
Resumen
Judicialización del acceso a medicamentos: perfil del
demandante y costos
Introducción: Todo ciudadano brasileño tiene derecho a la salud,
sin embargo, algunos
medicamentos no están disponibles
por el Sistema Único de Salud;
para acceder a ellos, el ciudadano puede
necesitar judicializar el sistema. Objetivo: Describir
el perfil demográfico y clínico de los demandantes y los costos de los medicamentos judicializados en un municipio brasileño.
Métodos: Estudio descriptivo,
transversal con enfoque cuantitativo,
realizado con base en datos de 2017 puestos a disposición por el Departamento
de Salud de una pequeña ciudad del sureste
de Brasil. Resultados: 63 individuos solicitaron 140 medicamentos; de 67 recursos de amparo.
Entre ellos, la mayoría eran mujeres
(52,4%), con una edad media de 51 años;
la patología principal fue diabetes mellitus (26,9%) y los
fármacos más solicitados fueron los
antidiabéticos (21,9%). Los pedidos más costosos se relacionaron con la púrpura trombocitopénica (R$ 78.000,00; US$ 24.451,41) y los menos costosos se relacionaron con la especialidad vascular (R$
168,00; US$ 52,66). El costo total de los medicamentos fue de R$
362.519,70 (US$ 113.642,53). Conclusión: Se consideró alto el gasto de R$
21,32 (US$ 6,68) / habitante, valor que grava y sobrecarga al Sistema Público
de Salud. Así, la información generada por esta investigación plantea medidas de promoción y prevención a través
de la atención primaria que
pueden reducir estos gastos.
Palabras-clave: judicialización
de la salud; costos de los medicamentos; costos y análisis de costo; derecho a la salud; Sistema Único de Salud.
A
atual e vigente Constituição Federal Brasileira
promulgada no ano de 1988 afirma que “A saúde é um
direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem a redução
do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às
ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação” [1,2].
Em 1990, houve a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)
regulamentado pela Lei Orgânica da Saúde 8080/90. O SUS conta com três
princípios doutrinários: a universalidade, integralidade e equidade e oito
princípios organizativos, entre eles, hierarquização, descentralização,
regionalização, controle social e resolubilidade [3].
Em
2009, foi publicada a portaria N°1.820, dispondo sobre
os direitos e deveres dos usuários, promovendo a garantia ao
acesso universal e
igualitário às ações e serviços para
promoção, proteção e
recuperação da saúde
[4].
Pode-se afirmar que o serviço de saúde é de
responsabilidade de todos os membros federativos, de modo direto e indireto. A
descentralização da competência consiste na prestação de serviços direta pelos
Municípios, que contam com recursos limitados e demanda onerosa dos serviços de
saúde. Estabeleceu-se, então, a competência supletiva aos Estados e
excepcionalmente à União Federal; estes prestam cooperação técnica e financeira
aos Municípios [1]. Contudo, percebe-se que, após a Constituição Federal de 1988
e a criação do SUS, o direito à saúde tem sido objeto recorrente de
judicialização no País [5].
O termo “judicialização” remete ao ato ou efeito de judicializar, ou seja, quando se recorre à via judicial
para resolver um problema ou um diferindo [6].
No contexto contemporâneo, o
fenômeno da judicialização da
saúde expressa reivindicações e modos
de atuação legítimos de cidadãos e
instituições, para a garantia e promoção
dos
direitos de cidadania amplamente afirmados nas leis internacionais e
nacionais.
O fenômeno envolve aspectos políticos, sociais,
éticos e sanitários, que vão
muito além de seu componente jurídico e de gestão
de serviços públicos [7].
Na maioria dos casos, a judicialização não é motivada pelos
principais problemas do Sistema Único de Saúde. Não ataca o subfinanciamento,
o subdesempenho e as persistentes desigualdades da
atenção básica, dos medicamentos essenciais, dos determinantes sociais da
saúde, sentidos principalmente pelos mais pobres. Pelo contrário, a
judicialização concentra-se desproporcionalmente nos estados, cidades e bairros
mais desenvolvidos do País, e foca de modo desproporcional medicamentos e
tratamentos de alto custo e comparativamente menos prioritários. Grande parte
destes medicamentos e tratamentos não estão incorporados nas políticas do SUS,
como também foram analisados e rejeitados por falta de evidências de segurança,
eficácia e/ou custo-efetividade, inclusive pela Organização Mundial de Saúde
(OMS). O impacto orçamentário deste tipo de demanda cada vez maior é suportado
pelo sistema como um todo, criando uma situação perversa de justiça
distributiva às avessas [8].
A judicialização atinge todo o país, mas se concentra nos
lugares onde os níveis de litigância per capita são mais expressivos, encontrando-se,
em média, no Sul com 178 ações e no Sudeste 103 ações por 100 mil habitantes.
Enquanto nos estados do Norte e do Nordeste estão em 40 ações e 26 ações por
100 mil habitantes, respectivamente. Entende-se que a judicialização tende a
ocorrer nos estados, municípios e bairros com índice de desenvolvimento
socioeconômico mais elevado e, consequentemente, maior acesso à justiça [9].
O recurso da judicialização pode ser considerado como um
recurso legítimo para a redução do distanciamento entre o direito vidente e o
direito vivido [7]. A maior demanda judicial brasileira no âmbito da saúde é
constituída por pedidos de medicamentos, sejam eles individuais ou coletivos.
Estes pedidos são respaldados sobre a prescrição médica e indicam urgência para
solucionar determinado problema de saúde [10].
No entanto, nem sempre esses medicamentos estão presentes
na Relação Nacional de Medicamento Essenciais (RENAME) que é elaborada
atendendo aos princípios fundamentais do SUS. É a relação dos medicamentos disponibilizados
por meio de políticas públicas e indicados para os tratamentos das doenças e
agravos que acometem a população brasileira [11]. Por vezes essas medicações
provindas de judicialização também não estão em conformidade com os Protocolos
Clínicos e Diretrizes Terapêuticas [12].
Dados do Conselho Nacional de Justiça apontam que, nos
últimos cinco anos, apenas os pedidos de fornecimento de medicamentos em todos
os níveis da federação alcançaram o volume de 344.053 novos casos em primeira
instância [13]. Sabe-se também que esse elevado volume de ações gera um custo
igualmente elevado ao Estado, estimado em R$ 7 bilhões, em 2016, em todo o
país. Em adição, que grande parte destes gastos se concentram em alguns
medicamentos. Em nível federal, os dez medicamentos (laronidase,
lomitapida, metreleptina, betagalsidase, atalureno, alfagalsidase, idursulfase, elosulfase alfa, gasulfase e eculizumabe) os mais judicializado,
em 2016, consumiram mais de R$ 1,1 bilhão do orçamento [14].
Contudo, o grande aumento das demandas judiciais implica em
um aumento progressivo dos gastos sem previsão orçamentária, impactando
diretamente na gestão dos recursos da saúde municipal, cabendo ao município,
fornecer os itens solicitados [10]. Com base nessa problemática, este estudo
objetivou descrever o perfil demográfico e clínico de demandantes e os custos
dos medicamentos judicializados em um município
brasileiro.
Estudo descritivo, transversal, com abordagem quantitativa,
realizado em um município brasileiro de pequeno porte, com população estimada
de 17.003 pessoas [15]. O atendimento à saúde da população é realizado por duas
Unidades Básicas de Saúde (UBS), um Centro Médico de Especialidades, um Centro
de Atendimento Psicossocial (CAPS) e uma instituição hospitalar filantrópica.
Os dados desta pesquisa foram coletados no Departamento
Municipal de Saúde, disponibilizados pelo serviço social. Os dados coletados
referem-se ao ano de 2017. Foi realizado por meio de duas fontes, através da
planilha de mandados de segurança que continha os dados de identificação do
requerente como, idade, gênero, patologia e sobre os medicamentos solicitados
como tipo e custo dos medicamentos de cada ação judicial. A segunda planilha
era referente às despesas mensais, contendo também dados de gastos no mês com
judicialização de medicamentos. O critério de inclusão eram as judicializações
de medicamentos de moradores do município em questão que foram contabilizadas
no ano de 2017, podendo ser referentes a qualquer problema de saúde. Os
critérios de exclusão contaram com as judicializações referentes a outros
materiais médico-hospitalares que não fossem caracterizados como medicamentos.
Para facilitar a compreensão e comparação do custo direto
dos medicamentos judicializados, optou-se em
apresentar os valores na moeda local o Real (R$) e o Dólar americano (US$), em
função de sua larga utilização. Para tanto, o Banco Central do Brasil
utiliza-se da taxa de câmbio dólar PTAX (taxa de câmbio adotada para a cotação
do dólar) para oficializar conversões da moeda local em dólar, ou seja, US$
1,00 = R$ 3,19 a média da taxa de câmbio de 2017.
Para
a tabulação dos dados, os medicamentos
foram separados em classes farmacológicas, além da sua
indicação descrita na judicialização.
As classes identificadas foram, antidiabéticos, suplementos
vitamínicos,
antagonistas da angiotensina II, antidepressivos, analgésicos, psicoestimulantes, terapia coronária, antiepiléticos,
inibidores da agregação plaquetária, inibidores diretos do fator XA,
antirreumáticos, relaxante muscular e outros.
Os procedimentos da pesquisa só foram realizados após a
aprovação da instituição campo de estudo por meio do Secretário Municipal de
Saúde e do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) Parecer número 4.080.721 e CAAE:
32401420.1.0000.5415.
Para análise dos dados quantitativos foi construído um
banco de dados em uma planilha do programa Microsoft Excel e analisados,
segundo variáveis da estatística descritiva básica (número absoluto e relativo,
média e desvio padrão).
Os dados retratam 67 mandados de segurança de 63 indivíduos
que recorreram à justiça para realizar ou manter seu tratamento medicamentoso,
ou seja, quatro munícipes demandaram duas causas, entrando duas vezes com ordem
judicial. Uma munícipe não retirou parte de seus medicamentos. Assim, foram
requisitados 140 medicamentos totalizando R$ 362.519,70 (US$ 113,642.53), sendo
o custo médio/mês foi R$ 30.209,97 (US$ 9,470.21) (DP- R$ 21.501,83) (DP – US$
6.740,38), ± de R$ 13.225,71 (US$ 4,145.99) (março) a R$ 92.335,50 (US$
28,945.29) (novembro). O custo médio/usuário foi de R$ 4.275,74 (DP: R$
10.401,25), ± de R$ 41,00 (US$12.85) a R$ 78.000,00 (US$ 24,451.41).
Em relação a caracterização, 33 eram mulheres (52,4%) e 27
eram homens (42,9%); não foi possível identificar três (4,7%) indivíduos. A
média de idade foi de 51 anos, ± de cinco a 89 anos. Entre estes indivíduos, 26
(41,3%) eram idosos e 24 (38,1%) adultos (de 20 a 59 anos). Não foi possível
identificar a idade de cinco (7,9%) indivíduos. A não identificação dos
indivíduos ocorreu devido a pesquisa ser retrospectiva com coleta de dados em
um banco já previamente preenchido.
Foram identificadas 21 patologias diferentes; 17 (26,9%)
judicializações foram referentes à diabetes mellitus (16 somente diabetes
mellitus e uma diabetes associada à hipertensão arterial). A idade média dos
indivíduos diabéticos foi de 49,7 anos, ± de cinco a 74 anos. Sendo
requisitados 41 medicamentos para estes casos; a medicação mais frequente foi a
insulina Lantus aparecendo nove vezes (21,9%) em
diferentes dosagens. Quando calculado somente o custo com a patologia diabetes
mellitus, a despesa total foi de R$ 70.923,70 (US$ 22,223.13) (26,3%) e custo
médio/usuário de R$4.432,73 (US$ 1,386.74) ± de R$210,00 (US$ 65.83) a R$ 15.112,00
(US$ 4,737.30).
A patologia que apresentou o maior custo foi a púrpura trombocitopênica em uma única usuária com dois mandados e
duas medicações (Revolade 50 mg e Romiplostim
250 mcg); teve um custo de R$ 78.000,00 (US$ 24,451.41) (28,9%).
O menor custo foi relacionado à especialidade vascular com
R$168,00 (US$ 52.66) (0,06%) requerendo três medicações (diomina
+ hesperidina 450/50; paracetamol 750 mg; bacofleno
10 mg) (Tabela I).
Tabela
I - Descrição e
proporção das patologias encontradas nas judicializações medicamentosas, gênero
predominante, idade média, custo médio e total. Buritama, São Paulo, Brasil,
2017
¹NE = Não especificado; ²% = referente à porcentagem total
de medicamentos solicitados via judicial
Foram classificados 140 medicamentos em 13 classes
terapêuticas (Figura. 1), dos quais 37 (26,4%) das ações demandaram
medicamentos antidiabéticos, seguidos de 11 (7,9%) suplementos vitamínicos e
oito (5,7%) referentes aos antagonistas da angiotensina II e antidepressivos.
Dentre os medicamentos “outros fármacos” abrangem grande variedade de outros
medicamentos agrupados em 28 classes (antirreumáticos, relaxantes musculares,
antineoplásicos, antipsicóticos, vacinas, dentre outros), porém com baixa
representatividade.
Figura
1 – Descrição da
classificação terapêutica dos medicamentos judicializados.
Buritama, São Paulo, Brasil, 2017
A Constituição Federal e os princípios do Sistema Único de
Saúde asseguram que é dever do Estado prover a todo cidadão o direito a saúde,
inclusive o fornecimento de medicamentos [16].
Estudo que realizou uma análise comparativa sobre a
judicialização em países latino-americanos (Argentina, Brasil, Colômbia e
Chile) concluiu que este é um fenômeno generalizado nos quatro países
independente da constituição e da cobertura populacional do sistema de saúde
[17].
Dos 17.003 cidadãos que residem no município [15] campo da
pesquisa; 63 (0,4%) judicializaram para a aquisição
de medicação para o seu tratamento. Esta proporção mostra-se superior à de
estudo realizado em 13 municípios de Santa Catarina, com total de 129.497
habitantes, que no período apresentou 175 (0,13%) judicializações. No entanto,
o estudo supracitado foi realizado em cinco anos, ao fazer proporção para o mesmo
período desta pesquisa (um ano), haveria média de 35 (0,02%)
judicializações/ano. Ou seja, a presente pesquisa teve 95% mais judicializações
que o estudo de Santa Catarina, em uma população 87% menor [18].
A presente pesquisa apresentou um custo total das
judicializações de medicações de R$ 362.519,70 (US$ 113,642.53), ou seja,
R$21,32 (US$ 6,68)/habitante. Estudo realizado em
Santa Catarina [18] aponta que houve um custo de R$ 1.484.389,92 (US$ 465,325.99),
com média de R$ 296.877,98/ano (US$ 93,065.19/ano), apresentando R$ 2,29 (US$ 0.71)/habitante, sendo 89,25% menor que neste estudo.
Denota-se que cada município deve garantir a saúde pública,
portanto, o medicamento faz parte deste processo, não podendo deixar de prestar
o serviço. Qualquer justificativa do Executivo não deve ser explorado, visto
que a falta de recursos nunca estará acima da vida humana e, neste caso, a
justiça adentra para cobrar do município o atendimento para sanar os problemas
de saúde do usuário [19].
Nesta pesquisa, a patologia que se apresentou a medicação
mais onerosa foi a púrpura trombocitopênica (R$
78.000,00) (US$ 24,451.41) representando 21,5% dos custos totais em um único
caso. A purpura é uma doença hemorrágica com extravasamento de sangue por baixo
da pele e em mucosas, de etiologia desconhecida, é rara (1/10.000) com alta
taxa de mortalidade quando não tratada [20,21,22].
Vale lembrar que são judicializados
os medicamentos de alto custo, ou seja, aqueles com elevado valor unitário ou
de uso contínuo que resultam em valores dispendiosos e, portanto, de difícil
obtenção para a grande parte dos usuários no sistema de saúde. Destaca-se que,
após avaliação econômica aplicada à medicina baseada em evidências, realizada
pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC), o princípio
ativo eltrombopague olamina
(Revolade) foi incorporado e disponibilizado
gratuitamente pelo SUS, a partir de dezembro de 2018, para o tratamento de
púrpura trombocitopênica idiopática. Os usuários
devem se enquadrar nos critérios estipulados pelo protocolo terapêutico. No
entanto, o romiplostim ainda permanece em avaliação
no CONITEC.
A principal patologia e medicação encontrada neste estudo
foi diabetes mellitus (26,9%) e insulina (21,9%), dados estes que divergem de
estudo realizado no Mato Grosso do Sul [23], onde 25% das judicializações por
medicação envolviam o segmento cardiovascular. Em Ribeirão Preto/São Paulo [24]
com 13,2% judicializações, foi o Transtorno do Déficit de Atenção com
Hiperatividade (TDAH) (9,9%) com o fármaco metilfenidato.
Corroboram esta pesquisa o estudo realizado em Santa
Catarina, pois infere que o principal segmento encontrado foi aparelho
digestivo e metabolismo (18,3%) e a medicação também foi a insulina [25]. Na
Bahia, investigação sobre judicialização de medicação afirma que há uma
tendência de prescrição de insulinas análogas às humanas, no entanto, os
estudos científicos não são conclusivos sobre a superioridade terapêutica desta
classe [23]. Um estudo no interior do estado de São Paulo, município de
Ribeirão Preto, apontou nos processos judiciais, aproximadamente, 14% dos
medicamentos e insumos de insulina solicitados também eram “antidiabéticos”
como a Insulina Glargina, Insulina Aspart, Insulina Humalog e
Insulina Determir [24].
O diabetes mellitus é uma doença crônica não transmissível,
pode ser classificada como diabetes tipo 1 e tipo 2. A tipo 2 mais prevalente
em adultos é caracterizada por resistência à insulina e déficit secretório das
células beta-pancreáticas. No Brasil estima-se prevalência de 6,9% da população
acima de 18 anos. Seu tratamento é comportamental e medicamentoso [25]. Quanto
ao tratamento comportamental, a atenção básica tem importante participação; uma
vez que a educação em saúde aos portadores de diabetes acontece principalmente
na forma de participação em grupos educativos [26]. Corroborando esta
afirmativa, estudo que objetivou analisar as crenças de pacientes diabéticos
tipo 2 sobre a terapia nutricional e sua influência na adesão infere que um dos
maiores desafios é a baixa adesão das pessoas diabéticas ao tratamento, no qual
se insere a terapia nutricional. E uma forma de melhorar essa adesão é a
educação alimentar, que habilita o usuário a tomar decisões pautadas em dados
técnicos e informações científicas, pois dessa forma ele terá capacidade para
traçar seus próprios objetivos no sentido de melhorar o estado geral de sua
saúde e da qualidade de vida [27].
Com base nos estudos supracitados [25-27], ao conscientizar
o usuário portador de diabetes mellitus tipo 2 quanto à importância do
tratamento não medicamentoso, poderia haver maior adesão e controle da
patologia. Esta atividade deveria ser realizada pela atenção básica do
município campo desta pesquisa, o que poderia gerar melhores
resultados no controle da patologia com as medicações já disponibilizadas pelo
SUS. E, assim, o usuário não necessitasse judicializar
o município para conseguir medicações não padronizadas, além de lhe
proporcionar melhor qualidade de vida.
Embora a presente pesquisa não apresente as causas da
judicialização, a literatura indica que praticamente todos os processos
fundamentam sua argumentação no direito à saúde. Muitos recorrem ao direito à
vida, ambos difíceis de contestar do ponto de vista jurídico, fortalecendo a
saúde como um direito social de cidadania [28].
Podemos citar como limitações deste estudo a
impossibilidade de se comparar com outros estudos as características
socioeconômicas dos autores das demandas de ações desta pesquisa devido à falta
de acesso a estes dados. Sobretudo, por não conter dados qualitativos para
entender melhor as causas da judicialização, e por se tratar de um estudo de
caso, no qual expõe a experiência de um município de pequeno porte do interior
de São Paulo. No entanto, esta pesquisa avança no sentido de traçar um perfil
demográfico e clínico das judicializações e seus custos, gerando informações
importantes para se propor e implementar estratégias para a diminuição dos
gastos.
Os gastos com medicamentos judicializados
totalizaram R$ 362.519,70 (US$ 113,642.53), ou seja, R$ 21,32 (US$ 6.68)/habitante. Considerado alto, pois este valor pode
sobrecarregar e onerar o sistema público de saúde.
A patologia que demandou mais judicializações foi a
diabetes mellitus, sendo os antidiabéticos a principal classe terapêutica dos
medicamentos e a de custo mais elevado foi a púrpura trombocitopênica
com uso de eltrombopague olamina
e Romiplostim.
Assim, sugere-se incorporar medidas de promoção à saúde e
prevenção de doenças e agravos através da atenção primária para melhorar a
adesão ao tratamento de usuários com patologias crônicas. Ações que
possibilitariam a diminuição de gastos com medicações não disponibilizadas pelo
SUS, além de melhorar a qualidade de vida dos portadores destas doenças
crônicas.