RELATO DE EXPERIÊNCIA
Profissional residente
no enfrentamento da COVID-19: relato de experiência no contexto da enfermagem
intensiva
Raquel Margarida Silva
Freire*, Gyuliana Santana Batista*, Talita de Araújo
de Carvalho*, Douglas de Souza e Silva**, Tássia Nery
Faustino***, Magno Conceição das Merces, D.Sc.****
*Enfermeira,
Programa
de Residência Multiprofissional em Terapia Intensiva,
Universidade do Estado da
Bahia/Departamento Ciências da Vida, Salvador/BA, Brasil,
**Enfermeiro,
Mestrando do Programa de Pós-graduação em
Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia,
Salvador/BA, Brasil,
***Enfermeira, Doutoranda do Programa de
Pós-Graduação em Medicina e Saúde,
Universidade do Estado da Bahia/Departamento Ciências da Vida
Salvador/BA
Brasil, ****Enfermeiro, Universidade do Estado da Bahia/Departamento
Ciências
da Vida, Salvador, Bahia, Brasil
Recebido em 24 de julho
de 2020; aceito em 14 de agosto de 2020.
Correspondência: Raquel Margarida
Silva Freire, 1º Travessa Jorge Amado, 09 Imbuí
41720-110 Salvador BA
Raquel Margarida Silva
Freire: rfreire00@gmail.com
Gyuliana Santana Batista:
gyulibatista@gmail.com.
Talita de Araújo de
Carvalho: araujotalita383@gmail.com
Douglas de Souza e
Silva: douglasss-gbi@hotmail.com
Tássia Nery Faustino:
tfaustino@uneb.br
Magno Conceição das Merces: mmerces@uneb.br
Resumo
Objetivo: Descrever a
experiência de profissionais residentes no enfrentamento da COVID-19 no
contexto da enfermagem intensiva. Métodos: Trata-se de um estudo do tipo
relato de experiência vivenciado por três profissionais residentes em saúde no
enfrentamento da COVID-19 no contexto da enfermagem intensiva em dois hospitais
situados na região metropolitana de Salvador, no estado da Bahia, no período de
março a maio de 2020. Resultados: Constatou-se mudanças nos fluxos
operacionais dos serviços em saúde, o racionamento dos equipamentos de proteção
individual dentro das instituições hospitalares e como essas demandas impactam
na saúde mental dessas profissionais que estão na linha de frente na
assistência a esses pacientes. Conclusão: A pandemia causada pelo
SARS-COV-2 coloca em discussão a estrutura das unidades de terapia intensiva
existentes no país, sendo primordial a capacitação técnica e científica dos
profissionais de saúde, garantia no fornecimento dos equipamentos de proteção
individual e suporte psicológico a esses trabalhadores.
Palavras-chave: infecções por coronavírus, pandemias, profissionais de enfermagem, saúde
do trabalhador, atenção à saúde.
Abstract
Resident professional facing COVID-19: experience report in the context
of intensive nursing
Objective: To describe the experience of professionals residing in coping with
COVID-19 in the context of intensive nursing. Methods: This is a study
report type of experience lived by three health professionals in coping with
COVID-19 in the context of intensive nursing in two hospitals located in the
metropolitan region of Salvador, in the state of Bahia, from March to May 2020.
Results: There were changes in the operational flows of health services,
the rationing of personal protective equipment within hospital institutions and
how these demands impact on the mental health of these professionals who are at
the forefront in assisting these patients. Conclusion: The pandemic
caused by SARS-VOC-2 puts into question the structure of the intensive care
units existing in the country, being essential the technical and scientific
training of health professionals, guarantee in the supply of personal
protective equipment and psychological support to these workers.
Keywords: coronavirus infections, pandemics, nurse practitioners, occupational
health, health care.
Resumen
Profesional de la
salud residente frente al COVID-19: relato de
experiencia en el contexto
de enfermería intensiva
Objetivo: Describir
la experiencia de los profesionales residentes en el manejo de COVID-19 en el contexto de la enfermería intensiva. Métodos: Se trata de un tipo de relato de experiencia vivida por tres profesionales de la salud residentes frente al
COVID-19 en el contexto de la enfermería intensiva en dos hospitales ubicados en la
región metropolitana de Salvador, en
el estado de Bahía, de marzo hasta mayo de 2020. Resultados:
Se constató que hubo cambios en los
flujos operativos de los servicios de salud, el racionamiento de los equipos de protección personal dentro de las instituciones hospitalarias y cómo estas demandas impactan en la salud
mental de estos profesionales
que están a la vanguardia en la
asistencia a estos
pacientes. Conclusión: La pandemia causada por
el SARS-VOC-2 cuestiona la estructura de las unidades de cuidados intensivos existentes en el país, siendo
esencial la capacitación técnica y científica de los
profesionales de la salud, la garantía
en el suministro
de equipos de protección personal
y apoyo psicológico a estos
trabajadores
Palabras-clave: infecciones por coronavirus, pandemias, enfermeras
practicantes, salud laboral,
atención a la salud.
A doença respiratória
da COVID-19 causada pelo novo coronavírus
(SARS-COV-2) foi caracterizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no mês
de março como uma pandemia devido a sua rápida dispersão entre os continentes e
a sua situação de agravamento. Seu surgimento se deu na cidade de Wuhan,
província de Hubei, na China, e vem atingindo o globo
vertiginosamente, desencadeando uma emergência em Saúde Pública de importância
internacional [1-2].
O espectro clínico de
um indivíduo infectado pela COVID-19 é variado e pode evoluir desde a forma
assintomática até casos graves. Sua letalidade é baixa, em torno de 3%, porém
sua transmissibilidade é alta [3-4], principalmente em locais fechados e
ambientes hospitalares que podem ser favorecidos por contato próximo, sem
proteção, com secreções por meio de gotículas salivares e aerossóis [5].
O vírus pode levar ao
desenvolvimento de sintomas leves como a de um resfriado, com presença de
tosse, febre, coriza, dor de garganta e dispneia até manifestações clínicas
mais graves que evoluem para Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), com o
desenvolvimento de insuficiência respiratória com necessidade de suporte
ventilatório mecânico, assim como para disfunção aguda de múltiplos órgãos [6],
o que requer uma assistência de saúde mais complexa ofertada em uma Unidade de
Terapia Intensiva (UTI).
No contexto da pandemia
mundial, muitos profissionais de saúde estão com suas rotinas de trabalhos
modificadas devido à emergência nos cuidados aos infectados e na contenção da
disseminação do vírus [7]. A equipe de enfermagem, a qual integram enfermeiros,
técnicos e auxiliares de enfermagem, representa a maior porcentagem da força de
trabalho no campo da saúde com seus cuidados ininterruptos à beira do leito,
que abrangem desde os mais básicos aos mais complexos [8].
O cuidado de enfermagem
dentro do sistema de saúde é um componente fundamental dentro do cenário de
pandemia que o mundo vem vivenciando. No Brasil, é possível contabilizar mais
de dois milhões de profissionais [9] que atuam incansavelmente em diferentes
setores e contextos sociais para identificar as necessidades de cuidado da
população e atuar em suas diferentes dimensões.
O enfermeiro
apropria-se de um papel decisivo e nesse momento precisa avaliar suas
competências, atitudes e habilidades para a oferta de um cuidado seguro para
paciente, profissional e equipe, o que requer treinamentos e adaptações diárias
através de protocolos e fluxos institucionais que ocasionam mudanças nas
rotinas dos serviços de saúde [10].
Nesse contexto,
destaca-se o papel do profissional enfermeiro residente em saúde que atua
dentro do programa de Residência Multiprofissional em Saúde regulamentada pela
Lei Federal nº 11,129 de 30 de junho de 2005, na modalidade de pós-graduação
lato sensu, voltada para a educação em serviço. Esse profissional é inserido no
campo de serviço e atua juntamente com a equipe de saúde com perfil capaz de
transformar as práticas tradicionais com base no entendimento de uma nova
cultura e intervenção em saúde [11].
O profissional
residente em saúde está presente nos serviços e compartilha dessa abrupta
mudança de rotina que ocasiona ansiedade, medo e angústia frente ao vírus que
se propaga de forma acelerada e promove intensas mudanças frente a uma
estrutura de saúde que se torna insuficiente para o melhor atendimento dos
pacientes infectados e que pode entrar em colapso a qualquer momento. É
necessário adaptação ao cenário atual, mudanças de fluxos operacionais dentro
dos serviços, utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) de forma
racionada e acima de tudo preservar a saúde mental desse profissional, para que
o trabalho seja realizado de forma eficiente e que não provoque adoecimentos.
Dessa forma, o objetivo
deste estudo foi descrever a experiência de profissionais residentes em saúde
no enfrentamento da COVID-19 no contexto da enfermagem intensiva.
Trata-se de um estudo
do tipo relato de experiência vivenciado por profissionais residentes em saúde
no enfrentamento da COVID-19 no contexto da enfermagem intensiva em dois
hospitais situados na região metropolitana de Salvador, no estado da Bahia, no
período de março a maio de 2020. Um dos hospitais da região não é referência
para a COVID-19, porém como a infecção alcançou o estágio de transmissão
comunitária, todos os casos que adentram a instituição são considerados
suspeitos e seguem-se as recomendações do Ministério da Saúde. O outro hospital
é referência e possui leitos específicos para o tratamento desses pacientes.
O lócus da ação está
baseado no cotidiano de três profissionais enfermeiras residentes, sendo duas
do primeiro ano e uma do segundo, que estão vivenciando e acompanhando através
das mudanças de fluxos nos serviços de saúde o cuidado a pacientes suspeitos e
confirmados para COVID-19, assim como o racionamento e, por vezes, escassez dos
equipamentos de proteção individual dentro das instituições, e como todas essas
alterações afetam a saúde mental dessas profissionais e quais são as
estratégias utilizadas para o enfrentamento dessa pandemia.
Os dados que foram
relatados também representam a observação acerca do comportamento das
instituições frente à pandemia do coronavírus. Foram
feitas buscas na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) com os seguintes
descritores: “Infecção por coronavírus”,
“Pandemia”
“Profissionais de enfermagem”, “Saúde do
trabalhador” e “Atenção hospitalar”
com o operador booleano AND que nos auxiliou na busca de artigos que
nos
direcionaram na discussão acerca das experiências
relatadas. Dados do
Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Enfermagem
também foram
utilizados.
As pandemias virais
emergentes exigem à saúde pública demandas peculiares que sobrecarregam o
sistema de saúde e alteram seus fluxos de atendimentos. Os gestores, frente a
um vírus de rápida propagação que pode levar a graves impactos nas
instituições, atuam no planejamento e na preparação de protocolos e fluxogramas
que atendam às demandas impostas por esse cenário da COVID-19 e que afeta de
forma abrupta a rotina dos profissionais de saúde [12].
Estudos em países já
acometidos pelo novo coronavírus direcionaram a
organização dos atendimentos nas instituições hospitalares brasileiras [13]. A
Declaração de Consenso do Comitê de Supervisão das Diretrizes do American College of Chest
Physicians (CHEST) apresenta 22 sugestões que podem
ser adotadas durante a logística de uma pandemia por administradores no
planejamento hospitalar aos pacientes graves, incluindo requisitos de
equipamentos, suprimentos, preparação e organização de pessoal, que são
elementos que fornecem capacidade para que o cuidado nesse momento crítico seja
garantido [14].
Nesse contexto, em que
os fluxos operacionais são mudados, é possível perceber na prática clínica o
bombardeamento de informações que chegam para os trabalhadores de saúde que
necessitam adequar suas habilidades no manejo ao paciente acometido pela
COVID-19. Com proporção global, pesquisadores de vários países estudam sobre o
vírus e é possível que as informações sejam lançadas quase que
instantaneamente, influenciando diretamente na forma como esses pacientes serão
conduzidos [15].
Um estudo realizado na
China caracterizou as manifestações clínicas de 138 pacientes acometidos pelo coronavírus [16] e em outro estudo descritivo realizado no
mesmo país, foram identificadas as características epidemiológicas de 99
pacientes concluindo que pacientes acima dos 55 anos e com comorbidades prévias
podiam desenvolver doenças respiratórias graves e até fatais, como a Síndrome
do Desconforto Respiratório Agudo [17], facilitando que essas informações
fossem divulgadas, assimiladas por outros países com acometimento e
difundindo-se para conhecimento e treinamento dos profissionais de saúde que
trabalham constantemente no reconhecimento e direcionamento da COVID-19.
Conforme protocolos do
Ministério da Saúde e levando em consideração experiências de vários países,
pacientes que apresentam sintomatologia leve da síndrome gripal são orientados
pelos profissionais a manterem o isolamento social domiciliar mantendo-se em
distanciamento social com adoção de medidas de precaução para evitar novas
contaminações. Pacientes que adentram o hospital com sintomas de dispneia,
febre e que possam apresentar complicações respiratórias, necessitam de
vigilância e são internados em leitos específicos para essa enfermidade
[10-18].
Com esse cenário
epidemiológico e com as medidas de isolamento social que orientam a população a
permanecer em casa, principalmente se apresentarem sintomas leves da doença,
fez com que muitos indivíduos acometidos por outras emergências permanecessem
em suas casas, o que é preocupante, pois em um estudo realizado na França que
objetivou avaliar os efeitos das medidas de contenção da população, foi
constatado uma queda drástica de internações referentes a doenças
cardiovasculares por conta das medidas de isolamento social que tornam esses
pacientes susceptíveis a graves consequências [19].
Com isso, observou-se
redução na procura por atendimento médico na instituição hospitalar de
referência observada neste estudo, fazendo com que setores específicos durante
a pandemia da COVID-19 tenham baixa nos serviços oferecidos como, por exemplo,
Centro Cirúrgico (CC), Central de Material de Esterilização (CME),
Hemodinâmica, Pediatria, ambulatórios, tornando os profissionais desses setores
sujeitos a remanejamentos para suprir a necessidade do serviço diante do
cenário atual. As equipes desses serviços encontram- se em constante
revezamento para atuar nas UTIs específicas da COVID-19, gerando incertezas na
rotina desse profissional, sendo perceptível o desconforto que essas mudanças
têm causado aos mesmos, principalmente porque a prática clínica dentro das UTIs
é diferente dos outros setores e requer habilidade técnica e científica para
atuar nesse contexto.
Constata-se que a
assistência prestada nas UTIs coorte para COVID-19 objetiva a correção das
disfunções orgânicas agudas ocasionadas pelo SARS-COV-2, o que exige cuidados
complexos que devem ser prestados pela equipe multiprofissional evitando
procedimentos que promovam a disseminação de aerossóis e a contaminação do
ambiente e desses profissionais [20]. Com isso, os profissionais precisam de
atualizações diárias e é perceptível o nível de exaustão causada por esse novo
quadro desafiador para todos.
Dessa forma,
observou-se no hospital referência para COVID-19 a realização de treinamentos e
capacitações pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), voltados
para toda a equipe multiprofissional, na qual foram efetuadas orientações
acerca da adequada paramentação e desparamentação por
meio da técnica de simulação realística, assim como, distribuição de EPIs, como
óculos de proteção e sapatos de material impermeável. Foram disponibilizados
cartazes em toda extensão da UTI sobre a forma correta de paramentação e desparamentação e as enfermeiras referências dessas
unidades estão supervisionando e encorajando a equipe para o seguimento dos
passos instituídos.
Durante o treinamento,
também foram expostos alguns procedimentos de geração de aerossóis (PGAs), conforme orientação do Ministério da Saúde, como:
Intubação Orotraquel
(IOT), aspiração de vias aéreas,
nebulização, broncoscopia, endoscopia,
utilização da bolsa – válvula –
máscara
na ressuscitação cardiopulmonar (RCP), porém essas
informações foram pontuais e
sem demonstração de como os profissionais poderiam atuar
nessas situações, de
forma a reduzir/eliminar a aerossolização.
O que é observado no
hospital que não é referência no atendimento da COVID 19, mas que pode assistir
pacientes suspeitos da doença, é que as duas UTIs se diferenciam por ter
somente quatro leitos para o cuidado a esses pacientes, que são leitos de
isolamentos. A equipe também foi treinada pela CCIH, porém as capacitações
foram pontuais e deficientes.
Profissionais de
enfermagem que trabalham nesse hospital também atuam em outros serviços de
referência para a COVID-19, estando submetidos à elevada carga horária de trabalho,
com rotina assistencial e administrativa exaustivas. Os serviços têm mantido o
gerenciamento habitual do cuidado através do preenchimento de várias escalas,
impressos, diagnósticos e prescrições de enfermagem, projeto terapêutico e
acompanhamento de visita multiprofissional, não revendo e priorizando as
atividades administrativas consideradas essenciais, diante do cenário de
sobrecarga de trabalho decorrente da assistência ao paciente crítico com a
doença. Associado a isso, nesse cenário de pandemia, procedimentos complexos
têm sido efetuados diariamente nos pacientes com a doença, como diálise
contínua e posicionamento prona. Em relação a este último, o seu emprego está
associado à redução da mortalidade em pacientes em ventilação mecânica [21],
contudo as equipes não tiveram treinamento de como efetuá-lo, recorrendo à
busca individual de materiais acerca da temática em seus dias de folga, para
prestar uma assistência segura e de qualidade.
Com essas múltiplas
demandas assistenciais e administrativas, observa-se que: muitos profissionais
da área da enfermagem intensiva têm solicitado demissão; número elevado de
afastamentos por suspeita ou confirmação de contaminação pelo vírus e
ocorrência de faltas nos plantões por crise de pânico diante do cenário
imposto, o que gera medo, ansiedade e insegurança, reduzindo o quadro de
profissionais. Diante disso, os serviços têm aumentado o número de contratações
de profissionais para suprir os déficits decorrentes dos afastamentos, contudo,
por vezes, estes não possuem formação/experiência no atendimento ao paciente
grave, comprometendo assim a sua própria segurança e a do paciente.
O aceleramento da
pandemia no Brasil tem ocasionado à falta de leitos e equipamentos necessários
para o cuidado que impactam diretamente na saúde dos trabalhadores. É possível
observar um cenário de preocupação quantos aos EPIs, decorrente do aumento
exponencial do seu uso nos serviços. A escassez desses materiais já é uma
realidade em vários países [22], o que resulta em sofrimento constante para os
trabalhadores diante do risco de contaminação, principalmente porque a China é
nossa grande produtora de materiais hospitalares.
O estágio de
transmissão comunitária do SARS-COV-2 gera incerteza no atendimento aos
pacientes sem diagnóstico, contribuindo para o aumento na utilização dos
materiais de proteção. Com isso, como medida de contenção do uso de EPIs, os
hospitais passaram a realizar o registro diário para a aquisição desses
equipamentos e o monitoramento do seu uso, fato que é observado na nossa
prática e que pode ser corroborada por um estudo descritivo realizado em Porto
Alegre, em que medidas de controle e racionamento para evitar a falta destes
nos hospitais estão sendo adotadas [23].
Outro fator observado
gerador de ansiedade é o risco aos quais os trabalhadores de saúde estão
expostos na paramentação e desparamentação ao atender
um paciente acometido pela COVID-19. A utilização desses materiais de forma
ininterrupta gera um desconforto com o seu uso prolongado, tendo o profissional
que se expor a longas jornadas de trabalho sem descanso, assim como alimentação
e hidratação prejudicados, visto que para atender a essas necessidades básicas
teriam que se expor à retirada frequente dos EPIs, que aumenta o risco de
contaminação. Devido a isso, alguns profissionais estão trabalhando com fraldas
higiênicas e mulheres estão iniciando o uso de hormônios para evitar o ciclo
menstrual.
Em um estudo do tipo Survey realizado no Reino Unido que objetivou conhecer a
opinião dos profissionais de saúde e suas percepções sobre as estratégias no
gerenciamento da pandemia, revelou 1007 respostas nas quais constataram que
27,8% dos entrevistados relataram não se sentir confiantes frente ao
atendimento ao paciente infectado pela COVID-19, 66% consideravam que não havia
equipamento de proteção individual disponível satisfatoriamente e 52,1%
consideraram que não foi fornecido treinamento suficiente para a equipe que
está na linha de frente desse atendimento [24], corroborando assim nossas
observações práticas dentro das instituições hospitalares.
A contaminação e o
adoecimento já se tornam uma realidade, como observado no estudo realizado na
China em que 3.387 profissionais de saúde foram infectados pela COVID-19 com 22
mortes registradas [25]. No Brasil, pelos dados do Conselho Federal de
Enfermagem até o dia 27 de maio de 2020, foram identificados 157 óbitos de
profissionais enfermeiros/técnicos/auxiliares de enfermagem que padeceram pelo
acometimento do vírus, tornando nosso país o maior em mortes de profissionais
de saúde [26]. Os profissionais estão em constante estresse, exacerbado pelas
inúmeras incertezas impostas pela situação atual vivida, exposição contínua nos
seus locais de trabalho, medo do adoecimento, frustração com as perdas diárias
de pacientes, salários baixos e isolamento da família que impactam diretamente
na qualidade de vida e no desempenho do seu trabalho.
Nessa conjuntura, o
profissional enfermeiro residente acompanha junto à equipe de saúde os entraves
e as lutas diárias das rotinas impostas pela COVID-19, observando as mudanças
nos fluxos operacionais dos hospitais em que desenvolvem as atividades de
estágio/trabalho, sendo submetidos ao racionamento dos equipamentos de proteção
e se questionam sobre seu papel como profissional e ser humano frente à
pandemia do novo coronavírus. Com esse novo cenário
lidam com o medo de não serem amparados numa possível contaminação com a
exposição diária na sua prática laboral, dentro das unidades de terapia
intensiva.
Na vigência de uma
pandemia os profissionais de saúde são colocados à prova com a intensificação
de medidas no combate ao agente patogênico para evitar sua propagação e
infecção à população, com isso, uma mistura de emoções que trazem medo e
aumentam os níveis de ansiedade e estresse em indivíduos ditos como saudáveis,
podem desencadear transtornos psiquiátricos pré-existentes [27].
Nos referidos
hospitais, os residentes multiprofissionais em terapia intensiva trabalham no
primeiro ano de sua especialização com dois pacientes e no segundo ano com
quatro pacientes graves, o que se torna desafiador frente a uma pandemia. Essa
situação afeta exponencialmente os residentes do primeiro ano que vivenciam a
UTI neste momento difícil em que estão iniciando a formação no atendimento ao
paciente crítico, conhecendo as tecnologias, patologias e principais
procedimentos efetuados nesses indivíduos, a tempo em que experimentam mudanças
que a sobrecarregam, pois vivenciam o prejuízo nas preceptorias do serviço já
que os enfermeiros assistenciais estão sobrecarregados. Associado a isso,
precisam se ajustar ao contexto imposto, necessitando sair da casa de seus
pais, pertencentes ao grupo de risco, para evitar a contaminação dos mesmos.
Ser residente do
primeiro ano nesta fase de pandemia se torna desafiador visto que o residente
ainda se encontra em fase de adaptação à terapia intensiva, um ambiente que
exige atuação direta a pacientes com diferentes condições clínicas, diversos
micro-organismos e formas de contágio, lidando com o desconhecido, tendo que se
atualizar ao mesmo tempo em que se expõem diariamente a situações diversas.
A preceptoria da residência se torna
imprescindível neste âmbito de mudanças, o ponto de apoio dos residentes,
principalmente para os residentes do primeiro ano que iniciam suas jornadas
dentro da terapia intensiva, um setor complexo, novo para muitos que não o
vivenciaram em suas graduações. Aliado a isso, o residente se depara com a
urgência em adquirir novos conhecimentos para aprimorar a sua assistência e com
a problemática de lidar com suas próprias dificuldades no dia a dia e
enfrentamento do abalo psicológico causado pela pandemia e fatores externos.
O aumento dos fatores
de risco para sofrimento psíquico dos profissionais da área da saúde se tornam
cada vez mais visíveis: medo se de ser infectado, adoecer e morrer;
possibilidade de contaminar seus familiares; exposição à morte em larga escala
e a não vivência do luto por colegas de profissão/conhecidos; distanciamento
dos entes queridos; atenção extrema e constante nas técnicas de trabalho; além
do aumento da carga de trabalho devido ao afastamento de profissionais com
COVID-19, torna essa realidade difícil de ser vivenciada.
Desta forma, são
necessárias intervenções para evitar que os estressores da pandemia causem
impactos na saúde mental dos profissionais de saúde. O equilíbrio na saúde
mental dos profissionais residentes é indispensável para que a assistência
prestada seja de forma eficaz e segura. Destaca-se que no cenário atual, os
profissionais que já sofram com distúrbios psicológicos podem ter o seu
agravamento pela atual pandemia do medo [28].
A pandemia causada pelo
SARS-COV-2 coloca em discussão a estrutura das unidades de terapia intensiva
existentes no país, que para se adequar ao novo contexto epidemiológico,
tiveram que modificar seus fluxos operacionais para abarcar a necessidade de
saúde que se apresentava, o que torna primordial a capacitação técnica e
científica dos profissionais de saúde que estão na linha de frente. Também se
faz necessário garantir equipamentos de proteção individual para uma
assistência segura, assim como apoio psicológico e elaboração de um plano de
cuidados para que exposições contínuas aos estressores da pandemia não tornem
os trabalhadores adoecidos e vulneráveis a acometimentos psicológicos graves.