REVISÃO

Saberes e práticas no enfrentamento da violência contra mulher na assistência de enfermagem em emergência

 

Beatriz Cristina Nunes da Silva*, Thaionara de Moraes Ribeiro*, Brenda Giovanna Rufino Ferreira de Almeida*, Larissa Carvalho Teixeira*, Grace Kelly da Silva Dourado, M.Sc.**, Luana Valentim Monteiro, M.Sc.***

 

*Acadêmica de Enfermagem, Faculdade de Enfermagem UNESA, **Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, ***Profª. Graduação em Enfermagem UNESA

 

Recebido em 12 de agosto de 2020; aceito em 16 de outubro de 2020.

Correspondência: Beatriz Cristina Nunes da Silva, Rua Santos Neto, 89 Vila Santos Neto 26010-170 Nova Iguaçu RJ

 

Beatriz Cristina Nunes da Silva: beathriz-nuness@hotmail.com

Thaionara de Moraes Ribeiro: thaionara.moraes@outlook.com

Brenda Giovanna Rufino Ferreira de Almeida: brendagiovanna@hotmail.com

Larissa Carvalho Teixeira: larissacarvalho.tjc@gmail.com

Grace Kelly da Silva Dourado: gracekdourado@gmail.com

Luana Valentim Monteiro: luanavalentimufrj@gmail.com

 

Resumo

Introdução: Violência contra a mulher é um problema mundial de saúde pública que compromete a saúde física e emocional. Objetivos: Compreender, identificar e discutir sobre ações e práticas do enfermeiro frente à violência sexual e doméstica em mulheres. Métodos: Estudo de abordagem qualitativa, descritiva-exploratória, do tipo revisão integrativa da literatura com identificação originada através da busca na Biblioteca Virtual em Saúde do Brasil e arquivos indexados nas bases de dados Lilacs, BDENF e Medline, incluindo estudos no período de 2014 a 2019. Resultados: Embora haja esforços governamentais para diminuição dos casos, conscientização da sociedade e formação profissional, ainda existe um déficit prático e teórico nos saberes dos profissionais quanto a forma de promover um atendimento integral e biopsicossocial a mulheres vítimas de violência. Conclusão: A humanização deve ser utilizada para fornecer uma visão ampla e enxergar as lesões que afligem a mulher como um todo, não restringindo a atenção ao cumprimento de rotinas e procedimentos, sendo de suma importância a harmonia do cuidado clínico e não clínico.

Palavras-chave: emergência, violência contra a mulher, mulheres.

 

Abstract 

Knowledge and practices in coping with violence against women in emergency nursing care

Introduction: Violence against women is a worldwide public health problem that compromises physical and emotional health. Objectives: To understand, identify and discuss nurses' actions and practices in front of sexual and domestic violence against women. Methods: Qualitative study with a descriptive-exploratory approach, integrative literature review of studies indexed in the Brazilian Virtual Health Library, in Lilacs, BDENF and Medline databases from 2014 to 2019. Results: Although there are government efforts to reduce cases, raise society awareness and train professionals, there are still practical and theoretical deficits in professionals’ knowledge as how to promote comprehensive and biopsychosocial care for women victims of violence. Conclusion: Humanization should be used to provide a broader perspective in order to perceive the wounds that afflict women as a whole, not only restricting the attention to comply with routines and procedures but also seeking a harmony between a clinical and nonclinical care.

Keywords: emergency, violence against women, women.

 

Resumen 

Conocimientos y prácticas en el enfrentamiento de la violencia contra la mujer en la asistencia de enfermería en emergencia

Introducción: La violencia contra la mujer es un problema mundial de salud pública que compromete la salud física y emocional. Objetivos: Comprender, identificar y discutir sobre acciones y prácticas del enfermero delante la violencia sexual y doméstica en mujeres. Métodos: Estudio de abordaje cualitativo, descriptivo-exploratorio, estilo revisión integrativa de la literatura, identificación originada a través de la búsqueda en la Biblioteca Virtual en Salud de Brasil y archivos indexados en las bases de datos Lilacs, BDENF, Medline, incluyendo estudios en el periodo de 2014 a 2019. Resultados: Aunque haya esfuerzos gubernamentales para la reducción de los casos, concientización de la sociedad y formación profesional, aún existe un déficit práctico y teórico en los conocimientos de los profesionales en relación a la manera de promover un atendimiento integral y biopsicosocial a las mujeres víctimas de violencia. Conclusión: La humanización debe hacerse para proporcionar una visión amplia y verificar las lesiones que afectan a la mujer como un todo, sin restringir la atención al cumplimiento de rutinas y procedimientos, siendo de una gran importancia la armonía del cuidado clínico y no clínico.

Palabras-clave: emergencia, violencia contra la mujer, mujeres.

 

Introdução

 

Violência contra a mulher é um problema mundial de saúde pública que compromete a saúde física e emocional. “Nos casos de violência física, as lesões são o principal motivo para a busca por atendimento em serviços de urgência e emergência em todo o mundo” [1] e vem sendo tratada pela Organização Mundial da Saúde e pela Organização das Nações Unidas como uma das maiores problemáticas de saúde pública e uma das violações dos direitos humanos mais sistematicamente praticadas no mundo, apresentando inúmeras repercussões para a saúde e qualidade de vida das mulheres e suas famílias. 

Segundo a OMS, violência é “o uso intencional de força física ou poder, real ou como ameaça contra si próprio, outra pessoa, um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha alta probabilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, mau desenvolvimento ou privação” [2]. Ou seja, está caracterizado como violência não apenas lesões físicas contra o próximo, mas também qualquer uso de poder ou ameaça contra a integridade física e psicológica. 

No Brasil, uma das maiores conquistas em prol da proteção da mulher foi a criação da lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres para prevenir, punir e erradicá-la, dispõe sobre a criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher; altera o código de processo penal, o código penal e a lei de execução penal [3].

No âmbito da saúde, nas últimas três décadas, o Brasil tem aumentado significativamente os serviços voltados para as mulheres em situação de violência, através de movimentos organizados em busca dos direitos das mulheres, aumento no investimento em pesquisas científicas focadas nesse tema e a realização de conferências pautadas em combater a violência contra a mulher [4]. Porém mesmo com os avanços advindo de anos de luta e mobilização social, ainda existem muitas dificuldades no que diz respeito à qualidade da assistência e serviços.

A partir da reflexão do tema, mesmo com os avanços vistos em prol da proteção e consolidação dos direitos da mulher vítima de violência, discutiremos os principais desafios e dificuldades da assistência nos serviços de emergência como hospitais, UPAS e prontos-socorros a mulheres vítimas de violência, assim como nos meios de cuidados físicos, mentais e sociais. O objeto traçado são saberes e práticas do enfermeiro no manejo do cuidado de emergência a mulheres vítimas de violência doméstica e sexual. Tendo como objetivos de pesquisa: Compreender, Identificar e discutir sobre ações e práticas do enfermeiro diante da violência sexual e doméstica em mulheres.

Este estudo se justifica, pois apesar da contínua redução a crimes contra o gênero feminino, o Brasil permanece como um dos países mais violentos do mundo para as mulheres. Estudo divulgado em novembro de 2018 pelo UNODC mostra que a taxa de homicídios femininos global foi de 2,3 mortes para cada 100 mil mulheres em 2017 [5], e com a implementação dos saberes discutidos, será possível promover um maior desempenho dos profissionais frente ao cuidado com essas pacientes. 

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, descritiva-exploratória, do tipo revisão integrativa da literatura que busca a união e a síntese dos resultados de pesquisas relacionadas a um determinado assunto ou questão, de forma ordenada e sistematizada, que contribui para um conhecimento mais aprofundado do tema investigado [6]. Tal sistematização se divide nas seguintes etapas: Identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa para a elaboração da revisão integrativa; estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/amostragem e definição da pergunta de pesquisa; definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados/categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; interpretação dos resultados; e apresentação da revisão/síntese do conhecimento [7].

Diante da definição do método de pesquisa, foi definida a seguinte questão norteadora: Quais os principais desafios para implementar a humanização na assistência de enfermagem no cuidado de emergência a mulheres vítimas de violência?

O processo de seleção dos artigos considerou as recomendações PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta Analyses) [8] que teve identificação originada através da busca na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), no mês de setembro de 2019 com os seguintes descritores em ciências da saúde (DeCS): Emergência AND Violência contra a mulher AND Mulher, de onde emergiram 113 artigos.

Os critérios de inclusão adotados para orientar a busca e seleção das publicações foram: artigos com acesso na íntegra online e publicados no período compreendido entre 2014 a setembro de 2019 resultando em 36 artigos, e incluindo os critérios: texto completo, idioma em língua portuguesa, emergiram 21 artigos.

Após adicionar os critérios de exclusão que foram artigos duplicados e que não atendessem a temática da assistência de enfermagem no cuidado de emergência a mulheres vítimas de violência, 6 artigos foram selecionados para contribuição no uso da pesquisa elencados nas bases de dados Literatura Latino - Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Banco de Dados de Enfermagem (BDENF) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE). Procedeu-se à leitura minuciosa para a construção do conteúdo, destacando aqueles que responderam ao objetivo proposto pelo estudo, com intuito de organizar os dados de acordo com o objetivo proposto.

 

 

Elaborado pelas autoras.

Figura 1 - Fluxograma de identificação e seleção de estudos elaborados a partir da recomendação PRISMA.

 

Os artigos foram tabelados pela amostra em quadro. A partir de então iniciou-se a análise destes segundo a “análise de conteúdo como uma das técnicas de tratamento de dados em pesquisa qualitativa que está calcado na proposta da professora da Universidade de Paris V, Laurence Bardin” [9], seguindo as três fases que prevê Bardin, a pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados - a inferência e a interpretação [10], agrupando os artigos por similaridade sob forma de categorias. Foi utilizado também, para auxiliar no manejo da temática a política nacional de atenção à saúde da mulher (PAISM) [11] e a lei 11340/06 (lei Maria da Penha) [3].

 

Resultados e discussão

 

Quadro 1 - Características dos artigos analisados no período de 2009 a 2019.

 

 

Após a tabulação dos materiais encontrados nas bases de dados nacionais (Quadro 1), que apresenta as informações consideradas fundamentais para uma análise mais aprofundada e que produzisse interpretações relevantes e fidedignas sobre o tema estudado, iniciou-se a etapa de obtenção dos dados, e analisou-se que, durante o recorte temporal de 2014 a 2019, foram encontrados 6 artigos em português, que são compatíveis ao tema do estudo abordado. Através deste fracionamento e posterior comparação, foi possível identificar perfis temáticos comuns entre os achados como, por exemplo, devido a heterogeneidade de periódicos nas publicações onde nenhum dos artigos foram publicados em um mesmo periódico e terem sido publicados em anos consecutivos (2015 com dois artigos, 2016 com dois artigos, 2017 com um artigo e 2018 com um artigo), observa-se que todos têm em comum como um dos pontos de abordagem de suas temáticas a busca por analisar os fatores e estratégias associados ao atendimento, a compreensão e abordagem que a diferenciação de gênero tem em relação a violência para buscar entender por que motivos ela acontece.

Realizada a análise dos artigos elencados neste estudo, foi possível elencar categorias distintas, porém construtivas e concomitantes umas às outras, abordadas nos diferentes artigos para a construção desse estudo.

 

Categoria 1- A violência e os tipos mais recorrentes

 

É preciso considerar que a violência possui como substrato as relações desiguais de gênero e trazer a conhecimento as políticas públicas, secretarias, programas e leis que foram criadas ao decorrer dos anos focados no gênero feminino, direcionam as definições e importâncias do gênero na sociedade.

O convívio com a violência pode ser capaz de trazer vários danos para os indivíduos que se deparam com ela, danos psicológicos, físicos e até morais causando também morte em muitos dos casos, afetando a saúde pública mundial. A mulher é a principal vítima de agressões, seja por sua vulnerabilidade física perante a figura masculina, que é a maior porção agressora, por questões de submissão religiosa que a fazem suportar dadas situações em seu lar com seus referidos companheiros, por questões de dependência financeira e em casos que suporta as agressões pelos filhos, para mantê-los estáveis e protegidos.

Embora haja esforços internacionais para erradicar todos os tipos de violência, os índices são alarmantes [12].

Em dados registrados através da análise dos artigos, sobre os tipos de violência contra a mulher registradas, podemos observar uma grande maioria da presença de violências sexuais e domésticas e uma menor presença de violência física diante do exposto no Gráfico.

 

 

Elaborado Pelas Autoras (2020).

Gráfico 1 - Tipos de violência contra a mulher identificadas nos artigos analisados.

 

 

Com relação a violência doméstica e sexual, nota-se a peculiaridade das variáveis que se conectam, em que na maioria dos casos relatados, as mulheres eram jovens, de baixa escolaridade, solteiras (em casos de violência sexual) e dependentes financeiramente (em casos de violência doméstica) [13,14].

             Dados da 8ª Pesquisa Nacional sobre Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, realizada pelo Instituto de Pesquisa Data Senado, do Senado Federal em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, perguntando a mulheres que já sofreram violência doméstica, sobre quem foi o agressor (Gráfico 2) [13], no levantamento de 2019, assim como nos anos anteriores, os principais responsáveis pelas agressões relatadas são companheiros e ex-companheiros, com um crescimento do volume de agressões cometidas pelos ‘ex’ ( 13% em 2011, subindo para 37% em 2019). E o percentual relacionado aos companheiros em geral vêm diminuindo desde 2011 e permanecem em 41% entre 2017 e 2019.

 

Fonte: Data Senado 2019. 

Gráfico 2 - Percentual do tipo de agressores a mulheres vítimas de violência doméstica.

 

Visando auxiliar as mulheres que passam por algum tipo de violência e as que ainda não se reconhecem como vítimas de violência, as Secretarias de Saúde vêm implementando nos últimos três anos, uma régua, chamada de violentômetro, que apresenta diferentes graus de violência, permitindo a identificação de tal, pelas mulheres, sendo importante não só para as vítimas, mas também para seus familiares e amigos, que podem ser a ponte para a prevenção de situações de risco, para realizar ou auxiliar no momento da denúncia de agressores e também servindo como grande apoio às mulheres.

A facilidade e clareza das informações facilita a compreensão de quem vive esse ciclo e sequer sabe que se trata de um tipo de violência.

 

Categoria 2 - Aspectos emocionais na assistência a mulheres vítimas de violência.

 

A eficácia do cuidado na atenção à mulher vítima de violência, se divide em elementos do cuidado clínico, que se remetem aos procedimentos e técnicas de enfermagem e elementos de cuidado não clínico, que são conversas, escuta, orientação às mulheres, familiares e encaminhamento para outras assistências complementares.

A partir do momento que uma mulher sofre violência, o seu estado psicológico também se abala drasticamente, pois uma boa parte das vítimas sofrem com a “Síndrome do Trauma do Estupro, depressão, ideação suicida, revolta, desamparo, culpa, vergonha” [12], o que exige um bom preparo profissional para manter essa paciente confortável e assídua no tratamento.

A pessoa que sofre violência geralmente carrega temores, sentimento de vulnerabilidade, medos de represálias e insegurança, sendo importante considerar esses impactos no momento do cuidado. Dessa forma, os profissionais de saúde ao prestar assistência a mulheres vítimas de violência devem proporcionar um atendimento com acolhimento, escuta e inclusão dos direitos da mulher [15].

Compreendendo todos os aspectos que norteiam a mulher vítima de violência, foram criados serviços especializados de atendimento à mulher, como as casas-abrigo que é uma das formas de proteger as mulheres vítimas de violência doméstica e em risco de morte, que possui caráter sigiloso e é temporário; a Casa da Mulher Brasileira, com serviços especializados para vários tipos de violência, como: apoio psicossocial; delegacia; Juizado; Ministério Público, Defensoria Pública; promoção de autonomia econômica e no critério jurídico as defensorias públicas especializadas, as delegacias especializadas de atendimento à mulher (DEAMs) [16].

“Acolhimento é uma postura ética que implica na escuta do usuário em suas queixas, no reconhecimento do seu protagonismo no processo de saúde e adoecimento, e na responsabilização pela resolução, com ativação de redes de compartilhamento de saberes” [17].

 Os profissionais não devem atuar somente como intervencionistas nos agravos físicos, mas como agentes de promoção da saúde, constituintes de uma rede de serviços que buscam enfrentar as sequelas e disseminação de uma cultura de violência. “A escuta realizada revela-se como um momento de desabafo no qual a mulher pode aliviar seu sofrimento” [18].

Ao trabalhar os sentimentos da vítima de violência, o profissional cria um diferencial no atendimento e reconhece a integralidade do sujeito atuando para auxiliá-lo a lidar com os aspectos emocionais, pois princípios como este são de grande importância para a assistência às mulheres vítimas de violência [19].

A empatia propagada pelo profissional é relevante para a assistência assim como a solidariedade, dessa forma promove um ambiente mais tranquilo, confortável e de acolhimento às vítimas. Para Cortes et al., “Na prática em saúde, para se reconhecer e atender às necessidades das mulheres que vivenciam violência se pressupõe desnaturalizar desigualdades de gênero e promover o empoderamento das mulheres” [18].

Quando profissionais escutam, orientam as mulheres, e compartilham do mesmo tempo e espaço com elas, acaba-se entendendo o contexto de vida dessas mulheres, se torna possível compreendê-las e enxergá-las como seres humanos dotados de direitos, e passíveis de viver uma vida sem violência [18].

O apoio emocional, informações sobre os recursos legais disponíveis, confidencialidade e o estímulo da autonomia das mulheres são elementos fundamentais no atendimento em saúde.

 

Categoria 3 - Dificuldades na atuação do enfermeiro frente à mulher vítima de violência.

 

Poucos têm proximidade com a temática e relataram não buscar conhecimento individual sobre, e números mínimos sentem-se preparados para atenderem mulheres com situação suspeita ou confirmada de violência, referem saber identificar sinais suspeitos de violência à mulher, mas encontram limitações e inseguranças que interferem no desempenho satisfatório, durante o atendimento, atribuídas ao pouco conhecimento teórico sobre a temática, à superlotação e a deficiências na segurança externa e na estrutura física do local de trabalho [12,18].

A insuficiência de conhecimento teórico e prático e as deficiências nas condições de trabalho são limitações que afetam a atuação da equipe de emergência no atendimento à mulher em situação de violência [18].

A maioria dos profissionais atribui seus despreparos à falta de oportunidades e abordagens durante suas formações acadêmicas e que usualmente não se tem nenhuma capacitação na assistência voltada a tal assunto. Com relação a prática assistencial às mulheres em situação de violência, é evidenciado que os profissionais realizam o cuidado inicial das lesões e do trauma que são consequências da violência, um cuidado técnico, muitas vezes restrito às questões biológicas de acordo com o tipo de violência e com o protocolo estabelecido [18].

Os profissionais de Enfermagem, em especial no âmbito emergencial, costumam ser muito requisitados, a demanda de trabalho é grande e muitas vezes não há tempo para o diálogo, o atendimento realizado é pontual, focado nos procedimentos e técnicas, dessa forma, o cuidado às mulheres em situação de violência, muitas vezes, encontra-se permeado pela valorização do saber técnico, sendo que o “entendimento do comportamento da vítima, desde o primeiro atendimento até a alta, facilita os estudos e a compreensão de tão considerável assunto” [12]. Tais informações se ligam com outros estudos da área da saúde nos quais os profissionais limitam-se a tratar as lesões físicas [18], sem buscar compreender a vítima, com um cuidado que seja capaz de ir além das lesões.

Com a necessidade dos profissionais em relação ao cuidado à mulher vítima de violência, o Ministério da Saúde criou uma norma técnica para que melhor seja realizado o atendimento à mulher vítima de violência, na qual propõe informações gerais sobre atendimento, apoio psicológico, prevenção de infecções, preservação e sigilo de informações entre profissional e paciente, procedimentos em casos de gravidez, interrupção da mesma, entre outros suportes e recomendações [20], para propor um melhor atendimento a vítima e uma maior humanização no contato com profissional.

Dessa forma, deve-se refletir acerca de uma reorientação quanto ao gerenciamento e as práticas profissionais, pois se sabe que a busca pelo serviço de saúde é determinada, muitas vezes, pelas lesões físicas decorrentes da violência [18]. O cuidado clínico é um meio que possibilita a identificação e o reconhecimento da violência, porém há a necessidade da implementação e melhor conhecimento quanto às ações do cuidado não clínico, com acolhimento, pautado na classificação de risco para acolher e avaliar o grau de vulnerabilidade física e de sofrimento psíquico das mulheres e familiares.

A atenção não pode se restringir ao cumprimento de rotinas e procedimentos, deve-se garantir o não julgamento e respeito às decisões da mulher, com uma escuta ativa. Nesse sentido, ambos os elementos de cuidado, clínicos e não clínicos, são importantes e necessários na ação profissional ao cuidar das mulheres, uma vez que um complementa o outro. 

Esses são desafios a serem superados na própria organização do serviço a fim de romper com a fragmentação do cuidado e a frágil ou inexistente articulação com os demais serviços da rede de atenção [18], proporcionando uma atenção eficaz e atendimento integral. 

 

Conclusão

 

É preciso considerar que a violência possui relação direta com a diferenciação no tratamento entre gêneros na sociedade, encontrando como vieses pouca oportunidade, pouco conhecimento das mulheres com relação a seus direitos e um déficit de conhecimentos teóricos e práticos partindo dos profissionais, que interferem diretamente na identificação e condução de casos de violência a mulheres. 

Estima-se que os profissionais realizem capacitações e treinamentos continuamente para promoverem cuidados além das lesões físicas, englobando todos os elementos essenciais para o cuidado, aplicando um modelo biopsicossocial de atendimento, ações essas que trarão grande suporte para as mulheres e provável diminuição dos casos e das recorrências dos mesmos, já que o conhecimento e informação são empoderadores e os profissionais de Enfermagem são grandes proporcionadores desse empoderamento e da dispensação de conhecimentos. 

 

Referências

 

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