ARTIGO ORIGINAL

Atuação da enfermagem no cuidado aos pacientes em sofrimento mental na Estratégia de Saúde da Família

 

Paula Amaral Mussumeci, M.Sc.*, Sandra Maria do Amaral Chaves**, Nayanna de Almeida Nassif Rodrigues***, Luiz Alberto de Freitas Felipe, M.Sc.****, Clarissa Coelho Vieira Guimarães, M.Sc.*****, Beatriz Gerbassi Costa Aguiar, D.Sc.******

 

*Enfermeira, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, **Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Biotecnologia, Universidade Federal Fluminense (UFF), Professora do curso de enfermagem na Universidade Federal Fluminense (UFF), ***Enfermeira, Universidade Federal Fluminense (UFF), ****Enfermeiro, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, Apoiador técnico e institucional da Superintendência de Atenção Primária do Estado do Rio de Janeiro, *****Enfermeira, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, Enfermeira da Força Aérea Brasileira, ******Enfermeira, Professora associada I da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

 

Recebido em 13 de setembro de 2020; aceito em 29 de dezembro de 2020.

Correspondência: Luiz Alberto de Freitas Felipe, Avenida Tenente Coronel Muniz de Aragão, 1618 – asa 104, 22765-007 Rio de Janeiro RJ

 

Paula Amaral Mussumeci: paula_mussumeci@yahoo.com.br

Sandra Maria do Amaral Chaves: sandrachaves@id.uff.br  

Nayanna de Almeida Nassif Rodrigues: nayannanassif@outlook.com  

Luiz Alberto de Freitas Felipe: enfermeiroluizalbertodefreitas@gmail.com  

Clarissa Coelho Vieira Guimarães: clarissaknog@hotmail.com  

Beatriz Gerbassi Costa Aguiar: nildo.ag@terra.com.br  

 

Resumo

Estudo descritivo de abordagem qualitativa, tendo como objetivo identificar e analisar as práticas de saúde mental desenvolvidas pelas enfermeiras que atuam na Estratégia de Saúde da Família (ESF) do município de Rio das Ostras. Os dados foram coletados através de entrevista semiestruturada com 7 enfermeiras que atuam na atenção primária à saúde do município de Rio das Ostras. Os resultados mostraram práticas de trabalho com a equipe de matriciamento, educação permanente, acolhimento, visitas domiciliares, encaminhamentos, oficinas terapêuticas e terapia comunitária. A visão das enfermeiras entrevistadas sobre a prática profissional em saúde mental está relacionada à promoção em saúde mental, estabelecimento do vínculo com o paciente, e a capacitação das enfermeiras para o atendimento em saúde mental.

Palavras-chave: Enfermagem, saúde mental, Estratégia de Saúde da Família.

 

Abstract

Nursing performance in caring for patients with mental disorder in the Family Health Strategy

Descriptive study of qualitative approach, aiming at identifying and analyze the mental health practices developed by nurse in the Family Health Strategy (ESF) in Rio das Ostras city/RJ. Data were collected through semi-structured interview with seven female nurses who work at primary health care of ESF in Rio das Ostras city/RJ. The results showed: work with matrix-based strategies, continuing education, reception, home visits, referrals, therapeutic workshops and community therapy. Professional practice in mental health from nurses’ perspectives is related to prevention in mental health, establishment of bond between the patient and the nurses, and nurses with mental health training.

Keywords: Nursing, mental health, Family Health Strategy.

 

Resumen

Actuación de enfermería en el cuidado de pacientes con sufrimiento mental en la Estrategia de Salud Familiar

Estudio descriptivo con enfoque cualitativo, cuyo objetivo fue identificar y analizar las prácticas en salud mental desarrolladas por las enfermeras que actúan en la Estrategia de Salud Familiar (ESF) en la ciudad de Rio das Ostras/RJ. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas con 7 enfermeras que actúan en atención primaria de la salud del municipio de Rio das Ostras/RJ. Los resultados mostraron las prácticas de trabajo con el equipo de apoyo matricial, educación permanente, acogimiento familiar, visitas domiciliarias, fuentes de referimientos, talleres terapéuticos y comunidad terapéutica. La visión de las enfermeras entrevistadas acerca de la práctica profesional en salud mental se relaciona con la prevención de la salud mental, el establecimiento del vínculo con el paciente y la capacitación del personal de enfermería para la atención en salud mental.

Palabras-clave: Enfermería, salud mental, Estrategia de Salud Familiar.

 

Introdução

 

A partir da Reforma Psiquiátrica no Brasil, a prática em saúde mental foi repensada, e passou por importantes transformações conceituais e operacionais reorientando-se o modelo historicamente centrado no hospital psiquiátrico para um novo modelo de atenção descentralizado e com inclusão de outras tecnologias de cuidado à saúde [1].

A Reforma psiquiátrica veio com o objetivo de propor novas modalidades de atenção em saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), hospitais-dia, residências terapêuticas, entre outros, com a finalidade de reabilitação psicossocial e (re) inserção social do usuário de saúde mental [1,2].

Desde o final da década de 90, o Ministério da Saúde vem estimulando a inclusão de políticas de expansão e reformulação da atenção básica direcionadas aos problemas de saúde mental, enfatizando a criação de equipes nessa rede de atenção com fortes vínculos da população com os profissionais da saúde mental [3].

Assim, o surgimento da Estratégia de Saúde da Família (ESF) na atenção básica fortaleceu a desinstitucionalização com a construção de novos conceitos e práticas em saúde mental, pois a ESF trabalha na lógica, incorporada no cotidiano da comunidade, na perspectiva de melhoria da qualidade de vida do usuário, com ênfase no vínculo, no acolhimento, na família [3,4].

A ESF foi criada em 1994, pelo Governo Federal, sendo considerada uma das formas de atenção primária em saúde e objetiva reverter o modelo assistencial biomédico centrado na doença e no tratamento, para um modelo com foco na saúde e na família [3,4].

A ESF é a porta de entrada do sistema de saúde, é um modelo de atenção primária à saúde que visa a integralidade do cuidado, constituindo-se, portanto, como uma das parceiras para integração das ações de saúde mental. Esta estratégia tem como diretrizes a universalidade, a integralidade na atenção, a territorialização e a formação de vínculo com a população. Tem como foco o trabalho em equipe multidisciplinar, com ênfase na promoção da saúde e prevenção, recuperação e reabilitação dos indivíduos, com estímulo à participação da comunidade e controle social, consolidando assim o Sistema Único de Saúde [4].

Este modelo na atenção básica tem sido considerado um ambiente propício à nova lógica de cuidados em saúde mental, pois a sua proximidade com a comunidade faz com que os profissionais se deparem mais constantemente com os problemas da população. Entretanto, essas equipes nem sempre apresentam condições para intervir em determinadas situações e há necessidade de encaminhamento para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou hospitais gerais e pronto socorro. É fundamental que a responsabilidade seja compartilhada, a fim de garantir maior qualidade no tratamento do paciente psiquiátrico [5].

Em relação às atividades desenvolvidas pela equipe de matriciamento com os profissionais da ESF, têm a finalidade de prepará-los tecnicamente, pois as suas experiências em saúde mental são limitadas [6].

O matriciamento se estruturou no Brasil como forma de cuidado de cooperação entre a Atenção Primária e a Saúde Mental. A equipe de apoio matricial é composta por psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, assistentes sociais e enfermeiras da área de saúde mental. Essa equipe atua na lógica da corresponsabilização da assistência e inclui atividades conjuntas com ESF, minimizando os encaminhamentos dos usuários de saúde mental estáveis a outros níveis da rede de atenção à saúde [6-8].

Os serviços prestados na ESF devem estar voltados ao trabalho com a comunidade, sabendo que a cada dia surgem novas tecnologias e conhecimentos importantes para a vida e o bem-estar dos usuários. A enfermeira desempenha uma função importante na comunicação estabelecida com os usuários, no processo de educação em saúde e na desconstrução da percepção da comunidade sobre a doença mental [9].

A ressocialização é adquirida através das oficinas e terapias realizadas com os portadores de transtornos mentais na rede básica de saúde. Esses grupos, portanto, permitem aos pacientes pensarem sobre autocuidado, a relação consigo mesmo e com os outros, relações de trabalho e de afetividade, tendo por finalidade o desenvolvimento social [10].

Dessa forma, o trabalho da enfermeira na ESF envolve investigar possíveis vulnerabilidades que podem interferir na saúde do usuário, no seu contexto familiar, social, financeiro, dentre outros fatores que devem ser analisados antes do planejamento da assistência e das intervenções. A enfermeira em conjunto com a equipe multidisciplinar deve realizar educação e promoção à saúde, a partir de grupos ou palestras, que podem ser realizados na própria unidade de saúde ou no território de abrangência, desde que alcance os indivíduos selecionados para ação [3].

A ESF, portanto, garante a intervenção necessária em relação à educação, à promoção da saúde da comunidade que circunda o território, e à cidadania ao usuário com transtorno mental garantindo ampliação do acesso e longitudinalidade do cuidado.

Este estudo tem como objetivo identificar e analisar as práticas de saúde mental desenvolvidas pelas enfermeiras que atuam na ESF do município de Rio das Ostras.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa, desenvolvido em cinco unidades básicas de saúde que desempenham o modelo assistencial de Estratégia de Saúde da Família no município de Rio das Ostras. Os participantes do estudo foram enfermeiras das Equipes de Estratégia de Saúde da Família do município de Rio das Ostras, com experiência profissional de no mínimo um ano. A coleta de dados foi realizada através de entrevista semiestruturada.

Os dados foram agrupados, codificados e realizada a análise de conteúdo. Foram entrevistados um total de 07 enfermeiros, identificados por letras.

O estudo foi realizado de acordo com a Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, a qual dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, utilizando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) - o qual garante a manutenção total do sigilo e da privacidade dos participantes da pesquisa.

A pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) via Plataforma Brasil, número do protocolo CAAE: 48548515.5.0000.5243.

 

Resultados e discussão

 

Do total de enfermeiros entrevistados, 100% são do sexo feminino, observando o previsto da profissão que é eminentemente feminina desde seus primórdios; 71% estão na faixa etária entre 25 -35 anos e 29% entre 35 – 45 anos.

Em relação ao ano de formação, 71% das enfermeiras entrevistadas formaram-se entre os anos de 2005 – 2015; 29% concluíram entre os anos de 1990 e 2000; 50% possuem um ano no cargo, 25% dois anos e 25% três anos; 100% das enfermeiras não possuem especialização em saúde mental.

Os dados das entrevistas foram agrupados e codificados, emergindo duas categorias de análise.

 

Primeira categoria: A prática profissional do enfermeiro em saúde mental na ESF

 

É possível observar que 100% das enfermeiras entrevistadas trabalham com a equipe de matriciamento no cuidado em saúde mental na ESF.

 

Na estratégia de Saúde da Família o trabalho é realizado pela equipe de matriciamento e profissionais da ESF. (Enfermeira C)

 

O matriciamentoem saúde mental é a articulação entre as equipes especializadas e a equipe de Saúde da Família, responsável por orientar as ações de saúde mental na Atenção Primária de Saúde, pois esta encontra-se mais próxima das famílias e comunidades [11].

O trabalho entre as equipes, ESF e especializada, é feito de maneira horizontal. A equipe de matriciamento, presente em todas as unidades pesquisadas, oferece apoio à ESF, em casos de pacientes em sofrimento psíquico e esta é responsável por capacitar a equipe da ESF por meio da educação permanente, concedendo auxílio técnico para a realização de um tratamento específico ao paciente em sofrimento mental.

Em relação à visita domiciliar, 85,7% das participantes do estudo realizam visitas domiciliares, enfatizando a importância dessa prática ao permitir o conhecimento da realidade do paciente e do meio em que este se insere, sendo de extrema importância para a definição do prognóstico dos usuários do serviço de saúde.

 

Quando vamos à casa do paciente conseguimos visualizar suas condições de moradia e relações familiares, e se estas condizem com o que conhecemos e ouvimos falar deles. (Enfermeira D)

 

Uma das propostas da ESF consiste no redirecionamento da assistência em saúde mental, através da humanização das suas práticas em busca da satisfação dos usuários do serviço de saúde. A ESF também possibilita o atendimento domiciliar, com objetivo de promover a saúde e reduzir as internações psiquiátricas [2].

A visita domiciliar busca a redução do número de internações através de uma assistência de saúde de melhor qualidade, que é possível a partir do conhecimento do território e da população que a ESF atende.        É importante conhecer a realidade de cada família, para que haja a possibilidade de identificar as demandas dos pacientes e realizar os diagnósticos de enfermagem. Portanto, saber das condições financeiras e sociais da família, assim como a escolaridade, é de grande relevância para o êxito do tratamento. A enfermeira deve responsabilizar-se pelas visitas domiciliares, realizando-as rotineiramente.

De acordo com as falas das entrevistadas, 57,1% referiram praticar o acolhimento no cotidiano do trabalho:

 

O usuário vem à Estratégia de Saúde da Família precisando de ajuda, então faço o acolhimento e vejo a necessidade de estar envolvendo outras equipes (Enfermeiro G)

 

Em relação aos obstáculos vivenciados na prática do acolhimento, estes podem ser superados a partir do maior envolvimento dos profissionais de saúde com a comunidade, reconhecimento das peculiaridades da população atendida.

O acolhimento é um dos diferenciais da ESF. Utiliza a escuta qualificada como um artifício capaz de colher informações importantes, através das queixas e angústias dos usuários, a fim de avaliar suas demandas, propiciando o vínculo entre profissional e paciente, o que traz detalhes sobre sua vida e da sua relação com a doença.

Os três pilares do acolhimento são descritos como postura, técnica e princípio de reorientação do serviço. A postura é uma atitude humanizada dos profissionais ao receber, escutar e tratar as necessidades do paciente, resultando em estabelecimento de confiança. A técnica aborda a utilização da cientificidade das profissões, relacionada à atuação da equipe multiprofissional, para atender as demandas do paciente. A reorientação do serviço inclui a supervisão, que consiste na organização e orientação do trabalho dos profissionais, acompanhamento do serviço e acolhimento enquanto atitude e técnica. Assim, é possível uma clínica para além dos protocolos de triagem, uma avaliação do trabalho desenvolvido pelos profissionais e eficiência no prognóstico do paciente [8].

Alguns obstáculos para o desenvolvimento de um acolhimento eficiente: tempo reduzido para o acolhimento, desconhecimento da realidade da população adstrita na unidade por parte dos profissionais que não realizam atividades extramuros, dificuldade de realização de encaminhamentos para especialistas, despreparo dos profissionais para o trabalho em equipe e para o acolhimento em relação à saúde mental e o fato de haver uma equipe específica para o acolhimento, sendo atribuída a equipe de enfermagem, o que deveria ser responsabilidade de toda a equipe multidisciplinar [12].

De acordo com as falas das entrevistadas, 57,1% realizam constantemente encaminhamentos em caso de pacientes em crise.

 

Quando recebemos paciente em crise a nossa conduta é solicitar o atendimento médico. Geralmente este paciente não permanece na unidade, o encaminhamos para o pronto socorro, local onde terá mais recursos para o atendimento (Enfermeira A).

 

Alguns casos de crise não devem ser tratados nas unidades básicas de saúde, devido à falta de suporte técnico para estes fins. Portanto, é possível que os pacientes sejam atendidos na atenção primária quando apresentam sinais e sintomas que possam ser tratados nessa unidade.

Com base nas entrevistas, 28,6% das participantes do estudo realizam oficina terapêutica ou terapia comunitária.

 

Nós temos o grupo de terapia comunitária, ambiente que permite aos pacientes conversar sobre seus problemas e, com auxílio de toda a equipe, traçamos a melhor estratégia de acompanhamento (Enfermeira D).

 

Independentemente do tipo de grupo realizado, seja uma oficina para realização de atividades artesanais ou terapia com diálogos e trocas de experiência, são de fundamental importância para a inclusão social do paciente de saúde mental.

As oficinas têm o intuito de reestabelecer o potencial profissional do paciente, surgindo como uma possibilidade de reinserção social. A terapia, por sua vez, surge como uma forma de tratamento pautado no conhecimento de que a troca de experiência, diálogo e escuta são meios terapêuticos em saúde mental [13].

O trabalho em grupo, seja ele terapêutico ou comunitário, é importante para o melhor prognóstico dos pacientes de saúde mental, nesta forma de tratamento há: controle de impulsos e agressividade, escuta do que o outro tem a dizer, desenvolvimento de habilidades manuais, vínculos, dentre outros. As oficinas terapêuticas oferecem aos usuários atividades artesanais, que lhe trazem satisfação pessoal e, até mesmo, financeira, com o intuito de promover a reinserção social através do trabalho [12].

O estudo evidencia que os grupos de convivência propiciam aos usuários com transtornos mentais a ressocialização na sociedade, o que sugere grande avanço na melhoria do seu tratamento.

 

A Segunda Categoria: A visão da Enfermeira acerca das suas práticas em saúde mental na ESF

 

De acordo com as enfermeiras entrevistadas, 42,9 % referem à prevenção de agravos como seu trabalho primordial na Estratégia de Saúde da Família.

 

Nós não trabalhamos somente com a cura, mas sim com a prevenção de agravos, que é o principal fundamento da Estratégia de Saúde da Família (Enfermeira A).

 

A pesquisa salienta que ESF é a principal responsável pelo trabalho preventivo em saúde mental. A prevenção encontra-se aliada a ideia de romper com o modelo hospitalocêntrico, o qual privilegiava a medicalização, abrindo espaço para o modelo preventivo desenvolvido pelas unidades básicas de saúde, responsáveis pelo acompanhamento destes pacientes, evitando assim a ocorrência de novas crises.

A ESF, por sua vez, serve como importante articulador da rede de saúde mental, no intuito de superar o modelo hospitalocêntrico, centrar o cuidado na família, e não no indivíduo doente, trabalhar com os conceitos de vigilância à saúde e no enfoque sobre o risco, desenvolver atividades que incluam a prevenção e a promoção da saúde mental e, politizando as ações de saúde de modo a lidar com os determinantes sociais do adoecimento, este modelo dispõe ambiente propício para o desenvolvimento de práticas lúdicas, centrado na participação popular de modo a estimular práticas autônomas, acrescendo a isso a formação de parcerias, proporcionando qualidade na assistência ao cuidado [14-17].

Das enfermeiras entrevistadas, 28,6% relataram a visão sobre a importância do vínculo entre paciente/família/comunidade e enfermeiro para o prognóstico do paciente.

 

Uma das práticas do enfermeiro em saúde mental na rede básica é a orientação prestada à família, intervenção esta que exige vínculo entre profissional, paciente e família (Enfermeira E).

 

O estudo evidencia que o vínculo com o paciente é o diferencial no trabalho da enfermeira em saúde na ESF. O vínculo torna-se essencial para o êxito do tratamento em saúde mental, pois é a partir dele que se obtêm as informações acerca das condições sociais e econômicas da comunidade e os profissionais conhecem a relação do paciente com a família – situação que interfere no tratamento e que deve ser acompanhada pela ESF, devido à proximidade territorial.

A enfermeira é a responsável por conceder ao usuário incentivo, através de seus conhecimentos e habilidades profissionais, para que ele mesmo busque racionalização de sua condição clínica. Portanto, uma das funções da enfermeira é prestar auxílio nas horas de dificuldades ocasionadas pela enfermidade e ajudar o paciente, família e comunidade a conviver com a doença mental [1].

Dos participantes do estudo, 14,3 % referiram deficiência de capacitação para os profissionais que trabalham no atendimento em saúde mental.

 

Caso o paciente esteja em crise, nós realizamos apenas o acolhimento e o encaminhamos, pois não fomos capacitados para intervir nestas situações (Enfermeira D).

 

A deficiência de capacitação limita a atuação da enfermeira em saúde mental, considerando o fato que todas as enfermeiras entrevistadas não possuíam especialização na área, a educação permanente torna-se ainda mais importante para a atuação das enfermeiras na ESF.

Por isso, a educação permanente na área da saúde, em especial na saúde mental, deve ser realizada considerando os usuários, família e comunidade, para que os profissionais analisem eficientemente e criticamente onde a capacitação pode trazer melhorias no atendimento. A educação permanente permite o aprimoramento das práticas da enfermeira na atenção básica [8].

É fundamental que a educação permanente forneça aos profissionais as informações primordiais à capacitação dos mesmos, por ser esta atualização indispensável ao funcionamento da ESF [8].

Este pensamento, também é referido, afirmando que quanto mais informado sobre os resultados do seu trabalho, mais capacitada a enfermeira estará para atuar em casos de sofrimento psíquico [8].

Esta categoria destaca a magnitude do enfermeiro na condução dos casos de saúde mental na ESF, enfatizando a importância do matriciamento para prevenção do agravo através do vínculo construído com o usuário e com a sua família. Evidencia também a necessidade da capacitação dos profissionais enfermeiros envolvidos no cuidado a saúde mental na ESF, o que deve ser considerado para maior excelência no cuidado.

 

Conclusão

 

A saúde mental na ESF é uma proposta de cuidado territorial, centrado não só no indivíduo, mas também na família e comunidade. O estudo destaca as principais práticas realizadas pelo enfermeiro na ESF são: o trabalho conjunto com a equipe de matriciamento, responsável pelas atividades de educação permanente, a realização de visitas domiciliares, acolhimento, oficina terapêutica e terapia comunitária. A equipe de matriciamento foi abordada como presente em todas as unidades, garantindo as enfermeiras o suporte técnico em saúde mental e a capacitação deles.

As visitas domiciliares se constituem como fundamentais para o êxito do tratamento na ESF, pois é a partir delas que os profissionais conseguem identificar as vulnerabilidades dos pacientes em seu contexto familiar e têm a oportunidade de estreitar o vínculo com a população, a oficina terapêutica e a terapia comunitária busca o tratamento e a reinserção social dos pacientes através de atividades lúdicas, conversa e trocas de experiências.

Em relação à visão da prática da enfermeira na ESF, a prevenção foi evidenciada como a principal ferramenta de atuação em saúde mental, o vínculo com o paciente estabeleceu-se como um dos diferenciais da ESF, a qual permite o cuidado considerando o território e a população atendida e ainda atua ativamente na desconstrução dos estigmas das desordens mentais, e participação no restabelecimento da autonomia e vínculos sociais dos pacientes.

 

Referências

 

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