ARTIGO ORIGINAL

Percepção da equipe de enfermagem sobre cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva

 

Carolina Pedra Branca Valentim Silva*, Taisi Soares Assis Amaral**, Valdenir Almeida da Silva, D.Sc.***

 

*Enfermeira Especialista, Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES/UFBA) Salvador/BA, **Enfermeira Especialista, Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES/UFBA) Salvador/BA, ***Enfermeiro, Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES/UFBA) Salvador/BA

 

Recebido em 27 de setembro de 2020; aceito em 23 de outubro de 2020.

Correspondência: Carolina Pedra Branca Valentim Silva, Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES), Rua Doutor Augusto Viana, S/n Canela, 40301-155 Salvador BA

 

Carolina Pedra Branca Valentim Silva: carolpedrabranca@yahoo.com.br

Taisi Soares Assis Amaral: taisoares1@hotmail.com

Valdenir Almeida da Silva: valdernirenf@yahoo.com.br

 

Resumo

Introdução: Diante do processo distanciamento da morte dos núcleos familiares e da desumanização do morrer, torna-se essencial adotar uma prática de cuidado que minimize o sofrimento e qualidade de vida diante da finitude. É nesse contexto que surgem os Cuidados Paliativos direcionados ao paciente na terminalidade da vida. Objetivo: Identificar a percepção da equipe de enfermagem sobre cuidados paliativos em Unidade de Terapia Intensiva. Métodos: Pesquisa qualitativa realizada com 30 profissionais de enfermagem que trabalham na terapia de um hospital público de grande porte, em Salvador, Bahia. Os dados foram coletados entre novembro de 2018 e janeiro de 2019, por meio de entrevista semiestruturada e foram processadas no software IRAMUTEQ. O projeto foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa. Resultados: Foram geradas quatro classes lexicais. Os entrevistados apontaram a relevância do cuidado humanizado para o conforto, alívio da dor e qualidade de vida dos pacientes em terminalidade. Houve destaque para o papel dos familiares junto aos pacientes e para seu maior envolvimento nas decisões sobre a paliação. Conclusão: A percepção dos profissionais foi direcionada à indicação de um cuidado humanizado, que proporcione conforto e que agregue a equipe multiprofissional para o alcance dos objetivos da paliação.

Palavras-chave: cuidados paliativos, enfermagem, unidade de terapia intensiva, percepção, humanização da assistência.

 

Abstract

Perception of the nursing team on palliative care in the intensive care unit

Introduction: Facing the process of distancing death from family nuclei and the dehumanization of dying, it is essential to adopt a care practice that minimizes suffering and quality of life in the face of finitude. It is in this context that Palliative Care directed to the patient in the end of life appears. Objective: To identify the nursing team's perception of palliative care in an Intensive Care Unit. Methods: Qualitative research carried out with 30 nursing professionals who work in therapy at a large public hospital in Salvador, Bahia. Data were collected between November 2018 and January 2019, through semi-structured interviews and were processed using the IRAMUTEQ software. The project was approved by a Research Ethics Committee. Results: Four lexical classes were generated. The interviewees pointed out the relevance of humanized care for comfort, pain relief and quality of life for terminally ill patients. There was an emphasis on the role of family members with patients and their greater involvement in decisions about palliation. Conclusion: The perception of the professionals was directed to the indication of humanized care, which provides comfort, and which adds the multidisciplinary team to achieve the goals of palliation.

Keywords: palliative care, nursing, intensive care unit, perception, humanization of assistance.

 

Resumen

Percepción del equipo de enfermería sobre cuidados paliativos en la unidad de cuidados intensivos

Introducción: Ante el proceso de distanciamiento de la muerte de los núcleos familiares y la deshumanización del morir, es fundamental adoptar una práctica asistencial que minimice el sufrimiento y la calidad de vida ante la finitud. Es en este contexto donde aparecen los Cuidados Paliativos dirigidos al paciente al final de la vida. Objetivo: Identificar la percepción del equipo de enfermería sobre los cuidados paliativos en una Unidad de Cuidados Intensivos. Métodos: Investigación cualitativa realizada con 30 profesionales de enfermería que laboran en terapia en un gran hospital público de Salvador, Bahía. Los datos se recolectaron entre noviembre de 2018 y enero de 2019, a través de entrevistas semiestructuradas y se procesaron mediante el software IRAMUTEQ. El proyecto fue aprobado por un Comité de Ética en Investigación. Resultados: Se generaron cuatro clases léxicas. Los entrevistados señalaron la relevancia de la atención humanizada para la comodidad, el alivio del dolor y la calidad de vida de los pacientes terminales. Se hizo hincapié en el papel de los familiares con los pacientes y su mayor participación en las decisiones sobre paliación. Conclusión: La percepción de los profesionales se dirigió a la indicación del cuidado humanizado, que brinda comodidad y que suma el equipo multidisciplinario para lograr las metas paliativas.

Palabras-clave: cuidados paliativos, enfermería, unidad de terapia intensiva, percepción, humanización de la asistencia.

 

Introdução

 

Até o século XIX, a morte era encarada como um processo natural, as pessoas morriam em casa, assistidas por seus entes queridos e não existia a interferência médico-científica nesse processo. Nos dias de hoje, as mortes acontecem predominantemente dentro de um ambiente hospitalar, longe dos familiares, junto a máquinas, aparelhos e pessoas desconhecidas. O avanço tecnológico, por um lado proporcionou melhor sobrevida frente ao adoecimento e a pacientes em terminalidade, mas por outro, não está relacionado à qualidade de morte [1].

Diante do distanciamento da morte dos núcleos familiares e da desumanização do morrer, torna-se essencial adotar uma prática de cuidado que proporcione conforto e minimize o sofrimento na finitude dos dias. É nesse contexto que surgem os Cuidados Paliativos (CP) direcionados ao paciente na terminalidade da vida, pela possibilidade de proporcionar uma abordagem voltada para a promoção do conforto e da humanização.

Pela filosofia dos Cuidados Paliativos é possível oferecer assistência em fim de vida, focando aspectos físicos, emocionais, espirituais e sociais, incluindo o apoio à família. Conforme a World Health Organization (WHO) [2]:

 

“Cuidados Paliativos são uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos pacientes (adultos e crianças) e suas famílias que enfrentam problemas associados a doenças potencialmente fatais. Previne e alivia sofrimento através da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas, sejam eles físicos psicossociais ou espirituais.”

 

O paliativismo complementa-se ao tradicional método curativo, incluindo objetivos de bem-estar e de qualidade de vida dos pacientes e seus familiares, e proporcionando aos profissionais da saúde dignidade e significado aos tratamentos escolhidos, ajudando-os nas tomadas de decisões, e promovendo oportunidade de crescimento e evolução pessoal e profissional [3]. A WHO pontua que se deve iniciar o tratamento paliativo o mais precocemente possível, concomitante ao tratamento curativo, utilizando-se todos os esforços necessários para melhor compreensão e controle dos sintomas. Ao buscar o conforto e a qualidade de vida por meio do controle dos sintomas, pode-se também possibilitar mais dias de vida [4].

Todos os profissionais que integram a equipe multiprofissional, com diferentes olhares, assistem o paciente em todas as suas dimensões e são importantes, uma vez que a Medicina Paliativa objetiva identificar e dirimir os problemas relacionados à internação, na esfera física, psicológica, espiritual ou social.

Os profissionais da enfermagem são identificados com o cuidado no contexto de vida, uma vez que contribuem para a promoção manutenção e restauração da saúde. Na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde esses pacientes mais graves e com maior risco de morte, deve-se estabelecer limites entre a melhor qualidade e prolongamento da vida, a despeito das tecnologias oferecidas. Assim, podem contribuir para a minimização do sofrimento e alívio da dor dos pacientes e familiares por meio de medidas de conforto, apoio emocional e espiritual. Diante disto, considera-se relevante conhecer a percepção da equipe de enfermagem acerca dos cuidados prestados na paliação em terapia intensiva.

O estudo teve a seguinte questão norteadora: Qual a percepção da equipe de enfermagem sobre Cuidados Paliativos em uma Unidade de Terapia Intensiva? Para responder a tal questão, estabeleceu-se como objetivo: identificar a percepção da equipe de enfermagem sobre cuidados paliativos em Unidade de Terapia Intensiva.

 

Objetivo

 

Identificar a percepção da equipe de enfermagem sobre cuidados paliativos em Unidade de Terapia Intensiva.

 

Material e métodos

 

Para compreender a percepção da equipe de enfermagem relacionada aos pacientes em cuidados paliativos internados em terapia intensiva, recorreu-se à abordagem qualitativa por trabalhar com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes [5].

O estudo foi realizado em um hospital de grande porte, da rede pública de saúde, situado em Salvador (BA) que possui 20 leitos de terapia intensiva adulto divididos em duas unidades, com perfil clínico e cirúrgico.

Os participantes do estudo foram 30 profissionais da equipe de enfermagem que trabalham nas UTI do hospital, sendo 18 enfermeiros e 12 técnicos em enfermagem, envolvidos diretamente no cuidado dos pacientes. Os critérios de inclusão determinados para a investigação consistiram em: fazer parte da equipe de enfermagem (enfermeiro e técnico em enfermagem) e trabalhar na UTI por, no mínimo um ano, período no qual se considera que os profissionais já tiveram oportunidade de cuidar de pacientes em cuidados paliativos e estão adaptados às rotinas da unidade. Foram excluídos da possibilidade de integrar o grupo de sujeitos da pesquisa: aqueles que recusaram fazê-lo, profissionais em gozo de férias ou licenças no período de coleta.

A amostragem foi determinada segundo o critério da saturação teórica [6]. As entrevistas foram gravadas, e posteriormente transcritas minuciosamente, utilizando-se as iniciais da categoria profissional seguido do número de ordem da entrevista, como no exemplo a seguir: TE 01, técnico em enfermagem, entrevista número um; ENF 02, enfermeiro, entrevista número dois.

Os dados foram coletados entre os meses de novembro de 2018 a janeiro de 2019, por meio de entrevista semiestruturada gravada em dispositivo de áudio digital. A entrevista foi guiada por um roteiro composto por duas partes. A primeira parte continha questões sobre a caracterização dos participantes (idade, sexo, estado civil, religião e tempo de trabalho na terapia intensiva); a segunda parte continha perguntas norteadoras relacionadas ao entendimento sobre cuidados paliativos, a efetivação da assistência para o paciente em paliação e o envolvimento da família nos cuidados paliativos.

As informações coletadas foram transcritas na íntegra, conferidas, codificadas e adequadas às regras do software IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), passando a constituir o corpus da pesquisa. O IRAMUTEQ, software utilizado para o processamento dos dados, é de acesso livre e gratuito que disponibiliza diferentes formas de análises estatísticas sobre corpus textuais e vem se destacando em pesquisas de abordagem qualitativa na área de saúde [7]. Para a análise textual, foi utilizado o método da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) com recorte das falas em Unidades de Contexto Elementar (UCE).

O projeto atendeu aos princípios éticos recomendados pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado por um Comitê de ética em Pesquisa mediante Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) número 98469018.3.0000.0049. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

Resultados

 

De acordo com a caracterização sociodemográfica, destaca-se que vinte participantes tinham idade entre 30 e 39 anos, oito entre 40 e 49 anos e apenas dois entre 50 e 59 anos. A maioria era do sexo feminino (22). Houve predominância de profissionais com mais de 10 anos de profissão (23), porém com tempo de atuação em terapia intensiva menor do que 4 anos. Quanto à religião, 12 referiram ser católicos, seguidos de evangélicos (7). Houve ainda participantes que pertenciam ao espiritismo, a religiões de matrizes africanas, testemunhas de Jeová e quatro não possuíam religião específica.

      Do corpus da pesquisa constituído pelas 30 entrevistas processado pelo software IRAMUTEQ obteve-se uma retenção do texto de 71,5% percentual aceitável, segundo referências para utilização desse programa [7]. Obteve-se, pelo método da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) quatro classes lexicais, como pode ser verificado na Figura 01, gerada automaticamente pelo software.

 

 

Figura 1 - Classificação hierárquica descendente do corpus da pesquisa percepção da equipe de enfermagem sobre cuidados paliativos na Unidade de Terapia Intensiva. Salvador, Bahia, Brasil. 2019.

 

Com base na CHD, foi possível visualizar as palavras que foram mais citadas em cada classe lexical as quais possibilitam entender o conteúdo, em associação às Unidades de Contexto Elementar (UCE).

O conteúdo da classe 1 aponta para a relevância do cuidado humanizado como medida de conforto a partir do prognóstico da doença. O conforto é destacado pelos participantes como meio para proporcionar alívio da dor e contribuindo para uma qualidade de vida aos pacientes em terminalidade, conforme destaca as UCEs a seguir.

 

“É medida de conforto o cuidado que você dá ao paciente quando ele está numa fase terminal de uma doença que tem um prognóstico reservado. Então a gente vai prestar o cuidado, que é medida de conforto; tratar não a doença, mas o ser humano”. (E10, Enf)

“Cuidados paliativos, eu considero, que são cuidados necessários e importantes, feito de forma humanizada para o paciente em situação clínica muitas vezes, graves, mas estável, de forma que todas as tentativas de tratamento já se esgotaram e há uma chance de sobrevida relativamente curta. Então é necessário para o conforto desse paciente no seu processo de partida”. (E12, Enf.)

“O que eu entendo como sobre cuidados paliativos é que o paciente já está em uma fase terminal onde não tem mais prognóstico para a sua doença e que nesse momento deve se ofertar o melhor como qualidade de vida dentro das possibilidades que existem para ele como diminuir sua dor e oferecer para ele conforto, de uma maneira geral”. (E14, TE)

 

Na classe 2, revela-se a importância da espiritualidade e religiosidade. Segundo os participantes, é necessário respeitar a fé e a crença em Deus, independentemente de qualquer denominação religiosa. Os depoimentos destacaram tais aspectos como fundamentais para o cuidado do paciente em paliação.

 

“Você sempre vai confiar em Deus, achando que aquele quadro pode ser revertido, que pode mudar a situação e com isso nós percebemos que muitas vezes têm pessoas que talvez não tenham fé, mas naquele momento de fragilidade [recorrem a Deus]”. (E03, Enf)

“Porque todo ser humano tem sua religião e sua espiritualidade; é um momento que tem que ser muito preservado, por que é onde ele se apega nesta situação”. (E05, TE)

“Nós percebemos que alguns pacientes, na verdade a grande maioria, nesse momento da doença, se apegam bastante na questão da religião. Muitos de nós vemos muitas imagens [de santos] nos leitos, muitos trazem algumas imagens da sua religião para perto, fazem orações e rezam”. (E06, TE)

“Acho que religiosidade faz parte dos pedidos pessoais; acho que é como conforto. A religiosidade próxima serve como conforto; uma aceitação melhor da condição em que ela se encontra”. (E24, Enf)

“Ela se apega naquilo que acredita na sua religião, isso ajuda ela a ter fé e a suportar o processo de paliação até chegar o óbito”. (E09, TE)

Os entrevistados também destacaram em suas falas a importância do respeito à religiosidade e espiritualidade independente das crenças do paciente e dos profissionais.

“Então primeiramente tem que haver o respeito da religião do paciente, da espiritualidade dele e atender, sim, as necessidades deles sobre essa questão”. (E05, TE)

“Se apegar a alguém. E eu acho que é a importância de você respeitar a religião do outro que pode ser diferente da sua e aceitar, dá todo apoio à religião e individualidade daquele paciente”. (E20, Enf)

 

A classe 3 traz em destaque as palavras ver e médico, que demonstram como preocupação da equipe, o fato de que o médico deve olhar, conversar e definir a paliação. A partir de então, passa a ser formalizado o cuidado paliativo por toda a equipe e principalmente, pela equipe de enfermagem.

 

“E assim com a equipe de um modo geral, também as pessoas se envolvem bastante com os médicos, com a visita [médica], com a passagem de plantão; diariamente com a visita do coordenador diarista, está deixando todo mundo bem entrosado em relação à realidade de cada paciente”. (E06, TE)

“Eu acho que os médicos conversam, os enfermeiros conversam e os técnicos também conversam com a família, para que não haja nenhum atrito em relação a isso” (E07, TE)

 

Nesta mesma classe 3, outro aspecto destacado é a necessidade de uniformização da linguagem da equipe quando da abordagem da família nos momentos das visitas ou do acompanhamento. Percebe-se nas entrelinhas uma necessidade de evitar contradições frente às orientações e acolhimento dos familiares, inclusive como estratégia de orientação, como pode ser visto nas UCEs a seguir.

 

“É justamente trazer uma equipe que vai orientar todos a falarem a mesma língua. Então eu acho que fortalece a segurança para todo mundo estar falando igual, e as famílias sentem que é isso mesmo, todos estão falando sem ruído de comunicação”. (E13, Enf)

“Se nós não deixarmos claro o que está acontecendo, é difícil para eles aceitarem e eu os entendo, então o trabalho da família é imprescindível em relação a decidir se o paciente vai entrar em cuidados paliativos”. (E23, Enf.)

 

Na classe 4, a palavra família apareceu em destaque. As UCEs enfatizam representatividade, o acompanhamento e o envolvimento do familiar do paciente em paliação. Para os participantes, é importante uma participação mais ativa dos familiares no processo de trabalho e nas tomadas de decisões.

 

“Eu acho que sem a família não dá para fazer muita coisa, por que se a família não concordar, se a família quiser ainda investir por mais que nós, a priori, entendamos mais de saúde” (E23, Enf)

“Na verdade, deveria ser visto, ter outro olhar, conversar com essa família tentar envolver a família, e até fortalecê-la para que ela também possa ajudar esse paciente que está aqui dentro, em paliação”. (E27, Enf)

“Não é uma coisa súbita, ele vai acompanhando o paciente e com isso os médicos têm mais facilidade de abordar a questão, discutir com a família, ver um responsável para que ele formalize e aceite o processo do paciente entrar em cuidados paliativos.” (E28, Enf)

 

Discussão

 

O teor da classe 1 revela uma preocupação da equipe de enfermagem com o cuidado humanizado e com o conforto direcionado ao paciente na sua finitude de vida. Na abordagem sobre a morte e o processo de morrer, a comunicação é fundamental, tanto na sua forma quanto no seu conteúdo. É preciso haver clareza na mensagem e adequação cultural para que não ocorram ruídos que interditem o seu entendimento. É importante considerar o emissor, a mensagem e o receptor, especialmente porque o tema é de difícil abordagem e o receptor está em situação de sofrimento [8].

Ao manter o contato com o paciente, algumas vezes, com um simples gesto ou olhar, o profissional passa a mensagem silenciosa de que além de se importar com o que ele está falando, interessa-se por seus sentimentos e perturbações. No cuidado em saúde, cotidianamente os profissionais se deparam com o sofrimento físico, emocional, social e espiritual das pessoas e em muitos casos, com situações de difícil resolução. O modelo de atenção à saúde baseia-se em prevenção, diagnóstico, tratamento efetivo e cura de doenças, mas diante da incurabilidade de determinadas doenças esse modelo se mostra ineficaz. Aliviar sintomas, nesse caso, requer medicamentos, mas também abordagens mais complexas que contemplem aspectos emocionais, sociais e espirituais [9].

Cuidar do outro é uma responsabilidade social, e o cuidado do paciente em processo de morrer é assim entendido pelos enfermeiros. Assim, o cuidado nesse contexto está para além das funções profissionais, convertendo-se em uma condição de humanidade. Por isso, defende-se que é preciso conversar sobre a morte, pois, sem esse diálogo, ela permanecerá como fenômeno próximo ao outro, mas distante de nós e silenciada no processo de cuidar [9]. Os cuidados de conforto enfatizam a qualidade dos últimos dias de vida, em vez de quantidade de dias vividos. Os encontros com os familiares devem ser baseados na confiança e na compreensão clara de que deixar de fornecer novas medidas ou retirar suporte de vida não significa suspender ou retirar cuidados [10].

Na classe 2, revela-se a importância da espiritualidade e religiosidade na paliação. É através da fé que as pessoas se fortalecem e conseguem tornar o caminho da morte menos árduo e menos doloroso. A espiritualidade dá sentido ao trabalho dos profissionais de cuidados paliativos, partindo do seu fortalecimento como pessoa, o que se reflete na atuação profissional. Os participantes da pesquisa atribuíram à espiritualidade seu verdadeiro sentido em cuidados paliativos. Por meio de suas falas foi possível identificar uma demonstração de tranquilidade e do objetivo dessa modalidade de atenção em saúde, levando assim à ressignificação das ações dos profissionais. A dimensão espiritual, muitas vezes, faz parte da vida das pessoas na procura por respostas, no alívio de sofrimentos e na busca por motivação. Não obstante, a espiritualidade do trabalhador também permeia esse cenário de cuidados paliativos, visto que cuidar de pessoas é uma experiência humana, e, para tanto requer cuidar além do visível [11].

Embora os profissionais reconheçam a importância do cuidado na dimensão espiritual, frequentemente apresentam dificuldades em oferecer esse cuidado, principalmente pela falta de conhecimento e pelo desconforto em abordar o tema, expressando seus cuidados mais para as necessidades biológicas dos pacientes. O profissional de saúde tem um importante papel ao auxiliar o paciente a se conhecer durante o curso de uma doença com risco de morte, ajudando na busca de um sentido para sua vida. Além disso, recomenda-se que a equipe ampare e ofereça segurança de cuidados para a pessoa em cuidados paliativos e seus cuidadores, dando sentido a esse momento de suas vidas, mesmo quando a cura não seja mais possível [11].

Ao se pensar na integralidade do ser e no cuidado espiritual na finitude da vida, é necessário considerar a pessoa que está doente, e não a doença em si, visando o bem-estar, a qualidade de vida e o conforto. Desse modo, entende-se a integralidade do cuidado como o conjunto de ações articuladas estratégica e conjuntamente por todos os membros da equipe de saúde, com o objetivo de garantir um modelo de cuidado humanizado e holístico que contemple o bem-estar nas múltiplas dimensões do ser humano, considerando-o enquanto ser biopsicossocial e espiritual [11].

A classe 3 retoma o tema da comunicação. Para os entrevistados, é preciso uniformização da linguagem na equipe multiprofissional na abordagem à família para evitar contradições no acolhimento e nas orientações. A comunicação com o paciente e seus familiares pode ser dificultada na UTI, em razão da severidade da doença, de complicações médicas, do elevado risco de óbito e do limitado conhecimento médico da família. Não é frequente que os intensivistas conduzam discussões sobre diretivas antecipadas ou plano de cuidados nos hospitais. Os esforços para melhorar a qualidade e a quantidade destas discussões melhoram a eficiência das UTI, reduzem o ônus da assistência ao paciente durante o período de fim de vida, e reduzem o fardo sobre as famílias e cuidadores [1].

Uma abordagem terapêutica comum poderia ser definida com base em discussões prévias entre a equipe multidisciplinar, incluindo os profissionais da atenção primária e as diferentes especialidades envolvidas nos cuidados ao paciente. Isto ajuda a evitar sentimentos de incertezas para pacientes e familiares. Como, frequentemente, há múltiplas especialidades envolvidas, como médicos clínicos, cirurgiões oncologistas, intensivistas, especialistas em cuidados paliativos, é grande o risco de mal-entendidos [10].

Esta abordagem proativa para comunicação dos cuidados paliativos aos pacientes e seus familiares diminuiu o tempo de permanência no hospital, bem como o tempo entre o conhecimento do prognóstico e a decisão de prosseguir para um tratamento de cuidados de conforto. Os cuidados de conforto enfatizam a qualidade dos últimos dias de vida, em vez de sua quantidade. Os encontros com os familiares devem se baseados na confiança e na compreensão clara de que deixar de fornecer novas medidas ou retirar suporte de vida não significa suspender ou retirar os cuidados [10].

Na classe 4, mostra-se a família como parte integrante da assistência nos cuidados paliativos. A possibilidade de morte iminente afeta toda estrutura familiar gerando grande sofrimento. Por isso, a família e o paciente devem ser considerados como uma unidade de cuidados, já que a assistência oferecida a um deles afeta também significativamente o outro. Assegurar a dignidade do paciente enquanto vivencia o processo de terminalidade da vida é o principal objetivo da equipe de cuidados paliativos. A presença da família pode diminuir o impacto, bem como motivá-la para que permaneça ao lado do paciente durante o tratamento consistem em ações fundamentais de apoio à qualidade da assistência [12].

Todos os seres humanos têm o direito de cuidar-se e serem cuidados. Nesse contexto, torna-se relevante a valorização do paciente e de sua família. Assim, proporcionar cuidados paliativos é atendê-los na sua integralidade e as atitudes acolhedoras dos profissionais contribuem para ir além da habilidade técnica e do conhecimento científico, dando espaço à forma de agir como pessoa e como ser existencial. Acredita-se que um programa de visita com horário estendido ou acompanhamento contínuo dos pacientes em paliação na terapia intensiva oportuniza o aumento da presença do familiar dentro da UTI e pode contribuir para levar mais conforto para os pacientes e maior proximidade com os profissionais. Dessa forma, pode ser possível reduzir o sofrimento e proporcionar humanização do cuidado.

Essa pesquisa tem como limitações o fato de ter sido realizada apenas com a equipe de enfermagem. Sabe-se que os cuidados paliativos são, per se, multiprofissionais e assim sendo, o entendimento de todos os membros da equipe poderiam contribuir para um mapeamento mais completo do tema no lócus da pesquisa.

 

Conclusão

 

Constatou-se que a percepção dos profissionais da enfermagem em relação aos cuidados paliativos foi direcionada à indicação de um cuidado humanizado, que proporcione conforto, alívio da dor e do sofrimento. Também foi enfatizada pelos participantes a necessidade de valorização da dimensão espiritual dos pacientes, visto que, segundo eles, auxilia no enfrentamento do processo de terminalidade. A análise também demonstrou que, apesar de cada profissional ter uma função específica, há aspectos comuns no que diz respeito aos objetivos dos cuidados aos pacientes em paliação e seus familiares/cuidadores e que é necessário um alinhamento da comunicação da equipe multiprofissional para transmitir segurança ao paciente e aos familiares. O trabalho conjunto é percebido como fundamental para concretização dos objetivos da equipe multidisciplinar em cuidados paliativos.

Sabe-se que a abordagem paliativista é construída a partir de uma assistência integral ao paciente e seus familiares por meio de ações desenvolvidas por uma equipe multiprofissional. Nesse ínterim, a comunicação efetiva ajuda no enfrentamento e reduz sofrimentos. Já a sensibilidade da equipe de enfermagem é percebida como uma demonstração de humanização no processo de cuidar. Este estudo identificou a percepção dos profissionais de enfermagem em relação aos pacientes em paliação e seus familiares, entretanto, ficou claro que há necessidade de mais apropriação do assunto por esses profissionais e que, no lócus da pesquisa, há uma demanda por atividades de educação permanente sobre cuidados paliativos em terapia intensiva.

 

Referências

 

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