Enferm Bras 2021;20(4);491-505

doi: 10.33233/eb.v20i4.4447

ARTIGO ORIGINAL

Distribuição espacial e temporal dos casos de sífilis materna no estado do Rio Grande do Norte

 

Natália de Oliveira Viega*, Gabriela Souza Damásio Guedes, M.Sc.**, Bárbara Coeli Oliveira da Silva, D.Sc.***, Fladjany Emanuelly Faustino da Silva, M.Sc.****, Marina Marisa Palhano dos Santos*****, Alexsandra Rodrigues Feijão, D.Sc.******

 

*Enfermeira, Mestranda em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,**Enfermeira da Clínica Integral Saúde, Secretaria Municipal de Saúde de Parnamirim e Secretaria Municipal de Saúde de Natal, ***Enfermeira da Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte e Secretaria Municipal de Saúde de Parnamirim, ****Enfermeira, Mestra em Biologia Estrutural e Funcional, *****Enfermeira, Doutoranda em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ******Enfermeira, Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

 

Recebido em: 15 de novembro de 2020; Aceito em 30 de agosto de 2021.

Correspondência: Natália de Oliveira Viega, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento de Enfermagem, Campus Universitário Central BR 101, S/N Lagoa Nova 59072-970 Natal RN

 

Natália de Oliveira Viega: nataliaviegas2010@hotmail.com

Gabriela Souza Damásio Guedes: gabriela.bau@hotmail.com

Bárbara Coeli Oliveira da Silva: barbaracoeli@outlook.com

Fladjany Emanuelly Faustino da Silva: fladjanycn@hotmail.com

Marina Marisa Palhano dos Santos: marina.palhano@yahoo.com.br

Alexsandra Rodrigues Feijão: alexsandrarf@hotmail.com

 

Resumo 

Objetivo: Descrever a distribuição espacial e temporal dos casos confirmados de sífilis materna no estado do Rio Grande do Norte no período de 2008 a 2018. Métodos: Trata-se de um estudo ecológico com distribuição espacial e temporal. Foram utilizados os casos confirmados de sífilis materna, com base nas informações da ficha de notificação compulsória do Sistema de Informação de Agravos de Notificação para o período de 2008 a 2018. Resultados: No período do estudo foram confirmados 2.468 casos de sífilis em gestantes, dos quais 51,4% tinham idade entre 20 e 29 anos, 60% delas se autodeclararam pardas e 24,1% possuíam escolaridade de 5a a 8a série incompleta. 42,8% obtiveram a confirmação da sífilis apenas no terceiro trimestre. Quanto à taxa de incidência, houve aumento significativo no decorrer dos anos, sendo a menor registrada no ano de 2008 (0,33) e a maior no ano de 2017 (1,22). Conclusão: A sífilis materna constitui um grave problema de saúde pública e o aumento da sua incidência evidencia falhas nos serviços. Portanto, os resultados obtidos pelo estudo poderão ser úteis no monitoramento das áreas com maior incidência, contribuindo, assim, para a implementação de estratégias eficazes na redução dos casos. Entretanto, se fazem necessários estudos de avalição dos serviços de saúde a fim de identificar fragilidades na atenção aos casos de sífilis materna.

Palavras-chave: sífilis; gravidez; conglomerados espaço-temporais; epidemiologia.

 

Abstract

Distribution spatial and temporal of maternal syphilis cases in the state of Rio Grande do Norte

Objective: To describe the spatial and temporal distribution of confirmed cases of maternal syphilis in the state of Rio Grande do Norte from 2008 to 2018. Methods: This is an ecological study with a distribution of space and time. Confirmed cases of maternal syphilis were used based on information from the compulsory notification form of the Notifiable Diseases Information System for the period 2008 to 2018. Results: During the study period, 2,468 confirmed cases of syphilis in pregnant women, of which 51.4% were aged between 20 and 29 years, 60% of them declared themselves to be mulatto and about 24.1% had incomplete schooling from 5th to 8th grade. Of them, 42.8% obtained confirmation of syphilis only in the third quarter. As for the incidence rate, there was a significant increase over the years, the lowest recorded in 2008 (0.33) and the highest in 2017 (1.22). Conclusion: Maternal syphilis is a serious public health problem and the increase in its incidence shows failures in health services. These results may be useful in monitoring the areas with the highest incidence, thus contributing to the implementation of effective strategies to reduce cases. However, new studies that evaluate these health services are needed to identify weaknesses in the care of maternal syphilis cases.

Keywords: syphilis; pregnancy; space-time clustering; epidemiology.

 

Resumen

Distribución espacial y temporal de los casos de sífilis materna en el estado de Rio Grande do Norte

Objetivo: Describir la distribución espacial y temporal de los casos confirmados de sífilis materna en el estado de Rio Grande do Norte de 2008 a 2018. Métodos: Se trata de un estudio ecológico con distribución espacial y temporal. Se utilizaron los casos confirmados de sífilis materna, con base en la información del formulario de notificación obligatoria del Sistema de Información de Enfermedades Notificables para el período 2008 a 2018. Resultados: Durante el período de estudio, fueron confirmados 2.468 casos de sífilis en gestantes, de los cuales el 51,4% tenía entre 20 y 29 años, el 60% se declaraba moreno y alrededor del 24,1% tenía escolaridad incompleta de 5º a 8º grado. El 42,8% obtuvo confirmación de sífilis solo en el tercer trimestre. En cuanto a la tasa de incidencia, hubo un aumento significativo a lo largo de los años, la más baja registrada en 2008 (0,33) y la más alta en 2017 (1,22). Conclusión: La sífilis materna es un grave problema de salud pública y el aumento de su incidencia muestra fallas en los servicios. Por tanto, los resultados obtenidos por el estudio pueden ser de utilidad en el seguimiento de las zonas con mayor incidencia, contribuyendo así a la implementación de estrategias efectivas para la reducción de casos. Sin embargo, se necesitan estudios para evaluar los servicios de salud con el fin de identificar debilidades en la atención de los casos de sífilis materna.

Palabras-clave: sífilis; embarazo; agrupamiento espacio-temporal; epidemiología.

 

Introdução

 

A sífilis é um antigo problema de saúde pública, uma doença infecciosa causada pelo Treponema pallidum, descoberto em 1905. Apesar de ser uma doença antiga, bem conhecida e de diagnóstico e tratamento já estabelecidos e de baixo custo, ainda é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um problema de saúde pública [1,2,3,4].

No Brasil, as bases para prevenção, diagnóstico e tratamento da sífilis estão bem estabelecidas, assim como seu modelo de vigilância epidemiológica, baseado na notificação compulsória. O número de casos notificados de sífilis em gestantes (SG) e de sífilis congênita (SC) no país indicam que o agravo persiste, desafiando os serviços de saúde [4].

Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 1,5 milhão de mulheres grávidas são infectadas com sífilis anualmente, metade delas não são tratadas e terão filhos com resultados adversos. De acordo com dados do boletim epidemiológico de 2017, foram notificados 119.800 casos de sífilis adquirida em todo o Brasil, dos quais a região nordeste foi responsável por 15.295 casos. Já os casos de SG nesse mesmo ano correspondem a 49.013, levando a 206 óbitos fetais. Na região nordeste 9.084 foram notificados, com 52 óbitos fetais, segunda maior taxa de mortalidade do país. Já no Rio Grande do Norte foram notificados 416 casos [5].

Na gestação, a sífilis possui uma das maiores taxas de infecção, com um percentual de transmissibilidade em torno de 70 a 100%. Essa infecção merece cuidado especial entre as gestantes em virtude da possibilidade de transmissão para o feto, causando repercussões clínicas importantes tanto no período gestacional como após o nascimento [1,6,7]. Mulheres com SG não tratada têm maior probabilidade de ter gravidezes complicadas por natimorto, prematuridade, baixo peso ao nascer, são também manifestações clínicas nos filhos a hepatoesplenomegalia, anormalidades ósseas, atrasos no desenvolvimento, perda auditiva e morte infantil precoce. Considerada a segunda principal causa de morte fetal evitável em todo o mundo [8,9].

No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), em 2011 foi criada a Rede Cegonha, estabelecendo-se diretrizes para um atendimento materno-infantil de qualidade. Foi preconizada a ampliação da testagem rápida para sífilis no primeiro e no terceiro trimestres de gestação, com o objetivo de viabilizar o diagnóstico e o tratamento em tempos oportunos. Identificar as gestantes portadoras de sífilis é de extrema importância durante o pré-natal [4,10]. Além disso, a figura do enfermeiro bem qualificado e capacitado, tem assumido uma posição de ação fundamentada em planos e ideias que podem colaborar com o pré-natal dessa gestante [11].

Diante do contexto do aumento do número de casos de SG no Nordeste e, mais especificamente, no RN, das consequências de morbimortalidade relevantes que decorrem desse agravo à gestante e ao recém-nascido, do impacto negativo que estas consequências geram na sociedade e para saúde pública do país, justifica-se identificar a situação epidemiológica da SG do RN.

Ressalta-se que estudos que tratam da distribuição temporal e espacial possibilitam uma maior percepção das regiões que carecem de maior atenção, além do impacto provocado sobre os programas e políticas públicas de saúde vigentes, de forma a contribuir para a reorganização do planejamento em saúde. É imprescindível que as áreas de maior vulnerabilidade sejam identificadas, a fim de intensificar as ações de prevenção em saúde, além de chamar atenção dos órgãos de saúde para que possam ofertar suporte adequado, de forma a possibilitar a redução da incidência e prevalência da sífilis nas regiões onde se mostra mais presente [12]. Aos profissionais da saúde e gestores se faz basilar o acesso a informações que demonstrem a gravidade do problema, o conhecimento orienta o planejamento de métodos de prevenção da doença e promoção da saúde [13].

Assim, para descrever a situação desse agravo na população do estado, optou-se por realizar este estudo, que objetivou descrever a distribuição espacial e temporal dos casos confirmados de sífilis materna no estado do Rio Grande do Norte no período de 2008 a 2018.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo ecológico com distribuição espacial e temporal no estado do Rio Grande do Norte. O referido estado está localizado na parte oriental do Nordeste brasileiro, este possui uma população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de cerca de 3.506.853 habitantes até o mês de julho de 2019, ocupando a 16º colocação do ranking do Brasil, composto por 167 municípios [14].

As unidades de análise foram os 167 municípios e o estado Rio Grande do Norte. Os dados utilizados na pesquisa foram os casos confirmados de sífilis materna entre os anos de 2008 a 2018 no estado do Rio Grande do Norte. As variáveis utilizadas no estudo foram as características sociodemográficas maternas (faixa etária, raça/cor, escolaridade) e clínicas (idade gestacional, esquema de tratamento e classificação clínica).

A coleta foi realizada a partir das informações da ficha de notificação compulsória da plataforma do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), provenientes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), disponibilizadas de forma online e de acesso universal.

O Microsoft Excel 2016 foi utilizado para tabular os dados, bem como para calcular a taxa de incidência no estado e municípios do RN, e para verificar a existência da correlação espacial da taxa de incidência nos anos, foi calculado o índice de Moran global (I) no software TerraView 4.2.2 [15], considerando como significância estatística o valor de p < 0,05. Para confecção do mapa temático do tipo coroplético utilizou-se o software QGIS versão 2.18 [16] e base cartográfica malha digital municipal do ano de 2015 disponível pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [17] acessada e realizado download em setembro de 2019.

Foi realizado o cálculo das taxas de incidência de sífilis em gestantes de cada município e do estado do RN por ano, conforme fórmulas a seguir:

 

 

 

 

Por se tratar de uma pesquisa que utiliza dados do SINAN e que por sua vez são de domínio público e anônimo, não necessitou de aprovação em Comitê de Ética em Pesquisa.

 

Resultados

 

No período entre os anos de 2008 a 2018 foram confirmados 2.468 casos de sífilis em gestantes no estado do Rio Grande do Norte. No que se refere às variáveis sociodemográficas e clínicas, 51,4% dos casos foram confirmados em mulheres com faixa etária entre 20 e 29 anos, com predominância da raça/cor parda, cerca de 60%, e 24,1% com escolaridade entre a 5a a 8a série incompleta. 42,8% obtiveram o diagnóstico da sífilis confirmado no terceiro trimestre de gestação, 87,5% realizaram o tratamento com penicilina e 39,8% das mulheres foram diagnosticadas com sífilis primária (Tabela I).

 

Tabela I - Variáveis sociodemográficas e clínicas das gestantes diagnosticadas com sífilis entre os anos de 2008 e 2018, Rio Grande do Norte, 2008-2018


Fonte: SINAN 

 

Quanto à taxa de incidência de sífilis em gestante no estado do Rio Grande do Norte, conforme a Figura I, houve aumento significativo no decorrer dos anos, sendo a menor incidência registrada no ano de 2008 de 0,33% (casos por 10.000 habitantes) e a maior no ano de 2017 com 1,22% (casos por 10.000 habitantes). 

 

 

Fonte: SINAN

Figura 1 - Taxa de incidência da sífilis em gestantes no estado do Rio Grande do Norte nos anos de 2008 a 2018, Rio Grande do Norte, 2008-2018

 

Ao se analisar os dados em um gráfico de tendência linear (Figura 2), constata-se que a função resulta em uma tendência crescente.

 

 

Fonte: SINAN

Figura 2 - Tendência das taxas de incidência da sífilis em gestantes no estado do Rio Grande do Norte nos anos de 2008 a 2018, Rio Grande do Norte, 2008-2018

 

No que se refere a taxa de incidência da sífilis em gestantes nos municípios no estado do Rio Grande do Norte entre os anos de 2008 a 2018 (Figura 3), dentre esses anos o município de Lagoa de Velhos obteve a menor taxa de incidência (3,60) enquanto que Vila Flor teve a maior taxa (9,72).

 

 

Fonte: SINAN

Figura 3 - Distribuição espacial da taxa de incidência de sífilis em gestante nos municípios do estado do Rio Grande do Norte de 2008 a 2018, Rio Grande do Norte, 2008-2018

 

Em relação ao índice de Moran Global, acerca da existência da autocorrelação espacial da taxa de incidência nos anos de 2008 a 2018, houve significância estatística apenas no ano de 2008 (0,03) uma vez que apresentou p-valor < 0,05 no estado do Rio Grande do Norte.

 

Discussão

 

No tocante as características sociodemográficas do presente estudo, a maior parte das gestantes possuíam entre 20 e 29 anos (51,4%), corroborando dados encontrados em outros estudos [1,18,19] que evidenciaram que as mulheres de tal faixa etária se encontram no ápice da fase reprodutiva, e geralmente são adeptas da prática sexual desprotegida, além de possuírem múltiplos parceiros sexuais. Diante disso, é possível ressaltar a importância de promover ações de educação em saúde com intuito de sensibilizar a adoção da prática sexual segura, com ênfase na importância a adesão ao uso do preservativo [20]

Em relação à variável raça/cor, houve predomínio de mulheres que se autodeclararam pardas, resultado semelhantes ao encontrado em outros estudos [20] seguindo uma tendência nacional, em virtude da população majoritariamente miscigenada do Brasil, constituído em sua maior parte por pessoas que se autodeclaram pardas ou negras.

Referente a escolaridade, (24,1%) das gestantes possuía a 5ª e a 8ª série do ensino fundamental incompletas, o que corrobora resultados de outros estudos, que constatam que maior parte dos casos de SG acomete mulheres com baixo nível de instrução [21,22,23]. Estudo [22] relatou que a população com menor grau de instrução tem conhecimento limitado em relação ao processo saúde-doença, apresentam pouco conhecimento sobre as boas práticas de saúde, o que favorece a falta de cuidados, que pode levar ao adoecimento [22].

No que concerne a idade gestacional, maior parcela das gestantes estudadas foram diagnosticadas apenas no 3º trimestre de gestação (42,8%), fato que pode estar relacionado à início tardio do pré-natal, o que comprova as deficiências relacionadas aos serviços de saúde, a exemplo: o descumprimento da carga horária, precarização do vínculo empregatício e quadro de funcionários incompleto, além da falta de insumos, tudo isto atrelado a assistência de baixa qualidade, fatores que podem levar ao não cumprimento do calendário mínimo de seis consultas, preconizado pelo Ministério da Saúde (MS) [23].

O principal obstáculo na diminuição dos casos da sífilis é a dificuldade de prevenção [1]. O início tardio do pré-natal pode levar a desfechos negativos para o binômio mãe-filho, uma vez que a SG quando não tratada pode ocasionar a SC, segunda principal causa de morte fetal evitável em todo o mundo, além de provocar retardo mental, parto prematuro e baixo peso ao nascer. Embora tenha ocorrido melhora nos indicadores de cobertura de pré-natal, somado a outros esforços do MS, esses não têm se mostrado suficientes para melhorar os indicadores de SG e SC [9,23].

Diante desse cenário preocupante, o MS no intuito de garantir que todas as gestantes sejam diagnosticadas e tratadas em tempo oportuno, preconizou que todas as gestantes devem realizar o TR no 1º e 3º trimestre de gestação, além de incentivar a testagem dos parceiros sexuais da gestante, ação contemplada pelo pré-natal do parceiro. A gestante ainda é submetida a uma última triagem, antes do parto, no momento da internação hospitalar [1,4,7,24].

No que se refere ao esquema de tratamento, 87,5% das gestantes foram tratadas com Penicilina G Benzatina, medicamento de primeira escolha no tratamento da sífilis por possuir eficácia comprovada, baixo custo, além de ser disponibilizado gratuitamente pelos serviços de saúde [25].

O estado do Rio Grande do Norte evidenciou aumento significante dos casos de sífilis gestacional (SG) no período de 2008 a 2018, esse aumento segue uma tendência mundial, que pode ser justificado pelo aumento das relações sexuais desprotegidas, agravamento do uso de drogas e aumento do número de gestantes em situação de rua [2,26]. A taxa de incidência da sífilis em gestantes apresentou tendência crescente, consonante a isso, dados epidemiológicos revelam um aumento em âmbito nacional de 300% do número de casos notificados de SG entre os anos de 2010 e 2016. O que se deve em parte, à instituição da notificação compulsória da sífilis gestacional em âmbito nacional, por meio da portaria nº 33/2005, bem como pela implementação dos testes rápidos (TR) em gestantes preconizados pelo MS e instituídos pela portaria nº 1.459/2011 no âmbito da Rede Cegonha [19]. Contudo, acredita-se que ainda exista um grande percentual de subnotificações, cenário no qual a situação epidemiológica da SG pode ser mais grave do que os dados revelam [18]. A situação supracitada permite atestar cenários antagônicos, o primeiro relacionado a melhoria das notificações pelo SINAN, e o segundo as limitações da atenção primária à saúde, especialmente durante o pré-natal [27].

No estado do Rio Grande do Norte a SG apresentou significativa variação nos últimos anos, passando de 105 casos confirmados no ano de 2008 para 416 em 2017, além das possíveis subnotificações que podem ter ocorrido nesse período. Diante disso e de acordo com a tendência crescente, a perspectiva é de que a SG permaneça em patamar semelhante, o que denota uma previsão de continuidade de crescimento nos próximos anos se as condições permanecerem semelhantes às atuais, o que demanda maior atenção sobre esse problema de saúde pública [18].

Quanto ao aumento do número de casos notificados especificamente no ano de 2017, pode ser justificado pelas mudanças sofridas no critério de definição dos casos de sífilis adquirida, materna e congênita, através de nota informativa divulgada pelo MS. Tal mudança foi adotada com intuito de diminuir os casos de subnotificação de sífilis em gestantes, e consequentemente contribuir para aumentar as taxas de detecção de sífilis congênita, assim, estabeleceu-se que todos os casos de mulheres diagnosticadas com sífilis, seja durante o pré-natal, parto e/ou puerpério devem notificados como caso de sífilis em gestante, e não como sífilis adquirida [28]. Atrelado a isto, em especial no ano de 2016, dados nacionais apontaram escassez na disponibilidade de penicilina, medicamento de escolha para tratar a infecção, em cerca de 60 % dos estados brasileiros [18].

No que diz respeito a distribuição espacial e temporal, as maiores taxas de incidência de sífilis materna no estado do Rio Grande do Norte, foram detectadas em municípios de pequeno porte, que possuem baixa densidade populacional. Estudo realizado [29] reforça a hipótese de que munícipios de pequeno porte possuem menos recursos favoráveis, más condições de atendimento nos serviços de saúde, consequentemente a população tem menos acesso a estes serviços, aos métodos diagnósticos, o que resulta em uma menor taxa de diagnóstico e notificação. Em contradição com os resultados deste estudo, existe uma tendência de que doenças infecciosas, como a sífilis, registrarem taxas de incidência mais elevadas em municípios maiores, possivelmente devido a maior densidade populacional. Com isso, a partir dos resultados conjectura-se que os casos de subnotificação são mais frequentes nas regiões populosas [7].

No que tange a significância estatística apenas no ano de 2008 do índice de Moran Global referente a incidência no estado do Rio Grande do Norte, deve-se ao de que no ano de 2008 o índice de subnotificações possivelmente era maior, pois somente a partir de 2011 o MS implementou o teste rápido para gestantes, desde então, os níveis de incidência têm se mantido em curvas ascendentes [30].

O presente estudo apresentou limitações, pelo fato de utilizar dados secundários que podem estar subnotificados pelo SINAN, além do preenchimento incorreto das fichas de notificação e a ausência de algumas informações pertinentes, como no caso de a maior porcentagem das gestantes terem a escolaridade “ignorada”. Diante disso emerge a necessidade de implementar estratégias de capacitação quanto ao preenchimento correto das fichas de notificação pelos profissionais. Contudo o SINAN é um sistema oficial e largamente utilizado em trabalhos científicos. Por fim, a comparação dos achados desta pesquisa com outros estudos é prejudicada devido a carência de estudos que avaliem a distribuição espacial e temporal da sífilis em gestantes.

 

Conclusão

 

O aumento da incidência de sífilis materna nas diversas regiões do estado traduz as falhas nos serviços de saúde, principalmente no que se refere à assistência pré-natal. Portanto, os resultados obtidos pelo estudo poderão ser úteis no monitoramento das áreas com maior incidência, em como promovendo integração de rede de cuidados e equipe multiprofissional no atendimento a esta população vulnerável, contribuindo, assim, para a implementação de estratégias eficazes na redução dos casos e progresso neste panorama epidemiológico. Por fim, sugerem-se novos estudos de avalição dos serviços de saúde a fim de identificar fragilidades na atenção aos casos de sífilis materna.

 

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