Enferm Bras 2021;20(2):238-54
REVISÃO
Cuidados
de enfermagem ao paciente alcoolista na atenção primária
Adrielly
Ferreira Rodrigues*, Túlio César Vieira de Araújo, M.Sc.**
*Discente
do curso de enfermagem no Centro Universitário FACEX, **Enfermeiro, Docente do
Centro Universitário FACEX
Recebido
em 17 de novembro de 2020; Aceito em 30 de abril de
2021.
Correspondência: Adrielly
Ferreira Rodrigues, Rua Edson Teixeira da Silva 270, Bl.
B/1301, Natal RN
Adrielly Ferreira Rodrigues:
radriellyr@gmail.com
Túlio César Vieira de Araújo: tuca_cva@hotmail.com
Resumo
O
objetivo deste trabalho é identificar, no cenário brasileiro, as principais
temáticas relacionadas com os cuidados de enfermagem ao paciente alcoolista na
atenção primária. Foi feito um estudo descritivo do tipo revisão integrativa no
qual foram analisados artigos dos anos de 2014 a 2020, nas bases de dados Scielo, Lilacs e Medline,
resgatados a partir dos descritores atenção primária à saúde, alcoolismo,
enfermagem e assistência ao paciente. A pesquisa identificou 418 artigos e 11
foram selecionados. Os estudos apresentaram como principais temáticas as
limitações dos profissionais nos cuidados a esse tipo de paciente, o estigma
enfrentado, e a efetividade da intervenção breve para a motivação do paciente.
Percebe-se a necessidade de capacitação dos profissionais como fator
preponderante para a melhoria da qualidade da assistência, assim como a desmistificação
do caráter moral que pleiteia a sociedade em torno desse paciente.
Palavras-chave: atenção primária à saúde; alcoolismo;
enfermagem; assistência ao paciente.
Abstract
Nursing care for the alcoholic
patient in primary care
The objective of this study was to identify, in
Brazilian scenario, main themes related to nursing care for alcoholic patients
in primary care. A descriptive study of integrative review type was carried out
in which articles from the years 2014 to 2020 were analyzed, in the databases Scielo, Lilacs and Medline, retrieved from the descriptors
primary health care; alcoholism, primary attention,
nursing and patient care. The research identified 418 articles and 11 were
selected. The studies presented as major topics the limitations of
professionals in the care of this type of patient, the stigma faced and the
effectiveness of brief intervention for patient incentive. The training of
professionals is a factor for improving the quality of care, as well as for the
demystification of the moral character that the society around this patient
demands.
Keywords: primary health care; alcoholism;
primary attention; nursing; patient care.
Resumen
Atención de enfermería
al paciente alcohólico en atención primaria
El
objetivo de este trabajo es identificar, en el escenario
brasileño, los principales temas relacionados con
la atención de enfermería al paciente alcohólico
en la atención
primaria. Se realizó un estudio descriptivo del tipo revisión integradora en el que se analizaron
artículos de los años 2014
al 2020, en las bases de datos Scielo, Lilacs
y Medline, recuperados de los descriptores
atención primaria de salud,
alcoholismo, enfermería e atención al paciente. La investigación
identificó 418 artículos y se seleccionaron
11. Los estudios presentaron
como temas principales las limitaciones de los profesionales en la atención de este tipo de
pacientes, el estigma que enfrentan
y la efectividad de la intervención breve para
motivar al paciente. Entre tanto, existe la necesidad de la formación de profesionales como factor principal para mejorar la calidad de la
atención, así como la desmitificación del carácter moral que demanda la sociedad que rodea a este
paciente.
Palabras-clave: atención
primaria de salud; alcoholismo;
enfermería; atención al
paciente.
O álcool é a substância psicoativa mais consumida no mundo,
o consumo excessivo de bebidas alcoólicas sempre foi precursor de grandes
problemas sociais durante toda a história. Ao longo dos séculos sua presença em
diferentes culturas obteve destaque já que a substância sempre atraiu lugar de
proeminência nos âmbitos sociais, culturais, econômicos e até mesmo políticos
[1].
Quanto ao alcoolismo, tem-se que, por suas definições
históricas, passa-se de uma desordem psicológica a um comportamento crônico e
patológico, cuja raiz se encontra na dependência química do álcool, com
reflexos nas relações e comportamentos sociais, com danos últimos à saúde pela
intoxicação [2].
O consumo do álcool tem se destacado pela sua relação
causal com mais de 200 condições de saúde [3]. Esses agravos se dão pela perda
da qualidade de vida do paciente, visto que o consumo exagerado da substância
gera prejuízos consideráveis no seu sistema biológico, assim como distúrbios
mentais [4].
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o álcool gera
cerca de 3,3 milhões de mortes por ano no mundo, sendo estas por doenças
orgânicas ou causas externas [5]. No Brasil, 12% das pessoas que consomem o
álcool são dependentes da substância [6]. O consumo nocivo dessas substâncias
tem apresentado números expressivos, segundo o III Levantamento Domiciliar
Nacional, a estimativa de uso de álcool na vida dos brasileiros foi de 66,4%
[7].
Esses dados se tornam cada vez mais preocupantes quando
observamos que a faixa etária dos consumidores tem se tornado cada vez mais
precoce, de modo a aumentar a probabilidade de gerar consequências à saúde do
indivíduo, assim como a sua dependência. O consumo exagerado dessa bebida traz
prejuízos irreversíveis tanto para o indivíduo quanto para terceiros, de forma
que as políticas nacionais de prevenção ao alcoolismo devem ser reavaliadas e
colocadas em prática na expectativa que haja mitigação desses números [8].
A Política Nacional para a Atenção ao Uso de Álcool e
Outras Drogas traz as ações na atenção básica com destaque para a prevenção e
agravamento da doença de modo a incentivar capacitações aos profissionais de
saúde com o intuito de tratar não somente a doença, mas todos os estigmas
sociais gerados por esta [9]. Nesse sentido, entendendo o estigma como sendo
relacionado aos valores atribuídos às características de uma pessoa, geralmente
com caráter depreciativo, faz-se necessário o cuidado diferenciado a esse tipo
de indivíduo, criando estratégias de compreensão e integração [10,11].
Estudo mostra que 22% da população atendida em unidades
básicas é consumidora de álcool em nível considerado de alto risco [12]. O
cuidado ao paciente com problemas relacionados ao álcool tem se apresentado
como um grande desafio para o enfermeiro generalista, uma vez que o despreparo,
a carência de conhecimento e até mesmo a resistência que esse paciente apresenta
são fatores que impossibilitam um atendimento adequado [8].
Em face desse pressuposto, tem-se que a desconstrução dessa
incógnita se daria pela busca do conhecimento sobre a doença, a abordagem
correta aos pacientes dependentes da substância, suas causas e possíveis
tratamentos [13]. Assim, o diagnóstico precoce pode ser obtido com mais
antecedência, evitando-se maiores complicações e dificuldades em razão da
identificação tardia do problema [14]. Diante disso, é necessário que sejam
reavaliados intervenções e métodos, com o objetivo de delinear o problema e
contornar as dificuldades práticas, com vistas a melhorar a qualidade do
atendimento [6].
Entendendo a magnitude e relevância da
temática e no intuito de contribuir com o conhecimento científico acerca do
assunto se deu a motivação para construção deste estudo tendo como indagação
norteadora: Como se dá a assistência ao usuário alcoolista na atenção primária?
Este estudo tem o objetivo de identificar as principais
temáticas relacionadas com os cuidados de enfermagem ao paciente alcoolista na
atenção primária, considerando a realidade brasileira.
Trata-se de um estudo descritivo do tipo revisão
integrativa. “A revisão integrativa é um método que tem como finalidade
sintetizar resultados obtidos em pesquisas sobre um tema ou questão, de maneira
sistemática, ordenada e abrangente” [15]. O propósito inicial deste método de
pesquisa é buscar entendimento de um determinado fenômeno com arrimo em estudos
anteriores.
O estudo descritivo se caracteriza pelo planejamento prévio
para uma determinada pesquisa, gerando um conhecimento sobre o objeto de
estudo, colhendo-se o máximo de informações confiáveis e formulando uma
conclusão sobre o tema abordado. A pesquisa descritiva apresenta os mecanismos
e processos realizados durante o estudo de modo a descrever os fatos e
fenômenos encontrados [16].
Para a construção desta revisão literária, observaram-se os
seguintes passos: seleção das questões temáticas, definição dos descritores,
coleta de dados através da base de dados eletrônica, com alguns critérios de
inclusão e exclusão para selecionar a amostra; elaboração de um instrumento de
coleta com informações de interesse a serem extraídas dos estudos, análise
crítica da amostra, interpretação dos dados e apresentação dos resultados. A
busca ocorreu no período de março a agosto de 2020 através da Biblioteca
Virtual em Saúde (BVS). As bases de dados selecionadas foram: Scielo, Lilacs,BDEnf
e Medline.
Os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS)
utilizados para a pesquisa foram: alcoolismo, atenção primária, enfermagem e
cuidados. Para refinamento do material, utilizaram-se o operador booleano and combinados de forma que os descritores “atenção primaria”
e “alcoolismo” estivessem presentes em todos os cruzamentos, em razão dos
resultados gerados sem esses descritores se apresentarem distantes do objeto de
pesquisa deste estudo. Os cruzamentos realizados e a descriminação dos artigos
identificados encontram-se expostos na Figura 1.
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Figura
1 – Cruzamentos
realizados e resultados encontrados nas bases de dados selecionadas, 2020
Os
critérios de inclusão adotados foram: estudos publicados
na língua portuguesa e inglesa disponíveis na forma
gratuita e online na
íntegra que compartilhassem da temática e objetivo
proposto. Com relação a
temporalidade da pesquisa, optou-se por iniciar a busca no
período que marcou
do decênio da redefinição e ampliação
da Política Nacional para a Atenção ao
Uso de Álcool e Outras Drogas, com o advento da Portaria nº
2197/2004, do
Ministério da Saúde, até os dias atuais,
considerando os anos 2014 a 2020. Como
assunto principal foram destacados os descritores
“alcoolismo” e “atenção
primaria à saúde”.
Quanto aos critérios de exclusão, destacam-se: artigos
duplicados, considerado-se apenas uma cópia;
publicações do tipo: dissertações, teses, revisões de literatura, TCC, editoriais, notas ao editor e reflexões. Para
análise crítica dos artigos realizou-se leitura completa com as respectivas
sínteses.
Os dados utilizados neste estudo foram devidamente
referenciados, respeitando e identificando seus autores e demais fontes de
pesquisa, observando rigor ético quanto à propriedade intelectual dos textos
científicos que foram pesquisados, no que diz respeito ao uso do conteúdo e de
citação das partes das obras consultadas.
Na revisão, identificaram-se 418 artigos e 11 foram
selecionados, dos quais 54,54% foram no vernáculo e 45,45% em língua inglesa.
As metodologias de pesquisa evidenciadas se classificaram 36,36% em estudos
qualitativos, 36,36% ensaios clínicos randomizados, 18,18% estudos transversais
e 9,09% delineamento intragrupo. Dos artigos selecionados, prevaleceram
publicações do ano de 2015 e 2019 com 03 e 04 publicações respectivamente, o
que representa 27,27% e 36,36%.
A pesquisa empírica encontra-se representada no Quadro 01,
onde se registrou a síntese dos dados. Destacou-se: autor, periódico, ano de
publicação, título do artigo, tipo de estudo, objetivos e resultados, sendo
ordenados por ano de publicação em ordem crescente. No Quadro 2, destaca-se uma
análise mais clara e interpretação dos estudos, emergindo destes as seguintes
temáticas: 1) O cuidado no consumo nocivo do álcool na atenção primária; 2) O
preparo profissional e estrutural para o acolhimento ao paciente alcoolista; 3)
O estigma associado ao paciente alcoolista.
No tocante à avaliação dos estudos quanto aos níveis de
evidência, considerou-se a Oxford Centre Evidence-Based
Medicine [38], cuja distribuição foi disposta no Quadro 3. Dos achados,
anotou-se níveis 1B, 2A, 2B, 2C, 3B e 5. Nesse sentido, destaque-se que há uma
prevalência significativa de estudos nos níveis 1B e 2B, com 27,27% e 36,36%
respectivamente.
Quadro
1 – Principais dados
dos artigos inclusos na revisão integrativa, 2020 (ver PDF)
Fonte: Elaborado pelos autores (2020)
Quadro
3 – Distribuição dos
estudos selecionados por nível de evidência [38]
Fonte: Elaborado pelos autores (2020)
Dentre as dificuldades da pesquisa, destacou-se a escassez
de estudos referente ao tema como fator limitante para obtenção de resultados
mais abrangentes. O déficit de livros para embasamento teórico também se
apresentou como uma barreira para o desenvolvimento do trabalho, uma vez que a
inclusão de percepções pessoais não se caracteriza como base desse estudo.
Num ponto de partida, os artigos sugeriram que as
representações sociais abstratas constituem um fator desfavorável, uma vez que
a concepção cultural do alcoolismo se difere significativamente da visão
técnico-científica atual. Além disso, tem-se que o acompanhamento continuo se
caracteriza como um condicionante motivador para o envolvimento do paciente com
o seu tratamento [1].
Ressalta-se a vulnerabilidade desse tipo de usuário em
resposta ao seu atendimento, diante do pressuposto que o olhar institucional
das unidades se expressa de forma biomédica, atentando apenas para
procedimentos técnicos e com um foco na abstinência total como tratamento [13].
Dessa forma, é perceptível a necessidade de implementação de técnicas e
procedimentos, bem como a observância de rotinas para a capacitação dos
profissionais atendentes, sobretudo considerando a realidade brasileira.
O
cuidado no consumo nocivo do álcool na atenção primária
A temática sobre o cuidado aos pacientes alcoolistas em
unidades primárias apresenta barreiras consideráveis, tais como a baixa demanda
espontânea, haja vista a forte tendência dos usuários em negar a sua
dependência, e o consumo nocivo da substância [12]. É importante distinguir os
padrões de uso nocivo, dos transtornos psiquiátricos ocasionados por estes [2].
Dessa forma, nota-se a necessidade de um diagnóstico preciso. Nesse sentido as
categorias descritas na Organização Mundial da Saúde (OMS) salientam critérios
para a classificação e diagnóstico [13].
No Brasil é disponibilizada uma classificação pelo
Observatório Brasileiro de informações sobre drogas (OBID) que apresenta os
estágios desde seu uso experimental até o consumo nocivo da substância,
ressaltando, assim, padrões de risco para os consumidores [12]. Visto que os
problemas pertinentes ao uso do álcool se difundem de acordo com a sua
gravidade, torna-se impreterível a implementação destas intervenções na rotina
dos profissionais.
Entre os estudos selecionados nesta revisão integrativa,
sete apresentaram a efetividade da intervenção breve (IB) no tratamento do
paciente alcoolista, com o destaque para a motivação do paciente diante dos
métodos abordados, a evidente melhora no quadro das pessoas que se submeteram
as etapas do tratamento ratifica a significância desta abordagem no cenário em
questão.
A intervenção breve é caracterizada pela técnica no qual se
busca, em um determinado período, obter o maior número de informações sobre a
situação atual do paciente, avaliando-o e motivando a tomada de decisões e
comprometimento com a mudança no seu estilo de vida [17]. Já o Ministério da
Saúde aponta que o principal objetivo da IB é identificar o problema e buscar a
motivação das pessoas no intuito de perseguir determinados objetivos que
culminam na autonomia pessoal [18].
Considerando os estudos resgatados que mencionaram a
intervenção breve como meio eficaz, o perfil do paciente dependente do álcool
evidencia-se em um desconforto físico e emocional. Nesse ponto, é importante
destacar a apreensão do usuário em aceitar o tratamento devido as barreiras
sociais já enfrentadas. Esse fator impacta na falta de interesse do usuário em
procurar ajuda especializada, de modo que a eficácia da IB se destaca na sua
abordagem em atenções primárias pela necessidade do acompanhamento a esse tipo
de paciente durante todo o processo.
Outro ponto de observação na pesquisa é que a qualidade da
intervenção breve no atendimento primário depende de capacitação dos
profissionais envolvidos, e da atenção do próprio sistema de saúde. Isso porque
a implementação eficiente dessa técnica depende da inserção de rotinas de
treinamento contínuo, o que implica em atenção às modalidades de treinamento e
capacitação específicas [19].
Vale mencionar que, nos achados da pesquisa, um estudo
randomizado aponta que intervenções consistentes em autonomia pessoal e a
tomada de decisões não apresentaram significativas diferenças quanto ao evitar
o consumo excessivo de álcool. Contudo, no mesmo estudo, ficou claro que a
capacitação e multidisciplinariedade no atendimento são fatores preponderantes
para sua eficácia. Porém, vale salientar que o referido estudo não é suficiente
para afastar a conclusão da ineficácia de técnicas como a IB, haja vista a
estreita janela estatística [20].
Por fim, os achados evidenciam a
eficiência da intervenção breve, ainda que adotada de forma limitada, haja
vista as dificuldades pertinentes à realidade brasileira [16]. Isso pode
indicar outros caminhos a serem explorados, considerando a IB como um veículo
promissor para a atenção ao alcoolista no atendimento primário.
O
preparo profissional e estrutural para o acolhimento ao paciente alcoolista
Quanto ao acolhimento, observou-se que quatro artigos
abordaram de forma significativa a relação entre profissionais e pacientes.
Convém enfatizar que estes destacaram a necessidade de um atendimento
qualitativo e empático, sobretudo com o foco no contexto holístico.
A respeito da assistência dos profissionais ao paciente
alcoolista, tem-se que alguns elementos externos e internos parecem influenciar
o discernimento técnico e isento para o adequado tratamento. Nesse âmbito,
analisando o comportamento dos profissionais a partir de observações práticas
em serviço público de saúde, percebeu-se que a perspectiva valorativa nos
atendentes, estas com base em suas acepções morais, aparentam ser determinantes
no julgamento do caso clínico [21].
Em face dos princípios do atendimento primário, o vínculo
entre profissionais e usuários é necessário para uma aproximação efetiva, de
forma que a escuta qualificada é essencial, visto o seu caráter fundamental
para a compreensão, diagnóstico e tratamento [4]. Com base nisso, destaca-se
que julgamentos morais e práticas embasadas em crenças pessoais entravam a
relação profissional/usuário dificultando o vínculo e afetando diretamente a
qualidade da assistência.
Outro fator preponderante para o progresso da qualidade do
atendimento se refere a capacitação dos profissionais frente a técnicas e
recomendações relacionadas ao manejo do paciente. De forma que alguns estudos
apontam a necessidade improtelável de implantação de programas assistenciais e
qualificações em conjunto com o apoio dos gestores [19].
Diante desse cenário, destaca-se a Estratégia de Saúde da
Família (ESF) que se caracteriza como um importante programa de prevenção no
qual objetiva-se o cuidado integral e holístico, centrado não apenas no cuidado
hospitalocêntrico, mas em todo o contexto que integra o indivíduo [22]. A
proximidade que esse programa proporciona à comunidade é um recurso estratégico
para a formação do vínculo profissional/usuário, de modo que compete ao
profissional a abordagem adequada e encaminhamento dos pacientes em situação de
vulnerabilidade para centros especializados [18].
Os Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e outras drogas
(CAPS-ad) se apresentam como a principal referência para o encaminhamento do
paciente alcoolista. Alinhado a isto, vê-se que o atendimento especializado e
interdisciplinar é sempre citado como importante elemento para o tratamento
adequado do alcoolista [3]. O tratamento do alcoolismo deve lançar mão de
atenção multiprofissional, de recursos e serviços diversos, como atendimento
médico, psicológico e de outras especialidades [13].
Esse apontamento se complementa com a conclusão quanto à
importância de novos métodos que valorizam o tratamento pessoal e familiar, em
detrimento do uso de substâncias psicoativas, o que seria suportado por um
atendimento matricial [3]. Destaca-se, nesse sentido, que o matriciamento
se caracteriza como um suporte técnico/profissional cujo intuito é de ampliar o
campo de atuação interdisciplinar, proporcionando, assim, o cuidado integral e
interpessoal ao paciente. Dessa forma, a abordagem matricial trabalha na
sugestão de diferentes olhares profissionais, uma vez que considera não só o
indivíduo, mas todo o seu contexto social [18].
Por fim, vale destacar a percepção dos profissionais quanto
a qualidade da assistência. Os estudos apresentam o interesse que esses têm no
aprimoramento dos cuidados e intervenções. De modo que a capacitação, a
ampliação de estratégias e o aconselhamento são destacados como fatores
importantes para uma assistência integral e responsabilizada [14].
O
estigma associado ao paciente alcoolista
A estigmatização do paciente alcoolista se apresentou nos
estudos como algo comum e habitual. Notou-se a necessidade de abordagem no
assunto entre os achados da revisão, uma vez que de 11 artigos selecionados,
três abordaram a temática. Remetendo a um aspecto mais subjetivo da ausência de
capacitação adequada, ao mesmo tempo que evidenciou influência da moralidade
individual, que se sobressai à capacidade de aferição e identificação do que se
passa com o paciente [12].
Pesquisas foram feitas no decorrer dos anos e apontam a
estigmatização ao paciente alcoolista pelos profissionais, uma vez que estes
apresentariam um sentimento de frustração diante dos usuários, em razão de sua
impotência para intervir com algum tipo de tratamento [13].
O estigma tem se destacado como uma das principais
consequências do “estresse das minorias” sendo caracterizado como modelo que
expõe indivíduos discriminados a uma maior vulnerabilidade social. A resposta a
atitudes e valores de determinadas populações evidenciam a necessidade de
intervenções nessas práticas discriminatórias, visto que o estresse e as implicações
psicológicas como a desejabilidade social, a baixa autoestima e a falta de
domínio pessoal se tornaram fatores crônicos [23].
Impende anotar que o estigma, independente do público
atingido, gera efeitos danosos seja imediatamente ou a longo prazo como
constatado em um estudo, no qual se observou pacientes portadores de
hanseníase, internados em hospital colônia, em período compreendido entre as
décadas de 1940 e 1960. O ensaio mostrou que a submissão dos enfermos à
tratamento excludente causou profundas marcas em suas vidas, de modo que
acabaram perdendo família, emprego e, dessa forma, vivenciaram profundas
mudanças em suas vidas sociais [24].
As ações em saúde devem estar voltadas a atenção
individual. Destaca-se como exemplo caso em que um indivíduo aparece em serviço
de saúde ferido por arma branca e o seu atendimento se limita ao momento, de
modo que a causa preponderante por trás da situação é ignorada. Ilustrando a
visão moral, estigmatizante e pontual da equipe, que é repercutida na
capacidade de acolhimento e escuta [12].
De acordo com os estudos, o estereotipo social referido a
esse paciente como doente e moralmente fraco é uma vertente a ser considerada
no processo de acolhimento. Diante da fragilidade moral e da dificuldade no
processo de acompanhamento, o paciente muitas vezes se apresenta na unidade
apenas com queixa a problemas secundários, sem assumir o seu real problema com
o álcool [14].
Tendo em vista que a negação faz parte do perfil desse
paciente, o estigma que lhe é atribuído se caracteriza como fator
potencializador para a percepção de que receberão um julgamento moralizado caso
procurem ajuda. Por conseguinte, nota-se uma baixa demanda desses usuários no
sistema de saúde, muito provavelmente em razão da percepção de que serão
discriminados [7].
As temáticas identificadas no estudo trouxeram à tona
algumas lacunas no atendimento ao paciente alcoolista, entre essas a escassez
de conhecimento dos profissionais e os seus valores morais que resultaram no
atendimento omisso e defeituoso. Cabe ressaltar que os profissionais
expressaram um interesse em melhorar a qualidade da assistência, porém
apresentaram limitações quanto a administração e organização do sistema.
A implementação da intervenção breve mostrou efetividade no
que se refere ao interesse e a autonomia do paciente para começar ou dar
continuidade ao seu tratamento. Sendo assim, a IB se caracterizou como uma
condição importante e diferenciadora para a efetividade e eficácia do
acompanhamento e tratamento desse paciente. Todavia, notou-se que essa ainda é
pouco desenvolvida nas unidades de atendimento primário e que as técnicas
abordadas necessitam de capacitação.
A estigmatização é a principal temática abordada nas
publicações sendo enfatizada como um obstáculo que os pacientes enfrentam. Há
indícios de que a inadequada formação dos profissionais implica numa falha de
perspectiva em relação ao paciente, em razão da influência de seus valores
morais na avaliação do caso concreto. Dessa forma, esse cenário acaba
contribuindo para falhas diagnósticas, resistência dos usuários e
encaminhamento deficiente para tratamento.
Levando em consideração esses aspectos, concluiu-se que a
assistência ao paciente alcoolista na atenção primária possui hiatos que não se
limitam apenas a um contexto individual ou técnico, mas como um problema
macrossocial, sistemático e multifacetado. Dessa forma, tem-se que o presente
estudo deve aguçar o interesse na busca do aprimoramento do cuidado já que,
apresentando características gerais da assistência, suas falhas e limitações,
amplia o horizonte para outros estudos nessa área.