Enferm Bras 2021;20(1):68-81

doi: 10.33233/eb.v20i1.4498

ARTIGO ORIGINAL

Percepção de enfermeiros sobre os cuidados aos potenciais doadores de órgãos

 

Emily Oliveira Duarte Fonseca*, Flávia Emília Cavalcante Valença Fernandes, D.Sc.**, Gerlene Grudka Lira, M.Sc.***, Christielle Lidianne Alencar Marinho, M.Sc.****, Kércia Dantas Oliveira de Moura*****, Rosana Alves de Melo, D.Sc.******

 

*Graduada em Enfermagem, Universidade de Pernambuco Campus Petrolina, Petrolina, PE, **Enfermeira, Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco Campus Petrolina, Petrolina, PE, ***Enfermeira, Professora Assistente da Universidade de Pernambuco Campus Petrolina, Petrolina, PE, ****Enfermeira, Professora Auxiliar, Universidade do Estado da Bahia, Senhor do Bonfim, BA, *****Graduada em Enfermagem, Universidade de Pernambuco Campus Petrolina, Petrolina,PE, ******Enfermeira, Professora Adjunta da Universidade Federal do Vale do São Francisco, Petrolina, PE

 

Recebido em 5 de dezembro de 2020; aceito em 22 de fevereiro de 2021.

Correspondência: Flávia Emília Cavalcante Valença Fernandes, Universidade de Pernambuco Campus Petrolina, Av. Cardoso de Sá, s/n. Campus Universitário, Vila Eduardo 56328-900 Petrolina PE, Brasil

 

Flávia Emília Cavalcante Valença Fernandes: flavia.fernandes@upe.br

Emily Oliveira Duarte Fonseca: emilyduarte2016@hotmail.com

Gerlene Grudka Lira: gerlene.grudka@upe.br

Christielle Lidianne Alencar Marinho: christiellealencar@yahoo.com.br

Kércia Dantas Oliveira de Moura: kerciamoura12@gmail.com

Rosana Alves de Melo: rosana.melo@univasf.edu.br

 

Resumo

Objetivo: Compreender a percepção do cuidado de enfermagem aos potenciais doadores de órgãos e fatores influenciadores da efetivação da doação. Métodos: Estudo qualitativo, desenvolvido em um Hospital Universitário com enfermeiros de terapia intensiva e emergência, por meio de entrevista semiestruturada. Utilizou a análise de conteúdo proposta por Bardin. Resultados: Emergiram duas categorias. A categoria “Cuidando do potencial doador como um paciente crítico” mostra uma assistência comum ao paciente crítico, com enfoque na manutenção hemodinâmica. A categoria “Dificuldades e facilidade na efetivação da doação de órgãos” revelou os desafios para a efetivação da doação. Conclusão: O cuidado ao potencial doador é o mesmo prestado aos pacientes críticos, realizado de forma compartilhada com a Organização de Procura de Órgãos e estimulado pela possibilidade de salvar outras vidas. As dificuldades para a efetivação da doação está atrelada à escassez de capacitação profissional.

Palavras-chave: enfermeiro; obtenção de tecidos e órgãos; cuidados críticos.

 

Abstract

Nurses’ perception of the care for potential organ donor

Objective: To understand the perception of nursing care to potential organ donors and factors that influence the effectiveness of the donation. Methods: Qualitative study, developed in a University Hospital with nurses in intensive care and emergency, through semi-structured interview. Bardin's content analysis was used. Results: Two categories emerged. The category “Caring for the potential donor as a critical patient” shows an assistance common to the critical patient, focusing on the hemodynamic maintenance. The category “Difficulties and ease in making organ donation” effective revealed the challenges for making the donation effective. Conclusion: The care with the potential donor is the same provided to critical patients, performed in a shared way with the Organization for Organs Search, stimulated by the possibility of saving other lives. The difficulties for the effectiveness of donation is linked to the poor professional qualification.

Keywords: nurse; tissue and organ procurement; critical care.

 

Resumen

Percepción de enfermeras en el cuidado de potenciales donantes de órganos

Objetivo: Comprender la percepción de la atención de enfermería a los posibles donantes de órganos y los factores que influyen en la efectividad de la donación. Métodos: Estudio cualitativo, desarrollado en Hospital Universitario con enfermeros en cuidados intensivos y emergencias, a través de entrevista semiestructurada. Utilizó el análisis de contenido de Bardin. Resultados: La categoría “Cuidar al donante potencial como paciente crítico” mostró una asistencia común al paciente crítico, con enfoque en la manutención hemodinámica. La categoríaDificultades y la facilidad para realizar la donación de órganos reveló los desafíos para realizar la donación. Conclusión: La atención al donante potencial es la misma que a los pacientes críticos, realizada de forma compartida con la Organización de Adquisición de Órganos y estimulada por la posibilidad de salvar otras vidas. Las dificultades para realizar la donación están ligadas a la escasez de formación profesional.

Palabras-clave: enfermero; obtención de tejidos y órganos; cuidados críticos.

 

Introdução

 

O transplante de órgãos é um procedimento realizado para tratamento de pessoas com doenças crônicas terminais e falência de órgãos [1]. Para que o transplante seja efetivado, é necessária a doação de órgãos. No entanto, o número de doações no Brasil [2] encontra-se abaixo do necessário para atender à crescente demanda da fila de espera por transplantes [1,2,3].

Um sistema de transplante eficiente é fundamental para a concretização desses procedimentos, ainda que a população esteja predisposta à doação de órgãos [4]. No Brasil, importante mudança na legislação foi a atualização dos critérios para o diagnóstico da Morte Encefálica (ME), permitindo uma maior celeridade do processo. Esse diagnóstico é fundamentado na ausência de função do tronco encefálico confirmada pela falta de seus reflexos ao exame clínico e de movimentos respiratórios ao teste de apneia, além de um método complementar que ateste ausência de fluxo sanguíneo ou atividade elétrica cerebral [5].

Mesmo com a celeridade no processo de diagnóstico de ME, o Brasil ainda esbarra na não efetividade da doação devido a recusa familiar. Em 2019, esta recusa representou 40% de todas as causas de não efetivação da doação [2,6]. O processo de acompanhamento dos potenciais doadores, realizado por profissionais de saúde, para doação tem papel importante neste processo, podendo impactar na efetivação da doação e no número de órgãos captados [7].

Para o cenário de reduzido número de doações, é preciso preparo por parte dos profissionais, pois há uma falta de conhecimento e aceitação da ME pelas famílias e estes precisam estar seguros da irreversibilidade do processo [8].

O enfermeiro se sobressai no processo de doação, pois sua assistência acontece em todas as fases da vida do indivíduo, inclusive na morte. Essa assistência é voltada tanto para os familiares e equipe, quanto ao potencial doador, considerando o manejo adequado do paciente em ME incluindo monitorização hemodinâmica e a prestação de cuidados individualizados [9], visando à manutenção das funções e à viabilidade dos órgãos e tecidos [10], em especial em setores como a Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

A assistência de enfermagem a essa população, em especial, é fortalecida pela motivação na esperança em salvar outras vidas por meio da doação pautada na organização das práticas do cuidado e gerenciamento da equipe [11]. Em contrapartida, o entendimento e cultura sobre a morte também podem trazer um desafio à assistência, levando a uma resistência ao cuidado a esse paciente [12].

A busca de informações sobre o cuidado de enfermagem ao indivíduo em ME e potencial doador a partir da percepção dos enfermeiros pode proporcionar subsídios aos demais profissionais dessa área com vias à garantia da qualidade do processo de doação e captação de órgãos. A partir desse contexto, o presente estudo teve como objetivo compreender a percepção do cuidado de enfermagem aos potenciais doadores de órgãos e os fatores influenciadores da efetivação da doação.

 

Material e métodos

 

Estudo descritivo, exploratório de abordagem qualitativa, desenvolvido em um Hospital Universitário, localizado em Pernambuco, o qual é referência para 53 municípios integrantes da Rede Interestadual de Atenção à Saúde do Vale do Médio São Francisco – Rede PEBA [13]. A população estudada foi composta por oito enfermeiros que atuam diretamente com os cuidados aos pacientes críticos ou neurocríticos atuantes na emergência e UTI.

Os dados foram obtidos nos meses de outubro a dezembro de 2019, por meio de uma entrevista semiestruturada, através da questão norteadora: “Qual a sua percepção sobre os cuidados aos potenciais doadores de órgãos e ao paciente em ME?”. As informações como sexo, idade, escolaridade, local de atuação e tempo de serviço no setor, foram coletadas para a caracterização da amostra.

Os critérios de inclusão foram enfermeiros que atuam nos setores do hospital que envolvem atendimento de pacientes críticos e neuro críticos e os de exclusão foram os enfermeiros que estiveram de férias ou licença no período da coleta. Foi empregada a amostragem por saturação do discurso [14], estabelecendo a finalização das entrevistas com a interrupção da captação de novas falas quando os discursos se repetiram. A coleta de dados ocorreu em sala privativa e tranquila, durante o turno de trabalho, utilizando-se um tempo médio de 20 minutos. A fim de preservar a identidade dos participantes, seus nomes foram substituídos pela letra “E” seguida do número sequencial das entrevistas.

A partir das entrevistas gravadas e transcritas, iniciou-se a análise dos dados, fundamentada no método de análise de conteúdo proposto por Bardin, que ocorre com técnicas de análise das comunicações através de procedimentos sistemáticos e diretos da explicação do assunto das mensagens [15].

A presente pesquisa obedeceu aos preceitos estabelecidos na Resolução Nº. 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, e teve o parecer aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Saúde Integrado Amaury de Medeiros da Universidade de Pernambuco (CISAM/UPE) sob o número 3.532.908.

 

Resultados e discussão

 

Foram entrevistados oito enfermeiros, dos quais sete foram do sexo feminino e um do sexo masculino. O tempo de atuação na instituição variou de dois a seis anos. Quanto ao setor de trabalho, três atuavam na UTI e cinco na emergência. Após análise dos dados, emergiram duas categorias: “Cuidando do potencial doador como um paciente crítico” e “Dificuldades e facilidade no cuidado ao potencial doador”.

 

Cuidando do potencial doador como um paciente crítico

 

Foi possível identificar, através do relato dos enfermeiros, que a assistência ao paciente em ME e potencial doador é o mesmo prestado aos demais pacientes críticos, que não estejam nessas condições, mantendo o cuidado com o suporte hemodinâmico, realizando as medicações prescritas, como descrito nas falas a seguir:

 

“...O cuidado ao potencial doador é o mesmo cuidado de um paciente viável...” E2

“Quando o paciente está em ME a gente não tem uma coisa de tratar de forma diferente, a gente segue como se estivesse cuidando de um paciente comum, que não esteja em ME...trata como um paciente normal…”E4

“O cuidado com o paciente em ME: são prestados todos os cuidados como qualquer outro paciente que não esteja, são feitas todas as medicações sempre observando os sinais vitais, temperatura, manter estável hemodinamicamente...” E5

 

O cuidado não deve ser diferente, implicando em uma mesma dedicação direcionada como a qualquer outro paciente crítico independente do seu diagnóstico, sobretudo em paciente em ME, considerando o risco de instabilidade proveniente da ME [14].

Contudo, é necessário que o enfermeiro compreenda a importância de uma assistência individualizada ao indivíduo em ME baseada nas particularidades das alterações fisiológicas decorrentes do seu diagnóstico, em que o objetivo não será mais curativo e, sim, de manutenção dos órgãos para um possível transplante [9].

Existiu, por parte dos enfermeiros do presente estudo, a preocupação em manter o cuidado a esses indivíduos e à sua estabilidade hemodinâmica. Observou-se um esforço por parte dos profissionais em investir todos os seus recursos tecnológicos e insumos na assistência, mesmo na condição de morte, uma vez que existe a possibilidade da doação de órgãos, como descrito nas falas:

 

“...é investido tudo: as questões das drogas vasoativas para manter os níveis pressóricos normais...” E8

“...a gente procura estabilizar no máximo pensando que ele possa ser um potencial doador”. E3

“...preservando sempre todas as funções dele, e para que ele permaneça sempre hemodinamicamente estável, para evitar qualquer intercorrência que possa comprometer o paciente e sua potencial doação”. E1

 

Fato corroborado por um estudo com técnicos de enfermagem de um Hospital Universitário da região Sul do Brasil, o qual demonstrou existir uma maior preocupação ao indivíduo em ME, pela possibilidade de realizar a doação, sendo essa condição um incentivo para o cuidado [16].

Nesse ambiente crítico, o cuidado deve ser bem planejado de forma a garantir a estabilidade clínica do paciente. Nesse contexto, a equipe de enfermagem irá realizar a monitorização detalhada das funções orgânicas e a reparação de prováveis disfunções decorrentes da ME [17]. O enfermeiro deve ter conhecimento técnico-científico das alterações para que, junto com a equipe multiprofissional, possa planejar e conduzir o manejo [8].

Essa visão dos profissionais vem de capacitações e do conhecimento dos enfermeiros e aproximação com a temática, favorecendo esse olhar diferenciado e parceria para manutenção destes pacientes.

Outro aspecto levantado pelos participantes como sua atribuição no cuidado ao potencial doador é a dedicação aos familiares, através de um apoio psicológico, além de todos os outros cuidados já dispensados. Após a autorização do familiar para a doação, o cuidado dirige-se a garantir a concretização da doação dos órgãos do parente, zelando pela manutenção hemodinâmica até o encaminhamento ao bloco cirúrgico, primando pela integridade dos órgãos para o transplante, como destacado nas falas a seguir:

 

“...depois da entrevista com a família, tem uma crescente que é cuidar da família também. Então, é feito o apoio psicológico para a família...tem a preocupação com a família.” E7

“...assim que o familiar autoriza a captação de doações de órgãos, a gente continua mantendo os cuidados intensivos com esse paciente até transferir ele para um bloco cirúrgico, onde ocorre a captação desses órgãos por uma equipe específica.” E5

 

Dentre as atribuições do enfermeiro, estabelecidas na Resolução 292/2004 do Conselho Federal de Enfermagem, destaca-se esclarecer sobre o diagnóstico de ME, como será realizado todo o procedimento da captação dos órgãos, aplicando a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) no processo de doação de órgãos e tecidos, dedicando-se sempre ao paciente em ME e seus familiares [18].

Contudo, a prática assistencial, adequada tecnologia, segurança e humanização, deve ser estimulada sabendo-se que, para ser acolhedora e humanizada, não deve remeter somente às necessidades biológicas dos pacientes, mas também à utilização da comunicação como prática de humanização proporcionando uma assistência qualificada [19].

Nota-se que, além de cuidar do paciente potencial doador, o enfermeiro cuida da família, a qual está fragilizada pelo processo de saúde do ente, exigindo do profissional habilidades cognitivas e emocionais, além do conhecimento técnico [16]. Algumas condutas como a conversa, o diálogo, o respeito e o olhar introspectivo podem mediar estas relações preparando-os para o momento do óbito [20].

Neste cenário do cuidado ao potencial doador, os enfermeiros deixaram claro que o cuidado prestado é realizado de forma compartilhada com equipe da Organização de Procura de Órgãos (OPO), sendo para os profissionais um suporte para prestar o cuidado, um atuar em conjunto, uma vez que se sabe da sobrecarga dos profissionais de cuidados a pacientes críticos.

 

“...presta os mesmos cuidados do outro (ME), mas tem um maior suporte da OPO na assistência a esse paciente”. E3

“...a permanência da equipe (OPO) dentro do setor atuando juntamente com os profissionais da UTI... é de extrema importância para garantir esse cuidado…” E1

“...se foi constatado a morte encefálica a família é chamada de forma privativa pela equipe da OPO e pelo médico da UTI...” E8

 

A respeito desse aspecto, um estudo que buscou compreender o significado para enfermeiros no cuidado ao paciente em ME refere que esse cuidado exige um trabalho em equipe, o qual deve ser complementar entre a equipe da UTI e a do serviço de captação de órgãos e transplante. Na percepção desses enfermeiros, o cuidado é somado entre estas duas equipes, com cooperação, integração da equipe multiprofissional e boa comunicação [21].

Uma estratégia criada pelo Ministério da Saúde, em 2009, para o fortalecimento do Sistema Nacional de Transplantes, foi a instituição da Organização de Procura de Órgãos (OPO), como melhoria no processo de doação e transplante. Os integrantes da OPO possuem, entre suas atribuições, a articulação com as equipes médicas da UTI e emergências para a identificação e adequada manutenção do potencial doador, além de assegurar a ética e a legalidade do diagnóstico de ME, oferecendo às famílias a possibilidade da doação [22].

Em um estudo que apresentou as vivências e estratégias de uma equipe da OPO, foi evidenciado que esses são responsáveis pelas atividades inerentes ao processo de doação e transplante tanto nos hospitais públicos quanto privados, que possuem pacientes neurocríticos [23]. Essa colaboração na assistência prestada ao paciente em ME é demonstrada pelos participantes como essencial para o cuidado, pelo apoio e orientação com a manutenção hemodinâmica e no diálogo com a família no momento da comunicação da morte.

 

Dificuldades e facilidade na efetivação da doação de órgãos

 

Algumas dificuldades foram apontadas para a efetivação da doação, entre elas a demora da captação pela equipe cirúrgica, sendo essa uma particularidade do município, onde a equipe de captação desloca-se cerca de 720 km do grande centro Recife [24], podendo ser um dos motivos para a desistência da família para a doação de órgãos como descreve a fala a seguir:

 

“...até a chegada da equipe para fazer a captação... se demora muito, muitas vezes a família desiste da doação, por ficar muito desgastante para a família…” E6

 

Em um estudo realizado pela liga de busca ativa de órgãos e tecidos do Piauí, identificou-se que a demora e a burocracia no processo de captação de órgãos fizeram com que familiares que morassem distante do serviço hospitalar desistissem da doação de órgãos [17].

Outra dificuldade no processo de doação de órgãos, apontado pelos participantes, estava relacionado ao não entendimento pela família do diagnóstico de morte encefálica e a má abordagem de alguns profissionais feita a esses familiares durante o processo do diagnóstico de morte, como descrito nas falas:

 

“... é feito o apoio psicológico para a família, que muitas vezes até aceita (a doação), mas não estão tão entendidos daquela situação (ME)...” E2

“o fator que dificulta, o médico, que realiza uma má abordagem com a família, a família fica ressentida de algo e acaba não aceitando a morte, e outra pela família ter ficado com queixa do médico no atendimento (inicial)...” E4

 

Em um estudo de revisão sistemática da literatura, foi possível observar que a satisfação da família com o cuidado da equipe de saúde com o potencial doador agregaria a autorização familiar [25]. Relatos em outro estudo apontam que a empatia com a família auxilia na aceitação da morte encefálica e seu entendimento sobre a importância da doação de órgãos [16]. Entre os principais fatores apontados para não efetivação da doação estão a contraindicação médica e a recusa familiar [25].

Portanto, a entrevista familiar para autorização é a etapa crucial para o processo efetivo de doação de órgãos, sendo uma dificuldade a ser superada visando a diminuir a distância entre a procura e a oferta de órgãos [4]. Essa comunicação existente entre o profissional e o familiar ainda é um desafio [17].

A falta de capacitação sobre o processo de doação de órgãos foi relatada como dificuldade por alguns entrevistados. É necessário que as instituições de saúde realizem capacitações para seus profissionais sobre o acompanhamento desses pacientes [26]. Assim, estudos trazem a importância da educação permanente em saúde para o cuidado com pacientes em ME e na doação [27] como observado nas falas:

 

“...os fatores que dificultam são os poucos treinamentos que recebemos sobre a doação de órgãos…” E3

“...uma das coisas que dificultam aqui na UTI são alguns médicos que ainda não passaram pelo treinamento, que às vezes têm dúvidas de como dar seguimento ao potencial doador…” E1

 

A educação é de extrema importância aos profissionais que tratam de um paciente com diversas particularidades, neste caso, podendo melhorar os índices de captação de órgãos [10]. Como é necessário que a equipe de procura de órgãos tenha capacitação para realizar a adequada condução do potencial doador, da mesma forma, a equipe assistencialista também precisa estar sensibilizada quanto à manutenção das condutas corretas a serem seguidas para estes indivíduos [23].

Em estudo realizado em um hospital público no interior do Rio Grande do Sul, aponta-se o diálogo como uma ferramenta que deve ser utilizada pelos profissionais para o entendimento da ME, que, por sua vez, poderá ajudar os familiares a mudar de opinião sobre a doação de órgãos [28]. Sendo assim, faz-se necessário discussão, capacitação e atualização sobre a abordagem da família para doação, facilitando, assim, o diálogo com a família, e a melhor aceitação da mesma [29].

Um aspecto levantado como facilitador no cuidado ao potencial doador é a adequada comunicação familiar, possibilitando uma maior aceitação da doação. A entrevista familiar deve ser realizada de forma humanizada para que, assim, possa ser efetiva, como descrito na fala a seguir:

 

“...um bom acolhimento com a família...faz uma diferença na resposta que a família vai dar na hora da doação.” E7

 

O acolhimento familiar deve ser bem planejado e elaborado de maneira a colaborar para o cenário da captação, devendo sempre receber um auxílio antes e depois da confirmação da ME [30]. Sendo esse um momento difícil para a família ao ver o seu ente com batimentos cardíacos e não assimilar o óbito, devendo sempre ser respeitada a vontade da família, mantendo-se os princípios éticos e legais [30].

 

Conclusão

 

Foi possível identificar que os cuidados de enfermagem ao paciente potencial doador são os mesmos cuidados prestados a um paciente crítico, realizados de forma compartilhada com equipe especializada (OPO). Além disso, foi possível reconhecer, nas falas dos profissionais, que existe um estímulo maior ao cuidado com o potencial doador pela chance de realizar a doação de órgãos, e, assim, salvar outras vidas.

Entre as dificuldades a serem vencidas para a efetivação da doação de órgãos, foi descrita a má abordagem por alguns profissionais aos familiares durante o processo do diagnóstico e escassez de capacitações sobre o manejo do paciente em ME, enquanto um facilitador foi o adequado acolhimento familiar. É recomendado que a equipe de enfermagem tenha uma educação permanente e capacitações acerca do assunto e apoio psicológico.

Um aspecto limitante deste estudo foi relatar experiências de um cenário específico e local, não permitindo generalizar seus resultados, mas que se tornam subsídios para ampliar a temática de estudo em outros cenários e por outros métodos, com o fim de proporcionar qualidade da assistência ao doador e aos pacientes que dele se beneficiam.

 

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