Enferm Brasil 2021;20(2);222-37
REVISÃO
Atuação
da equipe de enfermagem para o cuidado da população em situação de rua no
contexto da pandemia da COVID-19
Paula
Martins Licati*, Lucas Antônio da Silva*, Carolina
dos Santos Andrade Diniz*, Danilo de Santana Pereira*, Eduardo Sodré de Souza, D.Sc.**
*Acadêmicos
de Enfermagem Universidade Anhembi Morumbi, **Professor Graduação em Enfermagem
Universidade Anhembi Morumbi
Recebido
em 5 de dezembro de 2020; Aceito em 5 de março de
2021
Correspondência: Paula Martins Licati,
Rua Guiará, 81/46, Pompéia, 05025-020 São Paulo SP
Paula Martins Licati:
paulalicati@gmail.com
Lucas Antônio da Silva: lucas.antonio2013@hotmail.com
Carolina dos Santos Andrade Diniz: caandradesgq@gmail.com
Danilo de Santana Pereira: daniloibitiara@hotmail.com
Eduardo Sodré de Souza: eduardo.souza@anhembi.br
Resumo
Introdução: Dois grandes e importantes eventos do
ano de 2020 marcam a história da enfermagem: A comemoração do centenário de
Florence Nightingale e o decreto da pandemia da COVID
19. A destacada atuação da enfermagem neste contexto revela sua importância no
combate das iniquidades sociais, a exemplo do cuidado à saúde da população em
situação de rua. Objetivo: Este estudo tem como objetivo apresentar as
ações realizadas pela equipe de enfermagem para o cuidado das pessoas em
situação de rua no contexto da pandemia da COVID-19. Métodos: Por meio
de revisão integrativa, realizada entre julho e outubro de 2020, na biblioteca
virtual em Saúde (BVS). Resultados: Foram identificadas as ações
realizadas pelas equipes de enfermagem para minimizar os agravos e propagar os
cuidados básicos necessários para reduzir a disseminação do vírus entre a
população em situação de rua, assim como discutidas as dimensões assistenciais,
gerenciais e educativas do processo do trabalho da enfermagem. Conclusão:
Foi possível verificar a efetividade da categoria profissional dentro dos
serviços de saúde na garantia de desfechos positivos para a saúde da população
em situação de rua no contexto da pandemia de COVID-19.
Palavras-chave: equipe de enfermagem; infecção por
coronavírus; pandemias; população em situação de rua.
Abstract
Performance of the nursing team to
care for the homeless population in the context of the COVID-19 pandemic
Introduction: Two major and
important events in the year 2020 mark the history of nursing: The celebration
of the centenary of Florence Nightingale and the pandemic decree of COVID 19.
The outstanding performance of nursing in this context reveals its importance
in combating social inequities, like the health care of the homeless
population. Objective: This study aims to present the actions taken by
the nursing team to care for people on the street in the context of the
COVID-19 pandemic. Methods: Through an integrative review, carried out
between July and October 2020, at the Virtual Health Library (VHL). Results:
The actions taken by the nursing teams to minimize the problems and spread the
basic care necessary to reduce the spread of the virus among the homeless
population were identified. In addition, the care, managerial and educational
dimensions of the nursing work process were discussed. Conclusion: It
was possible to verify the effectiveness of the professional category within
the health services in guaranteeing positive outcomes for the health of the
homeless population in the context of the COVID-19 pandemic.
Keywords: nursing team; coronavirus
infection; pandemic; homeless persons.
Resumen
Desempeño del equipo de
enfermería para la atención de la población sin hogar
en el contexto de la pandemia COVID-19
Introducción: Dos grandes e importantes hechos
del año 2020 marcan la historia de la enfermería: La celebración del centenario de Florence Nightingale y el decreto
pandémico de COVID-19. El destacado desempeño de la enfermería en
este contexto revela su importancia
en la lucha contra las inequidades sociales, como la atención médica de la población sin
hogar. Objetivo: Este estudio
tiene como objetivo presentar las
acciones realizadas por el
equipo de enfermería para atender a las personas en la calle en
el contexto de la pandemia
de COVID-19. Métodos: Mediante revisión
integradora, realizada entre julio y octubre de 2020, en la Biblioteca Virtual en Salud (BVS). Resultados: Se identificaron
las acciones realizadas por
los equipos de enfermería
para minimizar los problemas y difundir los cuidados básicos necesarios
para reducir la propagación del virus entre la población sin hogar,
así como se discutieron las dimensiones asistencial,
gerencial y educativa del proceso
de trabajo de enfermería. Conclusión: Se pudo
verificar la efectividad de
la categoría profesional dentro de los servicios de salud para garantizar resultados positivos para la
salud de la población sin hogar
en el contexto de la pandemia COVID-19.
Palabra-clave: grupo de enfermería;
infecciones por coronavirus; pandemias; personas sin hogar.
No ano de comemoração do centenário da enfermagem,
representado pela Florence Nigthingale, 2020 é um
marco para a história da enfermagem. No cenário global atual a enfermagem foi
evidenciada como uma categoria profissional essencial para os impactos positivos
no que se refere à saúde [1].
Nesse contexto de pandemia da COVID-19, sua atuação marca
um histórico de problemas enfrentados diariamente pelos trabalhadores de
enfermagem, porém o compromisso ético com o cuidado biopsicossocial ao paciente,
família e comunidade permanece [2].
A Organização Mundial de Saúde decretou estado de pandemia
da COVID-19 em 11 de março de 2020 e, com o número de pessoas mortas e
infectadas, até agora, é possível dizer que assim como outras pandemias, ela
também deixará marcas na história da saúde mundial [3].
O Brasil é um dos países com maior número de pessoas mortas
e infectadas por COVID-19 do mundo [4]. São Paulo, é o estado que concentra o
maior índice da doença [5] cujos efeitos letais são maiores entre populações de
situação de vulnerabilidade [6], como a população em situação de rua, por
exemplo.
Segundo o último censo realizado pela Prefeitura do Estado
de São Paulo, a cidade contabilizou cerca de 24.344 mil moradores em situação
de rua, maior aumento em vinte anos e 53% a mais em relação ao ano 2015 que
totalizou 15.905 pessoas nesta situação [7].
A Política Nacional para a População em Situação de Rua,
através do decreto Nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009, define que a população
em situação de rua é [8]:
Grupo
populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos
familiares fragilizados ou rompidos e a inexistência de moradia convencional
regular. Caracteriza-se pela utilização de logradouros públicos (praças,
jardins, canteiros, marquises, viadutos) e de áreas degradadas (prédios
abandonados, ruínas, carcaças de veículos) como espaço de moradia e de
sustento, de forma temporária ou permanente, bem como das unidades de serviços
de acolhimento para pernoite temporário ou moradia provisória [8].
A situação de maior vulnerabilidade imposta por esta
condição social anuncia a importância do trabalho da enfermagem como uma
categoria que atua técnica, ética e cientificamente na produção de um cuidado que
visa reduzir as iniquidades em saúde.
Entretanto, o exercício da profissão de enfermagem para a
redução das iniquidades, no contexto da pandemia da COVID-19, representa uma
fonte de risco que amplia a abrangência dessa vulnerabilidade em saúde. Este
cenário lança luz às condições de trabalho destes profissionais, que embora não
seja o foco deste trabalho, merece atenção visto que denuncia jornadas de
trabalho extensas e inseguras devido a escassez de
insumos para o exercício seguro dos procedimentos em saúde [9].
Diante deste cenário de vulnerabilidade em saúde o objetivo
deste artigo é apresentar as ações realizadas pela equipe de enfermagem para o
cuidado das pessoas em situação de rua no contexto da pandemia da COVID-19.
Trata-se de uma revisão integrativa que inclui uma análise
ampla de pesquisas publicadas e permite a apreciação de métodos de pesquisa e
resultados, permitindo analisar artigos primários e secundários com diferentes
tipos de delineamento, focado no tema proposto, sendo necessária uma definição
clara e precisa do tema a ser estudado, a fim de tirar conclusões de fácil
interpretação [10].
A coleta de dados foi realizada no período de agosto de
2020 a outubro de 2020. Com adaptação da estratégia PICo,
uma ferramenta de pesquisa não clínica que utiliza a prática baseada em
evidências científicas, foi possível elaborar a pergunta de pesquisa, que
auxiliou na pesquisa bibliográfica [11].
A questão norteadora "Quais evidências disponíveis
sobre a atuação da equipe de enfermagem para o cuidado da população em situação
de rua no contexto da pandemia da COVID-19?" teve como População (P) =
equipe de enfermagem; Interesse (I) = população em situação de rua; e Contexto
(Co) = pandemia COVID-19.
A
busca de artigos na plataforma da Biblioteca Virtual em
Saúde (BVS) entre julho e outubro de 2020, contou com os
seguintes Descritores
em Ciências da Saúde (DECS): “equipe de
enfermagem”, “cuidados de enfermagem”,
“enfermagem”, “população em
situação de rua”, “pandemias”,
“infecções por
coronavírus”.
Previamente, foram definidos os seguintes critérios de
inclusão: artigos originais completos e gratuitos disponíveis eletronicamente
nos idiomas português e inglês. O recorte temporal definido (janeiro a outubro
de 2020) considerou o período entre o surgimento dos primeiros casos da infeção
no Brasil até o momento da realização das estratégias de buscas de artigos para
esta revisão.
Foram recuperados eletronicamente 25 artigos utilizando como
estratégia de busca (tw:(cuidados de enfermagem OR
enfermagem)) AND (tw:(população em situação de rua))
AND (tw:(pandemias OR infecções por coronavírus)) dos
quais 9 foram excluídos após aplicação dos filtros. O restante (11) foi
submetido à leitura dos títulos e resumos, sendo excluídos 8 artigos pelos
seguintes motivos: tema relacionado ao uso de substâncias e adesão ao
tratamento (3); não correspondiam com a população em situação de rua (2); e não
respondiam à pergunta de pesquisa (3). (Quadro 1).
Quadro
1 - Resultado da
busca bibliográfica sobre ações de enfermagem para a saúde da população em
situação de rua no contexto de pandemia da COVID-19. São Paulo. 2020
Fonte: Elaborado pelos autores
Foram
analisadas, na íntegra, oito publicações,
utilizando
a análise de conteúdo de Bardin, conforme as seguintes
fases: leitura flutuante
das informações contidas em cada
publicação, codificação,
organização das
unidades de significado e criação, síntese das
informações das publicações
[12].
No quadro a seguir são apresentados dados de autoria, ano,
periódico, local, tipo do estudo e os principais resultados que correspondem ao
objetivo desta revisão (Quadro 2).
Foram identificados quatro artigos na base de dados da
Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), três
artigos na Medical Literature Analysis
and Retrievel System Online
(MEDLINE) e um artigo na Coleciona SUS. Estes foram publicados em maior
concentração no mês de março (4); entre os meses de maio a agosto foram
publicados quatro artigos, um para cada mês correspondente.
Os periódicos com maior número de publicações foram:
Coleciona SUS (4), Lancet Respiratory Medicine (1),
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (1), Canadian Medical Association Journal - CMAJ (1), e
Journal of Urban Health (1). O local com mais publicações foi o Brasil
(5) seguida por Inglaterra (1), Canadá (1) e Estados Unidos (1).
Em relação ao tipo de estudo, todos são de abordagem
qualitativa. Em relação aos autores/as destes artigos constam: epidemiologistas
(3), médicos/as (5), especialistas em políticas públicas (3) e notas técnicas
elaboradas pelo Ministério da Saúde (1) e Secretarias de Saúde (3).
Quadro
2 - Distribuição dos
artigos selecionados, autor/ano, revista, local de publicação, tipo de pesquisa
e principais resultados. São Paulo, 2020 (ver PDF)
Os principais resultados extraídos foram agrupados conforme
as dimensões assistencial, educativa e gerencial do processo de trabalho de
enfermagem [21] e serão discutidos na seção a seguir.
A escassez de estudos sobre a enfermagem evidenciada pela
ausência de estudos desenvolvidos/autoria de enfermeiras/os e revistas de
outras áreas falando sobre a atuação desta categoria profissional demonstra a
necessidade de empoderamento desta categoria, uma vez que as equipes de
enfermagem são a espinha dorsal de qualquer sistema de saúde [22].
A falta de artigos com dados quantitativos evidencia uma
carência de estudos que podem dimensionar a atuação da enfermagem neste
contexto, a invisibilidade social desta categoria indica responsabilidade pela
desmotivação profissional, devido ao cuidado de longo prazo com o outro, é
preciso olhar mais de perto para esses profissionais, é preciso cuidar de quem
cuida [23].
Sobre isso, serão discutidas ações de enfermagem que na
dimensão assistencial, gerencial e educativa merecem atenção por parte de
profissionais e gestores para que o cuidado seja uma forma de produção de saúde
que preserve a saúde do cuidador.
Dimensão
assistencial do cuidado de enfermagem às pessoas em situação de rua em risco
para COVID 19
Verificou-se que a enfermagem adotou abordagem de
atendimento baseada em traumas a fim de persuadir a população de rua a aderirem
às orientações de enfermagem [14].
O trauma decorre de eventos que apresentam ameaças
existenciais as pessoas, a COVID-19 destaca a ameaça das doenças
transmissíveis, uma vez que a população de rua vive diariamente exposta a essas
doenças. A enfermagem traz esse tipo de abordagem a fim de persuadi-los tal
como acontece com tantos problemas de saúde, com o tratamento irregular e
incerto e as vacinas ainda nas fases iniciais de desenvolvimento, lidar com
COVID-19 como um vírus diretamente e repleto de complexidade e dificuldade
[24].
Ações de enfermagem para identificação de pessoas
sintomáticas foram registradas nestes estudos. A triagem em abrigos [15],
acolhimento nos serviços de saúde [15], avaliação quanto aos sintomas da
COVID-19 [15] e encaminhamento para centros de testagem [15] foram ações
articuladas com medidas preventivas e de controle da infecção entre essas
pessoas, como: vacinação contra gripe [15]; isolamento da população de rua a
fim de evitar surtos [16]; monitoramento de sinais vitais [16]; e identificação
precoce de sintomáticos [16].
A importância do acolhimento e classificação de risco, dada
a vulnerabilidade da população traz a
tona medidas e ações para mitigar os danos a estas pessoas, estratégias de
prevenção, intervenção, conscientização e acompanhamento são as medidas mais
efetivas analisadas [25].
O trabalho assistencial executado pela enfermagem reforçou
a atenção aos sinais e sintomas relacionados à síndrome gripal [17] com extensão
dos cuidados para o acompanhamento e monitoramento de assintomáticos e
encaminhamento em caso de alterações [17]. A classificação de risco para
encaminhamento ao serviço de referência contou com uso de protocolo local de
manejo clínico [18].
Os protocolos elaborados para as pessoas em situação de rua
durante a pandemia, normatizam ações que as equipes de enfermagem possam atuar
[26], mas é muito importante que o enfermeiro tenha flexibilidade no
atendimento, ampliando o diálogo social, reconhecendo e respeitando a cultura
local, humanizando ações e cuidados, e se necessário realizar manutenção e
mudanças nas medidas emergenciais para que possam suprir todas as
especificidades que esta população demanda [27].
A enfermagem está envolvida nas principais ações de saúde
no âmbito da atenção básica, e utiliza da assistência, como parte do trabalho
do enfermeiro/a para o desenvolvimento de suas atividades. A aplicação do
processo de enfermagem proporciona ao enfermeiro a possibilidade de uma enfermagem
humanizada e personalizada [27], cuidando das necessidades básicas da pessoa e
respeitando sua cultura, além de ser aplicada na assistência, também pode
orientar o enfermeiro na tomada de decisões nas diversas situações vivenciadas
pela equipe de enfermagem [28]. Esses fatores estão diretamente alinhados ao
direito à saúde garantido a todos os indivíduos a prestação de cuidados da
equipe de saúde que garanta universalidade, integralidade e equidade [29].
Durante a assistência de enfermagem o enfermeiro é um dos
profissionais que está em contato direto com a população em situação de rua.
Dada a complexidade do caso, o conhecimento necessário para prestar o cuidado
de enfermagem deve ser adquirido por meio da formação continuada, embora a
enfermagem execute procedimentos assistenciais, ela ainda se encontra amarrada
a protocolos e diretrizes universalistas, o que se faz necessário uma maior
sensibilidade e uma abordagem mais humanizada a questões especificas da
população em situação de rua, com isso evita distanciamentos e medos,
aprimorando assim a relação da equipe de enfermagem com a população, o que vai
requerer uma formação acadêmica mais humanizada, uma maior abordagem na
graduação em temas sociais, uma vez que a dimensão educativa também faz parte
do processo de enfermagem [30].
Dimensão
educativa do cuidado de enfermagem
Verificou-se que a equipe enfermagem adotou medidas de
informação e educação em saúde a fim de manter o distanciamento social e
proteger a população de rua [13] e adoção de medidas de cuidado em casos de
surgimento e gravidade dos sintomas [17]. Esclarecimentos sobre as formas de
contágio, distanciamento social, medidas de higiene, sintomatologia da COVID-19
e fazer uso de linguagem coloquial conforme à característica da população [19]
foram ações desenvolvidas junto à população em situação de rua.
Educação
popular em saúde garante a efetividade das
informações, a orientação em saúde
é de extrema importância para a prevenção e
detecção precoce da doença, reduzindo assim a
possibilidade de agravos e riscos
de contaminação pela COVID-19, instruir a
população de rua destacando a
importância do autocuidado é um fator importante para que
todos entendam a
necessidade da mudança de hábitos [31].
Além de utilizar uma linguagem acessível, a troca entre os
saberes científicos, populares e culturais devem acontecer, expondo as
informações de forma mais clara e familiar possível, valorizando os saberes dos
indivíduos, assim, auxilia na situação e iniciação de tratamentos visando a
saúde [32].
Trata-se de um importante recurso que qualifica a assistência
de enfermagem, uma vez que a perspectiva dialógica e intersubjetiva na
convergência de saberes prevista pela educação popular em saúde permite a
aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de técnicas relacionais úteis na
execução do cuidado.
Dimensão
gerencial do cuidado de enfermagem
Dentre os equipamentos de saúde, observou-se que a adoção
de uma política centralizada no cuidado humanizado, respeitando as
particularidades da população em situação de rua, com ações articuladas e seguindo
protocolos e normas contribuíra para a redução de danos desses indivíduos [33].
Neste contexto a Política Nacional de Humanização parte dos
conceitos e métodos voltados para a reorganização do processo de trabalho em
saúde, com foco na transformação das relações sociais, envolvendo trabalhadores
e gestores na vivência cotidiana de organização e desenvolvimento dos serviços
e mudanças na forma como os serviços são prestados à população [34].
No que tange a equipe de enfermagem, esse contato é
construído com respeito, empatia e carinho, focando nas necessidades próprias
da população em situação de rua, que vão além de seus meros aspectos
fisiopatológicos. O enfermeiro precisa estar atento a cultura local,
estabelecendo uma sensibilidade cultural, conseguindo assim reconhecer e
valorizar as diferenças culturais, respeitando valores, crenças e costumes,
assim adquirindo conhecimentos necessários e competências tendo em conta as
culturas das pessoas, vai ser possível estabelecer cuidados de enfermagem
culturalmente competentes que ajudaram a garantir a satisfação desta população,
portanto atingirá ganhos em saúde [35].
Aspectos relacionados à garantia de ambientes seguros e
adequados para acolhimento e internação de pessoas em situação de rua com risco
ou infectados por COVID-19 foram identificados nos estudos. Sobre isso,
verificou-se a disposição dos leitos com garantia do distanciamento social
[14].
Ainda segundo a Política de Humanização ao que se refere a
ambiência, a oferta de um espaço físico que garanta aos enfermeiros prestar uma
assistência segura, livre de danos e prejuízos faz-se necessária [34].
Em se tratando de segurança do paciente, essa tem uma
preocupação prioritária a fim de prevenir danos e reduzir efeitos adversos. A
segurança do paciente em situação de rua é um desafio que exige acompanhamento
de políticas públicas específicas para refletir sobre ideais, reais cuidados,
adaptação e respostas às necessidades dessa população. Os procedimentos de
segurança do paciente devem ser traduzidos em metas para aumentar as
capacidades das pessoas que vivem nas ruas, e essa adaptação deve incluir
comunicação coesa, planejamento e coordenação eficazes, bem como o papel da
equipe de enfermagem no cuidado destas pessoas [36].
Em relação à ambiência, à enfermagem coube a provisão de um
local específico e seguro para acolhimento, higienização das mãos e manutenção
em isolamento social dos casos suspeito ou confirmados [17]. A previsão e
provisão de recursos materiais [20] para a higienização dos ambientes [19];
higienização das mãos pelas equipes de profissionais de saúde [19] e higiene e
proteção pessoal, para a população em situação de rua [16] foram ações
gerenciais da enfermagem identificadas nesta revisão.
Além da garantia de acesso ao serviço a enfermagem na
dimensão gerencial, também compete a provisão de materiais o que na pandemia
foi dificultado devido à falta de planejamento e financiamento de recursos
[37].
Ainda em relação aos aspectos administrativos, verificou-se
que o trabalho de enfermagem foi organizado de forma que considerou a situação
em que estas pessoas vivem, não condicionando o atendimento ou acesso aos
serviços à apresentação de documentos pessoais como registro geral (RG),
Certidão de Pessoa Física (CPF) ou Cartão SUS) [19].
Na rotina dos serviços, em geral, é comum o acesso aos
serviços de saúde estar atrelado a algum documento de identificação pessoal ou
cartão SUS, a população em situação de rua sente-se insegura em procurar as
unidades públicas de saúde por muitas vezes não portarem tal documentação, o
que dificulta a prestação de assistência e adesão de tratamentos para este
público [38].
No que se refere a produção do cuidado, a enfermagem tem
garantido o acesso da população em situação de rua nos atendimentos de urgência
e emergência sem vincular documentos, auxiliando e encaminhando essas pessoas
ao serviço social para que seja realizado a continuidade do cuidado, uma vez
que a articulação dos serviços se dá mediante cartão SUS, garantindo-lhes assim
uma maior adesão e redução de danos a essa população [39].
A perspectiva ampla e interprofissional do cuidado, bem
como a posição destacada de profissionais de enfermagem na atenção às pessoas
em situação de rua, em contexto de pandemia, enfatiza a importância de
investimentos em formação acadêmica e em programas de educação permanente que
prepare profissionais capazes de atuar de forma autônoma, articulando as
dimensões assistencial, gerencial, educativa e investigativa do processo de
trabalho da enfermagem.
Este estudo propôs, como objetivo geral, descrever a
atuação da equipe de enfermagem e as ações implementadas durante a pandemia da
COVID-19 frente a população em situação de rua.
Observou-se que a equipe de enfermagem é fundamental para
fomentar o acesso continuado aos serviços de saúde e prevenir a disseminação da
COVID-19 junto a população em situação de rua.
Portanto recomenda-se estudos para aprofundamentos sobre as
práticas e teorias de enfermagem que possam resultar em melhores desfechos da
saúde da população em situação de rua e agregar mais valor a este campo de
conhecimento e prática que por um centenário vem trilhando caminhos plurais
para a efetivação de um cuidado ético, técnico e estético, compatível com
realidades diversas.