Enferm Bras 2021;20(2);206-21
REVISÃO
Dificuldades
no acesso da comunidade surda à rede básica de saúde: revisão integrativa
Maria
Inês dos Santos*, Águida Layse
Oliveira Cavalcanti, D.Sc.*, Valquíria Farias Bezerra
Barbosa**, Ronny Diógenes de Menezes, M.Sc.***,
Claudia Daniele Barros Leite Salgueiro, D.Sc.****,
Saulo Santos da Silva*****
*Enfermeira
pelo IFPE, Pesqueira/PE, **Enfermeira, Professora e Pesquisadora do Curso de
Bacharelado em Enfermagem, IFPE, Pesqueira/PE, ***Especialista e Professor de
Libras do Departamento de Educação da UFRN, Caicó/RN, ****Psicóloga, Professora
e Pesquisadora do IFPE, Pesqueira/PE, *****Pedagogo pela UNIDERP, Campo
Grande/MS
Recebido
em 29 de dezembro de 2020; aceito em 30 de março de 2021.
Correspondência: Claudia Daniele Barros Leite
Salgueiro, Rua Tenente Rebelo, 250, Prado, 55200-000 Pesqueira PE
Maria Inês dos Santos: inesssantos18@gmail.com
Águeda Layse Oliveira:
aguidalayse@hotmail.com
Valquíria Farias Bezerra Barbosa:
valquiria@pesqueira.ifpe.edu.br
Ronny Diógenes de Menezes: ronny.diogenes@hotmail.com
Claudia Daniele Barros Leite Salgueiro:
claudia.leite@pesqueira.ifpe.edu.br
Saulo Santos da Silva: saulo20santos@gmail.com
Resumo
Objetivo: Identificar na literatura dificuldades
acerca do acesso da comunidade surda aos serviços de saúde, no âmbito da
atenção básica. Métodos: Revisão integrativa da literatura no período de
2005 a 2020, realizada na base de dados no portal eletrônico da Biblioteca
Virtual em Saúde e na Scientific Eletronic
Library Online, com o seguinte questionamento: Quais as dificuldades
enfrentadas pela população surda, na busca pelo atendimento em saúde na atenção
primária? Utilizou-se, como critério de inclusão, artigos científicos
publicados nos últimos 15 anos, disponíveis na íntegra, em português ou inglês.
Resultados: Foram identificados 14 artigos e, mediante análise, foram
encontradas três principais dificuldades: barreira comunicacional entre surdo e
profissional de saúde; escassez de profissionais capacitados e ausência de
intérpretes de Libras nos serviços da Atenção Básica. Conclusão: As
dificuldades encontradas na revisão evidenciam a necessidade de habilitação em
Libras para os profissionais de saúde, bem como a importância da contratação de
intérpretes de Libras para integrar os serviços de saúde com o intuito de
atender às necessidades básicas dos surdos.
Palavras-chave:
pessoas com deficiência auditiva;
comunicação; acesso aos serviços de saúde;
atenção primária à saúde;
humanização da assistência.
Abstract
Difficulties of the deaf community
to accessing the basic primary health care: an integrative review
Objective: To identify difficulties in the
literature regarding health access by the deaf community, within the scope of
primary health care. Methods: Integrative literature review from 2005 to
2020, carried out in the database on the electronic portal of the Virtual
Health Library and in the Scientific Electronic Library Online, with the
following question: What are the difficulties faced by the deaf population, in
primary health care? Scientific articles published in the last 15 years,
available in full, in Portuguese or English were used as inclusion criteria. Results:
14 articles were identified, and, through analysis, three main difficulties
were encountered: communication barrier between deaf and health professionals;
lack of skilled professionals, and absence of Libras interpreters in primary
care services. Conclusion: The difficulties encountered in the review
highlight the need for qualification in Pounds for health professionals, as
well as the importance of hiring Libras interpreters
to integrate health services to meet the basic needs of the deaf.
Keywords: persons with hearing impairments;
communication; health services accessibility; primary health care; humanization
of assistance.
Resumen
Dificultades en el acceso de la
comunidad sorda a la red básica de salud: una revisión integradora
Objetivo: Identificar dificultades
en la literatura con respecto al acceso a la salud
por parte de la comunidad
sorda, dentro del ámbito de
la atención primaria de salud. Métodos: Revisión bibliografía integrativa de 2005 a 2020, realizada en la base de datos
en el portal electrónico de
la Biblioteca Virtual de Salud
y en la Biblioteca
Científica Eletronic Online, con la
siguiente pregunta: ¿Cuáles
son las dificultades
a las que se enfrenta la población sorda, en la atención
primaria de salud? Se utilizaron
como criterios de inclusión
artículos científicos publicados en los últimos 15 años, disponibles en su totalidad, en
portugués o inglés. Resultados:
Se identificaron 14 artículos y, a través del análisis, se encontraron tres dificultades principales: barrera de comunicación entre los profesionales sordos y de la salud; la falta de profesionales calificados, y la ausencia de intérpretes de
Libras en los servicios de atención primaria. Conclusión: Las dificultades encontradas en la revisión ponen
de relieve la necesidad de cualificación en Libras para los profesionales de la salud, así como la importancia de contratar
intérpretes de Libras para integrar los servicios de salud para satisfacer las necesidades básicas de los sordos.
Palabras-clave: personas con
deficiencia auditiva; comunicación;
accesibilidad a los servicios de salud; atención primaria de salud; humanización de la atención.
A inclusão social tem sido tema de debates que permeiam
diversas vertentes, envolvendo grupos minoritários que se deparam com
dificuldades de acessibilidade à vários serviços [1], incluindo os serviços de
saúde [2]. Dentre estes grupos se encontra a população surda, que acaba
sofrendo principalmente com as barreiras comunicacionais [2].
A primeira forma de diálogo entre a população surda é a
Língua de Sinais (LS) que, com cultura e características singulares, é
compreendida como linguagem, e não como algo criado para seguir normas sociais
[3,4,5]. Contudo, devido a estrutura escolar criada essencialmente para ouvintes,
os surdos ficam expostos a crises identitárias, o que acaba dificultando o
processo de aprendizagem [3]. Muitos deles são inseridos nas escolas para
aprender Português, porém devido a
grande deficiência no contato com sua primeira forma de comunicar-se, torna-se
ainda mais complexo o aprendizado de outra língua [4,5].
Segundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), entre a população brasileira, 5,1% possuem
deficiência auditiva, ou seja, são cerca de 9,7 milhões de pessoas surdas, um
número significativo de usuários dos serviços de saúde [6].
No contexto da saúde, a Atenção Básica é considerada a
porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS) e deve levar em
consideração os princípios da universalidade, transversalidade, autonomia,
acessibilidade, continuidade do cuidado, vínculo, participação social,
equidade, integralidade e humanização [7].
Porém, ainda existem lacunas que interferem na garantia da
integralidade de ações propostas pelo SUS [8]. De acordo com uma pesquisa
realizada por Santos e Portes [9], cerca de 78% dos surdos relataram ter
dificuldade na comunicação com os profissionais de saúde, levando à
descontinuidade dos atendimentos.
Em virtude dessas dificuldades enfrentadas pelos grupos
minoritários, o governo federal criou a Política Nacional de Humanização (PNH)
em 2013 [10]. Esta aponta que a comunicação entre profissionais, usuários e
gestores é o “motor” principal para as mudanças necessárias na saúde [10].
Humanizar significa incluir as diversidades no que tange o cuidado e a gestão,
de forma comunitária e compartilhada [10].
No sentido de humanizar enquanto medida de inclusão, as
instituições de assistência à saúde devem: ofertar capacitação a seus
profissionais acerca das necessidades comunicacionais de pessoas surdas e com
deficiência auditiva; reconhecer o atendimento diferenciado em Língua
Brasileira de Sinais (Libras) com o símbolo internacional da surdez em seus
uniformes; oferecer atendimento com ajuda de um intérprete de Libras e, para os
surdos-cegos, um guia intérprete [11,12].
Ademais, o entrave na comunicação entre surdos e
profissionais de saúde, pode gerar transtornos quando se trata da assistência
em saúde, tais como: o não entendimento do problema do paciente, não
estabelecimento de relação e confiança por parte do surdo, ou até mesmo, o
estabelecimento de um plano de cuidados/tratamento ineficaz [9].
Diante disso, foram criadas leis que garantissem a
cidadania e o respeito à população surda no Brasil. Dentre elas, o decreto nº
5.626 de 22/12/2005, Capítulo VII, Art.25, que dispõe sobre a garantia e
direito da pessoa surda em ter acesso a Libras nos serviços de saúde. Para
isso, 5% dos profissionais das “unidades do serviço público, devem ser
capacitados para uso e interpretação da Libras” e o serviço deverá dispor de um
intérprete de Libras [13,14].
Entretanto, a população surda ainda enfrenta grande
dificuldade na acessibilidade nos serviços de saúde, pois nem todos os
profissionais estão habilitados para recebê-lo [15]. Dessa forma, o
profissional de saúde não consegue estabelecer uma comunicação favorável com
esses indivíduos, prejudicando o seu atendimento e, consequentemente, impedindo
o alcance da integralidade do cuidado a saúde [9].
Além disso, em alguns serviços da atenção básica de saúde,
a troca de informações pode ser parcialmente ou totalmente comprometida, a
exemplo do tratamento odontológico, no qual o contato visual entre o intérprete
e o surdo fica afetado [16].
Levando-se em consideração esses aspectos, somos levados a
refletir se os serviços de saúde promovem ações que facilitem a comunicação
eficaz com o grupo de surdos para garantir a assistência à saúde de qualidade.
Logo, o objetivo deste estudo foi identificar na literatura dificuldades acerca
do acesso da comunidade surda aos serviços de saúde, no âmbito da atenção
básica.
Trata-se de um estudo de revisão de literatura do tipo
integrativa, que se caracteriza por empregar ampla abordagem metodológica
referente às revisões, culminando na integração de estudos experimentais e
não-experimentais, para um entendimento completo do fenômeno levantado. Esse
tipo de estudo reúne dados da literatura teórica e empírica, além de congregar
uma vasta gama de propósitos, tais como: definição de conceitos, revisão de
teorias e evidências, e análise de problemas metodológicos de um assunto
particular [17,18].
Para isso foram seguidas as seguintes etapas: identificação
do tema; determinação da pergunta norteadora; estabelecimento dos critérios de
inclusão e exclusão dos estudos/busca na literatura; definição das informações
a serem extraídas dos estudos selecionados e caracterização; avaliação dos estudos
incluídos; interpretação dos resultados; síntese dos resultados/apresentação da
revisão [19]. Por conseguinte, também foram considerados os preceitos do
checklist do Preferred Reporting
for Systematic Reviews and
Meta-Analyses [20], metodologia intensamente
recomendada, que agrega caráter robusto às evidências científicas.
Foram feitas buscas nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System (Medline),
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) via Biblioteca
Virtual em Saúde (BVS), e Scientific Eletronic
Library Online (SciELO), em dezembro de 2020.
A escolha das bases de dados supracitadas deveu-se,
especialmente, ao quantitativo de indexação de artigos da área da saúde, por
contemplarem estudos primários, também, devido à indexação de artigos em
temáticas adjacentes à enfermagem.
Na busca, foram utilizados os seguintes descritores boleanos em inglês e português de acordo com o Medical Subject Headings (MeSh/PubMed): “hearing loss” OR “hearing loss, bilateral” OR “deafness” AND “health” OR “public health; OR “community health services” OR “primary health care” AND “nursing” e Descritores em Ciências da Saúde (DeCS):
“perda auditiva” OR “perda auditiva bilateral”
OR
“surdez” AND “saúde” OR
“atenção primária à
saúde” AND “humanização da
assistência” AND “enfermagem”.
As questões norteadoras da referida pesquisa foram: Quais
as dificuldades enfrentadas pela população surda na busca pelo atendimento em
saúde na atenção primária? Os profissionais de saúde estão preparados para
atender esse público?
Foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão:
estudos em português ou inglês voltados para a Atenção Primária de Saúde, no
período de 15 anos (2005 e 2020), estar disponível na íntegra, se tratar de
estudo de atendimento básico de saúde dos deficientes auditivos e preparo dos
profissionais no acolhimento dessa comunidade. E, como critérios de exclusão,
artigos repetidos em mais de uma base de dados, incompletos, teses, dissertações,
capítulos de livros, notícias e estudos que não abordassem a temática
escolhida.
A justificativa para este corte de tempo se dá pela criação
do decreto n° 5.626/2005 que regulamenta a lei nº 10.436 de 2002 que dispõe
sobre a Libras e reforça a garantia do direito à saúde das pessoas surdas ou
com deficiência auditiva [13].
Posteriormente, todas as palavras e conectores foram
cruzadas e dessa busca emergiu um total de 1.173 estudos. Após a leitura de
títulos e resumos, e análise de critérios de inclusão e exclusão, foram
selecionados quatorze estudos no idioma português e inglês, para compor os
resultados do presente estudo. Dos 14 artigos analisados, 6 são oriundos da
base de dados Lilacs, 6 da SciELO e 2 da Medline,
conforme observa-se na Figura 1.
Figura
1 - Fluxograma dos
estudos selecionados segundo o Prisma Statement [20]
Outra importante variável utilizada foi o nível evidência
científica, que preconiza o fortalecimento do processo de Prática Baseada em
Evidências (PBE), dispondo de preceitos de classificação de evidências
caracterizadas de forma hierárquica, a partir da abordagem metodológica
adotada, a saber: Nível 1: evidências a partir da meta-análise de múltiplos
estudos clínicos controlados e randomizados; Nível 2: evidências obtidas em
estudos individuais com delineamento experimental; Nível 3: evidências de estudos
quase-experimentais; Nível 4: evidências de estudos descritivos
(não-experimentais) ou com abordagem qualitativa; Nível 5: evidências
provenientes de relatos de caso ou de experiência; Nível 6: evidências baseadas
em opiniões de especialistas [21].
Os resultados do presente estudo encontram-se catalogados
em quadros. A caracterização dos estudos incluídos na revisão levou em conta:
título, autores, ano de publicação, país da publicação e idioma (Tabela I),
assim como tipo de estudo, nível de evidência científica, objetivos e
principais resultados (Tabela II).
A análise dos artigos selecionados foi realizada através da
caracterização temática, que foram divididas em: Conhecimentos dos
profissionais de saúde sobre o processo de comunicação com a comunidade surda;
Barreiras comunicacionais da comunidade surda; Estigmas e preconceitos
dirigidos ao surdo.
Dos
14 artigos selecionados, cinco (35,7%) foram publicados
em 2014, dois (14,3%) em 2011, e houve predominância de estudos
no idioma
português 12 (85,7%). Em relação às
áreas de divulgação científica, 11 (78,6%)
artigos foram publicados em periódicos específicos de
enfermagem, dois (14,3%)
de saúde pública, e um (7,1%) de fonoaudiologia. Dentre
esses, 12 (85,7%) foram
publicações em periódicos brasileiros, e dois
(14,3%) internacionais (Estados
Unidos e Chile). Os estados brasileiros com mais
publicações foram Rio de
Janeiro com cinco (35,7%) e São Paulo com quatro (28,6%),
respectivamente.
A Tabela I apresenta a distribuição dos artigos
selecionados, de acordo com o título, autor, ano, país de publicação e idioma.
Tabela
I – Síntese dos
artigos incluídos na revisão integrativa quanto ao título, autoria, ano, país
de publicação e idioma, 2005 a 2020
Fonte: Dados da pesquisa
Na Tabela II estão dispostos os artigos selecionados, de
acordo com o idioma, objetivos e resultados. Quanto ao tipo de estudo, 10
(71,4%) foram descritivos (não-experimentais) ou com abordagem qualitativa.
Quanto aos resultados das sínteses dos artigos, destacam-se
três dificuldades principais enfrentadas pela população surda em relação à
procura dos atendimentos na atenção básica: 14 (100%) comunicação; 11 (78,6%)
escassez de profissionais capacitados para o atendimento à população surda; e 8
(57,1%) falta de intérprete de Libras.
Tabela
II – Síntese dos
artigos selecionados por tipo de estudo, nível de evidência, objetivos e
resultados, 2005 a 2020 (ver PDF)
Na síntese dos artigos enfatizou-se a comunicação como a principal
barreira na relação surdo-profissional de saúde [14,22,34]. Esta dificuldade é
causada por diversos fatores como a carência de intérpretes de Libras nos
serviços de Atenção Básica, além da falta de meios comunicativos visuais e de
profissionais capacitados para acolher estes indivíduos [22,24,27,31,32]. Tais
lacunas dificultam o agendamento de consultas; criam preconceitos/estigmas de
que o surdo é um deficiente mental; geraram impaciência durante o atendimento
[25]; e sentimentos negativos como medo e angústia [22,28,32].
Dentre esses fatores causais, o mais discutido nos estudos
é o despreparo dos profissionais de saúde [14,28,31,32,34]. Essa é uma das
razões pela qual os surdos acabam procurando os serviços de saúde com menos
frequência [27,29,31].
Ademais, o não conhecimento da Libras leva os profissionais
de saúde a utilizar mais de uma forma de comunicação [14,22,25,28,30,32], como
a escrita, os gestos e a leitura labial [22,25,28,29,32]. Porém, o uso dessas
alternativas de comunicação pode levar a falsas interpretações e acabar
interferindo no atendimento em saúde [31].
Portanto, Rodrigues e Damião [29] reforça que o intérprete
deve ser mediador dessa comunicação. Entretanto, a presença de um intérprete
nos serviços de saúde não garante a qualidade da assistência [24], em razão de
outros problemas, como o uso de termos técnicos da área de saúde por parte dos
profissionais, o que pode comprometer o entendimento da mensagem [23,24,32].
Vale ressaltar que nem todo indivíduo surdo conhece a LS e por isso desenvolvem
outro tipo de comunicação [32].
Ainda no contexto comunicacional, outra dificuldade
encontrada nos resultados foi a escassez de capacitação para profissionais de
saúde sobre o cuidado humanizado e conhecimento de Libras [14,25,28,30,32,33],
que será discutido no tópico seguinte.
Como solução, a tecnologia é uma ótima ferramenta de
trabalho para profissionais de saúde. Porém, há uma carência de materiais
tecnológicos como os Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais (AASI) e os
Telefones para surdos (TDD), capazes de aprimorar a comunicação e facilitar o
acesso a informações [25,26,30,33].
Assim, Rodrigues e Damião [29] desenvolveram um aplicativo
como ferramenta de comunicação (ambiente virtual) para ser utilizado nas
unidades básicas de saúde, durante o atendimento ao usuário surdo. Mesmo que
não haja um intérprete, todavia, a ferramenta pode promover a autonomia do
usuário, facilitar a comunicação entre surdos e profissionais de saúde,
diminuir o tempo de consulta, promover uma triagem mais qualificada e aumentar
a satisfação dos usuários surdos.
Embora a tecnologia seja uma solução a curto prazo para a
barreira comunicacional, deve ser utilizada de forma auxiliar, não substitutiva
às interações profissional-usuário surdo [25]. Ademais, faz-se necessário a
criação e reforço de políticas públicas inclusivas, ofertas de serviços especializados
e campanhas voltadas para a população surda [25,31], bem como capacitação
profissional, com o intuito de garantir o cumprimento das leis e decretos
existentes.
Os profissionais de saúde não se sentem preparados para
receber o usuário surdo nos serviços de saúde, o que se justifica pela
dificuldade de comunicação causada pelo desconhecimento da Libras [14,22,33].
Alguns estudos apontam que tal o não conhecimento da Libras dá-se pela ausência
da disciplina na formação acadêmica [14,24,25], falta de tempo ou interesse do
profissional, falta de informações sobre cursos específicos, problemas
financeiros [14].
De acordo com um estudo transversal, realizado por Magrini
e Santos [14] com 40 profissionais de saúde, cerca de 97,5% dos participantes
referiram não ter preparo para atender o paciente surdo de forma adequada;
92,5% relataram não saber se comunicar em Libras; 82,5% nunca procuraram um
curso de Libras por conta própria e 97,5% relataram que a instituição em que
trabalham nunca proporcionou curso de capacitação sobre surdez ou Libras.
Ademais, as consequências dessa problemática esbarra mais
uma vez na comunicação, que durante o atendimento nos serviços de saúde pode
causar: erro de diagnóstico, comprometimento da qualidade do atendimento,
dificuldade na adesão do tratamento, instabilidade na relação profissional de
saúde-usuário, falta de confiança no profissional e o não seguimento das
orientações de saúde por parte dos surdos [14,24,27,29,31,34].
Em
alguns estudos incluídos para análise surgiu um aspecto
interessante, que diz respeito a presença de um membro da
família nas consultas
de saúde como mediador da comunicação profissional
de saúde-surdo. A presença de um familiar ajuda o
usuário surdo a aliviar
sentimentos como medo ou desconfiança, pois pode facilitar o
entendimento da
mensagem transmitida [23,27,28,32,34].
No entanto, a presença de familiares ou intérpretes,
durante a consulta, pode causar constrangimento ao relatar os seus problemas de
saúde [29,31] e impedir que o surdo participe do atendimento como agente ativo
[23,33].
Para mudar esses estigmas em torno da população surda e
solucionar as barreiras comunicacionais, é necessário mudar o foco dos serviços
de saúde para oferecer suporte com o intuito de atendê-los de forma humanizada
e com qualidade, considerando os aspectos sociais e culturais [23,25,30,31].
Por fim, toda a problemática acerca das dificuldades
encontradas nesta revisão está voltada para a comunicação eficaz entre
usuário-profissional. No âmbito da saúde, uma das ferramentas mais poderosas é
o acolhimento com uma escuta qualificada, que garante a integralidade e
qualidade das ações de saúde focada no indivíduo.
A partir da síntese dos estudos analisados, evidenciou-se
que a maior dificuldade enfrentada pelos surdos na procura por atendimento à
saúde na atenção básica é a comunicacional. Esta dificuldade está relacionada a
fatores que podem comprometer a qualidade dos atendimentos em saúde, dentre
eles a escassez de profissionais capacitados e a falta de intérpretes de
Libras.
É notável que as ações dos profissionais de saúde são
pautadas pela comunicação efetiva. Todavia, é imprescindível, na assistência a
qualquer usuário, um debruçamento e qualificação, com
vista à promoção da saúde enquanto direito equânime, que resulte na
integralidade do cuidado em saúde na atenção primária. Com efeito, mesmo após
15 anos do decreto que regulamenta a Libras, a comunidade surda ainda enfrenta
dificuldades de comunicação com os profissionais nos serviços de saúde.
Ademais, foi constatada uma escassez bibliográfica a
respeito da acessibilidade do atendimento ao surdo na Atenção Básica de Saúde.
Este fato pode ser justificado pela limitação da busca aplicada na metodologia.