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doi: 10.33233/eb.v20i2.4542

REVISÃO

Dificuldades no acesso da comunidade surda à rede básica de saúde: revisão integrativa

 

Maria Inês dos Santos*, Águida Layse Oliveira Cavalcanti, D.Sc.*, Valquíria Farias Bezerra Barbosa**, Ronny Diógenes de Menezes, M.Sc.***, Claudia Daniele Barros Leite Salgueiro, D.Sc.****, Saulo Santos da Silva*****

 

*Enfermeira pelo IFPE, Pesqueira/PE, **Enfermeira, Professora e Pesquisadora do Curso de Bacharelado em Enfermagem, IFPE, Pesqueira/PE, ***Especialista e Professor de Libras do Departamento de Educação da UFRN, Caicó/RN, ****Psicóloga, Professora e Pesquisadora do IFPE, Pesqueira/PE, *****Pedagogo pela UNIDERP, Campo Grande/MS

 

Recebido em 29 de dezembro de 2020; aceito em 30 de março de 2021.

Correspondência: Claudia Daniele Barros Leite Salgueiro, Rua Tenente Rebelo, 250, Prado, 55200-000 Pesqueira PE

 

Maria Inês dos Santos: inesssantos18@gmail.com

Águeda Layse Oliveira: aguidalayse@hotmail.com

Valquíria Farias Bezerra Barbosa: valquiria@pesqueira.ifpe.edu.br

Ronny Diógenes de Menezes: ronny.diogenes@hotmail.com

Claudia Daniele Barros Leite Salgueiro: claudia.leite@pesqueira.ifpe.edu.br

Saulo Santos da Silva: saulo20santos@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Identificar na literatura dificuldades acerca do acesso da comunidade surda aos serviços de saúde, no âmbito da atenção básica. Métodos: Revisão integrativa da literatura no período de 2005 a 2020, realizada na base de dados no portal eletrônico da Biblioteca Virtual em Saúde e na Scientific Eletronic Library Online, com o seguinte questionamento: Quais as dificuldades enfrentadas pela população surda, na busca pelo atendimento em saúde na atenção primária? Utilizou-se, como critério de inclusão, artigos científicos publicados nos últimos 15 anos, disponíveis na íntegra, em português ou inglês. Resultados: Foram identificados 14 artigos e, mediante análise, foram encontradas três principais dificuldades: barreira comunicacional entre surdo e profissional de saúde; escassez de profissionais capacitados e ausência de intérpretes de Libras nos serviços da Atenção Básica. Conclusão: As dificuldades encontradas na revisão evidenciam a necessidade de habilitação em Libras para os profissionais de saúde, bem como a importância da contratação de intérpretes de Libras para integrar os serviços de saúde com o intuito de atender às necessidades básicas dos surdos.

Palavras-chave: pessoas com deficiência auditiva; comunicação; acesso aos serviços de saúde; atenção primária à saúde; humanização da assistência.

 

Abstract

Difficulties of the deaf community to accessing the basic primary health care: an integrative review

Objective: To identify difficulties in the literature regarding health access by the deaf community, within the scope of primary health care. Methods: Integrative literature review from 2005 to 2020, carried out in the database on the electronic portal of the Virtual Health Library and in the Scientific Electronic Library Online, with the following question: What are the difficulties faced by the deaf population, in primary health care? Scientific articles published in the last 15 years, available in full, in Portuguese or English were used as inclusion criteria. Results: 14 articles were identified, and, through analysis, three main difficulties were encountered: communication barrier between deaf and health professionals; lack of skilled professionals, and absence of Libras interpreters in primary care services. Conclusion: The difficulties encountered in the review highlight the need for qualification in Pounds for health professionals, as well as the importance of hiring Libras interpreters to integrate health services to meet the basic needs of the deaf.

Keywords: persons with hearing impairments; communication; health services accessibility; primary health care; humanization of assistance.

 

Resumen

Dificultades en el acceso de la comunidad sorda a la red básica de salud: una revisión integradora

Objetivo: Identificar dificultades en la literatura con respecto al acceso a la salud por parte de la comunidad sorda, dentro del ámbito de la atención primaria de salud. Métodos: Revisión bibliografía integrativa de 2005 a 2020, realizada en la base de datos en el portal electrónico de la Biblioteca Virtual de Salud y en la Biblioteca Científica Eletronic Online, con la siguiente pregunta: ¿Cuáles son las dificultades a las que se enfrenta la población sorda, en la atención primaria de salud? Se utilizaron como criterios de inclusión artículos científicos publicados en los últimos 15 años, disponibles en su totalidad, en portugués o inglés. Resultados: Se identificaron 14 artículos y, a través del análisis, se encontraron tres dificultades principales: barrera de comunicación entre los profesionales sordos y de la salud; la falta de profesionales calificados, y la ausencia de intérpretes de Libras en los servicios de atención primaria. Conclusión: Las dificultades encontradas en la revisión ponen de relieve la necesidad de cualificación en Libras para los profesionales de la salud, así como la importancia de contratar intérpretes de Libras para integrar los servicios de salud para satisfacer las necesidades básicas de los sordos.

Palabras-clave: personas con deficiencia auditiva; comunicación; accesibilidad a los servicios de salud; atención primaria de salud; humanización de la atención.

 

Introdução

 

A inclusão social tem sido tema de debates que permeiam diversas vertentes, envolvendo grupos minoritários que se deparam com dificuldades de acessibilidade à vários serviços [1], incluindo os serviços de saúde [2]. Dentre estes grupos se encontra a população surda, que acaba sofrendo principalmente com as barreiras comunicacionais [2].

A primeira forma de diálogo entre a população surda é a Língua de Sinais (LS) que, com cultura e características singulares, é compreendida como linguagem, e não como algo criado para seguir normas sociais [3,4,5]. Contudo, devido a estrutura escolar criada essencialmente para ouvintes, os surdos ficam expostos a crises identitárias, o que acaba dificultando o processo de aprendizagem [3]. Muitos deles são inseridos nas escolas para aprender Português, porém devido a grande deficiência no contato com sua primeira forma de comunicar-se, torna-se ainda mais complexo o aprendizado de outra língua [4,5].

Segundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre a população brasileira, 5,1% possuem deficiência auditiva, ou seja, são cerca de 9,7 milhões de pessoas surdas, um número significativo de usuários dos serviços de saúde [6].

No contexto da saúde, a Atenção Básica é considerada a porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS) e deve levar em consideração os princípios da universalidade, transversalidade, autonomia, acessibilidade, continuidade do cuidado, vínculo, participação social, equidade, integralidade e humanização [7].

Porém, ainda existem lacunas que interferem na garantia da integralidade de ações propostas pelo SUS [8]. De acordo com uma pesquisa realizada por Santos e Portes [9], cerca de 78% dos surdos relataram ter dificuldade na comunicação com os profissionais de saúde, levando à descontinuidade dos atendimentos.

Em virtude dessas dificuldades enfrentadas pelos grupos minoritários, o governo federal criou a Política Nacional de Humanização (PNH) em 2013 [10]. Esta aponta que a comunicação entre profissionais, usuários e gestores é o “motor” principal para as mudanças necessárias na saúde [10]. Humanizar significa incluir as diversidades no que tange o cuidado e a gestão, de forma comunitária e compartilhada [10].

No sentido de humanizar enquanto medida de inclusão, as instituições de assistência à saúde devem: ofertar capacitação a seus profissionais acerca das necessidades comunicacionais de pessoas surdas e com deficiência auditiva; reconhecer o atendimento diferenciado em Língua Brasileira de Sinais (Libras) com o símbolo internacional da surdez em seus uniformes; oferecer atendimento com ajuda de um intérprete de Libras e, para os surdos-cegos, um guia intérprete [11,12].

Ademais, o entrave na comunicação entre surdos e profissionais de saúde, pode gerar transtornos quando se trata da assistência em saúde, tais como: o não entendimento do problema do paciente, não estabelecimento de relação e confiança por parte do surdo, ou até mesmo, o estabelecimento de um plano de cuidados/tratamento ineficaz [9].

Diante disso, foram criadas leis que garantissem a cidadania e o respeito à população surda no Brasil. Dentre elas, o decreto nº 5.626 de 22/12/2005, Capítulo VII, Art.25, que dispõe sobre a garantia e direito da pessoa surda em ter acesso a Libras nos serviços de saúde. Para isso, 5% dos profissionais das “unidades do serviço público, devem ser capacitados para uso e interpretação da Libras” e o serviço deverá dispor de um intérprete de Libras [13,14].

Entretanto, a população surda ainda enfrenta grande dificuldade na acessibilidade nos serviços de saúde, pois nem todos os profissionais estão habilitados para recebê-lo [15]. Dessa forma, o profissional de saúde não consegue estabelecer uma comunicação favorável com esses indivíduos, prejudicando o seu atendimento e, consequentemente, impedindo o alcance da integralidade do cuidado a saúde [9].

Além disso, em alguns serviços da atenção básica de saúde, a troca de informações pode ser parcialmente ou totalmente comprometida, a exemplo do tratamento odontológico, no qual o contato visual entre o intérprete e o surdo fica afetado [16].

Levando-se em consideração esses aspectos, somos levados a refletir se os serviços de saúde promovem ações que facilitem a comunicação eficaz com o grupo de surdos para garantir a assistência à saúde de qualidade. Logo, o objetivo deste estudo foi identificar na literatura dificuldades acerca do acesso da comunidade surda aos serviços de saúde, no âmbito da atenção básica.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo de revisão de literatura do tipo integrativa, que se caracteriza por empregar ampla abordagem metodológica referente às revisões, culminando na integração de estudos experimentais e não-experimentais, para um entendimento completo do fenômeno levantado. Esse tipo de estudo reúne dados da literatura teórica e empírica, além de congregar uma vasta gama de propósitos, tais como: definição de conceitos, revisão de teorias e evidências, e análise de problemas metodológicos de um assunto particular [17,18].

Para isso foram seguidas as seguintes etapas: identificação do tema; determinação da pergunta norteadora; estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão dos estudos/busca na literatura; definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados e caracterização; avaliação dos estudos incluídos; interpretação dos resultados; síntese dos resultados/apresentação da revisão [19]. Por conseguinte, também foram considerados os preceitos do checklist do Preferred Reporting for Systematic Reviews and Meta-Analyses [20], metodologia intensamente recomendada, que agrega caráter robusto às evidências científicas.

Foram feitas buscas nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System (Medline), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) via Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), e Scientific Eletronic Library Online (SciELO), em dezembro de 2020.

A escolha das bases de dados supracitadas deveu-se, especialmente, ao quantitativo de indexação de artigos da área da saúde, por contemplarem estudos primários, também, devido à indexação de artigos em temáticas adjacentes à enfermagem.

Na busca, foram utilizados os seguintes descritores boleanos em inglês e português de acordo com o Medical Subject Headings (MeSh/PubMed): “hearing loss” OR “hearing loss, bilateral” OR “deafness” AND “health” OR “public health; OR “community health services” OR “primary health care” AND “nursing” e Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “perda auditiva” OR “perda auditiva bilateral” OR “surdez” AND “saúde” OR “atenção primária à saúde” AND “humanização da assistência” AND “enfermagem”.

As questões norteadoras da referida pesquisa foram: Quais as dificuldades enfrentadas pela população surda na busca pelo atendimento em saúde na atenção primária? Os profissionais de saúde estão preparados para atender esse público?

Foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: estudos em português ou inglês voltados para a Atenção Primária de Saúde, no período de 15 anos (2005 e 2020), estar disponível na íntegra, se tratar de estudo de atendimento básico de saúde dos deficientes auditivos e preparo dos profissionais no acolhimento dessa comunidade. E, como critérios de exclusão, artigos repetidos em mais de uma base de dados, incompletos, teses, dissertações, capítulos de livros, notícias e estudos que não abordassem a temática escolhida.

A justificativa para este corte de tempo se dá pela criação do decreto n° 5.626/2005 que regulamenta a lei nº 10.436 de 2002 que dispõe sobre a Libras e reforça a garantia do direito à saúde das pessoas surdas ou com deficiência auditiva [13].

Posteriormente, todas as palavras e conectores foram cruzadas e dessa busca emergiu um total de 1.173 estudos. Após a leitura de títulos e resumos, e análise de critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados quatorze estudos no idioma português e inglês, para compor os resultados do presente estudo. Dos 14 artigos analisados, 6 são oriundos da base de dados Lilacs, 6 da SciELO e 2 da Medline, conforme observa-se na Figura 1.

 

 

Figura 1 - Fluxograma dos estudos selecionados segundo o Prisma Statement [20]

 

Outra importante variável utilizada foi o nível evidência científica, que preconiza o fortalecimento do processo de Prática Baseada em Evidências (PBE), dispondo de preceitos de classificação de evidências caracterizadas de forma hierárquica, a partir da abordagem metodológica adotada, a saber: Nível 1: evidências a partir da meta-análise de múltiplos estudos clínicos controlados e randomizados; Nível 2: evidências obtidas em estudos individuais com delineamento experimental; Nível 3: evidências de estudos quase-experimentais; Nível 4: evidências de estudos descritivos (não-experimentais) ou com abordagem qualitativa; Nível 5: evidências provenientes de relatos de caso ou de experiência; Nível 6: evidências baseadas em opiniões de especialistas [21].

Os resultados do presente estudo encontram-se catalogados em quadros. A caracterização dos estudos incluídos na revisão levou em conta: título, autores, ano de publicação, país da publicação e idioma (Tabela I), assim como tipo de estudo, nível de evidência científica, objetivos e principais resultados (Tabela II).

A análise dos artigos selecionados foi realizada através da caracterização temática, que foram divididas em: Conhecimentos dos profissionais de saúde sobre o processo de comunicação com a comunidade surda; Barreiras comunicacionais da comunidade surda; Estigmas e preconceitos dirigidos ao surdo.

 

Resultados

 

Dos 14 artigos selecionados, cinco (35,7%) foram publicados em 2014, dois (14,3%) em 2011, e houve predominância de estudos no idioma português 12 (85,7%). Em relação às áreas de divulgação científica, 11 (78,6%) artigos foram publicados em periódicos específicos de enfermagem, dois (14,3%) de saúde pública, e um (7,1%) de fonoaudiologia. Dentre esses, 12 (85,7%) foram publicações em periódicos brasileiros, e dois (14,3%) internacionais (Estados Unidos e Chile). Os estados brasileiros com mais publicações foram Rio de Janeiro com cinco (35,7%) e São Paulo com quatro (28,6%), respectivamente.

A Tabela I apresenta a distribuição dos artigos selecionados, de acordo com o título, autor, ano, país de publicação e idioma.

 

Tabela ISíntese dos artigos incluídos na revisão integrativa quanto ao título, autoria, ano, país de publicação e idioma, 2005 a 2020

 

Fonte: Dados da pesquisa

 

Na Tabela II estão dispostos os artigos selecionados, de acordo com o idioma, objetivos e resultados. Quanto ao tipo de estudo, 10 (71,4%) foram descritivos (não-experimentais) ou com abordagem qualitativa.

Quanto aos resultados das sínteses dos artigos, destacam-se três dificuldades principais enfrentadas pela população surda em relação à procura dos atendimentos na atenção básica: 14 (100%) comunicação; 11 (78,6%) escassez de profissionais capacitados para o atendimento à população surda; e 8 (57,1%) falta de intérprete de Libras.

 

Tabela IISíntese dos artigos selecionados por tipo de estudo, nível de evidência, objetivos e resultados, 2005 a 2020 (ver PDF)

 

Discussão

 

Na síntese dos artigos enfatizou-se a comunicação como a principal barreira na relação surdo-profissional de saúde [14,22,34]. Esta dificuldade é causada por diversos fatores como a carência de intérpretes de Libras nos serviços de Atenção Básica, além da falta de meios comunicativos visuais e de profissionais capacitados para acolher estes indivíduos [22,24,27,31,32]. Tais lacunas dificultam o agendamento de consultas; criam preconceitos/estigmas de que o surdo é um deficiente mental; geraram impaciência durante o atendimento [25]; e sentimentos negativos como medo e angústia [22,28,32].

Dentre esses fatores causais, o mais discutido nos estudos é o despreparo dos profissionais de saúde [14,28,31,32,34]. Essa é uma das razões pela qual os surdos acabam procurando os serviços de saúde com menos frequência [27,29,31].

Ademais, o não conhecimento da Libras leva os profissionais de saúde a utilizar mais de uma forma de comunicação [14,22,25,28,30,32], como a escrita, os gestos e a leitura labial [22,25,28,29,32]. Porém, o uso dessas alternativas de comunicação pode levar a falsas interpretações e acabar interferindo no atendimento em saúde [31].

Portanto, Rodrigues e Damião [29] reforça que o intérprete deve ser mediador dessa comunicação. Entretanto, a presença de um intérprete nos serviços de saúde não garante a qualidade da assistência [24], em razão de outros problemas, como o uso de termos técnicos da área de saúde por parte dos profissionais, o que pode comprometer o entendimento da mensagem [23,24,32]. Vale ressaltar que nem todo indivíduo surdo conhece a LS e por isso desenvolvem outro tipo de comunicação [32].

Ainda no contexto comunicacional, outra dificuldade encontrada nos resultados foi a escassez de capacitação para profissionais de saúde sobre o cuidado humanizado e conhecimento de Libras [14,25,28,30,32,33], que será discutido no tópico seguinte.

Como solução, a tecnologia é uma ótima ferramenta de trabalho para profissionais de saúde. Porém, há uma carência de materiais tecnológicos como os Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais (AASI) e os Telefones para surdos (TDD), capazes de aprimorar a comunicação e facilitar o acesso a informações [25,26,30,33].

Assim, Rodrigues e Damião [29] desenvolveram um aplicativo como ferramenta de comunicação (ambiente virtual) para ser utilizado nas unidades básicas de saúde, durante o atendimento ao usuário surdo. Mesmo que não haja um intérprete, todavia, a ferramenta pode promover a autonomia do usuário, facilitar a comunicação entre surdos e profissionais de saúde, diminuir o tempo de consulta, promover uma triagem mais qualificada e aumentar a satisfação dos usuários surdos.

Embora a tecnologia seja uma solução a curto prazo para a barreira comunicacional, deve ser utilizada de forma auxiliar, não substitutiva às interações profissional-usuário surdo [25]. Ademais, faz-se necessário a criação e reforço de políticas públicas inclusivas, ofertas de serviços especializados e campanhas voltadas para a população surda [25,31], bem como capacitação profissional, com o intuito de garantir o cumprimento das leis e decretos existentes.

Os profissionais de saúde não se sentem preparados para receber o usuário surdo nos serviços de saúde, o que se justifica pela dificuldade de comunicação causada pelo desconhecimento da Libras [14,22,33]. Alguns estudos apontam que tal o não conhecimento da Libras dá-se pela ausência da disciplina na formação acadêmica [14,24,25], falta de tempo ou interesse do profissional, falta de informações sobre cursos específicos, problemas financeiros [14].

De acordo com um estudo transversal, realizado por Magrini e Santos [14] com 40 profissionais de saúde, cerca de 97,5% dos participantes referiram não ter preparo para atender o paciente surdo de forma adequada; 92,5% relataram não saber se comunicar em Libras; 82,5% nunca procuraram um curso de Libras por conta própria e 97,5% relataram que a instituição em que trabalham nunca proporcionou curso de capacitação sobre surdez ou Libras.

Ademais, as consequências dessa problemática esbarra mais uma vez na comunicação, que durante o atendimento nos serviços de saúde pode causar: erro de diagnóstico, comprometimento da qualidade do atendimento, dificuldade na adesão do tratamento, instabilidade na relação profissional de saúde-usuário, falta de confiança no profissional e o não seguimento das orientações de saúde por parte dos surdos [14,24,27,29,31,34].

Em alguns estudos incluídos para análise surgiu um aspecto interessante, que diz respeito a presença de um membro da família nas consultas de saúde como mediador da comunicação profissional de saúde-surdo. A presença de um familiar ajuda o usuário surdo a aliviar sentimentos como medo ou desconfiança, pois pode facilitar o entendimento da mensagem transmitida [23,27,28,32,34].

No entanto, a presença de familiares ou intérpretes, durante a consulta, pode causar constrangimento ao relatar os seus problemas de saúde [29,31] e impedir que o surdo participe do atendimento como agente ativo [23,33].

Para mudar esses estigmas em torno da população surda e solucionar as barreiras comunicacionais, é necessário mudar o foco dos serviços de saúde para oferecer suporte com o intuito de atendê-los de forma humanizada e com qualidade, considerando os aspectos sociais e culturais [23,25,30,31].

Por fim, toda a problemática acerca das dificuldades encontradas nesta revisão está voltada para a comunicação eficaz entre usuário-profissional. No âmbito da saúde, uma das ferramentas mais poderosas é o acolhimento com uma escuta qualificada, que garante a integralidade e qualidade das ações de saúde focada no indivíduo.

 

Conclusão

 

A partir da síntese dos estudos analisados, evidenciou-se que a maior dificuldade enfrentada pelos surdos na procura por atendimento à saúde na atenção básica é a comunicacional. Esta dificuldade está relacionada a fatores que podem comprometer a qualidade dos atendimentos em saúde, dentre eles a escassez de profissionais capacitados e a falta de intérpretes de Libras.

É notável que as ações dos profissionais de saúde são pautadas pela comunicação efetiva. Todavia, é imprescindível, na assistência a qualquer usuário, um debruçamento e qualificação, com vista à promoção da saúde enquanto direito equânime, que resulte na integralidade do cuidado em saúde na atenção primária. Com efeito, mesmo após 15 anos do decreto que regulamenta a Libras, a comunidade surda ainda enfrenta dificuldades de comunicação com os profissionais nos serviços de saúde.

Ademais, foi constatada uma escassez bibliográfica a respeito da acessibilidade do atendimento ao surdo na Atenção Básica de Saúde. Este fato pode ser justificado pela limitação da busca aplicada na metodologia.

 

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