Enferm Bras 2022;21(5):543-55

doi: 10.33233/eb.v21i5.4577

ARTIGO ORIGINAL

Notificação de incidentes relacionados à cadeia medicamentosa em um hospital de ensino

 

Rosana Santos Mota, D.Sc.*, Valdenir Almeida da Silva, D.Sc.*, Andreia Santos Mendes, M.Sc.*, Angela de Souza Barros*, Olga Maria Brito dos Santos, M.Sc.*, Reneide Santana dos Santos*

 

*Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES), Salvador, BA

 

Recebido em 5 de junho de 2021; Aceito em 15 de setembro de 2022.

Correspondência: Rosana Santos Mota, Rua Augusto Viana, s/n 40110-060 Canela RS

 

Rosana Santos Mota: rosana17santos@yahoo.com.br

Valdenir Almeida da Silva: valdenirenf@yahoo.com.br

Andreia Santos Mendes: mendes.msa@gmail.com

Angela de Souza Barros: angela_barros2@yahoo.com.br

Olga Maria Brito dos Santos: olga.santos@ebserh.gov.br

Reneide Santana dos Santos: reneide_santana@yahoo.com.br

 

Resumo

Objetivo: Analisar a incidência e as notificações de eventos relacionados à cadeia medicamentosa em um hospital de ensino. Métodos: Estudo quantitativo, realizado em um hospital de ensino de Salvador, Bahia, Brasil. Os dados foram coletados a partir das notificações realizadas entre o período de janeiro/2016 a dezembro/2018. Realizou-se análise descritiva dos dados. Resultados: A incidência de incidentes relacionados à cadeia medicamentosa variou entre 0,2 e 2,27 por 100 internações, com maior proporção em indivíduos adultos (49,36%), do sexo feminino (54,94%), raça negra (80,26%), pouca escolaridade (56,66%) e procedentes de Salvador (61,80%). Os incidentes mais notificados foram o erro de administração (52,36%), erro de prescrição (22,32%) e erro de dispensação (16,31%), tendo como possíveis causas problemas no aprazamento (19,31%) e falta de atenção dos profissionais (16,72%). A maioria dos incidentes ocorreu durante o dia (51,93%), sendo notificado pelo farmacêutico (69,53%). Dentre as notificações, houve 13,0% de danos aos pacientes. Conclusão: Houve variação crescente dos incidentes notificados relacionados à cadeia medicamentosa nos anos do estudo e cerca de 13,0% desses foram classificados como eventos adversos. Os achados dão visibilidade ao perfil de evento e se mostram imprescindíveis para ações preventivas.

Palavras-chave: eventos adversos; medicamentos; segurança do paciente.

 

Abstract

Notification of incidents related to the medicine chain in a teaching hospital

Objective: To analyze the incidence and notifications of events related to the drug chain in a teaching hospital. Methods: Quantitative study, carried out in a teaching hospital in Salvador, Bahia, Brazil. Data were collected from notifications made between January / 2016 to December / 2018. Descriptive analysis of the data was performed. Results: The incidence of incidents related to the drug chain varied between 0.2 and 2.27 per 100 hospitalizations, with a higher proportion in adult individuals (49.36%), female (54.94%), black race (80.26%), little education (56.66%) and coming from Salvador (61.80%). The most reported incidents were administration errors (52.36%), prescription errors (22.32%) and dispensing errors (16.31%), with possible problems with scheduling problems (19.31%) and lack of attention from professionals (16.72%). Most incidents occurred during the day (51.93%), being notified by the pharmacist (69.53%). Among the notifications, there was 13.0% of damage to patients. Conclusion: There was an increasing variation in the reported incidents related to the drug chain in the years of the study and about 13.0% of these were classified as adverse events. The findings give visibility to the event profile and are essential for preventive actions.

Keywords: adverse events; pharmaceutical preparations; patient safety.

 

Resumen

Notificación de incidentes relacionados con la cadena de medicina en un hospital docente

Objetivo: Analizar la incidencia y notificaciones de eventos relacionados con la cadena de fármacos en un hospital universitario. Métodos: Estudio cuantitativo, realizado en un hospital universitario de Salvador, Bahía, Brasil. Los datos se recopilaron de las notificaciones realizadas entre enero / 2016 y diciembre / 2018. Se realizó un análisis descriptivo de los datos. Resultados: La incidencia de incidentes relacionados con la cadena de fármacos varió entre 0,2 y 2,27 por 100 hospitalizaciones, con una mayor proporción en adultos (49,36%), mujeres (54,94%), raza negra (80, 26%), poca educación (56,66%) y procedente de Salvador (61,80%). Las incidencias más reportadas fueron errores de administración (52,36%), errores de prescripción (22,32%) y errores de dispensación (16,31%), con posibles problemas de programación (19,31%) y falta de atención por parte de los profesionales (16,72%). La mayoría de los incidentes ocurrieron durante el día (51,93%), siendo notificados por el farmacéutico (69,53%). Entre las notificaciones, hubo 13,0% de daño a los pacientes. Conclusión: Hubo una variación creciente en los incidentes reportados relacionados con la cadena de medicamentos en los años del estudio y alrededor del 13.0% de estos se clasificaron como eventos adversos. Los hallazgos dan visibilidad al perfil del evento y son fundamentales para las acciones preventivas.

Palabras-clave: eventos adversos; preparaciones farmacéuticas; seguridad del paciente.

 

Introdução

 

Os incidentes relacionados a assistência à saúde afetam diretamente a segurança dos pacientes, sendo uma preocupação de ordem mundial. No Brasil, em 2013, foi lançado o Programa Nacional de Segurança do Paciente, com o intuito de qualificar o cuidado em saúde e, consequente prevenção e redução de eventos adversos decorrentes do cuidado [1].

Dentre os incidentes que repercutem na segurança dos pacientes, destacam-se os relacionados à cadeia medicamentosa, visto que os eventos adversos decorrentes de erro de medicação são considerados um dos maiores problemas de segurança no cenário clínico [2]. Estima-se, no Brasil, que aproximadamente 37% dos eventos adversos notificados, entre os anos de 2006 e 2013, estavam relacionados à cadeia medicamentosa [3]. Considera-se evento adverso relacionado a medicamento qualquer dano ocorrido ao paciente durante a terapia medicamentosa, resultante de cuidado inapropriado, ou de cuidado indevido. Caso não resulte em dano ao paciente, caracteriza-se enquanto incidente medicamentoso [4].

As práticas inseguras de medicação são as principais causas de lesões e danos evitáveis nos sistemas de saúde em todo o mundo. Globalmente, o custo associado a erros de medicação foi estimado em US$ 42 bilhões anuais. Além dos custos financeiros, os eventos relacionados à cadeia medicamentosa podem resultar em danos graves, incapacidade e até morte dos pacientes [5]. Diante do exposto, é preciso implementar estratégias que visem reduzir essa problemática. Nesse sentido, no ano de 2017, foi lançado o 3º. Desafio Global de Segurança do paciente, cuja meta proposta é a redução, nos seguintes cinco anos, em 50% dos danos graves e evitáveis relacionados a medicamentos, utilizando-se do desenvolvimento de sistemas de saúde mais seguros e eficientes nas etapas do processo de medicação [4,5].

Frente à busca por redução dos eventos relacionados ao uso de medicamentos, destaca-se o papel da enfermagem, pois esses prestam cuidados de forma ininterrupta aos pacientes, bem como são os principais profissionais envolvidos na administração de medicamentos que compreende o processo de diluição, preparação, checagem e administração [6]. Assim, esses profissionais são cruciais na busca de estratégias para reduzir os eventos, pois, pelo seu envolvimento no processo, têm maior possibilidade de identificar falhas.

Nesse sentido, dados oriundos de notificações realizadas pelos profissionais de saúde, especialmente os de enfermagem que tem se destacado nesse cenário [1,7], poderão contribuir para apontar as principais fragilidades e possíveis ações de melhoria. Diante do exposto, o estudo tem como objetivo analisar a incidência e as notificações de eventos relacionados à cadeia medicamentosa em um hospital de ensino.

 

Métodos

 

Estudo quantitativo de caráter descritivo e exploratório, realizado em um hospital de ensino (HE), localizado na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. Trata-se de um hospital pertencente ao Sistema Único de Saúde (SUS), vinculado à rede Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares.

Os dados do estudo foram provenientes do sistema de notificação voluntário da instituição. O HE dispõe de um aplicativo de Vigilância Hospitalar (VIGIHOSP), implantado em 2015, para recebimento das notificações de incidentes e queixas técnicas relacionadas à assistência à saúde. Foram utilizados os dados dos incidentes relacionados à assistência à saúde, referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018. Utilizou-se como critério de inclusão: todas as notificações ocorridas nas unidades do campo da pesquisa e realizadas pelos profissionais, no período citado. Excluiu-se do estudo as notificações com dados incompletos que inviabilizaram a identificação do caso e as notificações duplicadas.

As variáveis do estudo foram: caracterização dos pacientes (idade, raça/cor, sexo, estado civil, grau de instrução, procedência); caracterização da notificação (categoria profissional do notificante, natureza da notificação (anônima ou identificada) e caraterização do incidente (situação de ocorrência, turno da ocorrência, natureza da ocorrência, tipo e características do incidente; se evento adverso, grau do dano (leve, moderado, grave, óbito; e conduta profissional adotada). A coleta dos dados se deu entre os meses de agosto de 2019 a março de 2020, sendo realizada por uma bolsista de iniciação científica, bem como por profissionais de enfermagem da instituição, devidamente treinados pelos pesquisadores responsáveis pelo projeto.

O incidente relacionado à assistência à saúde é classificado como evento adverso quando resulta em dano ao paciente. Para a classificação do dano, foi utilizado o critério da Organização Mundial da Saúde [8] que os classifica em: nenhum - não houve consequência para o paciente; leve - o paciente apresentou sintomas leves, danos mínimos ou intermediários de curta duração sem intervenção ou com uma intervenção mínima; moderado - o paciente necessitou de intervenção, prolongamento da internação, perda de função, danos permanentes ou por longo tempo; grave - necessária intervenção para salvar a vida, grande intervenção médico-cirúrgica ou causou grandes danos permanentes ou em longo prazo; e morte.

Inicialmente os dados foram organizados em uma planilha no programa Microsoft Excel, sendo transportado para o software estatístico STATA versão 12, o qual foi utilizado para a análise descritiva dos dados. A incidência dos incidentes relacionados à cadeia medicamentosa foi calculada pela relação entre o número de incidentes notificados no período do estudo, dividido pelo número total de pacientes admitidos no mesmo período x 100. No período do estudo ocorreram 24.063 internações no HE, sendo 7.483 em 2016; 7799 em 2017 e 8781 em 2018.

A pesquisa atendeu os princípios éticos contidos na Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisa envolvendo seres humanos. Para tanto, o projeto foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HE, CAAE número 09076619.2.0000.0049.

 

Resultados

 

Foram notificados 233 incidentes relacionados à cadeia medicamentosa no período do estudo, com incidência de 0,96 incidentes para cada 100 internações. Por ano de estudo, a incidência variou entre 0,20 em 2016; 0,23 em 2017; e 2,27 no ano de 2018 (Tabela I).

 

Tabela IIncidência de incidentes hospitalares relacionados à cadeia medicamentosa notificados no VIGHOSP. Salvador, Bahia, Brasil, 2020

 

Fonte: Elaborada pelos autores

 

Referente à caracterização dos pacientes (Tabela II), a maioria era de indivíduos adultos, 49,36% (n = 11), idosos, 44,21% (n = 103); do sexo feminino, 54,94% (n = 128); autodeclarados da raça negra, 80,26% (n = 187); solteiros, 47,21% (n = 110); com baixa escolaridade, 56,66% (n = 132); e procedentes do município de Salvador - BA, 61,80% (n = 144).

 

Tabela IIPerfil sociodemográfico de pacientes com incidentes relacionados à cadeia medicamentosa notificados no VIGHOSP. Salvador, Bahia, Brasil, 2020

 

Fonte: Elaborada pelos autores

 

Os incidentes relacionados à cadeia medicamentosa (Tabela III) ocorreram majoritariamente durante a internação dos pacientes no HE, 96,10% (n = 222), no período diurno, 51,93% (n = 121); com notificações identificadas, 88,41% (n = 206), sendo os farmacêuticos 69,53% (n = 162) e enfermeiros 25,32% (n = 59) os principais notificadores.

Os principais tipos de incidentes ligados aos medicamentos foram: erro de administração, 52,36% (n = 122); erro de prescrição, 22,32% (n = 52); e erro de dispensação, 16,31% (n = 38). Foram referidas como possíveis causas para esses incidentes os problemas no aprazamento, 19,31% (n = 45); falta de atenção dos profissionais, 16,72% (n = 39); problemas com a dispensação (não dispensado, dispensado em excesso ou falta do medicamento na farmácia), 14,16% (n = 33); e problemas na prescrição médica, 12,28% (n = 30).

Quanto ao dano causado pelo incidente, aproximadamente 13,0% (n = 30) foram classificados como evento adverso resultando em danos à saúde dos pacientes. Destes, 23,33% repercutiram em danos leves; 13,33%, danos moderados; 3,33% causaram danos graves e 3,33% (n = 01) levou ao óbito.

Referente à conduta adotada pelos profissionais frente à identificação do incidente, 20,17% (n = 47) relataram que foi realizada uma rotina de avaliação de prescrição e segmento dos pacientes; 19,74% (n = 46) referiram ações educativas para reforço do uso de protocolos institucionais; 8,58% (n = 20) disseram ter prestados cuidados e acompanhamento; e 2,58% (n = 6) relataram não ter administrado o medicamento e/ou ter devolvido à farmácia.

 

Tabela IIICaracterização dos incidentes relacionados à cadeia medicamentosa. Salvador, Bahia, Brasil, 2020

 

Fonte: Elaborada pelos autores.

 

Discussão

 

O estudo apontou uma variação na incidência de incidentes hospitalares relacionados à cadeia medicamentosa entre 0,2 e 2,27 por 100 internações. Pesquisa desenvolvida em um hospital de ensino, localizado na região sudeste do Brasil, identificou incidência próxima, com variação entre 0,06 e 2,4 [9]. Já estudo internacional de revisão sistemática, apontou incidência de 1,5 eventos para cada 100 pacientes [10]. Outra pesquisa com dados da Arábia Saudita revelou índices mais alarmantes que variaram de 8,5 a 16,9 por 100 internações, com cerca de 30% considerados como evitáveis [11].

O perfil dos pacientes com incidentes relacionados à cadeia medicamentosa direcionou para os indivíduos adultos (49,36%) e do sexo feminino como os mais vulneráveis. Pesquisas nacionais trazem dados convergentes em relação ao maior contingente de incidentes medicamentosos envolvendo pessoas adultas e do sexo feminino [3,9,12]. O fato de ter mais mulheres entre as notificações de incidentes medicamentosas pode guardar relação com a maior procura feminina pelos serviços de saúde [13], o que repercute tanto para o maior acesso ao tratamento quanto para a maior exposição aos eventos adversos.

Quanto às questões raciais e a escolaridade, os mais expostos aos incidentes foram os indivíduos da raça negra (80,26%) e com pouca escolaridade (56,66%). Ambas as características podem se relacionar ao fato de a instituição ser exclusivamente vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS), visto que existe uma relação entre a raça negra, menos acesso à educação formal e menor condição socioeconômica [14], sendo estes os principais usuários dos serviços públicos de saúde.

Referente à caracterização das notificações, a maioria se deu de forma identificada (88,41%), sendo o profissional farmacêutico (69,53%), seguido do enfermeiro (25,32%) os principais notificadores. A maior proporção de notificações de forma identificada pode apontar para o amadurecimento da cultura de segurança institucional, visto que o medo da punição tem sido apontado como um dos principais obstáculos para a não notificação dos eventos adversos [15]. Transcender a cultura do medo é indispensável para aumentar a qualidade e a segurança nos ambientes hospitalares, pois os dados oriundos das notificações, realizadas pelos profissionais de saúde, poderão subsidiar estratégias educativas que visem superar os problemas identificados.

A presença do farmacêutico clínico nas unidades assistenciais do HE pode justificar o fato desse ser o profissional que mais notificou os incidentes relacionados à cadeia medicamentosa. A importância dessa categoria profissional para a segurança medicamentosa tem sido amplamente discutida [16]. É importante destacar também a figura do enfermeiro como um dos principais notificadores. Outras pesquisas já apontam o protagonismo desse profissional em relação às notificações dos incidentes hospitalares [7,17], ratificando o comprometimento dos profissionais de enfermagem com a qualidade e a segurança do cuidado em saúde.

Com relação à caracterização dos incidentes, as principais notificações dizem respeito aos erros de administração (52,36%), erros de prescrição (22,32%) e aos erros de dispensação (16,31%). Estudo desenvolvido em um hospital de São Paulo/SP apontou resultados semelhantes com maior proporção de registro de eventos envolvendo erros de administração, seguido por erro de prescrição e dispensação [18]. Já pesquisa realizada na Espanha apontou maior incidência de erro de prescrição entre os eventos notificados (27,4%) [19]. Independente da tipologia, os erros de medicação representam uma significativa parcela dos eventos adversos ocorridos em âmbito mundial. Eles ocorrem quando fracos sistemas de medicação e / ou fatores humanos como fadiga, condições ambientais inseguras ou falta de pessoal afetam o prescrever, transcrever, dispensar, as práticas de administração e monitoramento [5].

Muitos fatores podem contribuir para que esses erros aconteçam. No estudo, as principais referências foram em relação a problemas nos aprazamentos das prescrições (19,30%) e a falta de atenção por parte do profissional (16,72%). Estudo descritivo com objetivo de identificar as não conformidades relacionadas ao aprazamento medicamentoso apontou múltiplas falhas, por exemplo: aprazamento com intervalos não condizentes com a prescrição, ausência do carimbo do responsável pelo aprazamento, aprazamento de medicações à critério médico ou suspensas, as quais podem culminar em dano ao paciente [20]. Nesse sentido, os serviços de saúde devem implementar estratégias de barreiras para que os erros de aprazamento possam ser evitados. Estratégias como a dupla checagem, elaboração de um guia para o aprazamento e a utilização de um local privativo para a realização do aprazamento já são citadas como proposta que podem reduzir o problema [20]. Essa última, inclusive, poderá contribuir para uma maior atenção do enfermeiro durante o aprazamento, visto que a falta de atenção também foi citada como uma das possíveis causas do incidente.

Chama atenção que 12,88% dos incidentes repercutiram com danos à saúde dos pacientes, sendo classificados como eventos adversos. Outro estudo realizado no mesmo município apontou para danos à saúde dos pacientes em 25,5% dos incidentes relacionados à cadeia medicamentosa [21]. Já pesquisa realizada na Espanha apontou proporção ainda maior, com percentual de 58% de dano nos incidentes notificados [19].

      A maioria dos eventos adversos repercutiu com danos leves (23,3%), causando danos mínimos, de curta duração, sem intervenção ou com uma intervenção mínima. No entanto, quase 7% culminou em dado grave ou óbito do paciente. Pesquisas nacionais e internacionais apontam resultados semelhantes, com danos leves para a maior proporção dos eventos notificados [19,22,23]. Quanto à gravidade do dano, o estudo em tela identificou proporção menor (3,33%) do que o apontado por pesquisas realizadas em outros países [19,23].

Em relação à conduta dos profissionais frente ao incidente, foram mais citadas a reavaliação da prescrição e acompanhamento do paciente (20,17%) e ações educativas com os profissionais de saúde (19,74%). O acompanhamento do quadro clínico do paciente também foi citado em outra pesquisa brasileira como sendo a principal conduta adotada pelos profissionais de saúde (31,2%) [21]. É importante destacar que as estratégias educativas podem contribuir para redução dos eventos relacionados à cadeia medicamentosa. A capacitação foi considerada por 84% dos trabalhadores de um hospital da região norte do Brasil como condutas prioritárias a serem adotadas por parte da gestão para que a ocorrência de erros diminua [24]. Nesse sentido, destaca-se a importância da educação permanente em saúde para o fortalecimento das práticas seguras, o que representa mais qualidade em saúde e segurança para os pacientes.

Um dos fatores limitantes do estudo é a possibilidade de subestimação dos dados, por ter sido oriundo de notificações voluntárias. Também se destaca a falta de registro de todos os dados por parte dos profissionais notificantes, o que interfere na qualidade das informações. No entanto, ainda com as limitações descritas, a pesquisa nos fornece informações indispensáveis para se pensar em estratégias que possam contribuir para a redução dos incidentes relacionados à cadeia medicamentosa.

 

Conclusão

 

A incidência de incidentes relacionados à cadeia medicamentosa variou entre 0,2 e 2,27 por 100 internações no período do estudo, com maior proporção em indivíduos adultos, idosos, do sexo feminino, raça negra, baixa escolaridade de procedentes de Salvador. Os incidentes mais notificados foram o erro de administração, erro de prescrição e erro de dispensação, tendo como possíveis causas problemas no aprazamento e falta de atenção dos profissionais. A maioria dos incidentes ocorreu durante o dia, sendo notificado pelo farmacêutico majoritariamente. Destaca-se que 13,0% dos incidentes repercutiram em danos, sendo adotadas as condutas de acompanhamento do paciente e estratégias educativas.

      Os dados do estudo revelam o cenário dos eventos relacionados à cadeia medicamentosa no HE, o que pode contribuir para implementação de estratégias de enfretamento da problemática, considerando o perfil identificado. Destaca-se também a importância de estratégias educativas com o fim de sensibilizar os profissionais de saúde, especialmente os de enfermagem, quanto ao seu papel de destaque na prevenção de incidentes medicamentoso.

 

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflito de interesse.

 

Fontes de financiamento

Projeto financiado com uma bolsa de iniciação à pesquisa, Edital PROAE 29/2018 – Programa Permanecer 2019, Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil da Universidade Federal da Bahia.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Mota RS, Silva VA; Coleta de dados: Mendes AS, Barros AS, Silva VA; Análise e interpretação dos dados: Mota RS, Silva VA, Mendes AS; Análise estatística: Mota RS; Redação do manuscrito: Santos OMB, Santos RS, Mota RS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Silva VA, Mota RS

 

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