Enferm Bras 2021;20(6):719-31

doi: 10.33233/eb.v20i6.4599

ARTIGO ORIGINAL

Perfil dos recém-nascidos com sífilis congênita atendidos em um hospital de referência para a saúde materno-infantil

 

Laís Ribeiro de Souza*, Fernanda Paula Cerântola Siqueira, D.Sc.**, Fernanda Moerbeck Cardoso Mazzetto, D.Sc.**, Lívia Faria Orso, M.Sc.***

 

*Enfermeira graduada pela Faculdade de Medicina de Marília-Famema, Marília, SP, **Enfermeira, Docente do Curso de Enfermagem da Famema. Marília, SP, ***Enfermeira, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Campus de Botucatu, Faculdade de Medicina de Botucatu, Marília, SP

 

Recebido em 25 de fevereiro de 2021; aceito em 9 de novembro de 2021.

Correspondência: Laís Ribeiro de Souza, Rua Antônio Baptista Ruellas, 397 Bairro Monte Líbano, Getulina SP

 

Laís Ribeiro de Souza: laribeiiro@hotmail.com  

Fernanda Paula Cerântola Siqueira: fercerantola@yahoo.com.br

Fernanda Moerbeck Cardoso Mazzetto: fmcmazzetto@terra.com.br  

Lívia Faria Orso: livia_orso@hotmail.com

 

Resumo

Objetivo: Traçar o perfil dos recém-nascidos que realizaram tratamento para sífilis congênita em um serviço de saúde público referência para a saúde materno-infantil. Métodos: Pesquisa de abordagem quantitativa descritiva realizada com recém-nascidos no ano de 2019, que foram notificados para sífilis congênita em um hospital materno-infantil. Resultados: Em relação aos dados maternos, verificou-se que 9,2% fizeram pré-natal, sendo o diagnóstico de sífilis materna identificado em 89,9%, mas verificou-se que nem todas e seus respectivos parceiros foram tratados adequadamente. Quanto aos recém-nascidos, identificou-se que 58,2% obtiveram resultados reagentes para o teste não treponêmico com sangue periférico. Destaca-se a não realização do teste não treponêmico do líquor para 43,1%, 21,5% para não avaliação radiológica dos ossos longos e 12,5% não foram tratados logo após o nascimento. Conclusão: Identifica-se ainda fragilidades na atenção à gestante, parceiro e recém-nascidos com o diagnóstico de sífilis congênita. Desta forma, sugere-se reorganização dos serviços de saúde, seja na atenção primária ou hospitalar, bem como a capacitação dos profissionais de saúde responsáveis pela assistência ao pré-natal, parto e nascimento.

Palavras-chave: enfermagem neonatal; saúde da criança; saúde materno infantil; sífilis congênita.

 

Abstract

Profile of newborns with congenital syphilis treated at a referral hospital for maternal and child health

Objective: To construct the profile of newborns who underwent treatment for congenital syphilis in a public health service, which is a referral for maternal and child health. Methods: Descriptive and quantitative study approach carried out with newborns in 2019, who were notified for congenital syphilis in a maternity and children’s hospital. Results: Regarding maternal data, 9.2% underwent prenatal care, with the diagnosis of maternal syphilis identified in 89.9%, however, not all the women or their respective partners were properly treated. As for the newborns, 58.2% obtained reactive results for the nontreponemal test in peripheral blood. It is noteworthy that 43.1% did not perform the nontreponemal test in CSF; 21.5% carried out the long-bone radiographic evaluation; and 12.5% were not treated soon after birth. Conclusion: The study identified weaknesses in the care of pregnant women, partners and newborns with diagnosis of congenital syphilis. Thus, a reorganization of health services is suggested, whether in primary or hospital care, as well as the training of health professionals responsible for assisting prenatal care, childbirth and birth.

Keywords: neonatal nursing; child health; maternal and child health; congenital syphilis.

 

Resumen

Perfil de recién nacidos con sífilis congénita atendidos en hospital de referencia de salud materna e infantil

Objetivo: Construir el perfil de los recién nacidos que recibieron tratamiento por sífilis congénita en un servicio público de salud referencia para la salud materno infantil. Métodos: Investigación con abordaje descriptivo cuantitativo realizada con recién nacidos en 2019, quienes fueron notificados por sífilis congénita en un hospital materno infantil. Resultados: En cuanto a los datos maternos, se encontró que el 9.2% se sometió a atención prenatal, con el diagnóstico de sífilis materna identificado en el 89.9%, sin embargo, se encontró que no todas las mujeres o sus respectivos compañeros fueron tratados adecuadamente. En cuanto a los recién nacidos, se identificó que el 58,2% obtuvo resultados reactivos para la prueba no treponémica de sangre periférica. Es de destacar que el 43,1% no realizó la prueba no treponémica en LCR; 21,5% la evaluación radiográfica de huesos largos; y el 12,5% no recibió tratamiento poco después del nacimiento. Conclusión: El estudio identificó debilidades en la atención de gestantes, compañeros y recién nacidos con diagnóstico de sífilis congénita. Así, se sugiere una reorganización de los servicios de salud, ya sea en la atención primaria u hospitalaria, así como la formación de los profesionales de la salud encargados de atender la atención prenatal, al parto y el nacimiento.

Palabras-clave: enfermería neonatal; salud de los niños; salud materna e infantil; sífilis congénita.

 

Introdução

 

A sífilis congênita atualmente tem sido foco de preocupação pela repercussão na saúde infantil, apresentando número de casos cada vez maiores nos últimos anos. Destaca-se ainda, que 90% dos casos ocorrem em países subdesenvolvidos [1].

A sífilis congênita é uma doença de notificação compulsória desde 1986 e a sífilis em gestantes desde 2005 [2]. Os dados obtidos no DATASUS do Ministério da Saúde apontam que a maior incidência de casos de sífilis congênita ocorre nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, necessitando, ainda, melhorar a sua política de assistência à gestante [3].

Foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) de 1998 a junho de 2018, 188.445 casos de sífilis congênita em menores de um ano de idade, dos quais a maior porcentagem residia no Sudeste (44,5%). A taxa de incidência de sífilis congênita por 1.000 nascidos vivos teve um aumento no Brasil no período de 2007 a 2017. Os maiores percentuais de casos da doença em 2017 ocorreram em crianças nas quais as mães tinham entre 20 e 29 anos de idade seguidas das faixas etárias de 15 a 19 anos e por último de 30 a 39 anos [4].

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que um milhão de gestações anualmente tem complicações decorrentes da sífilis, resultando em mais de 300 mil mortes fetais e neonatais [5].

O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) revelou que em 2017 ocorreram um total de 206 óbitos por sífilis em crianças menores de um ano, correspondendo a um coeficiente de mortalidade de 7,2 por 100.000 nascidos vivos. Na região Sudeste foram computados 10.645 casos de sífilis congênita em 2017, sendo a região de maior incidência totalizando 4.073 casos [4].

A sífilis congênita ainda é um problema de saúde pública por ser uma doença infectocontagiosa com probabilidade de transmissão vertical entre 45% e 75%, culminando em mortes perinatais, sendo 40% dos casos natimortos. Leva a complicações como prematuridade, baixo peso ao nascer, lesões neurológicas [1], podendo também ocasionar problemas de saúde no recém-nascido como a má-formação, surdez, cegueira entre outros [3].

Essa doença se dá pela transmissão materno-fetal da gestante infectada para o concepto, transcorre com infecção ativa pela bactéria espiroqueta Treponema pallidum, sendo a via transplacentária a mais comum, mas também pode ocorrer a transmissão pelo contato direto com a lesão no momento do parto [1].

As principais causas da sífilis são baixo nível socioeconômico, falta de acesso ao sistema de saúde e a ausência de assistência no pré-natal [3].

Quanto à conduta clínica utilizada na pesquisa realizada por Magalhães et al. [6], identificou-se que 67 gestantes atendidas durante o pré-natal e parto em maternidades públicas do Distrito Federal no Brasil apresentaram Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) reagente, destas 41,8% gestantes/puérperas foram adequadamente tratadas. Para a não realização adequada do tratamento 83,6% apontaram a ausência do parceiro e 88,1% justificaram o tratamento inadequado. E 36% dos recém-nascidos com sífilis congênita não receberam qualquer tipo de intervenção para sua avaliação.

O diagnóstico depende de uma anamnese completa, exames de imagem, sorológicos e laboratoriais [1].

Este estudo justifica-se pelas fragilidades ainda existentes, que dificultam o alcance da qualidade da assistência pré-natal. A pouca adesão ao tratamento, bem como a assistência frágil interferem no controle da sífilis congênita e o alcance da meta de incidência da doença [6].

Beck e Souza [7], ao revisitarem a literatura buscando identificar as práticas de enfermagem frente a sífilis congênita, apontam para a necessidade de capacitar os profissionais para a assistência pré-natal, pois a participação dos profissionais de saúde é de suma importância, especialmente do enfermeiro, visto que a partir de ações de educação em saúde e estratégias adequadas podem interferir propriamente no diagnóstico precoce e controle da sífilis congênita.

Assim como na literatura, observa-se no cenário de prática hospitalar que os casos de sífilis congênita têm sido muito frequentes e as principais causas identificadas são o desconhecimento das medidas preventivas e/ou não adesão aos métodos contraceptivos e de barreira, a desvalorização da gravidade da doença, a baixa adesão na assistência pré-natal, não adesão ao tratamento e/ou tratamento inadequado realizado pela gestante e parceiro e falta de estratégias da atenção básica para captar as gestantes com maior vulnerabilidade. Verifica-se também um comportamento de pouca valorização da complexidade da doença e suas complicações no recém-nascido pelos pais, bem com a falta de informação sobre o tema.

Diante da problemática existente questiona-se: quais fatores estão relacionados ao aumento do número de casos de sífilis congênita? Como tem sido o tratamento dos pais dos recém-nascidos em tratamento para sífilis congênita? As mães desses recém-nascidos realizaram pré-natal?

Para responder a estes questionamentos relacionados à sífilis congênita este estudo objetivou traçar o perfil dos recém-nascidos que realizaram tratamento para sífilis congênita em um serviço de saúde público referência para a saúde materno-infantil.

 

Métodos

 

Estudo de abordagem quantitativa, a qual representa um conjunto de processos que como características tem a medição de fenômenos. É um processo que analisa a realidade objetiva e traz benefícios como a generalização de resultados, previsão, precisão e controle sobre os fenômenos [8].

Para tanto, teve como cenário um hospital referência para a assistência à saúde materno-infantil situado no interior do estado de São Paulo.

A coleta de dados foi realizada por meio das 79 fichas de notificação/investigação de sífilis congênita dos recém-nascidos que nasceram e foram atendidos no referido cenário no período de 2019. Tais fichas foram fornecidas pelo Serviço de Vigilância Epidemiológica registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

Os dados foram coletados no mês de maio de 2020 e registrados em uma planilha do programa Microsoft Excel e, posteriormente, transpostos para análise utilizando estatística descritiva, com distribuição da frequência simples e percentual.

Este estudo seguiu as recomendações éticas previstas na Resolução nº 466/12 e a de nº 510, de 10 de dezembro de 2018, sendo aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Marília sob o n° da CAAE 25817019.2.0000.5413.

 

Resultados

 

Quanto aos dados sociodemográficos das mães dos recém-nascidos portadores de sífilis congênita, das 79 fichas de notificação/investigação analisadas, identificaram-se que 62% (n = 49) exercia como ocupação as atividades do lar, 51,9 % (n = 41) eram da cor branca e 43,0% (n = 34) haviam concluído o ensino médio.

Identificou-se que 82,1% (n = 65) destas mães estavam na fase adulta e em idades reprodutivas, isto é, entre 19 e 40 anos. E ressalta-se o fato de 96,2% (n = 76) terem realizado a assistência pré-natal. Verifica-se que a maioria obteve o diagnóstico de sífilis materna durante a assistência pré-natal, conforme mostra a tabela I.

 

Tabela I - Distribuição das 79 fichas de notificações da sífilis congênita no ano de 2019, segundo o momento de realização do diagnóstico da sífilis materna e da assistência pré-natal, Marília/SP, 2020

 

Fonte: Fichas de notificação de sífilis congênita

 

Quanto aos testes não treponêmico e treponêmico realizados nas mães dos recém-nascidos no momento do parto, a maioria foi reagente, sendo respectivamente 73,4 % (n = 58) e 68,4 % (n = 54). Porém, em 31,6 % (n = 25) o teste treponêmico não foi realizado, conforme apresenta a Tabela II.

 

Tabela II - Distribuição das 79 fichas de notificações da sífilis congênita no ano de 2019, segundo o tipo de teste realizado para diagnóstico da sífilis materna, Marília/SP, 2020

 

Fonte: Fichas de notificação de sífilis congênita.

 

Ao interpretar os resultados do teste treponêmico realizados no momento do parto, verificou-se que entre as mães dos recém-nascidos com resultado reagente e as que não o realizaram, que 65,8% (n = 52) realizaram o tratamento para a sífilis de forma adequada, como apresenta a tabela III. Embora o número de mulheres que realizou de forma inadequada ou que não realizou o tratamento para a sífilis seja inferior, chama-nos a atenção pela repercussão que isso poderá trazer para a saúde do recém-nascido.

 

Tabela III - Distribuição das 79 fichas de notificações da sífilis congênita no ano de 2019, segundo o teste treponêmico realizado no momento do parto e a forma de tratamento materno, Marília/SP, 2020

 

Fonte: Fichas de notificação de sífilis congênita.

 

A tabela IV revela que dos 79 recém-nascidos notificados apenas 64,5% (n = 51) dos seus pais foram tratados de forma concomitante e adequada.

 

Tabela IV - Distribuição das 79 fichas de notificações de sífilis congênita no ano de 2019, segundo o tratamento do parceiro e a forma de tratamento materno, Marília/SP, 2020

 

Fonte: Fichas de notificação de sífilis congênita.

 

Em relação aos recém-nascidos portadores de sífilis congênita, verificou-se que os testes não treponêmico com sangue periférico e teste não treponêmico com líquor foram realizados respectivamente, 58,2% (n = 46) sendo reagentes e 46,9% (n = 37) não foram reagentes, mas destaca-se também a não realização dos mesmos após o nascimento da criança, como demonstra a tabela V.

 

Tabela V - Distribuição das 79 fichas de notificações de sífilis congênita no ano de 2019, segundo o teste não treponêmico com sangue periférico e teste treponêmico com líquor realizados no recém-nascido, Marília/SP, 2020

 

Fonte: Fichas de notificação de sífilis congênita

 

A maioria (91,2%) dos recém-nascidos apresentaram-se assintomáticos para manifestações clínicas relacionadas à sífilis e 69,6% (n = 55) não apresentaram alterações ósseas. Entretanto, 11,4% (n = 9) tiveram alteração liquórica. Destacam-se, ainda, os recém-nascidos não submetidos à avaliação liquórica e radiológica para os aspectos ósseos, conforme a tabela VI.

 

Tabela VI - Distribuição das 79 fichas de notificações de sífilis congênita no ano de 2019, segundo avaliação clínica, liquórica e de ossos longos no recém-nascido, Marília/SP, 2020

 

Fonte: Fichas de notificação de sífilis congênita.

 

A maioria dos recém-nascidos, isto é, 78,5% (n = 62) foram tratados. A medicação utilizada foi a Penicilina G cristalina em (41,8%) e (36,7%) com Penicilina G benzatina. Embora tenha sido em menor incidência, (12,5 %) dos recém-nascidos não foram tratados logo após o nascimento, um dado preocupante, pois os mesmos podem apresentar possíveis alterações ou sequelas futuras decorrentes da sífilis.

 

Discussão

 

O perfil materno das crianças com sífilis congênita encontrados nesta pesquisa são corroborados por outros estudos, sendo predominante (58,2%) a faixa etária entre 20 e 30 anos, assim como os dados apontados pelo Ministério da Saúde [4]. Quanto à raça, 51,9% das mulheres se declararam de cor branca, o que difere dos dados descritos no boletim epidemiológico do Ministério da Saúde [4], que aponta que 56,8% são pardas.

O baixo nível socioeconômico materno referido como uma das principais causas da sífilis [3] é notado nos resultados, pois 54,4% das gestantes possuem o ensino médio incompleto e 62% se declaram do lar. A sífilis congênita é associada a baixo nível de escolaridade e piores condições socioeconômicas [1].

Identificou-se neste estudo que 96,2% das mães dos recém-nascidos com sífilis congênita realizaram o pré-natal. Verifica-se que essa informação é predominante em outras pesquisas, como, por exemplo, uma realizada no estado do Maranhão, que 84,1% (n = 2056) realizaram o pré-natal [9], o que nos leva a refletir sobre as ações desenvolvidas a essas mulheres neste período.

Para Magalhães et al. [6], ainda existem fragilidades na assistência pré-natal relativas ao acesso, à oportunidade de diagnóstico e tratamento de gestantes e parceiros, ou seja, a qualidade do pré-natal recebido pela gestante não é suficiente para garantir o controle da sífilis congênita [6].

Em relação aos parceiros das gestantes, nos chama a atenção a questão cultural, pois os homens possuem maior resistência do que as mulheres no cuidado com à saúde e, por conta disso o programa “Política Nacional do Homem” foi criado, com o intuito de conscientizar os novos pais de que esse é um ato importante, pois só dessa maneira poderão detectar doenças capazes de afetar a sua própria saúde, a da mulher e do bebê [10].

No que diz respeito aos parceiros tratados concomitantemente à gestante, 64,5% obteve o esquema de tratamento adequado no presente estudo se contrapondo com os dados obtidos numa pesquisa na cidade de São José do Rio Preto, onde 82% dos parceiros não foram tratados [11]. Fato que também foi pertinente na pesquisa realizada no estado do Maranhão, pois 54,9% dos parceiros não realizaram o tratamento e 28,0% foram ignorados nessa variável [9].

Os dados acima são explicados por alguns desafios para a adesão ao tratamento relacionado aos parceiros de gestantes, que são eles: desconforto gerado pela terapia medicamentosa, desconhecimento da doença, realização do exame VDRL quantitativo mensal, desafio social (mãe solteira e múltiplos parceiros) e preconceito social [12].

O tipo de relacionamento entre a gestante e seu parceiro, também é um fator que pode dificultar a adesão do homem ao tratamento. Apresentam como justificativa para não frequentar a Unidade de Saúde o fato de não terem relacionamentos estáveis com as gestantes, por conta disso não se sentem responsáveis pela relação constituída [12].

Acredita-se que as gestantes de uma forma geral têm tido acesso à assistência pré-natal, pois no presente estudo 89,9% das gestantes foram diagnosticadas com sífilis durante o pré-natal, dado semelhante à pesquisa realizada no munícipio de São José do Rio Preto, onde a maior porcentagem (63%) de diagnósticos ocorreu durante esse período [11].

Embora a maioria das gestantes tenham realizado esse diagnóstico e tratamento, há uma preocupação com o grupo de gestantes, as quais não foram tratadas ou tratadas de forma inadequada e, quando seus parceiros não foram tratados para sífilis concomitantemente durante o pré-natal, elas podem sofrer reinfecção por contágio sexual em qualquer momento da gestação, isso também explica o fato de os recém-nascidos apresentarem sífilis congênita [10].

Na realização do teste não treponêmico no parto, 73,4% das gestantes estudadas foram reagentes. Há pesquisas como a de Silva et al. [13] realizada no estado do Paraná, que os resultados se mostraram superiores (94,1%) aos deste estudo. Já no teste treponêmico no parto 68,4% foram reagentes e na referida pesquisa de Silva et al. [13], os resultados foram inferiores (48,6%) aos obtidos neste estudo.

No que diz respeito a esses testes, o não treponêmico é utilizado como teste de triagem diagnóstica, considerado qualitativo e quantitativo para identificação de anticorpos IgG e IgM não específicos para o Treponema Pallidum. Já o teste treponêmico é específico para T. pallidum e detecta a presença ou não de anticorpos, o mesmo é utilizado para confirmar a reatividade de testes não treponêmicos, sendo utilizado na sífilis tardia [14].

Quanto aos aspectos clínicos e laboratoriais dos recém-nascidos, os testes não treponêmicos sanguíneos foram reagentes em 58,2% dos casos e 43,1% não fizeram teste não trepônemico no líquor, dos quais 11,4% tiveram alterações na análise liquórica. Esses dados são inferiores comparados ao estudo realizado no estado do Paraná, onde 95,7% tiveram teste não treponêmico sanguíneo reagentes e 81,5% não fizeram teste não treponêmico no líquor [13].

Em relação ao exame dos ossos longos dos recém-nascidos, verificou-se que 69,6% dos casos não obteve alterações, mas destaca-se a não realização dessa avaliação para 21,5%. No estudo realizado por Lima et al. [11], verificou-se que 14% dos recém-nascidos notificados apresentaram alterações na avaliação dos ossos longos.

O fato de não realizar avaliação precoce implica na identificação e tratamento tardio. Acredita-se que a alteração dos ossos longos surge em 70% a 100% dos casos de sífilis congênita não tratada. O recém-nascido pode apresentar dor à movimentação dos membros e por conta da dor a criança pode ficar irritada e tendente à imobilidade [14].

Ressalta-se a importância do diagnóstico precoce e tratamento adequado, pois essa doença pode evoluir para um estágio crônico com sequelas irreversíveis. Para crianças assintomáticas, que as mães trataram adequadamente, com teste não treponêmico não reagente, o tratamento deve ser realizado com Benzilpenicilina 50.000 UI/kg, intramuscular e dose única ou Benzilpenicilina procaína, uma vez ao dia, por 10 dias ou ainda Benzilpenicilina cristalina, intravenosa, de 12/12h (crianças com menos de 1 semana de vida) e de 8/8h (crianças com mais de 1 semana de vida), por 10 dias [14].

Nos recém-nascidos estudados, o tratamento foi realizado com a penicilina G cristalina em 41,8% seguido da penicilina G benzatina para 36,7%, dado similar a outros serviços de saúde onde 44% dos recém-nascidos realizaram o tratamento com penicilina G cristalina [11].

O tratamento deve ter a duração de no mínimo 10 dias, quando houver a neurossífilis, o mesmo será estendido até 14 dias, sendo obrigatório a internação hospitalar. O seguimento dos recém-nascidos deve ocorrer através de consultas ambulatoriais até pelo menos os dois anos de idade, pois mais de 70% deles são assintomáticos ao nascer podendo vir a desenvolver manifestações da doença. A coleta seriada do VDRL será interrompida com dois VDRL negativos de forma consecutiva. O teste treponêmico deverá ser realizado a partir dos 18 meses, se o resultado for reagente, o seguimento será estendido até 5 anos de idade [10,14].

Pode ocorrer perda de seguimentos desses bebês, isso é explicado pela falta de informação da importância do acompanhamento e também pelo fato da sífilis congênita ser uma doença muitas vezes silenciosa. Nas situações em que não há sintomas aparentes os pais acreditam que a criança está bem, por conta disso não comparecem às consultas. A questão do deslocamento para outros centros dificulta também a adesão ao tratamento. Ressalta-se a importância e a necessidade do seguimento da criança nos primeiros anos de vida para assegurar a prevenção de lesões e sequelas futuras [15].

Os resultados encontrados nesta pesquisa limitam-se a um estudo local, mas em função da problemática ainda existente e da repercussão da sífilis congênita no crescimento e desenvolvimento infantil, sugere-se a realização de outras pesquisas. Torna-se necessário novos estudos, os quais possibilita olhar outros cenários, bem como outros objetos de investigação relacionados ao tema, como a saúde prospectiva da criança, a educação em saúde e o tratamento dos pais.

 

Conclusão

 

Neste estudo verificou-se alta cobertura da assistência no pré-natal, o que contribuiu para o diagnóstico da sífilis materna precocemente, mas ainda assim, identificou-se que muitas mulheres e seus respectivos parceiros não foram tratados ou tratados de forma inadequada. Ressalta-se também entre os resultados a fragilidade quanto a avaliação dos recém-nascidos, pois identificou-se que a maioria deles tinham testes não treponêmicos reagentes, mesmo assim não foi realizado o teste treponêmico do líquor, bem como o raio x de ossos longos.

Diante de tais resultados, sugere-se a necessidade da reorganização dos serviços de saúde, seja na atenção primária ou hospitalar, de forma que a assistência à gestante, ao recém-nascido e sua família seja efetiva. Destaca-se a importância do acompanhamento e seguimento da gestante, seu parceiro e da criança nos primeiros anos de vida.

Faz-se necessário que os serviços de saúde responsáveis pela assistência pré-natal, parto e nascimento promova medidas de capacitação dos profissionais de saúde para realizarem abordagem, avaliação e tratamento mais eficazes, que possam interferir no controle da sífilis congênita.

 

Conflito de interesses

Não há conflito de interesses

 

Fonte de financiamento

Não houve fonte de financiamento

 

Contribuição de cada autor

Concepção, estruturação, análise e interpretação dos dados, revisão crítica do artigo: Souza LR, Siqueira FPC, Mazzetto FMC, Orso LF

 

Referências

 

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