Enferm Bras 2021;20(2):143-58
ARTIGO
ORIGINAL
Experiência
de mulheres soropositivas no rastreamento do câncer de colo de útero e de mama
Giovana
Caetano de Araújo Laguardia*, Amanda Antunes Pereira Madella, D.Sc.**, Érika Andrade e
Silva**, Fábio da Costa Carbogim, D.Sc.***,
Roseni Pinheiro, D.Sc.****,
Nathália Alvarenga Martins, M.Sc.*****, Alanna Fernandes Paraíso, D.Sc.******,
Zuleyce Maria Lessa Pacheco, D.Sc.*******
*Enfermeira,
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem
da Universidade Federal de Juiz de Fora, **Enfermeira, Professora do
Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da Universidade
Federal de Juiz de Fora, ***Enfermeiro, Docente do Departamento de Enfermagem
Aplicada da Universidade Federal de Juiz de Fora, ****Enfermeira, Professora do
Departamento de Política, Planejamento e Administração em Saúde do Instituto de
Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, *****Enfermeira,
Professora Substituta do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde
Pública da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, ******
Enfermeira, Professora do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde
Pública da Universidade Federal de Juiz de Fora, *******Enfermeira, Professora
do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da Universidade
Federal de Juiz de Fora
Recebido
em 2 de abril de 2021; Aceito em 30 de abril de 2021.
Correspondência: Zuleyce
Maria Lessa Pacheco, Av. Getúlio Vargas, 840/303, Centro, 36013-011 Juiz de
Fora MG
Giovana Caetano de Araújo Laguardia:
gcaetandearaujo@yahoo.com.br
Amanda Antunes Pereira Madella:
amandantunes1@gmail.com
Érika Andrade e Silva: erikandradesilva@gmail.com
Fábio da Costa Carbogim:
fabio.carbogim@ufjf.edu.br
Roseni Pinheiro:
rosenisaude@uol.com.br
Nathália Alvarenga Martins:
nath.alvarenga.martins@gmail.com
Alanna Fernandes Paraíso:
lana.paraiso@ufjf.br
Zuleyce Maria Lessa Pacheco:
zuleyce.lessa@ufjf.edu.br
Resumo
Introdução: O câncer do colo do útero é um
importante problema de saúde, e diversos fatores tornam alguns grupos mais
susceptíveis para sua progressão, múltiplas infecções e desaparecimento, como
as mulheres que vivem com o vírus da imunodeficiência humana. Objetivo:
Compreender a experiência de mulheres soropositivas que vivenciaram a consulta
de Enfermagem, baseada na Teoria de Enfermagem Humanística de Paterson e Zderad, no rastreamento do câncer de colo de útero e de mama.
Métodos: Abordagem qualitativa por meio de entrevistas semiestruturadas
com 15 mulheres, que fazem acompanhamento no Serviço de Assistência
Especializada da Zona da Mata Mineira. A análise fenomenológica foi realizada
segundo Martins e Bicudo. Resultados: Emergiram as seguintes categorias:
a junção de técnica, cuidado e acolhimento são necessários a adesão na consulta
de Enfermagem a mulher reagente ao vírus da imunodeficiência humana; a consulta
de Enfermagem à mulher reagente ao vírus da imunodeficiência humana: um
relacionar-se com o outro precedido pelo encontro ético. Conclusão: A
implementação da consulta de Enfermagem à mulher soropositiva, e o fazer da
Enfermagem possibilitando a criação do vínculo permeado pelo estar-com, pautado
no respeito as participantes como pessoas autônomas, resultou na sensibilização
da importância do seguimento nas consultas e para o autocuidado.
Palavras-chave: assistência centrada no paciente;
assistência integral à saúde; Enfermagem no consultório; avaliação de processos
e resultados em cuidados de saúde; ampliador HIV.
Abstract
Experience of human
immunodeficiency women in screening for cervical and breast cancer
Introduction: Cervical
cancer is an important health problem, and several factors make some groups more
susceptible to its progression, multiple infections, and disappearance, such as
women living with the human immunodeficiency virus. Objective: To
understand the experience of women with the human immunodeficiency virus who
experienced the nursing consultation, based on the Humanistic Nursing Theory of
Paterson and Zderad, in the screening for cervical
and breast cancer. Methods: A qualitative approach using semi-structured
interviews with 15 women, followed up at the Specialized Assistance Service of
Zona da Mata Mineira. The phenomenological analysis
follows the steps of Martins and Bicudo. Results:
The following categories emerged: the combination of technique, care and
embracement are necessary to adhere to the nursing consultation with women with
human immunodeficiency virus; Nursing consultation to women with human
immunodeficiency virus: one relating to the other preceded by the ethical
encounter. Conclusion: The implementation of the nursing consultation to
women with human immunodeficiency virus, gave visibility to being a nurse and
in making Nursing enabling the creation of the bond permeated by being-with, a
relationship of trust, based on respect for participants as autonomous people,
which resulted in raising awareness of the importance of follow-up in
consultations and for self-care.
Keywords: patient-centered care;
comprehensive health care; outcome and process; health care; HIV enhancer.
Resumen
Experiencia
de mujeres con inmunodeficiencia humana en el cribado de cáncer
de cuello uterino y de mama
Introducción: el cáncer
de cuello uterino es un
problema de salud importante, y varios
factores hacen que algunos grupos sean más susceptibles a su progresión, múltiples infecciones
y desaparición, como las mujeres que viven con el virus
de la inmunodeficiencia
humana. Objetivo: conocer la
experiencia de las mujeres con el virus
de la inmunodeficiencia
humana que vivieron la
consulta de enfermería, basada
en la Teoría
de Enfermería Humanística de Paterson y Zderad, en el
cribado de cáncer de cuello uterino y de mama. Métodos: abordaje cualitativo mediante
entrevistas semiestructuradas a 15 mujeres, que son seguidas en el Servicio
de Atención Especializada de Zona da Mata Mineira. El
análisis fenomenológico sigue
los pasos de Martins y
Bicudo. Resultados: surgieron las
siguientes categorías: la combinación de técnica,
cuidado y abrazo son necesarios para adherirse a la consulta de enfermería con mujeres con
virus de inmunodeficiencia
humana; Consulta de enfermería a mujeres
con virus de inmunodeficiencia humana: una relacionada con la otra
precedida del encuentro
ético. Conclusiones: la
implementación de la
consulta de enfermería a mujeres
con virus de inmunodeficiencia humana, dio visibilidad al ser enfermera y al
hacer de la Enfermería posibilitando la creación del
vínculo permeado por el estar-con,
una relación de confianza, basada en el
respeto a las participantes
como personas autónomas, lo que resultó
en la sensibilización
sobre la importancia del seguimiento en las consultas y para el autocuidado.
Palabras-clave: atención
centrada en el paciente; atención integral de salud;
resultado y processo; atención médica; potenciador del VIH.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o câncer tem
causado 8,8 milhões de mortes por ano, uma em cada seis mortes no mundo. Essas
mortes se concentram em países de baixa e média renda e podem ser
diagnosticados através do rastreamento precoce [1]. Para o ano de 2020,
estimou-se 66.280 novos casos de câncer de mama e 16.710 casos novos de câncer
do colo do útero, ocupando a terceira posição [2].
Dentre as infecções sexualmente transmissíveis, a infecção
pelo Papiloma Vírus Humano (HPV) é um importante fator de risco para o
desenvolvimento de lesões precursoras do câncer de colo de útero e para o
câncer anal tanto em homens quanto em mulheres. As infecções persistentes de
alto risco causadas pelo HPV são as de maior preocupação uma vez que podem
evoluir para o câncer; por isso, é importante que as mulheres realizem exames
ginecológicos para a detecção precoce [3].
Nas mulheres com HIV a prevalência da infecção pelo HPV e a
persistência viral, assim como a infecção múltipla (por mais de um tipo de
HPV), são mais frequentes, além disso, o desaparecimento do HPV parece ser
dependente da contagem de células CD4+ e lesões precursoras tendem a progredir
mais rapidamente e a recorrer mais frequentemente do que em mulheres não
infectadas pelo HIV. O Ministério da Saúde preconiza a realização do exame citopatológico para rastreio do câncer de colo do útero de
forma mais frequente em mulheres com CD4 abaixo de 200 células/mm3, enquanto
corrige os níveis de CD4, o rastreamento citológico deverá ser cada seis meses
[4].
O HIV transforma a história natural da infecção pelo HPV,
com taxas de regressão diminuídas, progressão para lesões de alto grau e lesões
invasivas, refratárias ao tratamento, necessitando assim de maior intervenção e
monitoramento [5]. Entretanto, mulheres infectadas pelo HIV imunocompetentes,
tratadas adequadamente com terapia antirretroviral de alta atividade apresentam
história natural semelhante às demais mulheres [6].
A consulta de Enfermagem é considerada pela Resolução do
Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) nº 606/2019 como uma prerrogativa do
enfermeiro, podendo tal profissional realizar as atividades e competências
regulamentadas pela Lei nº 7.498, pelo Decreto nº 94.406, e pelas resoluções do
COFEN [7]. Ela proporciona um momento para o enfermeiro conhecer a realidade
das mulheres, tirar dúvidas, oferecer orientações, sendo este um momento de
trocas de saberes, um aprendizado que favorece uma visão crítico-reflexiva, que
favorece um julgamento intencional e autorregulável [8].
Estudo realizado com mulheres com HIV assistidas por um
serviço de atenção secundária evidenciou, nas falas das participantes, que a
maioria nunca participou de um Grupo de Direitos Sexuais e Reprodutivos, não
utilizava preservativo em todas as relações sexuais, desconheciam os métodos
contraceptivos, poucas buscavam realizar periodicamente a consulta para o
rastreamento do câncer de colo de útero e de mama e a maioria já tinha usado
algum tipo de medicamento para tratar afecções no trato genital, sem
necessariamente terem certeza se era para tratar ou não uma Infecção
Sexualmente Transmissível. Somado a isto a maioria destas mulheres informaram
não frequentarem a Unidade Básica de Saúde do bairro onde residem com receio de
terem que revelar que são HIV positivas e sofrerem algum preconceito ou
discriminação [9].
No ano de 2016 foi implementado o projeto de pesquisa e
extensão denominado Projeto Semente: Acolhendo e ressignificando o atendimento
à saúde das mulheres reagentes ao HIV, vinculado à prática da disciplina
Enfermagem na Saúde da Mulher da Faculdade de Enfermagem da Universidade
Federal de Juiz de Fora, no Serviço de Assistência Especializada do município,
sendo um de seus objetivos o desenvolvimento da consulta de Enfermagem às
mulheres soropositivas no rastreamento do câncer de colo de útero e de mama
apoiada no referencial teórico da Teoria Humanística de Enfermagem.
A utilização do método da Teoria Humanística, também
denominado de Enfermagem Fenomenológica, é um método científico estruturado em
cinco fases que permitem ao enfermeiro aplicá-las tanto na assistência, como no
modo de direcionar o fazer e o cuidar, quanto na pesquisa. Sua utilização
favorece o vínculo enfermeiro com o ser a ser cuidado estabelece como uma
necessidade de diálogo existencial, vivo, que se estabelece pela empatia, como
pela busca de uma assistência integral e de qualidade. A teoria humanística
permite ao enfermeiro refletir sobre a escolha do melhor cuidado com base em
evidências científicas, resgatar a vivência da união do fazer com e do estar
com o outro, uma vez que ela é centrada na pessoa, no qual o sujeito é
reconhecido como um ser autônomo, capaz de tomar decisões [10,11,12].
Dado o exposto, tem-se como objetivo compreender a
experiência de mulheres soropositivas que vivenciaram a consulta de Enfermagem,
baseada na Teoria de Enfermagem Humanística de Paterson e Zderad,
no rastreamento do câncer de colo de útero e de mama.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa,
exploratório-descritiva, apoiada nos momentos de análise fenomenológica
sugeridos por Martins e Bicudo [13].
O cenário de estudo foi o Serviço de Assistência
Especializada (SAE) do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS
e Hepatites Virais, situado na região central de um município da Zona da Mata
Mineira, sendo um serviço de referência para a região cuja área de abrangência
é de 106 municípios. Este serviço oferece atendimento e acompanhamento integral
a pessoas portadoras do vírus HIV, através de uma equipe multiprofissional
constituída de enfermeiros, médicos, psicólogos, nutricionistas e assistentes
sociais, sendo atualmente atendidas por dia em média 100 pessoas além de
existirem um total de 3200 pessoas em tratamento.
Participaram da pesquisa 15 mulheres que procuraram
espontaneamente o SAE e que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser
mulher reagente ao HIV, com idade igual ou superior a 18 anos, ter participado
da consulta de Enfermagem à mulher para rastreamento do câncer de colo de útero
e de mama no SAE ou ter realizado ao menos uma consulta de Enfermagem à mulher.
Foram excluídas do estudo as participantes adolescentes e que não passaram pela
consulta de Enfermagem.
Os dados foram coletados nos meses de setembro e outubro de
2018, nas dependências do SAE. Inicialmente foi realizada coleta dos dados
sociodemográficos e na sequência a entrevista fenomenológica através das
seguintes questões norteadoras: Conte-me como foi para você ter passado pela
consulta de Enfermagem à mulher para a prevenção do câncer de colo de útero e
de mama. Fale para mim como vivenciou o atendimento à saúde prestado pela
enfermeira na consulta de Enfermagem à mulher.
A análise dos dados foi feita de maneira concomitante à
coleta de dados a fim de determinar de maneira precoce a necessidade de
intervenções. No primeiro momento realizou-se a leitura das falas de forma
criteriosa e rigorosa, respeitando sempre o linguajar do sujeito, buscando
identificar o que se mostrou mais relevante no fenômeno investigado. Após, foi
realizada uma nova leitura, de forma exaustiva, tentando detectar o significado
do fenômeno ocorrido na experiência vivenciada pelo sujeito, buscando apreender
as partes dos discursos que focalizassem a essência deste fenômeno. Em um
terceiro momento as falas foram agrupadas conforme semelhanças e diferenças e a
partir daí foi feita uma síntese das proposições apresentadas nas expressões do
sujeito, constituindo agrupamentos por temas, procurando entender os
significados ou a essência do fenômeno, chegando ao final a uma categoria de
análise que representa o adensamento por proximidade dos significados.
Esta pesquisa fez parte do projeto “Projeto Semente:
Acolhendo e ressignificando o atendimento à saúde das mulheres reagentes ao
HIV”, sendo respeitados todos os preceitos éticos de acordo com a Resolução
466/2012 do Conselho Nacional de Pesquisa em Saúde (CNS). Apreciada pelo do
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Juiz de Fora-UFJF
e aprovada sob Parecer nº 2.879.732. A fim de garantir o anonimato, as
participantes foram identificadas pela vogal M seguida pelo número arábico
correspondente à ordem da entrevista e a idade, separados por um ponto (ex: M1.39).
O perfil social das participantes foi constituído por
mulheres negras e pardas (60%), com idade entre 30 e 50 anos (60%), com ensino
fundamental incompleto (60%), com uma média de 1,5 filhos, renda de um
salário-mínimo (46,66%) e em sua maioria (53,33%) fora do mercado de trabalho.
Da leitura exaustiva das falas emergiram duas categorias
concretas do vivido que expressam o significado da assistência de Enfermagem às
mulheres soropositivas participantes da consulta de Enfermagem para
rastreamento do câncer de colo de útero e de mama no SAE.
A
junção de técnica, cuidado e acolhimento são necessários a adesão na consulta
de Enfermagem a mulher reagente ao HIV
São
assim tão legais, tão educadas, que eu me senti outra pessoa [...]
É muito mais bem feito do que no posto médico (M2.42).
Excelente!
Se todas (as profissionais da saúde) fossem assim... Porque aqui são muito
detalhistas, explicam o autoexame direitinho, deixa a gente acompanhar no
espelho a visão de tudo, porque a gente não se conhece direito por dentro né? E
explica detalhes que eu considerei muito importante, eu nessa altura do
campeonato eu ainda não sabia (M11.40).
Pra mim foi uma novidade. Eu
aprendi muita coisa, principalmente a me olhar no espelho... A me amar! Porque
elas são muito carinhosas, me deram toda atenção [...] por
que lá fora (UBS) não temos esse atendimento que eu tive aqui hoje. E eu
aprendi bastante, coisas assim que eu não sabia com quarenta e dois anos
(risos). Eu gostei muito do atendimento, da atenção, não vi preconceito, fui
muito bem tratada. Acho que a atenção foi tudo. Elas (docente e acadêmicas) me
deixaram a vontade (M5.42).
O
atendimento é excelente, são muito atenciosas. Eu acho que sou uma das mais
antigas, acho que é a minha quarta vez. Acho que desde que começou eu comecei
também (M9.40).
A
consulta de Enfermagem à mulher reagente ao HIV: um relacionar-se com o outro
precedido pelo encontro ético
Assim,
puseram a mão sem luva (surpresa), eu notei isso porque raramente
acontece...Quando a gente chega e fala que é soropositiva, que tem HIV... Todo
mundo já começa a olhar. [...]. Nós podemos morrer de câncer de útero, câncer
de mama [...] Então eu gostei porque elas (docente e
acadêmicas) me deram atenção, foram carinhosas, eu não vi preconceito. Isso
deixa a gente bem! (M5.42).
Pra mim foi muito interessante,
eu aprendi muita coisa que eu nunca nem tinha visto nem imaginado [...] olhou
tudo que tinha que olhar, foi muito diferente de todos os atendimentos que eu
já tive até hoje. Pelo carinho, atenção, o jeito que ela (docente) fala, tudo
que ela explica bem explicadinho. Se a gente pergunta ela explica de novo, deu
até interesse em voltar a estudar, por ela! (M8.21).
Muito
importante, nossa, muito importante! Toda mulher merecia passar pelo dia que eu
estou passando aqui agora. Todas! Tenho certeza que
para outras mulheres, para o ser humano mesmo que tem o vírus e é tratado com
tanto carinho assim. É especial. Então a Enfermeira é muito humana... (M11.40)
Muito
bom! Bom porque a gente pode prevenir as doenças ruins, o câncer do colo do
útero. (M10.42).
No
posto, onde fiz foi desagradável, só colheram e pronto, não fiz essa porção de
exame que elas (docente e acadêmicas) fizeram ali não (M15.58).
Porque
aqui a gente tem bem mais liberdade pra gente falar
que em outro lugar do problema da gente (M6.52).
A Consulta de Enfermagem enquanto instrumento sistematizado
de assistência tem ações inter-relacionadas e dinâmicas que visam à assistência
integral, dessa forma o enfermeiro identifica as necessidades do usuário,
estabelecendo uma relação dialógica melhorando o cuidado e promovendo o
desenvolvimento científico da Enfermagem. Além de possibilitar o julgamento
clínico e elaboração de diagnósticos e intervenções centrados nas reais
necessidades dos pacientes [14,15].
A Teoria Humanística de Enfermagem propõe ser a Enfermagem
desenvolvida como uma experiência existencial. Nesse sentido, o papel do
enfermeiro é estabelecer com o paciente um diálogo, conduzindo um
relacionamento terapêutico, como meta assistencial [12].
As mulheres consideraram o cuidado na consulta
diferenciado, ressaltaram que o modo como foram acolhidas na consulta
demonstrou a atenção e o cuidado profissional para com elas, o que na opinião
delas foi positivo devendo ser valorizado, o que corrobora o estudo de Rocha et
al. [16], no qual as participantes do estudo consideraram que a forma como são
acolhidas pelo profissional de saúde durante a Consulta de Enfermagem para a
prevenção do câncer de colo de útero influencia positivamente na promoção da
saúde e prevenção dessa neoplasia.
O diálogo é a base da Teoria Humanística, tanto por meio de
um colóquio, como de uma conversação, é um relacionamento em que ocorre um
verdadeiro partilhar, uma relação intersubjetiva, isto é, a relação de um
indivíduo único (EU) com o outro também único (TU). A Enfermagem é entendida
como um diálogo vivo, que objetiva a busca do bem-estar físico e psicológico do
ser, sendo necessário ao enfermeiro uma autorreflexão sobre o que traz consigo,
valores, preconceitos, mitos e expectativas antes de iniciar o encontro
[10,12].
Segundo Jacques [17] o acolhimento, a atenção adequada e o
respeito à usuária são indicadores que podem ser utilizados na avaliação da
qualidade de atenção. Cuidamos em oferecer para essas mulheres um acolhimento
no qual ela se percebe como sujeito do atendimento, sendo ela a detentora do
seu próprio ser e saber, e nós somente meros facilitadores do cuidado e
enquanto tal, mediadores de um conhecimento não superior ao dela, mas
complementar ao dela. Para Zapponi [18], compete ao
enfermeiro através do cuidado integral, empoderar a mulher quanto a seu corpo e
sua saúde, torná-la protagonista do cuidado.
Para as mulheres participantes do estudo, o tempo da
consulta está associado à realização do exame físico detalhado, como aferição
da pressão arterial, ausculta cardíaca, além da escuta qualificada. O
atendimento é sistematizado e pautado na Teoria Humanística, promovendo um
ambiente de escuta das necessidades das usuárias do serviço, promovendo um cuidado
integral.
A enfermeira, através da realização da consulta de
Enfermagem, na promoção à saúde, através do contato direto com as mulheres
oportuniza o desenvolvimento de ações junto ao cliente no intuito de melhorar
sua qualidade de vida por meio da formação de vínculo de confiança [18]. Elas
aprendem a se conhecer como mulher, se valorizar, tirar dúvidas, encontrar
espaço para desabafar e saem sentindo-se uma pessoa transformada pelo cuidado
de enfermagem.
A Teoria Humanística pressupõe a Enfermagem como uma forma
de diálogo que envolve Seres Humanos dispostos a entrar num relacionamento
existencial um com o outro. Neste relacionamento, todo encontro com o outro é
aberto, profundo e ocorre com tal grau de intimidade que influencia os membros
envolvidos. Estes seres humanos são livres e esperam ser envolvidos no seu
próprio cuidado e nas decisões a ele relacionadas [12,19].
A consulta de Enfermagem realizada no SAE, tem uma conduta
diferenciada e livre de preconceitos e discriminação, sendo este um diferencial
no atendimento, uma vez que em seus relatos as participantes narram que ao
buscarem outros serviços de saúde e precisarem falar que são soropositivas,
comumente percebem o tratamento potencialmente discriminatório e que muitas
vezes interfere na produção da equidade de saúde.
Ao descobrirem-se soropositivas as mulheres tendem a
esconder o diagnóstico da família, e do meio social, pois temem o julgamento e
preconceito enraizado na cultura cotidiana por haver ainda o estigma dos
chamados “grupos de risco”. Observaram que o atendimento e a relação com os
profissionais de saúde, fora do serviço especializado, tornam-se distante, uma
vez que sabem da existência de casos de profissionais de saúde que se recusaram
a atender pessoas soropositivas pelo receio de contraírem algum patógeno
[20,21,22,23]. O código de ética dos profissionais de Enfermagem [24] traz como um
dever a manutenção do sigilo dos fatos que o profissional tenha ciência em
razão da sua atividade, sendo possível a aplicação da advertência verbal,
multa, censura e até mesmo a suspensão do exercício profissional por até 90
dias. Segundo Villas-Bôas [25], tal dever é ainda um
dos preceitos éticos mais desrespeitados na rotina dos serviços de saúde, seja
nas conversas informais em corredores ou exposição de prontuários.
A importância da prevenção e promoção da saúde vem sendo
discutida na literatura levando-nos a refletir sobre as crenças, vivências e
valores que as usuárias do serviço trazem consigo e que refletem na sua interpretação
e relação com o mundo, inclusive no cuidado. Assim sendo, o enfermeiro deve ter
um olhar ampliado para sensibilizar a mulher para a importância da prevenção,
além de capacitá-las para a melhoria da qualidade de vida e saúde, tornando-a
agente ativa do cuidado [18,19]. Nesse sentido, vislumbramos que a consulta
como é oferecida no SAE facilita a sensibilização das mulheres para a
prevenção.
A consulta de Enfermagem baseada na teoria humanística de
Enfermagem possibilita uma relação de confiança e a criação de vínculos, o
encontro se estabelece quando se atinge a singularidade dos indivíduos, levando
em consideração os aspectos subjetivos presentes tanto no profissional como na
usuária. Portanto, não significa somente estar presente fisicamente, mas criar
um ambiente onde realmente as pessoas se sintam acolhidas, considerando as suas
demandas de maneira diferenciada e singular. As usuárias e enfermeiros devem
ser vistos como seres humanos singulares, que interagem consigo mesmo, com os
outros e com o ambiente, e que apresentam visões de mundo influenciadas pelas
suas diferenças sociais e culturais [10,12].
O enfermeiro dispõe de tecnologias que conciliam o saber
científico, empírico e humano, para o exercício do cuidado seja ele individual
ou coletivo, tanto na promoção e prevenção da saúde quanto na redução de
agravos, tratamento e recuperação da autonomia [26]. Entendemos que ao
explicarmos todo o exame, incluindo o exame Papanicolau e deixá-las à vontade
para perguntar, expor suas dúvidas e seu conhecimento prévio, angústias e
anseios, além de realizar a educação em saúde, contribuímos para sua autonomia,
seu empoderamento e autocuidado, visto que elas saem com a sensação de que
aprenderam coisas que nunca haviam imaginado.
Como limitação do estudo, esta pesquisa se deu circunscrita
à realidade vivenciada por mulheres em um serviço público vinculado ao Sistema
Único de Saúde (SUS), portanto não incluiu mulheres soropositivas que fazem
rastreamento para o câncer de colo de útero em outros serviços.
Espera-se que este estudo venha contribuir com a qualidade
da assistência de Enfermagem no rastreamento de câncer do colo do útero em
mulheres soropositivas.
Enquanto instrumento assistencial, a consulta de Enfermagem
à mulher para rastreamento do câncer de colo de útero e de mama no SAE se
fundamenta na Teoria Humanística, promove o estabelecimento de vínculos
facilitando as trocas de saberes construídos na relação dialógica, facilitando
o processo terapêutico integral e a construção do conhecimento.
A realização deste estudo nos possibilitou visualizar,
através das entrevistas, o quão importante para elas é a realização da consulta
de Enfermagem no SAE, uma vez que essas mulheres não procuravam o serviço na
atenção primária por medo do preconceito, dos julgamentos e de terem seus
segredos revelados. Ao se perceberem acolhidas, tratadas com igualdade,
respeito e dignidade, sentem-se acolhidas, e acabam preferindo a consulta no
Serviço Especializado, em detrimento ao serviço na atenção primária ou
terciária.
Refletindo na individualidade das clientes entrevistadas
neste estudo, foi gratificante constatar que, com a prática da consulta de
Enfermagem, o enfermeiro se torna um referencial para estas. Nessa proposta de
assistência à mulher soropositiva, a consulta de Enfermagem no serviço
especializado vem sendo reconhecida como parte integrante da assistência
multidisciplinar prestada no mesmo e como referência para esse público.
Esperamos ter contribuído com a qualidade da assistência às
mulheres soropositivas na discussão do tema ainda pouco trabalhado pela
literatura e na elaboração de rotinas e protocolos de atendimentos a esse público alvo, visando a maior cobertura das políticas de
atenção à mulher e políticas de prevenção e rastreamento do câncer de colo de
útero e de mama, buscando sempre a promoção da saúde e assistência de
qualidade.
Agradecimentos
Agradecemos ao Serviço de Assistência Especializada (SAE)
do Departamento de Doenças Sexuais Transmissíveis (DST/Aids) que confiou
em nossa proposta e nos forneceu os meios necessários para implementá-la. Nosso
especial agradecimento a Pró-Reitoria de Extensão e
ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem, da
Universidade Federal de Juiz de Fora, que nos apoiaram durante todo o
desenvolvimento do "Projeto Semente: Acolhendo e ressignificando o
atendimento à saúde das mulheres reagente ao HIV".