Enferm Bras 2021;20(5):614-26

doi: 10.33233/eb.v20i5.4720

ARTIGO ORIGINAL

Gerontotecnologia cuidativo-educacional: oficinas temáticas com cuidadores familiares de idosos com demência de Alzheimer

 

Maria Inês dos Santos*, Claudia Daniele Barros Leite Salgueiro, D.Sc.**, Valquíria Farias Bezerra Barbosa, D.Sc.***, Ana Neri Oliveira Alves****, Marcos Cesar da Silva Filho*****, Samara Santiago Sarmento de Oliveira, M.Sc.******, Suely Maria Trigueiro Inojosa*******, Juliane da Silva Pereira********, Leonardo Silva da Costa*********

 

*Enfermeira, Especialista em Neurologia/Neurocirurgia, Universidade de Pernambuco (UPE), Recife/PE, **Psicóloga, docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco/IFPE, Pesqueira/PE, ***Enfermeira, Docente do IFPE, Pesqueira/PE, ****Enfermeira, IFPE, Pesqueira/PE, *****Enfermeiro, IFPE, Pesqueira/PE, ******Administradora, Docente do IFPE, Pesqueira/PE, *******Enfermeira, Especialista em Saúde Pública, Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças, UPE, Docente do IFPE, Pesqueira/PE, ********Enfermeira, Mestranda em Gestão e Economia da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco/UFPE, *********Enfermeiro, Pós-graduado em Urgência e Emergência, UniBF

 

Recebido em 9 de abril de 2021; aceito em 2 de setembro de 2021.

Correspondência: Claudia Daniele Barros Leite Salgueiro, IFPE, Departamento do Bacharelado em Enfermagem, Br 232, Km 214 Loteamento Redenção, Prado, 55200-000 Pesqueira PE

 

Maria Inês dos Santos: inesssantos18@gmail.com

Claudia Daniele Barros Leite Salgueiro: claudia.leite@pesqueira.ifpe.edu.br

Valquíria Farias Bezerra Barbosa: valquiria@pesqueira.ifpe.edu.br

Ana Neri Oliveira Alves: ananeryoalves@gmail.com

Marcos Cesar Da Silva Filho: marcos_cesarfilho@hotmail.com

Samara Santiago Sarmento de Oliveira:samara.oliveira@ifpe.edu.br

Suely Maria Trigueiro Inojosa: suelyinojosa@hotmail.com

Juliane da Silva Pereira: julianedasilvapereira@gmail.com

Leonardo Silva da Costa: leonardocosta.ifpe@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Promover a educação em saúde acerca do cuidado ao idoso portador de Alzheimer, através de oficinas temáticas para cuidadores familiares. Métodos: Estudo descritivo, qualitativo, com base na metodologia da problematização, realizado em unidades de saúde em um município do Agreste do Nordeste. A abordagem foi feita através de oficinas de abril a junho de 2018. As temáticas abordadas foram: tipos de demência; mudanças comportamentais no idoso; sobrecarga do cuidador familiar; organização familiar; dificuldades e estratégias de enfrentamento relacionado ao cuidado, e rede de apoio para cuidadores. Resultados: Foram realizadas quatro oficinas temáticas com a participação de 15 cuidadores familiares de idosos diagnosticados com Alzheimer, e atendidos nas Estratégia Saúde da Família (ESFs) estabelecidas para o estudo. Os principais achados foram: dificuldades relativas ao cuidado e a doença, mudança de rotina e problemas de saúde do cuidador em função do cuidado. Conclusão: As oficinas educativas com cuidadores familiares de idosos contribuíram para a capacitação e a promoção à saúde destes, uma vez que, através das problematizações, pôde-se perceber que muitos encontravam-se sobrecarregados por serem os cuidadores exclusivos dos idosos, abdicando assim de lidarem com preceitos de autocuidado. Dessa feita, ratifica-se a relevância da implementação de intervenções terapêuticas na atenção primária, com ênfase em tecnologias cuidativo-educacionais para os cuidadores familiares de idosos com Alzheimer, com vistas a redução dos impactos advindos desta patologia no que concerne ao binômio paciente-cuidador.

Palavras-chave: doença de Alzheimer; assistência integral à saúde; cuidadores; educação em saúde; assistência à saúde mental.

 

Abstract

Care-educational gerontotechnology: thematic workshops with family caregivers of elderly people with Alzheimer's dementia

Objective: To promote health education about care for the elderly with Alzheimer's, through thematic workshops for family caregivers. Methods: Descriptive, qualitative study, based on the problematization methodology, carried out in health units in a city in the Northeastern Agreste Region. The approach was made through workshops from April to June 2018. The themes addressed were types of dementia; behavioral changes in the elderly; family caregiver burden; family organization; difficulties and coping strategies related to care, and a support network for caregivers. Results: Four thematic workshops were held, with the participation of 15 family caregivers of elderly diagnosed with Alzheimer and attended in the Health Family Strategy (HFS) established for the study. The main findings were difficulties related to care and illness, change of routine and health problems of the caregiver because of care. Conclusion: The educational workshops with family caregivers of the elderly contributed to the training and promotion of their health, since, through the problematizations, it could be seen that many were overwhelmed by being the exclusive caregivers of the elderly, thus abdicating deal with self-care precepts. The relevance of implementing therapeutic interventions in primary care is confirmed, with an emphasis on care-educational technologies for family caregivers of elderly patients with Alzheimer's, with a view to reducing the impacts arising from this pathology about the patient-caregiver binomial.

Keywords: Alzheimer's disease; comprehensive health care; caregivers; health education; mental health care.

 

Resumen

Gerontotecnología cuidado-educativa: talleres temáticos con cuidadores familiares de personas mayores con demencia de Alzheimer

Objetivo: Promover la educación para la salud sobre el cuidado de las personas mayores con Alzheimer, a través de talleres temáticos para cuidadores familiares. Métodos: Estudio descriptivo, cualitativo, basado en la metodología de problematización, realizado en unidades de salud de una ciudad de la Región Noreste del Agreste. El abordaje se realizó a través de talleres de abril a junio de 2018. Los temas abordados fueron: tipos de demencia; cambios de comportamiento en los ancianos; carga del cuidador familiar; organización familiar; dificultades y estrategias de afrontamiento relacionadas con el cuidado, y una red de apoyo a los cuidadores. Resultados: Se realizaron cuatro talleres temáticos con la participación de 15 cuidadores familiares de adultos mayores diagnosticados de Alzheimer, y atendidos en las Estrategia Salud de la Familia (ESF) establecidas para el estudio. Los principales hallazgos fueron: dificultades relacionadas con el cuidado y la enfermedad, cambio de rutina y problemas de salud del cuidador como consecuencia del cuidado. Conclusión: Los talleres educativos con cuidadores familiares de ancianos contribuyeron a la formación y promoción de su salud, ya que a través de las problematizaciones se pudo apreciar que muchos se veían sobrecargados por ser los cuidadores exclusivos de los mayores, abdicando así de los preceptos del autocuidado. De esta forma, se confirma la relevancia de implementar intervenciones terapéuticas en atención primaria, con énfasis en las tecnologías cuidado-educativas para los cuidadores familiares de personas mayores con Alzheimer, con miras a reducir los impactos derivados de esta patología con respecto al binomio paciente-cuidador.

Palabras-clave: enfermedad de Alzheimer; atención integral de salud; cuidadores; educación en salud; atención a la salud mental.

 

Introdução

 

A demência é uma doença neurodegenerativa que afeta domínios como memória, raciocínio, percepção, capacidade de reconhecimento, personalidade, fala e atenção. De etiologia multifatorial, a demência mais frequente é a Doença de Alzheimer (DA), com cerca de 70% dos casos diagnosticados [1,2]. A amplitude dos sintomas neuropsiquiátricos, distúrbios de comportamento e afeto, variam de acordo com cada indivíduo, o que pode resultar no comprometimento das atividades da vida diária (AVDs) [1,3].

De acordo com o último Relatório Mundial de Alzheimer, atualmente, existe um número aproximado de 50 milhões de pessoas vivendo com demência no mundo, com projeção de aumento para cerca de 152 milhões de casos, até o ano de 2050 [1].

No âmbito nacional, estima-se que existam cerca de 1,2 milhões de indivíduos com DA [4]. Em determinado estado do nordeste brasileiro, foram registrados cerca de 1.475 internações de pessoas com demência, entre janeiro de 2008 e janeiro de 2021 [5].

Sabe-se que o idoso acometido por demência perde gradualmente a autonomia para realizar suas AVDs, tornando-se dependente de um cuidador, que muitas vezes é um membro da família [6,7]. De acordo com a Política Nacional de Atenção à Saúde do Idoso [8], a sociedade, o estado e a família são os responsáveis pelo cuidado e atendimento às necessidades dos idosos no domicílio. No entanto, nosso país não está bem estruturado quando se trata de suporte aos idosos com demência, ou aos cuidadores, o que pode gerar sobrecarga para o cuidador [9].

Tal sobrecarrega refere-se ao agrupamento de problemas físicos, psicológicos, emocionais, sociais, e financeiros experimentados por aquele que é responsável por prestar assistência a pessoas com alguma patologia crônica, e que necessita de cuidados ininterruptos [10,11].

O cuidador deve estar preparado para enfrentar as situações do dia a dia. Entretanto, a vivência de um cuidador de idoso com Alzheimer é permeada por diversos desafios, pois exige dedicação e abdicação em várias searas da vida [12]. Estudos reportam que muitas vezes, os cuidadores abandonam seus empregos ou ocupações, e renunciam seus planos de vida, o que, indubitavelmente, coopera para o isolamento social e vulnerabilidade, tendenciando à depressão [7,12].

Nesse contexto, as equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) podem dar suporte ao cuidador de idosos com demências, no enfrentamento das dificuldades relacionadas ao cuidado domiciliar. Entre as ações estratégicas que compõem a reorientação da atenção à saúde da população, pelas ESFs, destaca-se a promoção da qualidade de vida e do envelhecimento saudável, através do fortalecimento do trabalho em rede [13].

As vivências dos cuidadores remetem, com frequência, à sobrecarga e ao sofrimento, sinalizando a importância de implementação de estratégias de cuidado voltadas a esse público específico. Muitas vezes, o destaque cuidativo é direcionado somente à pessoa com Alzheimer. Nesse sentido, é indispensável o endosso à ampliação da assistência cuidativo-educacional em gerontologia, bem como, o desenvolvimento de estratégias para melhoramento de suporte social a essa população alvo [7,12].

A partir da problemática exposta, e considerando a escassez de programas de apoio aos cuidadores de idosos com DA, este artigo teve como objetivo promover capacitações em gerontotecnologia cuidativo-educacional, através da educação em saúde, para cuidadores familiares de idosos com demência de Alzheimer. Ademais, sinalizar estes cuidadores quanto a adoção de estratégias para uma possível melhoria de indicadores de autocuidado. Também, da importância da participação nos grupos terapêuticos mantidos pelas ESFs, uma vez que funcionam como suporte para compartilhamento de experiências.

 

Métodos

 

Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa, que busca a “compreensão da realidade humana vivida socialmente” [14], com ênfase na pedagogia da problematização, que considera a proposta de construir conhecimentos a partir das vivências específicas de cada cuidador, potencializando, assim, sua autonomia e emancipação frente à temática [15].

A metodologia da problematização desenvolve-se através do Arco de Maguerez [15], seguindo as etapas de: reconhecimento do território com observação da realidade local; discussão dos problemas encontrados, levantamento dos pontos-chaves; pesquisa bibliográfica para teorização; elaboração de hipóteses de solução e implementação de ações de intervenção na realidade. O arco de Maguerez foi traçado como mediador da educação problematizadora no ensino superior, aproximando áreas de relevância para a tríade ensino, pesquisa e prática comunitária [15].

Logo, este estudo teve por base as oficinas educativas desenvolvidas para o público de cuidadores familiares de idosos com Alzheimer adscritos a duas ESFs, em um município do Nordeste brasileiro. O tamanho da amostra foi definido por intencionalidade, com respectiva observação quanto à redundância de informações ou saturação, no período da coleta de dados, abrangendo um total de 15 indivíduos.

Foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: a) ser cuidador familiar do idoso diagnosticado e atendido pela ESF, b) ter mais de 18 anos de idade, c) aceitar participar da presente pesquisa. Já os critérios de exclusão, foram os seguintes: a) não ser cuidador familiar de idoso diagnosticado e atendido pela ESF, b) ter abaixo de 18 anos de idade, e c) não apresentar condições físicas e psíquicas que viabilizassem a participação nas oficinas e a entrevista.

As unidades de saúde foram selecionadas aleatoriamente, dentre os locais que apresentaram um contexto de vulnerabilidade socioeconômica, e que atendiam idosos diagnosticados com DA que estavam em acompanhamento pelas equipes de Saúde da Família. Os cuidadores familiares de idosos destas localidades foram identificados a partir do cadastro existente nas ESFs, e através de contato com os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que intermediaram a comunicação entre a comunidade e a equipe.

Cumprindo as etapas da metodologia da problematização, a primeira etapa consistiu na coleta de informações junto aos profissionais de saúde e usuários das unidades de saúde. Este processo possibilitou a identificação dos principais problemas no contexto local relacionados ao cuidador familiar de idosos com DA. Em seguida, foi feita a discussão das problemáticas entre os pesquisadores, e foram elencados os temas-chaves, em destaque: tipos de demência; mudanças comportamentais no idoso com demência; sobrecarga do cuidador familiar; importância de organização familiar no cuidado ao idoso; dificuldades encontradas no dia a dia; formas de enfrentamento do estresse relacionado ao cuidado contínuo, apoio institucional ou governamental, importância de grupos de apoio para cuidadores.

A partir deste levantamento, os planos de ação e execução foram estabelecidos, com a escolha de intervenção em forma de oficinas temáticas, visando a aplicação de uma estratégia prática e dinâmica de acordo com o contexto de vida dos cuidadores.

Por último, na etapa de implementação das ações, foram realizadas quatro oficinas em dias e horários pré-estabelecidos, conforme a disponibilidade dos cuidadores familiares, e dos profissionais das ESFs. As oficinas ocorreram na recepção das ESFs entre abril e junho de 2018, em quatro dias diferentes, com duração de cerca de 2 horas/dia.

As atividades que integraram as oficinas no primeiro dia foram: coleta dos dados biopsicossociais do cuidador familiar (sexo, idade, escolaridade, parentesco com idoso etc.) em sala privada nas ESFs, e entrevista com a seguinte pergunta disparadora: como é cuidar de seu parente com diagnóstico de Alzheimer? Posteriormente, foi realizada uma dinâmica de grupo para estabelecer Rapport, melhorar a interação e intermediar a próxima atividade. Em seguida, os participantes se organizaram em círculo para a roda de conversa sobre a DA, suas fases e tratamento. A roda de conversa serviu para identificar o conhecimento prévio dos cuidadores familiares sobre a doença, e as principais dificuldades enfrentadas.

Na segunda oficina foram realizados exercícios de relaxamento, simulação da doença de Alzheimer (no qual o cuidador vivencia algumas alterações de tato e visão enquanto realiza atividades simples do dia a dia), e abordagem de temas como cuidado domiciliar, segurança e desafios diários.

No terceiro dia de oficina, além da realização dos exercícios de relaxamento, foram abordados temas como alimentação e cuidados ao idoso acamado, através de explicações temáticas, escuta ativa das experiências dos cuidadores, e demonstração de como realizar a mudança de decúbito no domicílio.

No último dia de oficina, foram oferecidas atividades recreativas para os cuidadores familiares, com a utilização de quebra-cabeças, jogos de dominó ou xadrez, pintura e leitura. Além disso, foi realizada uma palestra com representante da ABRAZ (Associação Brasileira de Alzheimer), em auditório para o público de cuidadores familiares e da comunidade.

Sinaliza-se que o presente estudo é parte integrante do estudo guarda-chuva intitulado: “O processo de cuidado ao idoso com doença de Alzheimer - repercussões na vida do cuidador familiar”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sob o CAAE n°67529517.4.0000.5203, e sob preceitos da resolução 466/2012 [16].

 

Resultados e discussão     

 

 Perfil biopsicossocial da amostra

 

No total, foram realizadas oito oficinas nas duas ESFs, que contaram com a participação de cerca de 53 indivíduos do público geral. Dentre estes, participaram da pesquisa, 15 cuidadores familiares de idosos com DA que responderam à entrevista e ao questionário com indicadores biopsicossociais, e participaram de todas as oficinas temáticas.

Em alinhamento à literatura nacional, sinaliza-se uma participação de cuidadores de idosos com DA tida como tímida, em comparação ao quantitativo de idosos diagnosticados, e em acompanhamento nas ESFs do presente estudo. Este fato pode ser justificado por adversidades que comprometem as atividades ou compromissos do cuidador, como a ausência de apoio para assumir o cuidado ao idoso, por exemplo [17,18].

Sobre a categorização dos cuidadores familiares de idosos, em sua totalidade, 15 (100%) eram do sexo feminino, as 15 (100%) participantes se declararam cuidadoras com vínculo familiar, a mesma proporção 9 (60%) informou ser filha do idoso. A maioria 9 (60%) referiu o estado civil de solteira, 6 (40%) com ensino médio completo e, em maior proporção, 12 (80%) relataram estar desempregadas.

Quanto ao grau de parentesco com o idoso, percebe-se que a relação de cuidado ainda está centrado na família nuclear, com destaque às filhas, que são colocadas em posição de responsáveis pelo cuidado, devido à influência de normas culturais [12,18,19,20,21].

Dentre os dados sociodemográficos, a escolaridade é um indicativo relevante, pois pode comprometer o acesso a informações seguras e eficazes e, consequentemente, podem comprometer a qualidade do cuidado e qualidade de vida do cuidador [21,22]. Nessa perspectiva, Messias et al. [21], em estudo com 52 cuidadores de idosos com demência, evidenciaram correlação entre o nível de escolaridade e os conhecimentos práticos do cuidado.

Durante a realização das oficinas, os cuidadores familiares de idosos, relataram algumas dificuldades enfrentadas nas suas vivências no cuidado ao idoso com DA. Tais dificuldades estão apresentados em três temas centrais destacados pelos pesquisadores: dificuldades do cuidado, mudança de rotina e impacto na saúde do cuidador.

 

Dificuldades do processo de cuidado

 

Quanto às dificuldades do cuidado, as principais causas relatadas pelas cuidadoras familiares, neste estudo, e evidenciadas quando realizadas a entrevista e as oficinas temáticas, foram: a falta de apoio familiar, a relação familiar cercada de pressão ou cobrança, a escassez de conhecimento sobre a DA, as mudanças de comportamento no idoso decorrente da doença, o manejo do idoso acamado, o excesso de tarefas, e a densidade de sentimentos negativos.

As dificuldades dos cuidadores identificadas neste estudo também são abordadas em outros trabalhos na literatura [6,9,12,19,23,24]. Para Ilhas et al. [6], muitos cuidadores familiares sofrem com a não aceitação da doença e falta de apoio de outros membros da família. Em um estudo realizado com 53 cuidadores de idosos com DA [25], os cuidadores que apresentaram maior sobrecarga de cuidado foram os que tinham algum grau de parentesco com o idoso.

Nesse contexto, a identificação de fatores sociais e econômicos que interferem no aumento de sobrecarga do cuidador é de fundamental importância para traçar estratégias de prevenção e promoção à saúde [26].

Acerca do conhecimento sobre a DA, ao longo das oficinas, muitos dos participantes demonstraram desconhecer a doença em todo seu contexto e complexidade. Os cuidadores se deparam com um nível maior de dificuldade para alcançar uma melhora na condição de vida, o que pode ser atribuído ao desconhecimento da DA e dificuldades de acesso ou inexistência de uma rede de apoio [12].

Estas redes são capazes de propiciar não apenas informação, mas também sugerir estratégias de enfrentamento, alternativas que minimizem os impactos físicos, psicológicos e sociais vivenciados por cuidadores familiares de idosos com DA [12,27,28].

 

Mudança de rotina

 

No que concerne às mudanças de rotina em detrimento do compromisso de cuidar de outro indivíduo, emergiram os seguintes pontos: dificuldades em arrumar um emprego e conciliar com o tempo de cuidado; o afastamento de amigos por falta de tempo; sentimentos de transferência de papéis (viver em torno da vida do idoso); mudanças de hábitos diários, como deixar de ir para festas; e a adoção de outras atividades como forma de distração no ambiente domiciliar.

Estas mudanças são relatadas em outros estudos [12,24,27,29,30]. Para Silva et al. [31], o envolvimento intenso do cuidador, principalmente quando este cuida de um familiar, pode acarretar perdas pessoais e, consequentemente, diminuição da qualidade de vida. Nascimento e Figueiredo [30] acrescentam que a evolução da doença prejudica não somente a rotina, mas também as relações afetivas no binômio cuidador-portador.

Quanto às mudanças nas atividades ocupacionais, os cuidadores referiram ter deixado seus empregos de lado, dedicando-se exclusivamente ao cuidado ou exercendo outras atividades domiciliares que possibilitam à obtenção de renda extra. Em um estudo realizado por Silva et al. [12], 50% das cuidadoras que referiram ter uma ocupação atribuíram essa função ao papel de cuidadora, o que ressalta o grau de dedicação atrelado ao cuidado.

A redução de atividades de lazer também é uma mudança a qual o cuidador enfrenta. No estudo de Dias et al. [3], houve correlação significativa entre os cuidadores que apresentaram aumento do nível de sobrecarga e a redução na prática de lazer. Vários fatores estão envolvidos nessa redução, porém destaca-se a dificuldade em conciliar a rotina de cuidado com as atividades de lazer do cuidador [3].

 

Impacto na saúde do cuidador

 

Outro ponto abordado pelas cuidadoras nas rodas de conversas foi o surgimento de problemas de saúde decorrente da função do cuidar. Nas discussões, emergiram relatos de sintomas como dores na coluna, estresse e insônia. O aparecimento de doenças físicas ou mentais entre os cuidadores pode estar associado à sobrecarga do cuidado [9].

Com toda uma densa lida, algumas reações emocionais do cuidador podem aflorar o estresse como sentimento de responsabilidade, e o sentimento de culpa. Além de outras reações emocionais como irritação, vergonha, preocupação, estados depressivos e ansiosos, e ainda, situações sociais embaraçosas, resultantes de mau julgamento, estigma e discriminação [12].

Adicionalmente, é sabido que o sentimento de raiva também é predominante entre os cuidadores [12]. Este ocorre devido às inúmeras mudanças na lida com o idoso demenciado. A vasta literatura sobre o tema aponta que também pode-se lidar com sentimentos como aborrecimento, tristeza, e ressentimentos com a enfermidade [7,12,21]. Pois, diante da perda de memória do idoso, e da incapacidade na execução de tarefas simples e diárias, o familiar deste idoso, passa a vivenciar um luto sistemático, ou seja, a vislumbrar perdas representadas pela mudança de rotina, e a não execução de planos individuais [12,17].

 

Conclusão

 

Com os resultados apresentados, verificou-se que a pesquisa contribuiu positivamente para a capacitação dos cuidadores familiares de idosos, e para a promoção da saúde destes, uma vez que, através das problematizações, pôde-se perceber que muitos encontravam-se sobrecarregados por serem os cuidadores exclusivos dos idosos. O compartilhamento das problematizações vivenciadas e o suporte do grupo operativo fizeram com que pudessem adotar instâncias relacionadas ao autocuidado, e que refletiram em mudanças nas lidas de cuidados prestados aos idosos.

Pôde-se notar o engajamento dos participantes durante a realização das atividades das oficinas. Sendo assim, o estudo também possibilitou o fortalecimento de intervenções multiprofissionais e interdisciplinares, no âmbito de gerontotecnologias cuidativas, e com fito no enfrentamento das necessidades relacionadas à saúde, através da promoção de educação em saúde, para o cuidador familiar de idoso com Alzheimer.

Contudo, é de fundamental importância que os profissionais de saúde atuantes na atenção básica possam propor intervenções terapêuticas a longo prazo, principalmente, as que visam o apoio socioafetivo de cuidadores familiares de idosos. Tais intervenções podem ocorrer através de oficinas e atividades lúdicas e/ou educativas, com ênfase em tecnologias cuidativo-educacionais para os cuidadores e, também, através de grupos operativos. Dessa maneira, indubitavelmente, a sociedade como um todo poderá vivenciar uma diminuição dos impactos que a doença venha a causar no núcleo familiar.

 

Referências

 

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