Enferm Bras 2021;20(5):614-26
ARTIGO
ORIGINAL
Gerontotecnologia cuidativo-educacional:
oficinas temáticas com cuidadores familiares de idosos com demência de
Alzheimer
Maria
Inês dos Santos*, Claudia Daniele Barros Leite Salgueiro, D.Sc.**,
Valquíria Farias Bezerra Barbosa, D.Sc.***, Ana Neri
Oliveira Alves****, Marcos Cesar da Silva Filho*****, Samara Santiago Sarmento
de Oliveira, M.Sc.******, Suely Maria Trigueiro Inojosa*******, Juliane da Silva Pereira********, Leonardo
Silva da Costa*********
*Enfermeira,
Especialista em Neurologia/Neurocirurgia, Universidade de Pernambuco (UPE),
Recife/PE, **Psicóloga, docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Pernambuco/IFPE, Pesqueira/PE, ***Enfermeira, Docente do IFPE,
Pesqueira/PE, ****Enfermeira, IFPE, Pesqueira/PE, *****Enfermeiro, IFPE,
Pesqueira/PE, ******Administradora, Docente do IFPE, Pesqueira/PE,
*******Enfermeira, Especialista em Saúde Pública, Faculdade de Enfermagem Nossa
Senhora das Graças, UPE, Docente do IFPE, Pesqueira/PE, ********Enfermeira,
Mestranda em Gestão e Economia da Saúde, Universidade Federal de
Pernambuco/UFPE, *********Enfermeiro, Pós-graduado em Urgência e Emergência, UniBF
Recebido
em 9 de abril de 2021; aceito em 2 de setembro de 2021.
Correspondência: Claudia Daniele Barros Leite
Salgueiro, IFPE, Departamento do Bacharelado em Enfermagem, Br 232, Km 214
Loteamento Redenção, Prado, 55200-000 Pesqueira PE
Maria Inês dos Santos: inesssantos18@gmail.com
Claudia Daniele Barros Leite Salgueiro:
claudia.leite@pesqueira.ifpe.edu.br
Valquíria Farias Bezerra Barbosa:
valquiria@pesqueira.ifpe.edu.br
Ana Neri Oliveira Alves: ananeryoalves@gmail.com
Marcos Cesar Da Silva Filho: marcos_cesarfilho@hotmail.com
Samara Santiago Sarmento de
Oliveira:samara.oliveira@ifpe.edu.br
Suely Maria Trigueiro Inojosa:
suelyinojosa@hotmail.com
Juliane da Silva Pereira: julianedasilvapereira@gmail.com
Leonardo Silva da Costa: leonardocosta.ifpe@gmail.com
Resumo
Objetivo: Promover a educação em saúde acerca do
cuidado ao idoso portador de Alzheimer, através de oficinas temáticas para
cuidadores familiares. Métodos: Estudo descritivo, qualitativo, com base
na metodologia da problematização, realizado em unidades de saúde em um
município do Agreste do Nordeste. A abordagem foi feita através de oficinas de
abril a junho de 2018. As temáticas abordadas foram: tipos de demência; mudanças
comportamentais no idoso; sobrecarga do cuidador familiar; organização
familiar; dificuldades e estratégias de enfrentamento relacionado ao cuidado, e
rede de apoio para cuidadores. Resultados: Foram realizadas quatro
oficinas temáticas com a participação de 15 cuidadores familiares de idosos
diagnosticados com Alzheimer, e atendidos nas Estratégia Saúde da Família (ESFs) estabelecidas para o estudo. Os principais achados
foram: dificuldades relativas ao cuidado e a doença, mudança de rotina e
problemas de saúde do cuidador em função do cuidado. Conclusão:
As
oficinas educativas com cuidadores familiares de idosos
contribuíram para a
capacitação e a promoção à
saúde destes, uma vez que, através das
problematizações, pôde-se perceber que muitos
encontravam-se sobrecarregados
por serem os cuidadores exclusivos dos idosos, abdicando assim de
lidarem com
preceitos de autocuidado. Dessa feita, ratifica-se a relevância
da
implementação de intervenções
terapêuticas na atenção primária, com
ênfase em
tecnologias cuidativo-educacionais para os cuidadores
familiares de idosos com Alzheimer, com vistas a redução dos impactos advindos
desta patologia no que concerne ao binômio paciente-cuidador.
Palavras-chave:
doença de Alzheimer; assistência
integral à saúde; cuidadores; educação em
saúde; assistência à saúde mental.
Abstract
Care-educational gerontotechnology: thematic workshops with family
caregivers of elderly people with Alzheimer's dementia
Objective: To promote health education about
care for the elderly with Alzheimer's, through thematic workshops for family
caregivers. Methods: Descriptive, qualitative study, based on the
problematization methodology, carried out in health units in a city in the
Northeastern Agreste Region. The approach was made
through workshops from April to June 2018. The themes addressed were types of
dementia; behavioral changes in the elderly; family caregiver burden; family
organization; difficulties and coping strategies related to care, and a support
network for caregivers. Results: Four thematic workshops were held, with
the participation of 15 family caregivers of elderly diagnosed with Alzheimer
and attended in the Health Family Strategy (HFS) established for the study. The
main findings were difficulties related to care and illness, change of routine
and health problems of the caregiver because of care. Conclusion: The
educational workshops with family caregivers of the elderly contributed to the
training and promotion of their health, since, through the problematizations,
it could be seen that many were overwhelmed by being the exclusive caregivers
of the elderly, thus abdicating deal with self-care precepts. The relevance of
implementing therapeutic interventions in primary care is confirmed, with an
emphasis on care-educational technologies for family caregivers of elderly
patients with Alzheimer's, with a view to reducing the impacts arising from
this pathology about the patient-caregiver binomial.
Keywords: Alzheimer's disease;
comprehensive health care; caregivers; health education; mental health care.
Resumen
Gerontotecnología cuidado-educativa: talleres
temáticos con cuidadores familiares de personas mayores con demencia
de Alzheimer
Objetivo: Promover la educación para la salud sobre el cuidado de las personas mayores con Alzheimer, a través de talleres
temáticos para cuidadores familiares. Métodos: Estudio
descriptivo, cualitativo, basado en la
metodología de problematización,
realizado en unidades de salud
de una ciudad de la Región Noreste del Agreste. El abordaje se realizó a través de talleres de
abril a junio de 2018. Los temas abordados fueron: tipos de demencia; cambios de comportamiento en los ancianos;
carga del cuidador familiar; organización
familiar; dificultades y estrategias
de afrontamiento relacionadas con
el cuidado, y una red de apoyo a los cuidadores. Resultados:
Se realizaron cuatro talleres temáticos con la participación de 15 cuidadores
familiares de adultos mayores diagnosticados de
Alzheimer, y atendidos en las
Estrategia Salud de la Familia (ESF) establecidas para el estudio. Los principales hallazgos fueron: dificultades relacionadas con el cuidado y la enfermedad, cambio de rutina y problemas de salud del cuidador como consecuencia del cuidado. Conclusión: Los talleres
educativos con cuidadores familiares de ancianos contribuyeron a la formación y promoción de su salud, ya que a través de las problematizaciones se pudo apreciar que muchos se veían sobrecargados por ser los cuidadores exclusivos de los mayores, abdicando así de los preceptos del
autocuidado. De esta forma, se confirma la relevancia de implementar
intervenciones terapéuticas en
atención primaria, con énfasis en las
tecnologías cuidado-educativas para los cuidadores familiares de personas mayores
con Alzheimer, con miras a reducir los impactos derivados de
esta patología con respecto al binomio
paciente-cuidador.
Palabras-clave: enfermedad
de Alzheimer; atención integral de salud; cuidadores; educación en salud; atención
a la salud mental.
A demência é uma doença neurodegenerativa que afeta
domínios como memória, raciocínio, percepção, capacidade de reconhecimento,
personalidade, fala e atenção. De etiologia multifatorial, a demência mais
frequente é a Doença de Alzheimer (DA), com cerca de 70% dos casos
diagnosticados [1,2]. A amplitude dos sintomas neuropsiquiátricos, distúrbios
de comportamento e afeto, variam de acordo com cada indivíduo, o que pode
resultar no comprometimento das atividades da vida diária (AVDs)
[1,3].
De acordo com o último Relatório Mundial de Alzheimer,
atualmente, existe um número aproximado de 50 milhões de pessoas vivendo com
demência no mundo, com projeção de aumento para cerca de 152 milhões de casos,
até o ano de 2050 [1].
No âmbito nacional, estima-se que existam cerca de 1,2
milhões de indivíduos com DA [4]. Em determinado estado do nordeste brasileiro,
foram registrados cerca de 1.475 internações de
pessoas com demência, entre janeiro de 2008 e janeiro de 2021 [5].
Sabe-se que o idoso acometido por demência perde
gradualmente a autonomia para realizar suas AVDs,
tornando-se dependente de um cuidador, que muitas vezes é um membro da família
[6,7]. De acordo com a Política Nacional de Atenção à Saúde do Idoso [8], a
sociedade, o estado e a família são os responsáveis pelo cuidado e atendimento
às necessidades dos idosos no domicílio. No entanto, nosso país não está bem
estruturado quando se trata de suporte aos idosos com demência, ou aos
cuidadores, o que pode gerar sobrecarga para o cuidador [9].
Tal sobrecarrega refere-se ao agrupamento de problemas
físicos, psicológicos, emocionais, sociais, e financeiros experimentados por
aquele que é responsável por prestar assistência a pessoas com alguma patologia
crônica, e que necessita de cuidados ininterruptos [10,11].
O cuidador deve estar preparado para enfrentar as situações
do dia a dia. Entretanto, a vivência de um cuidador de idoso com Alzheimer é
permeada por diversos desafios, pois exige dedicação e abdicação em várias
searas da vida [12]. Estudos reportam que muitas vezes, os cuidadores abandonam
seus empregos ou ocupações, e renunciam seus planos de vida, o que,
indubitavelmente, coopera para o isolamento social e vulnerabilidade,
tendenciando à depressão [7,12].
Nesse
contexto, as equipes da Estratégia de Saúde da
Família (ESF) podem dar suporte ao cuidador de idosos com
demências, no
enfrentamento das dificuldades relacionadas ao cuidado domiciliar.
Entre as
ações estratégicas que compõem a
reorientação da atenção à
saúde da população,
pelas ESFs, destaca-se a promoção da qualidade de
vida e do envelhecimento saudável, através do fortalecimento do trabalho em
rede [13].
As vivências dos cuidadores remetem, com frequência, à
sobrecarga e ao sofrimento, sinalizando a importância de implementação de
estratégias de cuidado voltadas a esse público específico. Muitas vezes, o
destaque cuidativo é direcionado somente à pessoa com
Alzheimer. Nesse sentido, é indispensável o endosso à ampliação da assistência cuidativo-educacional em gerontologia, bem como, o
desenvolvimento de estratégias para melhoramento de suporte social a essa
população alvo [7,12].
A partir da problemática exposta, e considerando a escassez
de programas de apoio aos cuidadores de idosos com DA, este artigo teve como
objetivo promover capacitações em gerontotecnologia cuidativo-educacional, através da educação em saúde, para
cuidadores familiares de idosos com demência de Alzheimer. Ademais, sinalizar
estes cuidadores quanto a adoção de estratégias para uma possível melhoria de
indicadores de autocuidado. Também, da importância da participação nos grupos
terapêuticos mantidos pelas ESFs, uma vez que
funcionam como suporte para compartilhamento de experiências.
Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa,
que busca a “compreensão da realidade humana vivida socialmente” [14], com ênfase
na pedagogia da problematização, que considera a proposta de construir
conhecimentos a partir das vivências específicas de cada cuidador,
potencializando, assim, sua autonomia e emancipação frente à temática [15].
A metodologia da problematização desenvolve-se através do
Arco de Maguerez [15], seguindo as etapas de:
reconhecimento do território com observação da realidade local; discussão dos
problemas encontrados, levantamento dos pontos-chaves;
pesquisa bibliográfica para teorização;
elaboração de hipóteses de solução e
implementação de ações de
intervenção na realidade. O arco de Maguerez foi traçado como mediador da educação
problematizadora no ensino superior, aproximando áreas de relevância para a
tríade ensino, pesquisa e prática comunitária [15].
Logo, este estudo teve por base as oficinas educativas
desenvolvidas para o público de cuidadores familiares de idosos com Alzheimer
adscritos a duas ESFs,
em um município do Nordeste
brasileiro. O tamanho da amostra foi definido por intencionalidade, com
respectiva observação quanto à redundância
de informações ou saturação, no
período da coleta de dados, abrangendo um total de 15
indivíduos.
Foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: a)
ser cuidador familiar do idoso diagnosticado e atendido pela ESF, b) ter mais
de 18 anos de idade, c) aceitar participar da presente pesquisa. Já os
critérios de exclusão, foram os seguintes: a) não ser cuidador familiar de
idoso diagnosticado e atendido pela ESF, b) ter abaixo de 18 anos de idade, e
c) não apresentar condições físicas e psíquicas que viabilizassem a
participação nas oficinas e a entrevista.
As unidades de saúde foram selecionadas aleatoriamente,
dentre os locais que apresentaram um contexto de vulnerabilidade socioeconômica,
e que atendiam idosos diagnosticados com DA que estavam em acompanhamento pelas
equipes de Saúde da Família. Os cuidadores familiares de idosos destas
localidades foram identificados a partir do cadastro existente nas ESFs, e através de contato com os Agentes Comunitários de
Saúde (ACS), que intermediaram a comunicação entre a comunidade e a equipe.
Cumprindo as etapas da metodologia da problematização, a
primeira etapa consistiu na coleta de informações junto aos profissionais de
saúde e usuários das unidades de saúde. Este processo possibilitou a
identificação dos principais problemas no contexto local relacionados ao
cuidador familiar de idosos com DA. Em seguida, foi feita a discussão das
problemáticas entre os pesquisadores, e foram elencados os temas-chaves, em
destaque: tipos de demência; mudanças comportamentais no idoso com demência;
sobrecarga do cuidador familiar; importância de organização familiar no cuidado
ao idoso; dificuldades encontradas no dia a dia; formas de enfrentamento do
estresse relacionado ao cuidado contínuo, apoio institucional ou governamental,
importância de grupos de apoio para cuidadores.
A partir deste levantamento, os planos de ação e execução
foram estabelecidos, com a escolha de intervenção em forma de oficinas
temáticas, visando a aplicação de uma estratégia prática e dinâmica de acordo
com o contexto de vida dos cuidadores.
Por último, na etapa de implementação das ações, foram
realizadas quatro oficinas em dias e horários pré-estabelecidos, conforme a
disponibilidade dos cuidadores familiares, e dos profissionais das ESFs. As oficinas ocorreram na recepção das ESFs entre abril e junho de 2018, em quatro dias
diferentes, com duração de cerca de 2 horas/dia.
As atividades que integraram as oficinas no primeiro dia
foram: coleta dos dados biopsicossociais do cuidador familiar (sexo, idade,
escolaridade, parentesco com idoso etc.) em sala privada nas ESFs, e entrevista com a seguinte pergunta disparadora:
como é cuidar de seu parente com diagnóstico de Alzheimer? Posteriormente, foi
realizada uma dinâmica de grupo para estabelecer Rapport,
melhorar a interação e intermediar a próxima atividade. Em seguida, os
participantes se organizaram em círculo para a roda de conversa sobre a DA,
suas fases e tratamento. A roda de conversa serviu para identificar o
conhecimento prévio dos cuidadores familiares sobre a doença, e as principais
dificuldades enfrentadas.
Na segunda oficina foram realizados exercícios de
relaxamento, simulação da doença de Alzheimer (no qual o cuidador vivencia
algumas alterações de tato e visão enquanto realiza atividades simples do dia a
dia), e abordagem de temas como cuidado domiciliar, segurança e desafios
diários.
No terceiro dia de oficina, além da realização dos
exercícios de relaxamento, foram abordados temas como alimentação e cuidados ao
idoso acamado, através de explicações temáticas, escuta ativa das experiências
dos cuidadores, e demonstração de como realizar a mudança de decúbito no
domicílio.
No último dia de oficina, foram oferecidas atividades
recreativas para os cuidadores familiares, com a utilização de quebra-cabeças,
jogos de dominó ou xadrez, pintura e leitura. Além disso, foi realizada uma
palestra com representante da ABRAZ (Associação Brasileira de Alzheimer), em
auditório para o público de cuidadores familiares e da comunidade.
Sinaliza-se que o presente estudo é parte integrante do
estudo guarda-chuva intitulado: “O processo de cuidado ao idoso com doença de
Alzheimer - repercussões na vida do cuidador familiar”, aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sob o CAAE n°67529517.4.0000.5203, e sob
preceitos da resolução 466/2012 [16].
Perfil biopsicossocial da amostra
No total, foram realizadas oito oficinas nas duas ESFs, que contaram com a participação de cerca de 53
indivíduos do público geral. Dentre estes, participaram da pesquisa, 15
cuidadores familiares de idosos com DA que responderam à entrevista e ao
questionário com indicadores biopsicossociais, e participaram de todas as
oficinas temáticas.
Em alinhamento à literatura nacional, sinaliza-se uma
participação de cuidadores de idosos com DA tida como tímida, em comparação ao
quantitativo de idosos diagnosticados, e em acompanhamento nas ESFs do presente estudo. Este fato pode ser justificado por
adversidades que comprometem as atividades ou compromissos do cuidador, como a
ausência de apoio para assumir o cuidado ao idoso, por exemplo [17,18].
Sobre a categorização dos cuidadores familiares de idosos,
em sua totalidade, 15 (100%) eram do sexo feminino, as 15 (100%) participantes
se declararam cuidadoras com vínculo familiar, a mesma proporção 9 (60%)
informou ser filha do idoso. A maioria 9 (60%) referiu o estado civil de
solteira, 6 (40%) com ensino médio completo e, em maior proporção, 12 (80%)
relataram estar desempregadas.
Quanto ao grau de parentesco com o idoso, percebe-se que a
relação de cuidado ainda está centrado na família
nuclear, com destaque às filhas, que são colocadas em posição de responsáveis
pelo cuidado, devido à influência de normas culturais [12,18,19,20,21].
Dentre os dados sociodemográficos, a escolaridade é um
indicativo relevante, pois pode comprometer o acesso a informações seguras e
eficazes e, consequentemente, podem comprometer a qualidade do cuidado e
qualidade de vida do cuidador [21,22]. Nessa perspectiva, Messias et al.
[21], em estudo com 52 cuidadores de idosos com demência, evidenciaram
correlação entre o nível de escolaridade e os conhecimentos práticos do
cuidado.
Durante a realização das oficinas, os cuidadores familiares
de idosos, relataram algumas dificuldades enfrentadas nas suas vivências no
cuidado ao idoso com DA. Tais dificuldades estão apresentados em três temas
centrais destacados pelos pesquisadores: dificuldades do cuidado, mudança de
rotina e impacto na saúde do cuidador.
Dificuldades
do processo de cuidado
Quanto às dificuldades do cuidado, as principais causas
relatadas pelas cuidadoras familiares, neste estudo, e evidenciadas quando
realizadas a entrevista e as oficinas temáticas, foram: a falta de apoio
familiar, a relação familiar cercada de pressão ou cobrança, a escassez de
conhecimento sobre a DA, as mudanças de comportamento no idoso decorrente da
doença, o manejo do idoso acamado, o excesso de tarefas, e a densidade de
sentimentos negativos.
As dificuldades dos cuidadores identificadas neste estudo
também são abordadas em outros trabalhos na literatura [6,9,12,19,23,24]. Para
Ilhas et al. [6], muitos cuidadores familiares sofrem com a não
aceitação da doença e falta de apoio de outros membros da família. Em um estudo
realizado com 53 cuidadores de idosos com DA [25], os cuidadores que
apresentaram maior sobrecarga de cuidado foram os que tinham algum grau de
parentesco com o idoso.
Nesse
contexto, a identificação de fatores sociais e
econômicos que interferem no aumento de sobrecarga do cuidador
é de fundamental
importância para traçar estratégias de
prevenção e promoção à saúde [26].
Acerca
do conhecimento sobre a DA, ao longo das oficinas, muitos dos participantes
demonstraram desconhecer a doença em todo seu contexto e complexidade. Os
cuidadores se deparam com um nível maior de dificuldade para alcançar uma
melhora na condição de vida, o que pode ser atribuído ao desconhecimento da DA e dificuldades de acesso ou inexistência de uma rede de
apoio [12].
Estas redes são capazes de propiciar não apenas informação,
mas também sugerir estratégias de enfrentamento, alternativas que minimizem os
impactos físicos, psicológicos e sociais vivenciados por cuidadores familiares
de idosos com DA [12,27,28].
Mudança
de rotina
No que concerne às mudanças de rotina em detrimento do
compromisso de cuidar de outro indivíduo, emergiram os seguintes pontos:
dificuldades em arrumar um emprego e conciliar com o tempo de cuidado; o
afastamento de amigos por falta de tempo; sentimentos de transferência de
papéis (viver em torno da vida do idoso); mudanças de hábitos diários, como
deixar de ir para festas; e a adoção de outras atividades como forma de
distração no ambiente domiciliar.
Estas mudanças são relatadas em outros estudos
[12,24,27,29,30]. Para Silva et al. [31], o envolvimento intenso do
cuidador, principalmente quando este cuida de um familiar, pode acarretar
perdas pessoais e, consequentemente, diminuição da qualidade de vida.
Nascimento e Figueiredo [30] acrescentam que a evolução da doença prejudica não
somente a rotina, mas também as relações afetivas no binômio cuidador-portador.
Quanto às mudanças nas atividades ocupacionais, os
cuidadores referiram ter deixado seus empregos de lado, dedicando-se
exclusivamente ao cuidado ou exercendo outras atividades domiciliares que
possibilitam à obtenção de renda extra. Em um estudo realizado por Silva et
al. [12], 50% das cuidadoras que referiram ter uma ocupação atribuíram essa
função ao papel de cuidadora, o que ressalta o grau de dedicação atrelado ao
cuidado.
A redução de atividades de lazer também é uma mudança a
qual o cuidador enfrenta. No estudo de Dias et al. [3], houve correlação
significativa entre os cuidadores que apresentaram aumento do nível de
sobrecarga e a redução na prática de lazer. Vários fatores estão envolvidos
nessa redução, porém destaca-se a dificuldade em conciliar a rotina de cuidado
com as atividades de lazer do cuidador [3].
Impacto
na saúde do cuidador
Outro ponto abordado pelas cuidadoras nas rodas de
conversas foi o surgimento de problemas de saúde decorrente da função do
cuidar. Nas discussões, emergiram relatos de sintomas como dores na coluna,
estresse e insônia. O aparecimento de doenças físicas ou mentais entre os
cuidadores pode estar associado à sobrecarga do
cuidado [9].
Com toda uma densa lida, algumas reações emocionais do
cuidador podem aflorar o estresse como sentimento de responsabilidade, e o
sentimento de culpa. Além de outras reações emocionais como irritação,
vergonha, preocupação, estados depressivos e ansiosos, e ainda, situações
sociais embaraçosas, resultantes de mau julgamento, estigma e discriminação
[12].
Adicionalmente, é sabido que o sentimento de raiva também é
predominante entre os cuidadores [12]. Este ocorre devido às inúmeras mudanças
na lida com o idoso demenciado. A vasta literatura
sobre o tema aponta que também pode-se lidar com sentimentos como
aborrecimento, tristeza, e ressentimentos com a enfermidade [7,12,21]. Pois,
diante da perda de memória do idoso, e da incapacidade na execução de tarefas
simples e diárias, o familiar deste idoso, passa a vivenciar um luto
sistemático, ou seja, a vislumbrar perdas representadas pela mudança de rotina,
e a não execução de planos individuais [12,17].
Com os resultados apresentados, verificou-se que a pesquisa
contribuiu positivamente para a capacitação dos cuidadores familiares de
idosos, e para a promoção da saúde destes, uma vez que, através das
problematizações, pôde-se perceber que muitos encontravam-se sobrecarregados
por serem os cuidadores exclusivos dos idosos. O compartilhamento das
problematizações vivenciadas e o suporte do grupo operativo fizeram com que
pudessem adotar instâncias relacionadas ao autocuidado, e que refletiram em
mudanças nas lidas de cuidados prestados aos idosos.
Pôde-se notar o engajamento dos participantes durante a
realização das atividades das oficinas. Sendo assim, o estudo também
possibilitou o fortalecimento de intervenções multiprofissionais e
interdisciplinares, no âmbito de gerontotecnologias cuidativas,
e com fito no enfrentamento das necessidades
relacionadas à saúde, através da
promoção de educação em saúde, para
o cuidador
familiar de idoso com Alzheimer.
Contudo, é de fundamental importância que os profissionais
de saúde atuantes na atenção básica possam propor intervenções terapêuticas a
longo prazo, principalmente, as que visam o apoio socioafetivo de cuidadores
familiares de idosos. Tais intervenções podem ocorrer através de oficinas e
atividades lúdicas e/ou educativas, com ênfase em tecnologias cuidativo-educacionais para os cuidadores e, também,
através de grupos operativos. Dessa maneira, indubitavelmente, a sociedade como
um todo poderá vivenciar uma diminuição dos impactos que a doença venha a
causar no núcleo familiar.